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Convenção de Condomínio: Entenda Sua Força Jurídica e Como Evitar Cláusulas Nulas

Convenção de condomínio: conceito, importância prática e força jurídica

A convenção de condomínio é o estatuto que organiza a vida coletiva no edifício, define responsabilidades, estabelece critérios de rateio e fixa regras de governança. Na prática, ela funciona como a “constituição interna” do condomínio: orienta o síndico, baliza as deliberações da assembleia e disciplina direitos e deveres dos condôminos e ocupantes. Juridicamente, tem força normativa vinculante entre os condôminos e, após o registro no Cartório de Registro de Imóveis, torna-se oponível a terceiros. Sua elaboração, alteração e aplicação devem respeitar a lei (sobretudo o Código Civil e a Lei nº 4.591/1964) e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, bom convívio e funcionalidade das áreas comuns.

Base legal essencial

  • Art. 1.333 do Código Civil: exigência de assinatura de, no mínimo, 2/3 das frações ideais para aprovação inicial e registro no RGI para eficácia perante terceiros.
  • Art. 1.334 do Código Civil: conteúdo mínimo da convenção (discriminação e destinação das partes, frações ideais, modo de usar, administração, contribuições, sanções, assembleias etc.).
  • Arts. 1.335 a 1.337: direitos e deveres do condômino; penalidades (multa moratória e por conduta antissocial).
  • Arts. 1.348, 1.349 e 1.350–1.355: competências do síndico; destituição; convocação, instalação, deliberação e atas de assembleia.
  • Art. 1.351: alteração da convenção exige 2/3 dos condôminos; mudança de destinação das unidades/edifício demanda unanimidade.
  • Lei nº 4.591/1964: regras complementares sobre condomínio em edificações e incorporações.

Força jurídica e hierarquia: onde se insere a convenção

Hierarquia normativa aplicável

A convenção deve harmonizar-se com a Constituição, leis federais (p.ex., Código Civil, Lei nº 4.591/1964), regras locais aplicáveis (posturas municipais, corpo de bombeiros) e, internamente, com as deliberações assembleares e o regimento interno. Em caso de conflito, prevalece o texto legal ou a regra convencional mais compatível com direitos fundamentais e com o uso regular das áreas comuns. A convenção não pode criar restrições abusivas nem violar garantias legais (como acesso a serviços essenciais), sob pena de nulidade ou anulação de suas cláusulas.

Oponibilidade a terceiros e força executiva

Registrada no RGI, a convenção passa a produzir efeitos perante terceiros: compradores, locatários, promissários e ocupantes devem obedecer às regras nela contidas. Além disso, vários dispositivos convencionais — como critérios de rateio, prazo de pagamento e encargos — servem de base para a cobrança de cotas (título executivo extrajudicial com documentos hábeis). Cláusulas sobre sanções, uso e condutas também respaldam as decisões assembleares e a atuação do síndico diante de infrações.

Conteúdo mínimo e cláusulas que não podem faltar

Identificação e frações ideais

A convenção deve descrever o condomínio, suas partes comuns, a destinação do edifício (residencial, comercial, mista) e a fração ideal de cada unidade. A fração ideal serve de base para direitos (voto por fração, quando adotado) e obrigações (rateio de despesas, salvo regra diversa). A precisão cadastral facilita aprovações, quóruns e registros de alterações futuras.

Administração e governança

Defina a estrutura de gestão: atribuições do síndico (representação, defesa do condomínio, prestação de contas), do subsíndico (quando houver) e do conselho fiscal/consultivo. Inclua mandato, critérios de elegibilidade, hipóteses e rito de destituição, prazos de prestação de contas e exigências de transparência.

Assembleias

Preveja regras de convocação (quem convoca, prazos, forma de divulgação), instalação (quórum), votação (por unidade ou por fração ideal), procurações (limites/forma) e ata (assinaturas, anexos, publicidade). Para assembleias virtuais ou híbridas, detalhe plataforma, autenticação, registro de presença, logs de voto e assinatura eletrônica.

Uso das áreas comuns e condutas

A convenção deve estabelecer regras de convivência e uso (horários de silêncio, reserva de espaços, animais de estimação, obras internas, reformas, descarte de resíduos, mudanças, segurança e prevenção de incêndios). As normas devem respeitar direitos de vizinhança e não podem impor restrições desproporcionais ou discriminatórias.

Contribuições e encargos

Defina o critério de rateio das despesas (fração ideal, partes iguais ou outro método), datas de vencimento, multa moratória (até 2%), juros (padrão 1% a.m., salvo outro fixado) e correção monetária. Preveja fundo de reserva, chamadas extras, seguros obrigatórios e política de renegociação/parcelamento aprovada em assembleia.

Sanções

Estabeleça o dever de indenizar por danos e a graduação de sanções: advertências, multas por infração ao regimento, multa por comportamento antissocial (nos limites da lei e da jurisprudência, com contraditório mínimo), além de medidas para coibir uso abusivo das áreas comuns. Penalidades desproporcionais ou violadoras de direitos fundamentais tendem a ser invalidadas.

Segurança, compliance e dados pessoais

Inclua diretrizes sobre proteção de dados (LGPD) em cadastros, assembleias e comunicação; regras de contratações (orçamentos mínimos, transparência); e planos de emergência e rotinas de manutenção obrigatória (elevadores, combate a incêndio, para-raios).

Checklist de redação e atualização da convenção

  • Conferir quorum legal (2/3 para aprovar/alterar; unanimidade para mudar destinação).
  • Indicar critério de voto (unidade ou fração ideal) e regras claras de procuração.
  • Descrever frações ideais e destinação das áreas (residencial, comercial, mista).
  • Definir gestão (síndico, conselho), prestação de contas e auditoria quando cabível.
  • Fixar rateio, encargos e política de fonds (reserva/obras).
  • Prever assembleia virtual/híbrida e requisitos de autenticidade e assinatura.
  • Incluir regras de uso e convivência proporcionais; sanções com contraditório.
  • Estabelecer proteção de dados pessoais e boas práticas de compliance.
  • Providenciar registro no RGI e publicidade interna após aprovação.

Aprovação, alteração e registro: do papel à eficácia

Aprovação inicial

A convenção é aprovada com a subscrição de titulares que representem, no mínimo, 2/3 das frações ideais, geralmente no contexto de instituição do condomínio ou de atualização estatutária. Embora seja possível aprová-la em assembleia, o requisito legal é o quorum material (2/3), e não apenas o número de presentes.

Registro no RGI

O registro da convenção no Cartório de Registro de Imóveis é indispensável para que ela tenha eficácia real, isto é, para que oponha-se a terceiros (novos adquirentes, locatários etc.). Alterações também devem ser registradas para manter a oponibilidade.

Alteração e convalidação

Para alterar a convenção, exige-se novamente 2/3 dos condôminos, salvo para mudança de destinação, que requer unanimidade. Vícios formais (p.ex., erro material) podem ser convalidados por nova deliberação, desde que não afrontem a lei ou direitos de minorias.

Vícios comuns que geram anulação de cláusulas

  • Conflito com a lei: restrições a serviços essenciais, multas acima dos limites, sanções sem contraditório.
  • Quorum insuficiente na aprovação/alteração.
  • Registro ausente ou desatualizado no RGI, dificultando a oponibilidade.
  • Discriminações ou regras desproporcionais (ex.: proibições genéricas sem justificativa técnica).
  • Ambiguidade que gera interpretações divergentes e litígios recorrentes.

Aplicação prática: como a convenção orienta a vida condominial

Governança e prestação de contas

Convenções modernas detalham ciclos de orçamento, balancetes e relatórios da administradora, além de prazos para auditoria e disponibilização de documentos antes da AGO. Essa transparência reduz impugnações e fortalece a confiança entre vizinhos.

Convivência e uso das áreas

Regras claras sobre ruído, obras internas (horários, ART/RRT, segregação de entulho), reservas de salão, animais e estacionamento evitam conflitos. Proibições devem ser específicas, justificadas e compatíveis com a destinação do condomínio.

Locação por temporada e atividade econômica

É possível a convenção disciplinar ou restringir modalidades de uso que contrariem a destinação do edifício, desde que de forma proporcional e alinhada à legislação. Em temas sensíveis (locação de curto prazo, coworking doméstico), recomenda-se consulta jurídica e deliberação com quorum adequado.

Sanções e contraditório

A aplicação de multas por infração às regras deve estar prevista e seguir rito mínimo de defesa (notificação, oportunidade de manifestação e decisão fundamentada). A multa por conduta antissocial exige provas robustas e deliberação qualificada, sob pena de reversão judicial.

Visual ilustrativo — hierarquia e alcance das normas

Leis (Cód. Civil / Lei 4.591) Convenção (registrada no RGI) Regimento interno Deliberações assembleares

A convenção ocupa nível intermediário: vincula condôminos e orienta a assembleia, mas deve respeitar a lei e a destinação do condomínio.

Boas práticas de elaboração, revisão e execução

Redação clara e técnica

Evite termos vagos; use definições (o que é área comum, obra útil/voluptuária, evento, hóspedes, visitantes). Especifique procedimentos (prazos, formulários, canais de protocolo) e competências. Cláusulas enxutas reduzem litígios e facilitam a gestão.

Participação dos condôminos

Abra período de consulta pública interna antes da votação; circule minutas; promova sessões explicativas. Registrar as contribuições aumenta a legitimidade das regras e melhora a adesão.

Compatibilidade com a estrutura física

Alinhe as regras ao laudo técnico do edifício (acessibilidade, incêndio, elevadores), ao manual do proprietário e às exigências do poder público. Convenções dissociadas da realidade tornam-se inaplicáveis.

Execução com documentação

Implemente fluxos padronizados de notificações, registro de ocorrências e guarda de documentos (atas, listas de presença, relatórios). Em assembleias, publique os anexos (balancetes, orçamentos) previamente; após a reunião, divulgue a ata e mantenha arquivos organizados.

Modelos rápidos de cláusulas para adaptar

Voto e procuração

“As deliberações dar-se-ão por unidade, salvo quando expressamente indicada a votação por fração ideal. A representação por procuração exigirá identificação do mandatário e limite de 3 (três) unidades por pessoa, admitida a assinatura eletrônica nos termos da lei.”

Assembleia virtual

“O condomínio poderá realizar assembleias virtuais ou híbridas mediante plataforma que assegure identificação, registro de presença e votos e assinatura eletrônica da ata, com logs preservados pelo prazo mínimo de 5 anos.”

Encargos de mora

“O atraso no pagamento das contribuições sujeitará o condômino à multa de 2% (dois por cento), juros de 1% a.m. (um por cento ao mês) e correção monetária pelo índice aprovado em assembleia, sem prejuízo de cobrança judicial.”

Uso de áreas

“Para preservação do sossego e segurança, ficam estabelecidos horários de silêncio, regras de reservas e limitação de lotação em áreas comuns, vedada qualquer forma de discriminação. Penalidades observarão contraditório e proporcionalidade.”

Conclusão: convenção bem feita reduz litígios e fortalece a gestão

Uma convenção clara, registrada e alinhada à lei é o principal instrumento para manter a ordem, a previsibilidade financeira e a paz no condomínio. Ela organiza a governança, explicita responsabilidades e fornece base jurídica para deliberações e sanções. Revisões periódicas — com participação dos condôminos, assessoria técnica e deliberação com quorum adequado — acompanham mudanças tecnológicas e de uso dos edifícios (assembleias virtuais, entregas, compartilhamento de espaços). Ao privilegiar proporcionalidade, transparência e documentação, o condomínio reduz conflitos, melhora a adimplência e preserva o patrimônio coletivo.

Guia rápido — Convenção de condomínio: importância e força jurídica

  • Definição: A convenção condominial é o estatuto que rege o condomínio, organizando sua administração, regras de convivência, direitos e deveres dos condôminos.
  • Função: Atua como a “constituição interna” do edifício, regulando desde o uso das áreas comuns até a forma de convocar assembleias e aplicar sanções.
  • Base legal: Código Civil (arts. 1.333 a 1.355) e Lei nº 4.591/1964. Deve estar alinhada à Constituição e às leis municipais e estaduais aplicáveis.
  • Quórum de aprovação: 2/3 das frações ideais para aprovar ou alterar; unanimidade para mudar a destinação do edifício ou das unidades.
  • Registro: O registro no Cartório de Registro de Imóveis (RGI) é essencial para que tenha validade e seja oponível a terceiros.
  • Conteúdo mínimo:
    • Descrição e destinação das partes comuns e privativas;
    • Critérios de rateio das despesas e encargos;
    • Regras de assembleia, quóruns e representações;
    • Direitos e deveres dos condôminos;
    • Sanções e forma de aplicação de multas;
    • Procedimentos de eleição, mandato e destituição do síndico.
  • Importância prática: Garante segurança jurídica, reduz litígios e dá previsibilidade às decisões assembleares e à gestão condominial.
  • Alterações: Devem respeitar o mesmo quórum da aprovação inicial (2/3) e ser registradas novamente para surtirem efeito legal.
  • Força jurídica: Vincula todos os condôminos e, após o registro, obriga terceiros. Serve como base legal para cobranças, sanções e regulamentação de uso.
  • Relação hierárquica: Subordinada à lei, mas superior ao regimento interno e às decisões assembleares. Nenhuma deliberação pode contrariar a convenção válida.
  • Sanções: Multa moratória de até 2%, juros de 1% a.m. e penalidade por conduta antissocial conforme art. 1.337 do Código Civil.
  • Assembleias: Devem observar a convenção quanto à convocação, pauta e quórum. Assembleias irregulares podem ter decisões anuladas judicialmente.
  • Uso de áreas comuns: A convenção pode limitar horários, reservas e atividades, desde que não infrinja direitos fundamentais ou restrinja o uso essencial.
  • Compliance e LGPD: Prever regras de proteção de dados e transparência nas informações compartilhadas pelos condôminos.
  • Boas práticas:
    • Atualizar a convenção a cada 5–10 anos;
    • Consultar advogado ou administrador especializado;
    • Realizar assembleias híbridas com autenticação de voto;
    • Registrar todas as alterações e anexos no RGI;
    • Garantir comunicação clara e acessível aos condôminos.
  • Vícios comuns: Falta de registro, quórum incorreto, sanções desproporcionais ou cláusulas que violam a lei.
  • Revisão judicial: Cláusulas ilegais ou abusivas podem ser anuladas judicialmente, mas o restante da convenção permanece válido.
  • Mensagem final: Uma convenção bem estruturada, registrada e atualizada é o alicerce da boa convivência, da segurança jurídica e da harmonia nas relações condominiais.

FAQ — Convenção de condomínio: importância e força jurídica (sem acordeão)

O que é a convenção de condomínio e qual sua força jurídica?

É o estatuto do condomínio: define direitos, deveres, rateio de despesas, regras de assembleia e sanções. Tem força normativa entre condôminos e, após registro no RGI, torna-se oponível a terceiros (compradores, locatários e ocupantes).

Qual o quórum para aprovar ou alterar a convenção?

Exige-se a assinatura/voto de 2/3 das frações ideais para aprovar ou alterar. Para mudança de destinação do edifício/unidade, a regra é unanimidade. As deliberações devem ser formalizadas e, ao final, registradas.

O que deve constar obrigatoriamente na convenção?

Conteúdo mínimo: descrição/destinação das partes, frações ideais, critério de rateio das despesas, administração (síndico, conselho, mandatos), assembleias (convocação, quóruns, voto e procuração), sanções e regras de uso das áreas comuns.

Sem registro no Cartório de Registro de Imóveis, a convenção vale?

Sem registro, a convenção vincula internamente os signatários, mas não se opõe a terceiros. Para plena eficácia (inclusive perante adquirentes e locatários) é indispensável o registro no RGI.

A convenção pode restringir o uso das áreas comuns ou certas atividades?

Sim, desde que as restrições sejam proporcionais, não discriminatórias, compatíveis com a destinação do edifício e não afetem serviços essenciais. Regras abusivas tendem a ser invalidadas judicialmente.

Como a convenção se relaciona com o regimento interno e as decisões da assembleia?

A lei está acima de tudo; abaixo dela, vem a convenção; depois, o regimento interno e as deliberações assembleares. Nenhuma decisão pode contrariar a convenção válida ou a legislação.

Quais sanções a convenção pode prever e como aplicá-las?

Advertências e multas proporcionais por infrações ao uso/convivência; multa por conduta antissocial conforme lei e quórum qualificado. A aplicação deve respeitar contraditório mínimo (notificação e oportunidade de defesa) e ser fundamentada.

A convenção pode disciplinar assembleias virtuais e assinatura eletrônica?

Recomendável que sim. Deve prever plataforma, autenticação, registro de presença e votos, logs e assinatura eletrônica da ata, garantindo integridade e auditabilidade.

Como lidar com cláusulas antigas ou conflitantes com a lei atual?

Cláusulas que conflitam com a lei deixam de produzir efeitos e podem ser revogadas por alteração da convenção (2/3). Em controvérsia, cabe mediação e, persistindo o conflito, ação judicial para anular dispositivos inválidos.

Quais documentos e passos práticos para atualizar a convenção?

(i) Elaborar minuta alinhada à lei; (ii) convocar assembleia com pauta específica e disponibilizar a minuta; (iii) colher 2/3 das frações; (iv) providenciar registro no RGI; (v) divulgar texto consolidado aos condôminos e atualizar o regimento se necessário.


Base técnica (fontes legais e normativas)

  • Código Civil: arts. 1.333 (aprovação/registro da convenção), 1.334 (conteúdo mínimo), 1.335–1.337 (direitos, deveres e sanções), 1.341 (quóruns para obras), 1.348–1.355 (síndico, destituição, assembleias e atas), 1.351 (quórum de 2/3 e unanimidade para destinação).
  • Lei nº 4.591/1964: disposições sobre condomínio em edificações e incorporação imobiliária (regras complementares).
  • Registros públicos: necessidade de registro no RGI para oponibilidade a terceiros e para atualização de alterações.

Aviso importante

Este material é informativo e educacional. Embora baseado na legislação vigente, não substitui a análise individual de um(a) profissional habilitado(a). Cada condomínio possui particularidades (convenção, histórico, destinação, laudos técnicos) que exigem orientação jurídica e administrativa específicas antes de aprovar, alterar ou aplicar regras convencionais.

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