Arbitragem e mediação

Cláusula Compromissória na Prática: como escrever bem, evitar nulidades e executar a arbitragem

Convenção de arbitragem e cláusulas compromissórias: o que são e por que importam

No Brasil, convenção de arbitragem é o gênero que engloba a cláusula compromissória (pactuada no contrato antes do conflito) e o compromisso arbitral (pacto firmado após o litígio). A Lei 9.307/1996 define os contornos desses instrumentos e lhes confere eficácia, inclusive com apoio do Poder Judiciário para viabilizar a arbitragem quando houver resistência de uma das partes (art. 7º). A cláusula compromissória deve ser feita por escrito; em contratos de adesão, exige destaque e manifestação expressa do aderente (art. 4º, §2º). 0

Conceitos-chave Cláusula compromissória: pacto no contrato prevendo arbitragem para litígios futuros. Compromisso arbitral: ajuste posterior que detalha o procedimento. Convenção de arbitragem: termo-abrigo que compreende ambos. (Lei 9.307/96). 1

Requisitos formais e eficácia: como evitar nulidades

Forma escrita e contratos de adesão

A cláusula deve constar por escrito em contrato principal, aditivo ou documento apartado que a ele se refira. Em contratos de adesão, só terá eficácia se (i) o aderente tomar a iniciativa de instaurar a arbitragem ou concordar expressamente com sua instituição, e (ii) vier em negrito ou com chamamento ostensivo, acompanhada de assinatura ou visto específico. 2

Alerta prático: em estatutos associativos ou assembleares que não se confundem com contrato de adesão, o STJ já reconheceu que não incide o art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem; a análise volta-se ao quórum e regularidade deliberativa. 3

Cláusula cheia x cláusula vazia

Chama-se cláusula cheia a que já indica regras procedimentais (instituição/ regulamento, número de árbitros, sede, língua, etc.). A cláusula vazia remete genericamente à arbitragem sem trazer detalhes. Se houver resistência à instituição do tribunal em cláusula vazia, a parte interessada pode promover a ação do art. 7º para que o Judiciário supra o compromisso e defina os contornos mínimos do procedimento. 4

Elementos mínimos recomendáveis

  • Âmbito (escopo material da arbitragem).
  • Instituição/regulamento ou arbitragem ad hoc (com regras de apoio).
  • Sede (lex arbitri) e língua.
  • Número de árbitros e forma de nomeação.
  • Direito aplicável e confidencialidade.
  • Regras sobre consolidação/joinder, disputas multi-partes e medidas de urgência.
Patologias comuns (evite!)

  • Indicar instituição inexistente ou regra contraditória.
  • Silenciar sobre sede e número de árbitros em contratos complexos.
  • Impor prazos inexequíveis para nomeação de árbitros.
  • Cláusulas multietapas sem clareza de condição precedente.

Princípios estruturantes: autonomia e competência-competência

Autonomia da cláusula compromissória

A cláusula é autônoma em relação ao contrato principal: sua validade independe da validade do contrato, e a eventual nulidade do negócio-base não contamina, por si só, o pacto arbitral (art. 8º). Esse desenho impede que a parte escape da arbitragem invocando vícios do acordo de base – a discussão sobre (in)validade do contrato será feita na própria arbitragem. 5

Competência-competência (Kompetenz-Kompetenz)

Compete ao tribunal arbitral, com precedência lógico-temporal sobre o Judiciário, apreciar sua própria jurisdição, a validade da convenção e o alcance da cláusula. O STJ tem reiterado que, havendo convenção válida, a interpretação do escopo cabe primeiro aos árbitros. 6

Consequência prática: diante de ação judicial sobre matéria coberta pela cláusula, o juiz deve extinguir o processo sem resolução do mérito, remetendo as partes à arbitragem (salvo hipóteses legais específicas). 7

Medidas de urgência, apoio judicial e convivência com o CPC

Tutelas antes da instituição: art. 22-A

Desde a Lei 13.129/2015, que reformou a Lei de Arbitragem, as partes podem buscar o Poder Judiciário para medidas cautelares ou de urgência antes da formação do tribunal arbitral, sem violar a convenção. Constituída a arbitragem, os árbitros podem manter, modificar ou revogar a tutela. 8

Execução específica e carta arbitral

Em face de cláusula vazia e recusa de uma das partes, a ação de execução específica (art. 7º) permite ao juiz fixar o conteúdo do compromisso (p.ex., número de árbitros, forma de nomeação) e determinar a instituição da arbitragem. O Judiciário também pode praticar atos de cooperação para auxiliar a eficácia do procedimento (p.ex., ordens de exibição, condução de testemunhas) via instrumentos de apoio. 9

Sede, lei aplicável e alcance da convenção

Sede da arbitragem

A sede define a lei processual (lex arbitri) e a jurisdição de apoio e controle. Se a sede for no Brasil, aplicam-se as regras da Lei 9.307/96 e o controle judicial local. Se a sede for estrangeira, a sentença é “estrangeira” e seu reconhecimento e execução no Brasil seguem a Convenção de Nova Iorque de 1958 (Decreto 4.311/2002), competindo ao STJ a homologação. 10

Âmbito material: o que vai para a arbitragem

Quanto mais clara a redação, menor o risco de “zonas cinzentas”. Utilize linguagem que abranja “toda e qualquer controvérsia decorrente ou relacionada” ao contrato, inclusive validade, execução, rescisão, danos, garantias, responsabilidade pré-contratual e pós-contratual. Em relações corporativas (M&A, JV), considere incluir disputas sobre indenização, earn-out, declarações e garantias e confidencialidade.

Cláusulas multiportas: é comum prever negociação e/ou mediação como condições precedentes à arbitragem. Evite prazos inexequíveis e defina comprovação do cumprimento (atas, e-mails) para não criar debates processuais desnecessários.

Como redigir uma cláusula compromissória robusta

Modelo comentado (institucional)

Cláusula de arbitragem. Qualquer controvérsia decorrente ou relacionada a este contrato, inclusive sobre sua existência, validade, interpretação, execução ou extinção, será definitivamente resolvida por arbitragem, administrada pela [Instituição], de acordo com seu Regulamento.
Sede: [Cidade/País]. Língua: [Português/Inglês]. Direito aplicável: [Lei escolhida].
Tribunal: [3 árbitros/1 árbitro]. Nomeação conforme o Regulamento.
Confidencialidade e medidas de urgência segundo o Regulamento aplicável.
      

Modelo comentado (ad hoc)

As partes convencionam arbitragem ad hoc sob o Regulamento UNCITRAL.
Sede: [Cidade/País]. Língua: [Idioma].
Autoridade nominadora: [Câmara X/Corte Y].
Prazo para nomeação: [dias]; se omissas, aplica-se o Regulamento UNCITRAL.
Direito material: [Lei]; confidencialidade conforme acordo.
      

Gráfico: ciclo de vida da cláusula até a sentença

Do contrato ao enforcement
Cláusula no contrato

Conflito

Instituição do Tribunal

Tutelas (22-A)

Sentença e execução

Base legal: arts. 4º, 7º e 8º da Lei 9.307/96; art. 22-A da Lei 13.129/2015; Convenção de Nova Iorque/1958. 11

Cláusulas em contratos de consumo, trabalho e estatutos

Consumo/adesão

Em relações de consumo, a validade da cláusula passa por transparência e consentimento específico do consumidor (art. 4º, §2º). A ausência de destaque ou de anuência expressa costuma levar à ineficácia. 12

Trabalho e societário

No trabalho, a arbitragem admite hipóteses restritas e voluntárias (por exemplo, em altos cargos e mediante assistência sindical/representação adequada, a depender do regime). Em sociedades, a cláusula no estatuto social vincula acionistas conforme a disciplina societária e as regras de deliberação. Para associações civis, o STJ afastou a exigência do §2º do art. 4º quando não se tratar de contrato de adesão típico. 13

Reconhecimento e execução de sentenças arbitrais

Sentença nacional

A sentença arbitral tem mesma eficácia da sentença judicial e é título executivo; pode ser executada diretamente no Judiciário competente da sede. Eventual nulidade segue hipóteses estritas (v.g., incapacidade das partes, nulidade do compromisso, violação do contraditório). A autonomia da cláusula e a competência-competência reduzem a intervenção judicial apenas ao necessário. 14

Sentença estrangeira (NYC/1958)

Para executar sentença arbitral proferida no exterior, é preciso previamente obter homologação no STJ, com base na Convenção de Nova Iorque, promulgada no Brasil pelo Decreto 4.311/2002. Os motivos de recusa são taxativos (falta de convenção válida, violação ao contraditório, excesso de competência, nulidade, ordem pública), o que reforça a deferência aos tribunais arbitrais. 15

Quadros práticos para redatores e gestores de contratos

Checklist de redação (cláusula cheia)

  • Escopo amplo (“decorrente ou relacionada a”).
  • Sede + língua + direito aplicável.
  • Instituição/regulamento ou regras ad hoc (UNCITRAL) + autoridade nominadora.
  • Tribunal (1 ou 3 árbitros) e modo de nomeação.
  • Medidas de urgência e referência ao art. 22-A.
  • Confidencialidade, consolidação e multi-partes.

Checklist de aderência legal

  • Forma escrita (art. 4º).
  • Se adesão: destaque + concordância expressa (art. 4º, §2º).
  • Se vazia: prever via art. a execução específica.
  • Respeitar autonomia e competência-competência (art. 8º).

Riscos que geram litígios

  • Instituição/Regulamento inexistente ou equívoco.
  • Falta de assinatura destacada em adesão.
  • Condição precedente ambígua (negociação/mediação sem prazos claros).
  • Conflito entre foro judicial e arbitral sem critério.

Estudo de caso resumido: alcance da cláusula

Em disputa societária sobre direito de preferência em aumento de capital, uma das partes ajuizou ação judicial alegando que a cláusula arbitral valeria apenas para “disputas contratuais estritas”. O STJ reafirmou que a interpretação do escopo compete ao tribunal arbitral, por força do princípio competência-competência, devendo a jurisdição estatal aguardar a manifestação dos árbitros. 16

Boas práticas de governança contratual

  • Manter matriz de resolução de disputas para cada contrato relevante, com pessoas e prazos responsáveis.
  • Treinar equipes para preservar evidências (troca de e-mails, minutas, relatórios) – isso será crucial perante os árbitros.
  • Usar quadros-resumo na abertura do contrato explicando a cláusula arbitral e efeitos (custo, confidencialidade, sede, prazos indicativos).
  • Revisitar cláusulas em renovações ou aditivos, alinhando-as a novas regras institucionais e à jurisprudência.

Conclusão

A cláusula compromissória é a engrenagem que permite transformar disputas contratuais em procedimentos decisórios efetivos, céleres e tecnicamente orientados. Redigida com clareza e apoiada por boas práticas, ela evita nulidades (art. 4º), conta com apoio judicial para ser cumprida (art. 7º), preserva sua autonomia e garante que os árbitros decidam sobre a própria jurisdição (art. 8º). A reforma de 2015 trouxe a ponte das tutelas de urgência (art. 22-A), que harmoniza arbitragem e Judiciário sem violar a convenção. Em cenário transnacional, a Convenção de Nova Iorque fornece o backbone para reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras. Em síntese: cláusulas bem redigidas, cheias e operacionais, reduzindo ambiguidade e prevendo mecanismos de nomeação e suporte, são a diferença entre um litígio travado e uma arbitragem eficiente, executável e respeitada. 17

Base técnica e fontes legais

  • Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) – arts. (cláusula compromissória e adesão), (execução específica), (autonomia e competência-competência). 18
  • Lei 13.129/2015 – reforma da Lei de Arbitragem; inclusão do art. 22-A (tutelas de urgência/cautelares antes da instituição). 19
  • STJ – precedentes sobre competência-competência e alcance da cláusula; notícia institucional e acórdão (2016–2019). 20
  • Convenção de Nova Iorque/1958 – reconhecimento/execução de sentenças arbitrais estrangeiras (Decreto 4.311/2002). 21
  • Cláusula vazia e ação do art. 7º – doutrina e guias práticos. 22
  • Adesão e destaque – orientação prática e fontes de jurisprudência/explicativas. 23

Perguntas frequentes

O que é convenção de arbitragem e como se relaciona com a cláusula compromissória?

Convenção de arbitragem é o gênero que abrange a cláusula compromissória (pacto prévio no contrato para enviar futuros litígios à arbitragem) e o compromisso arbitral (pacto posterior ao conflito). Ambos estão previstos na Lei 9.307/1996 (arts. 3º–9º) e produzem o efeito de afastar a jurisdição estatal sobre a matéria convencionada.

Quais são os requisitos formais da cláusula compromissória?

Deve ser por escrito, no contrato, aditivo ou documento separado que a ele se refira. Em contratos de adesão, exige destaque e anuência expressa do aderente (art. 4º, §2º). Recomenda-se indicar instituição/regulamento, sede, língua, número de árbitros e critério de nomeação.

O que acontece se a cláusula for vazia e houver resistência de uma parte?

Na ausência de detalhes (cláusula “vazia”), a parte interessada pode propor a ação do art. 7º para a execução específica da convenção. O juiz suprime o compromisso, definindo itens mínimos (número de árbitros, forma de nomeação etc.) e determina a instituição da arbitragem.

A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato principal?

Sim. Pelo art. 8º, a cláusula é autônoma e sobrevive a alegações de nulidade do contrato-base. Questões sobre validade, existência ou eficácia do contrato são apreciadas, em regra, pelos árbitros.

Quem decide primeiro sobre a jurisdição e o alcance da cláusula?

Aplica-se o princípio da competência-competência: cabe ao tribunal arbitral decidir, com precedência, sobre sua própria competência, validade da convenção e extensão material. O Judiciário somente intervém nas hipóteses legais de apoio e controle.

É possível pedir medidas de urgência antes da formação do tribunal?

Sim. Desde a reforma da Lei (Lei 13.129/2015), o art. 22-A autoriza a parte a buscar o Judiciário para medidas cautelares/urgentes antes da instituição do tribunal. Uma vez formado, os árbitros podem manter, modificar ou revogar a tutela.

Como a cláusula funciona em contratos de adesão e de consumo?

Em adesão, a eficácia depende de destaque ostensivo e manifestação expressa do aderente (art. 4º, §2º). Nas relações de consumo, aplicam-se ainda os princípios do CDC (informação clara e equilíbrio contratual), sob pena de a cláusula ser tida por ineficaz.

Qual a importância de indicar a sede e a lei aplicável?

A sede define a lex arbitri (lei processual da arbitragem) e a jurisdição de apoio/controle. A lei material rege o mérito. Se a sede for estrangeira, a sentença é “estrangeira” e sua execução no Brasil depende de homologação pelo STJ nos termos da Convenção de Nova Iorque/1958 (Decreto 4.311/2002).

Como redigir uma cláusula cheia para evitar litígios de competência?

Inclua: escopo amplo (“toda e qualquer controvérsia decorrente ou relacionada”), instituição/regulamento ou UNCITRAL (ad hoc) + autoridade nominadora, número de árbitros e nomeação, sede, língua, lei aplicável, confidencialidade, medidas de urgência e regras de multi-partes/consolidação.

Qual é o status da sentença arbitral e como é feita a execução?

A sentença arbitral possui a mesma eficácia da sentença judicial e constitui título executivo. No Brasil, executa-se diretamente no juízo competente da sede. Sentenças estrangeiras precisam de homologação no STJ (NYC/1958). Nulidade é excepcional e por hipóteses taxativas na Lei 9.307/96.

Como a arbitragem convive com processos judiciais sobre temas correlatos?

Havendo convenção válida, ações sobre o mérito devem ser extintas sem resolução e as partes remetidas à arbitragem. O Judiciário atua em apoio (art. 7º; 22-A; carta arbitral) e no controle de sentenças (nulidade/execução), preservando a autonomia do procedimento arbitral.

Mapa mental rápido

O que prever na cláusula
Instituição/regulamento • Sede e língua • Lei aplicável • Nº de árbitros e nomeação • Escopo amplo • Urgência (22-A) • Confidencialidade • Multi-partes.
Riscos de nulidade/ineficácia
Falta de forma escrita • Ausência de destaque/anuência em adesão • Instituição inexistente • Cláusula contraditória • Condições precedentes vagas.

Base técnica: fundamentos legais essenciais

Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)

  • Art. 3º–4º: conceito de convenção de arbitragem e cláusula compromissória; contratos de adesão (art. 4º, §2º).
  • Art. 7º: execução específica da convenção (suprimento do compromisso pelo Judiciário).
  • Art. 8º: autonomia da cláusula e competência-competência.
  • Arts. 18–33: procedimento, sentença arbitral, nulidade e execução.

Reforma de 2015 (Lei 13.129/2015)

  • Art. 22-A: tutelas de urgência/cautelares antes da formação do tribunal; posterior revisão pelos árbitros.

Normas internacionais e controle

  • Convenção de Nova Iorque/1958 (Decreto 4.311/2002) – reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil (STJ).
  • Regras UNCITRAL – opção para arbitragem ad hoc.

Boas práticas: cláusula cheia; versões bilíngues quando necessário; anexar resumo visual com custos, prazos e sede; prever autoridade nominadora em ad hoc; política de confidencialidade.

Armadilhas: cláusula com instituição errada; ausência de destaque em adesão; conflito entre foro judicial e arbitral; prazos inexequíveis para nomeação; silêncio sobre multi-partes/consolidação.


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