Controle de Ponto na Prática: o que a CLT e a Portaria 671 exigem (e como a tecnologia prova sua jornada)
Controle de ponto no Direito do Trabalho: obrigação legal e gestão da jornada
O controle de ponto é o principal instrumento para registrar a jornada de trabalho e dar segurança jurídica a empregados e empregadores. A CLT, art. 74, §2º, determina que estabelecimentos com 20 ou mais empregados mantenham registro de ponto, que pode ser manual, mecânico ou eletrônico. A partir da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), o art. 74 ganhou o §4º, permitindo o registro por exceção da jornada mediante acordo individual escrito, convenção ou acordo coletivo. Já a Portaria MTP nº 671/2021 (e alterações) regulamenta as modalidades de ponto eletrônico e requisitos técnicos.
Quem deve registrar e quem pode ser dispensado
- Obrigados: empresas com ≥ 20 empregados. É recomendável que organizações menores também registrem a jornada por gestão e conformidade.
- Dispensados pela CLT, art. 62: empregados externos sem possibilidade de controle de horário, cargos de gestão com poderes de mando e confiança e, desde a Reforma e legislação posterior, certas hipóteses de teletrabalho quando a atividade for incompatível com controle. Atenção: se houver meios telemáticos de aferição (sistemas, apps), o controle se torna possível.
Formas de controle e o que a Portaria 671/2021 trouxe
A Portaria 671 consolidou regras do ponto eletrônico e reconheceu três famílias de registradores:
- REP-C (Relógio Eletrônico de Ponto Convencional): equipamento físico com emissão de comprovante para o trabalhador e memória inviolável.
- REP-A (Sistema Alternativo): soluções autorizadas por convenção/acordo coletivo; pode dispensar o comprovante impresso, mas exige trilhas de auditoria e vedação a manipulações.
- REP-P (Programa): software de marcação em computadores e apps móveis; admite recursos como biometria e geolocalização, com requisitos de integridade, logs e exportação padronizada.
• Integridade e inviolabilidade dos registros (logs imutáveis).
• Identificação única do empregador, empregado e terminal.
• Exportação para fiscalização e auditoria (formatos oficiais).
• Proibição de pré-assinalação indevida de horas extras ou manipulação automática de marcações.
Registro por exceção: quando usar
No modelo de ponto por exceção (CLT, art. 74, §4º), o empregado não marca todas as entradas e saídas; registra-se apenas variações (ex.: horas extras, atrasos). Exige acordo individual escrito ou instrumento coletivo. É útil em rotinas estáveis, mas demanda política clara, comunicação e auditorias, pois, em litígios, a prova frágil pode ser revertida em desfavor do empregador.
Direitos do trabalhador ligados ao ponto
- Horas extras: limite de 2h diárias (CLT, art. 59) e adicional mínimo de 50% (CF, art. 7º, XVI), salvo percentuais mais altos em norma coletiva.
- Intervalo intrajornada: em regra, 1 hora nas jornadas superiores a 6h (CLT, art. 71).
- Intervalo interjornada: mínimo de 11 horas entre jornadas (CLT, art. 66).
- Banco de horas: permitido; por acordo individual pode ser compensado em até 6 meses; por instrumento coletivo, até 1 ano.
- Trabalho remoto/teletrabalho: mesmo à distância, se houver controle por meios telemáticos, a jornada é registrável; políticas e sistemas devem refletir essa realidade.
Tecnologias atuais: biometria, mobile e geolocalização
O avanço digital levou o controle de ponto para o smartphone, com autenticação biométrica e marcação online/offline. A geolocalização pode corroborar a presença em obra, cliente ou plantão. Soluções modernas integram-se a folha de pagamento, banco de horas e dashboards de conformidade, reduzem erros de cálculo e fornecem alertas em tempo real (ex.: extrapolação de jornada, não concessão de intervalo).
LGPD aplicada ao ponto (dados pessoais e sensíveis)
- Base legal: cumprimento de obrigação legal/regulatória (art. 7º, II, LGPD) e execução de contrato. Para biometria (dado sensível), utilizar também hipóteses como cumprimento de obrigação legal e implementar medidas de segurança.
- Princípios: minimização, finalidade, transparência e segurança. Política de retenção e eliminação após prazos legais.
- Transparência ao empregado: aviso de privacidade, registro de operações (ROPA), canal para direitos do titular.
▸ Avaliação de impacto (DPIA) para biometria/geolocalização.
▸ Criptografia e controle de acesso aos logs.
▸ Contratos com fornecedores prevendo confidencialidade e incidentes.
▸ Treinamento periódico de gestores e RH.
Processos e políticas para uma gestão sólida
Política de jornada e escalas
Formalize política de ponto com horário-base, tolerâncias (ex.: até 10 minutos diários), concessão de intervalos, regras de plantão/turnos e procedimento para home office. Em setores com variação de demanda, adote banco de horas com rastreabilidade e aceite expresso do empregado.
Auditoria contínua
- Relatórios semanais de inconsistências (batidas faltantes, intervalos curtos).
- Controle antifraude (biometria, foto validação, IP/geo).
- Dupla verificação na aprovação de horas extras e compensações.
- Arquivamento dos espelhos de ponto e recibos com assinatura eletrônica.
Quadro informativo: comparação dos métodos de ponto
Método | Vantagens | Riscos/atenções | Base jurídica |
---|---|---|---|
Manual | Baixo custo, simples | Fraudes e erros; difícil auditoria | CLT art. 74, §2º |
Mecânico | Confiável; documentação física | Manutenção e logística | CLT + normas MTE |
Eletrônico (REP-C/A/P) | Precisão, logs, integração à folha | LGPD, segurança, custo inicial | Portaria 671/2021 |
Exceção | Burocracia reduzida em rotinas estáveis | Prova fraca se mal documentado | CLT art. 74, §4º |
Indicadores simples para monitorar conformidade
Mesmo sem BI complexo, é possível acompanhar indicadores úteis:
- % de espelhos aprovados no prazo (meta > 95%).
- Horas extras médias por área (meta alinhada ao orçamento).
- Ocorrências de intervalo intrajornada < 1h (meta próxima de zero).
- Taxa de retrabalho em folha por ajustes de ponto (meta < 1%).
70% da meta mensal consumida
Erros comuns e como evitá-los
- Pré-assinalar saídas/entradas ou ajustar marcações sem justificativa → manter trilhas e autorização do empregado.
- Não conceder intervalos pela correria operacional → alarmes no sistema quando a pausa não ocorrer.
- Armazenar dados sem segurança → criptografia, backups e controle de acessos.
- Ignorar convenções coletivas → parametrizar o sistema por CNPJ/localidade com as regras específicas.
Implantação prática em 6 passos
- Diagnóstico jurídico-operacional: mapeie jornadas, turnos, teletrabalho e normas coletivas aplicáveis.
- Escolha tecnológica: REP-C para locais fixos; REP-P para mobilidade; avalie biometria e geo com DPIA (LGPD).
- Política e treinamento: manual de ponto, responsabilidades, prazos de ajustes e aprovações.
- Parametrização: regras de banco de horas, tolerâncias, alertas e trilhas de auditoria.
- Auditoria contínua: relatórios semanais e comitê de exceções (RH + Jurídico + Operações).
- Documentação e guarda: espelhos assinados eletronicamente e retenção por prazos legais.
Conclusão
O controle de ponto deixou de ser mero requisito burocrático e tornou-se pilar de compliance trabalhista. A CLT e a Portaria 671/2021 oferecem um leque de possibilidades — do ponto eletrônico tradicional ao app com biometria e geolocalização —, desde que acompanhadas de políticas claras, LGPD bem implementada e auditoria contínua. Empresas que integram tecnologia, processos e gestão jurídica reduzem litígios, pagam corretamente a força de trabalho e ganham previsibilidade orçamentária. Para o trabalhador, registros fidedignos significam proteção de direitos e transparência. O caminho seguro está na combinação de base legal sólida, dados íntegros e cultura de conformidade.
Guia rápido: como implantar e manter o controle de ponto em conformidade
Objetivo: registrar a jornada real, pagar corretamente horas extras/intervalos e reduzir risco trabalhista. A base é a CLT (art. 74) e a Portaria MTP 671/2021, que tratam das modalidades de ponto e dos requisitos técnicos.
1) Defina o escopo jurídico e quem precisa registrar
- Obrigatório para empresas com 20+ empregados.
- Exceções do art. 62 (externos sem controle viável; cargos de gestão; algumas hipóteses de teletrabalho). Se houver meios telemáticos (app, sistema), há controle possível.
2) Escolha a tecnologia adequada
- REP-C (relógio físico) — robusto em locais fixos; emite comprovante.
- REP-A (alternativo por acordo/Convenção) — precisa trilha de auditoria.
- REP-P (programa/software/app) — ideal para mobilidade; permite biometria e geolocalização com logs imutáveis.
3) Decida se usará “ponto por exceção”
Registra-se apenas variações (extras, atrasos). Exige acordo individual escrito ou instrumento coletivo. Funciona em rotinas estáveis; complemente com auditoria e comunicação clara.
4) Parametrize regras de jornada
- Horário-base, tolerâncias (ex.: até 10 minutos diários), turnos.
- Intervalos (intrajornada e interjornada) e alerta automático quando não concedidos.
- Banco de horas (prazo de compensação e aceite do empregado).
- Teletrabalho: defina janela de disponibilidade e como marcar pausas.
5) LGPD na prática
- Base legal: obrigação legal/regulatória e execução de contrato; para biometria, trate como dado sensível, com controles reforçados.
- Política de privacidade específica para ponto, retenção por prazos legais e controle de acessos.
- DPIA (avaliação de impacto) quando usar biometria/geo; criptografia e logs imutáveis.
6) Treinamento e política interna
Crie um manual de ponto com: como marcar, prazos de ajustes, quem aprova horas extras, como justificar ausências, e sanções para fraude. Treine gestores e funcionários antes do go-live.
7) Fluxo operacional recomendado
- Marcação (entrada/saída/intervalos) no equipamento/app.
- Validação automática pelo sistema (regras e alertas).
- Correções justificadas pelo empregado dentro do mês.
- Aprovação do gestor e integração à folha.
- Arquivamento dos espelhos assinados (eletronicamente).
8) Auditoria contínua
- Relatório semanal de batidas faltantes e intervalos curtos.
- Monitorar pontos “britânicos” (marcação idêntica todo dia) e investigar.
- Conferir conveniências coletivas por CNPJ/localidade.
9) Indicadores simples (KPIs)
- % de espelhos aprovados no prazo (meta > 95%).
- Horas extras por área x orçamento (meta compatível com a operação).
- Ocorrências de intervalo intrajornada < 1h (meta próxima de zero).
- Retrabalho em folha por ajustes de ponto (meta < 1%).
▸ Contrate/valide solução (REP-C/A/P) com logs e exportação oficial.
▸ Redija política de ponto e comunique a equipe (confira CCT/ACT).
▸ Configure banco de horas, intervalos e alertas.
▸ Faça piloto de 30 dias com 1 área e ajuste regras.
▸ Ative auditoria semanal e retenção segura dos espelhos.
Resultado esperado: registros confiáveis, pagamento correto, queda de passivo trabalhista e dados úteis para gestão de produtividade — com respeito à privacidade e segurança da informação.
FAQ – Controle de ponto (regras e tecnologias atuais)
Quem é obrigado a adotar controle de ponto?
Empresas com 20 ou mais empregados devem registrar a jornada (CLT, art. 74). Adoção facultativa abaixo desse limite é recomendada para segurança jurídica.
Quais tecnologias posso usar (REP-C, REP-A, REP-P)?
A Portaria MTP nº 671/2021 admite: REP-C (coletor físico tradicional), REP-A (sistema alternativo por acordo/Convenção Coletiva) e REP-P (programa/app/software). Todos devem manter logs, trilha de auditoria e exportações oficiais.
O que é “ponto por exceção” e quando posso usar?
É quando a marcação padrão é presumida e anotam-se apenas variações (extras, atrasos, folgas). Exige acordo individual escrito ou instrumento coletivo e políticas claras de correção, auditoria e validação de espelhos.
Teletrabalho e trabalhadores externos precisam marcar ponto?
Se houver meios de controle (aplicativo, VPN, softwares corporativos, check-ins), a empresa deve registrar. Só ficam fora casos do art. 62 da CLT sem possibilidade técnica de controle ou cargos de confiança com gestão.
Como funcionam horas extras, banco de horas e intervalos?
Horas acima da jornada geram adicional legal/convencional, salvo banco de horas válido (prazo e regras de compensação). Intervalo intrajornada e interjornada devem ser respeitados; supressão parcial pode gerar pagamento com adicional.
Qual é a tolerância de minutos sem gerar horas extras?
A prática segue a orientação sumulada do TST de tolerância até 10 minutos diários (somatório entradas/saídas) sem reflexos, desde que não configure fraude. Acima disso, paga-se o excedente.
Posso usar biometria e geolocalização? E a LGPD?
Sim, com base legal (obrigação legal/contratual) e controles reforçados: minimização, criptografia, retenção pelo prazo necessário, DPIA quando adequado e restrição de acesso. Transparência ao empregado é essencial.
Como tratar correções de marcações e “ponto britânico”?
Adote fluxo de justificativas formais com prazo no mês corrente, aprovação do gestor e logs imutáveis. Monitore marcações idênticas diárias (“britânicas”); podem indicar irregularidade e demandam auditoria.
Quais documentos devo manter e por quanto tempo?
Espelhos de ponto (preferencialmente assinados eletronicamente), acordos de banco de horas, ACT/CCT, políticas internas e relatórios de auditoria. Guarde pelo prazo prescricional trabalhista e prazos fiscais aplicáveis.
Quando o REP alternativo (REP-A) é o mais indicado?
Quando a operação exige flexibilidade (múltiplos sites, mobilidade) e há acordo coletivo prevendo o modelo. Garanta trilha de auditoria, disponibilidade e integridade equivalentes ao REP convencional.
Fundamentação normativa & Encerramento
Base legal aplicável ao controle de ponto
- CLT, art. 74 — empresas com 20+ empregados devem registrar jornada; admite-se registro manual, mecânico ou eletrônico.
- CLT, art. 58, §1º — tolerância de até 10 minutos diários (somatório) sem reflexos, desde que não haja fraude.
- CLT, art. 62 — exceções (cargos de confiança; atividades incompatíveis com controle; hipóteses de teletrabalho sem meios de fiscalização).
- CF/88, art. 7º, XIII e XVI — limites de jornada e pagamento de horas extras.
- Portaria MTP nº 671/2021 — regras do REP:
- REP-C (coletor físico);
- REP-A (sistema alternativo via acordo/Convenção Coletiva);
- REP-P (programa/software/app). Exige trilha de auditoria, logs, exportações oficiais (AFD/AEJ) e integridade dos dados.
- Banco de horas e compensação — conforme CLT e instrumentos coletivos (prazos máximos, critérios de compensação, transparência em espelhos).
- Intervalos — observância do intrajornada e interjornada; supressões geram pagamento com adicional conforme jurisprudência consolidada.
- LGPD (Lei 13.709/2018) — tratamento de dados (inclusive biometria e geolocalização) com bases legais adequadas, minimização, segurança, retenção proporcional e transparência.
- Súmulas do TST (referenciais):
- 338 — cartões de ponto irregulares/ausentes geram presunção favorável ao empregado;
- 85 — critérios de compensação e banco de horas;
- 437 — regras sobre intervalo intrajornada.
Boas práticas de conformidade
- Política escrita de controle de jornada (inclui ponto por exceção, canais de correção e prazos).
- Espelho de ponto com ciência/assinatura eletrônica e procedimento de justificativas com logs imutáveis.
- Auditorias periódicas para identificar “ponto britânico”, marcações padrões e inconsistências.
- Treinamento de gestores e RH sobre regras de horas extras, banco de horas e intervalos.
- Privacidade por desenho nos sistemas (criptografia, controle de acesso, retenção, DPIA quando cabível).
Encerramento
A adoção de um sistema de ponto alinhado à CLT, à Portaria 671/2021, à LGPD e à jurisprudência do TST reduz riscos trabalhistas, assegura
previsibilidade de custos com horas extras e fortalece a governança de dados. Para operações com mobilidade e múltiplas unidades, o REP-P ou o REP-A (com acordo coletivo)
costumam oferecer maior flexibilidade, desde que mantidas trilhas de auditoria e espelhos confiáveis. Em caso de dúvida, valide políticas e instrumentos coletivos com assessoria
trabalhista e realize testes de conformidade antes da implantação.