Controle da Administração Pública: interno x externo — diferenças, competências e exemplos práticos
O que é controle da Administração Pública e por que isso importa
Controle, no setor público, é o conjunto de mecanismos, processos e instituições que verificam se a gestão dos recursos públicos observa a legalidade, a legitimidade, a economicidade, a eficiência e a transparência.
Na Constituição, os arts. 70 a 75 desenham a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. Desse desenho surgem dois eixos complementares: o controle interno (dentro do próprio Poder/ente) e o controle externo (exercido pelo Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas).
Sem controle, aumentam os riscos de desperdício, fraudes e corrupção. Com controle efetivo, o gasto público tende a gerar valor e confiança social.
Base constitucional — o mapa mínimo
- Art. 70: define a fiscalização e seus objetivos (legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncias).
- Art. 71: lista as competências do TCU (e, por simetria, dos TCE/TCM), como julgar contas dos responsáveis por dinheiros e bens públicos, apreciar a legalidade de admissões de pessoal (exceto cargos em comissão) e aposentadorias, realizar auditorias e aplicar sanções.
- Art. 72: inspeções e auditorias por iniciativa do Congresso.
- Art. 73: estrutura e composição do TCU.
- Art. 74: obriga cada Poder a manter sistema de controle interno; impõe dever de comunicar irregularidades ao Tribunal de Contas; prevê responsabilidade solidária do dirigente do controle interno se omisso.
- Art. 75: estende esse modelo aos Estados, DF e Municípios.
Além da CF, gravitam leis como a LRF (LC 101/2000), a Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), a Lei Anticorrupção (12.846/2013), a nova Lei de Licitações (14.133/2021) e as leis orgânicas dos Tribunais de Contas (ex.: Lei 8.443/1992 na União).
Controle interno — quem faz, com o que e para quê
É o controle exercido pela própria Administração, dentro de cada Poder/ente. Na União, a referência central é a CGU, mas cada órgão precisa manter a sua Unidade de Controle Interno (auditoria, correição, ouvidoria, integridade e gestão de riscos).
Propósito: prevenir erros e irregularidades, melhorar processos, apoiar a alta administração, orientar áreas finalísticas e produzir evidências para tomada de decisão.
Instrumentos típicos
- Auditorias (conformidade e desempenho), inspeções e monitoramentos.
- Mapeamento de riscos, controles-chave e planos de ação.
- Correição (PAD, sindicâncias) e acordos de leniência quando cabíveis.
- Ouvidoria e LAI (transparência & participação).
- Tomada de Contas Especial (TCEsp) quando há dano e não houve recomposição no prazo.
Dever de informar: se a unidade de controle interno detectar irregularidade grave, deve comunicar o Tribunal de Contas. A omissão pode gerar responsabilidade solidária (CF, art. 74, §1º).
Controle externo — o papel do Legislativo e dos Tribunais de Contas
O controle externo é exercido pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais), com o auxílio técnico-jurisdicional dos Tribunais de Contas (TCU/TCE/TCM/TCDF).
Competências centrais dos Tribunais de Contas
- Julgar as contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos.
- Emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Executivo (quem julga é o Legislativo).
- Apreciar a legalidade de atos de admissão de pessoal e de concessões de aposentadorias, reformas e pensões.
- Realizar auditorias e inspeções, inclusive por solicitação do Legislativo.
- Fiscalizar licitações e contratos, convênios e parcerias.
- Aplicar sanções: multas, imputação de débito (ressarcimento), glosas, determinações e medidas cautelares.
A jurisprudência consolidou que o Tribunal de Contas pode, no exercício das suas atribuições, apreciar constitucionalidade de leis e atos normativos para fins de controle (Súmula tradicionalmente citada na prática forense). Isso reforça o caráter técnico e preventivo-repressivo do controle externo.
Interno x Externo — diferenças rápidas
- Quem exerce: interno = o próprio órgão/ente (ex.: CGU, controladorias, auditorias internas). Externo = Legislativo com auxílio do TCU/TCE/TCM.
- Foco: interno = prevenção, orientação e melhoria de processos; externo = responsabilização, sanção e avaliação independente.
- Momento: interno atua antes, durante e depois do gasto; externo atua predominantemente durante e depois, com visão sistêmica.
- Efeitos: interno emite relatórios, recomendações e abre correições; externo emite acórdãos, determinações, multas e imputações de débito.
- Integração: o interno deve alimentar o externo com evidências; o externo cobra a correção e pode apoiar com achados para fortalecer o interno.
Exemplos práticos (do dia a dia)
1) Licitação com indício de sobrepreço
A equipe de auditoria interna roda um benchmark de preços e encontra itens acima do mercado. Ação: recomenda reestimativa, revisão do termo de referência e negociação. Persistindo o risco, registra achado e oficia a alta gestão. Se a contratação se concretizar sem correção, o caso pode ser levado ao Tribunal de Contas, que pode suspender cautelarmente o certame, determinar ajustes e, se houver dano, imputar débito.
2) Convênio com despesas sem lastro
Na prestação de contas, faltam notas fiscais e comprovações. Controle interno: instaura Tomada de Contas Especial para quantificar o dano e identificar responsáveis. Controle externo: recebe o processo, avalia, julga e pode condenar ao ressarcimento, além de aplicar multa.
3) Admissão de pessoal sem concurso
Foi registrado contrato temporário fora das hipóteses legais. O controle interno aponta a irregularidade e recomenda anulação e ajuste do quadro. O Tribunal de Contas pode negar registro do ato, fixar prazo para correção e, em caso de dano, responsabilizar gestores.
4) Obra pública com atraso e aditivos reiterados
Auditoria interna solicita plano de recuperação e reavaliação de equilíbrio econômico-financeiro. Se houver sobrepreço, superfaturamento ou pagamento por medição inexistente, o Tribunal de Contas pode determinar paralisação, reexecução e glosa dos valores.
Controle social — o cidadão também controla
A CF legitima qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato a denunciar irregularidades aos Tribunais de Contas. Na prática, isso acontece via ouvidorias, portais de transparência e instrumentos da LAI. Quanto mais dados abertos e linguagem simples, mais efetivo é esse controle.
Como responder à fiscalização (roteiro enxuto)
- Organize evidências: contratos, notas, medições, pareceres, atas, relatórios.
- Explique o processo: fundamento legal, critérios técnicos, pesquisas de preço.
- Apresente análise de riscos e controles implantados.
- Assuma planos de ação com responsáveis e prazos, quando houver falhas.
- Foque no dano: quantifique, proponha recomposição e ajuste de procedimentos.
Checklist para gestores e equipes
- Existe mapa de riscos atualizado do processo crítico?
- Os controles-chave estão desenhados e funcionando (segregação de funções, trilhas de auditoria, conferências independentes)?
- As pesquisas de preços e justificativas estão documentadas?
- Há monitoramento de contratos com indicadores de prazo, custo e qualidade?
- O órgão cumpre as obrigações de transparência ativa/passiva (LAI, portais)?
- O controle interno participa de forma preventiva (pareceres, análises) sem substituir a gestão?
- Se identificada irregularidade, houve comunicação ao Tribunal de Contas quando cabível?
Erros comuns (e como evitar)
- Tratar controle como “polícia” — Controle interno é parceiro preventivo; envolva-o cedo.
- Assinar e não registrar — Em imóveis e garantias, sem registro a segurança jurídica cai.
- Dispensar documentação — Sem evidência, o que foi feito “não existiu” para fins de controle.
- Ignorar determinações do Tribunal de Contas — pode gerar multas e responsabilização.
- Confundir parecer do controle interno com anuência irrestrita — quem decide é a gestão.
Perguntas rápidas
O controle interno pode punir?
Ele não julga contas, mas pode instaurar processos disciplinares, recomendar medidas e propor ajustes. Sanções de contas e imputação de débito cabem ao Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas “anula” contratos?
Em regra, o Tribunal determina que o gestor anule, suspende cautelarmente, glosa valores e aplica sanções. A anulação formal costuma ser ato da autoridade competente, sob pena de responsabilização se descumprir.
Quem julga as contas do Prefeito/Governador/Presidente?
O Legislativo, com base no parecer prévio do Tribunal de Contas. Já as contas dos ordenadores de despesa são julgadas pelo próprio Tribunal.
Qual o papel da LRF no controle?
A LRF impõe limites e metas (endividamento, despesa com pessoal, resultado), além de rotinas de transparência e responsabilização. Tribunais e controles internos monitoram o cumprimento.
Denúncias anônimas valem?
Podem ser consideradas quando trazem indícios mínimos. Para processo formal no Tribunal, exige-se observância dos requisitos legais de admissibilidade; a ouvidoria ajuda a tratar o conteúdo com cautela.
Passo a passo para implantar um sistema interno forte
- Patrocínio da alta administração e definição de governança de integridade.
- Mapa de processos críticos e matriz de riscos.
- Controles desenhados por processo (pontos de checagem, segregação de funções, logs).
- Plano anual de auditoria baseado em risco.
- Canal de denúncias, ouvidoria e LAI bem estruturados.
- Indicadores de desempenho e monitoramento de planos de ação.
- Integração com procuradorias, corregedorias e a área de gestão de pessoas.
- Interlocução com o Tribunal de Contas para alinhamento técnico e prevenção.
Resumo final
O controle interno é a primeira linha da Administração para prevenir falhas e aperfeiçoar a gestão. O controle externo é a garantia independente de que recursos públicos foram aplicados corretamente, com poderes de sanção e determinação. Quando atuam integrados e com transparência, quem ganha é o cidadão, que vê serviços melhores e dinheiro público protegido.
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