Contribuição Previdenciária sobre Verbas Trabalhistas: O Que Incide, O Que Fica Fora e Como Evitar Erros
Contribuição previdenciária sobre verbas trabalhistas: mapa prático, fundamentos e entendimento atual
A contribuição previdenciária incidente sobre a folha (empregado/empregador) parte de um eixo permanente: incide sobre a remuneração habitual do trabalho. A Constituição prevê a contribuição patronal sobre a folha de salários (art. 195, I) e determina que ganhos habituais integram a base para fins de contribuição e reflexos em benefícios (art. 201, §11). Em linguagem prática: tudo aquilo que remunera o serviço prestado de forma não eventual tende a integrar o salário-de-contribuição, ao passo que parcelas de natureza indenizatória (que apenas reparam uma situação) em regra ficam fora. O contencioso gira em torno de classificar cada verba — remuneratória (incide) ou indenizatória (não incide) — à luz da lei (Lei 8.212/1991, art. 28 e §9º) e, sobretudo, da jurisprudência vinculante do STF e do STJ.
• Habitualidade e remuneração → regra de incidência (CF art. 195, I; art. 201, §11). 0
• Indenização e eventualidade → regra de não incidência (interpretação sistemática do art. 28, §9º, da Lei 8.212/1991). 1
• Jurisprudência vinculante fixa teses específicas por verba (STF Temas 20, 72, 985; STJ Tema 478 e repetitivos 687/688/689). 2
O que incide e o que não incide: visão consolidada por verbas
Verbas de natureza remuneratória (incidem, em regra)
- Salário-base e adicionais habituais (natureza salarial): horas extras, adicional noturno, periculosidade e, em recente repetitivo, insalubridade, todos com incidência reconhecida por serem ganhos remuneratórios. 3
- Terço constitucional de férias gozadas: o STF fixou a tese de que incide contribuição social sobre o terço constitucional (Tema 985), com modulação de efeitos definida nos embargos — a cobrança se dá a partir do marco fixado pelo STF (publicação da ata do acórdão de mérito em 15/9/2020). 4
- Décimo terceiro salário (gratificação natalina): possui natureza remuneratória, integrando a base, ressalvadas discussões marginais sobre frações vinculadas a verbas não salariais (v. g., reflexo do aviso prévio indenizado no 13º proporcional). 5
Verbas de natureza indenizatória (não incidem, em regra)
- Aviso prévio indenizado: o STJ, em Tema 478 (recursos repetitivos), firmou que não incide contribuição patronal por se tratar de verba não salarial. 6
- Salário-maternidade: o STF (Tema 72) declarou inconstitucional a incidência da contribuição patronal, por se tratar de benefício previdenciário custeado pela Previdência e por razões de isonomia de gênero. 7
- Primeiros 15 dias de afastamento por doença/acidente (antes do auxílio-doença): não incide, por natureza indenizatória, conforme orientação firmada no próprio Tema 478/STJ e julgados correlatos. 8
- Vale-transporte pago em dinheiro
(desde que atendidos os requisitos legais) → não integra o salário-de-contribuição, igualmente segundo a lógica indenizatória já reconhecida em precedentes do STJ. 9
Horas extras / Adic. noturno / Periculosidade / Insalubridade → incide (natureza salarial; STJ repetitivos 687/688/689; insalubridade em 2024). 10
Terço de férias (gozadas) → incide (STF Tema 985; com modulação a partir de 15/9/2020). 11
Aviso prévio indenizado → não incide (STJ Tema 478). 12
Salário-maternidade → não incide (STF Tema 72). 13
15 dias iniciais de afastamento → não incide (indenizatório; STJ Tema 478 e correlatos). 14
Fundamentos constitucionais e legais
Constituição e o conceito de ganhos habituais
O STF, ao definir o Tema 20 da repercussão geral, assentou que a contribuição patronal incide sobre ganhos habituais do empregado, antes e depois da EC 20/1998, fixando a “bússola” interpretativa do sistema. 15 O art. 201, §11, indica que “ganhos habituais, a qualquer título, serão incorporados ao salário para fins de contribuição previdenciária”, reforçando o caráter instrumental dessa base: aquilo que aumenta o benefício futuro deve compor a contribuição presente. 16
Lei 8.212/1991 e a lista de exclusões (art. 28, §9º)
O art. 28 codifica o conceito de salário-de-contribuição e segrega, no §9º, diversas parcelas excluídas (indenizatórias ou não habituais). Porém, a palavra final sobre a qualificação de cada verba tem sido dada em temas repetitivos e de repercussão geral, que alternam e refinam a lista legal à luz da Constituição — como ocorreu com o salário-maternidade (exclusão por inconstitucionalidade, Tema 72) e com o terço de férias (inclusão, Tema 985). 17
Tesouros jurisprudenciais que mudam a base de cálculo
Tema 985/STF – Terço de férias
Após controvérsia de anos, o STF fixou a tese: “É legítima a incidência” sobre o terço constitucional de férias. Nos embargos, modulou-se a cobrança para valer a partir de 15/9/2020 (data da publicação da ata). Para quem cumpre folha, isso significou ajuste de parametrização a partir do marco temporal e, para o contencioso, revisão de passivos/ativos com observância da modulação. 18
Tema 72/STF – Salário-maternidade
Em sentido oposto, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da incidência sobre o salário-maternidade, por ser benefício previdenciário e por violar a isonomia de gênero (tributo que encarece a maternidade). Efeitos práticos: necessidade de cessar a incidência e avaliar recuperação de valores recolhidos a maior, observada a prescrição. 19
Tema 478/STJ – Aviso prévio indenizado
O STJ, em repetitivo, definiu que o aviso prévio indenizado não sofre incidência por não remunerar trabalho, mas indenizar a dispensa. A Corte também alinhou que vale-transporte e os 15 dias iniciais de afastamento têm natureza indenizatória. 20
Repetitivos 687/688/689/STJ e decisão de 2024 sobre insalubridade
Em bloco, o STJ assentou a incidência sobre horas extras, adicional noturno e periculosidade. Em 2024, a Primeira Seção — também sob rito repetitivo — afirmou a incidência sobre o adicional de insalubridade, por ser verba de natureza salarial e habitual, fora do rol de exclusões do art. 28, §9º. 21
• Tema 20/STF – base na habitualidade (paradigma). 22
• 2014 (STJ Tema 478) – não incide sobre aviso prévio indenizado e 15 dias iniciais. 23
• 2020→2024 (STF Tema 985 + modulação) – incide sobre terço de férias, com efeitos a partir de 15/9/2020. 24
• 2020→2023 (STF Tema 72) – não incide sobre salário-maternidade. 25
• 2024 (STJ) – insalubridade: incide (repetitivo). 26
Visualização didática – mapa de risco por natureza de verba
Gráfico meramente ilustrativo para treinamento interno; substitua com dados do seu payroll e período de apuração.
Implementação prática na folha: rotinas, auditoria e contencioso
Parametrização e compliance
- Classifique cada verba paga no sistema (rubrica) por natureza jurídico-tributária, vinculando-a a tese jurisprudencial quando houver.
- Atualize regras após mudanças de jurisprudência, com atenção especial à modulação (ex.: terço de férias a partir de 15/9/2020). 27
- Documente o racional (memorando jurídico) por rubrica, anexando os acórdãos/temas correspondentes para auditorias.
Gestão de passivos e recuperação de créditos
- Onde a jurisprudência passou a afastar a incidência (ex.: salário-maternidade), avalie repetição/compensação do indébito observando prescrição quinquenal e controles do eSocial/Per/DCOMP. 28
- Onde a jurisprudência passou a exigir a incidência (terço de férias), cheque se a empresa recolheu conforme a modulação temporal e, se necessário, regularize diferenças. 29
Casos-limite e pontos de atenção
Décimo terceiro proporcional vinculado ao aviso prévio indenizado
Embora o aviso indenizado em si não integre a base (Tema 478/STJ), há decisões pontuais discutindo a repercussão no 13º proporcional. Em políticas de risco conservadoras, empresas tendem a segregar a fração, registrando racional e buscando orientação especializada. 30
Insalubridade e habitualidade
O repetitivo de 2024 do STJ pacificou a incidência sobre o adicional de insalubridade. Na prática, a discussão remanescente costuma residir na habitualidade e efetiva exposição (provas técnicas) — matéria fática que pode impactar outros reflexos trabalhistas e previdenciários. 31
Férias indenizadas x férias gozadas
O Tema 985 cuidou do terço de férias gozadas. Nas parcelas indenizadas, a discussão envolve a natureza (se indenizatória ou mista) e o alcance exato do precedente no caso concreto. Revisar a documentação e a rubrica específica é a boa prática para evitar autuações.
1) Matriz de rubricas com natureza e base legal; 2) Logs de alterações por decisão judicial; 3) Checklist de modulações (ex.: 15/9/2020 – terço de férias); 4) Reconciliação entre eSocial, GFIP/SEFIP legado e EFD-Reinf; 5) Memorandos com Temas STF/STJ por verba; 6) Auditorias periódicas; 7) Plano de ação para recuperação de indébitos e mitigação de passivos.
Impactos econômicos e comunicação com a gestão
Projeção de custo e cenários
Alterações jurisprudenciais alteram o custo previdenciário do trabalho. O reconhecimento da incidência sobre o terço de férias (com modulação) pressiona a folha a partir do marco temporal; a exclusão do salário-maternidade reduz o custo patronal e mitiga vieses de gênero na contratação. Uma governança madura apresenta cenários (baseline, conservador, agressivo) com premissas documentadas para o orçamento.
Indicadores (ilustrativos)
Use seus próprios dados para mensurar impacto. O gráfico é pedagógico.
Erros comuns e como evitá-los
Confundir “indenização” com “não incidência” automática
Nem toda verba rotulada como “indenizatória” escapa da base; o que importa é a natureza jurídica efetiva reconhecida na jurisprudência. Por isso, é vital amarrar cada rubrica a temas STF/STJ e a precedentes recentes.
Ignorar modulação temporal
Decisões com modulação (como o Tema 985) exigem controles por competência. Recolher antes do marco quando não devido (ou depois sem recolher) cria passivos/indébitos. 32
Falhas de integração eSocial/EFD-Reinf
Quando rubricas não estão coerentes entre eventos periódicos e não periódicos, surgem inconsistências e autuações. Padronize códigos, leia eventos S-1200/S-1210/S-2299 e reconcilie com a DCTFWeb.
• Onde está a matriz de rubricas com natureza e precedentes?
• Como vocês tratam o terço de férias antes/depois de 15/9/2020? 33
• Há memorial de cálculo para exclusão do salário-maternidade (Tema 72) e recuperação do indébito? 34
• O aviso prévio indenizado está fora da base conforme Tema 478 (STJ)? 35
• Os adicionais (noturno, periculosidade, insalubridade) integram a base com documentação dos repetitivos? 36
Conclusão: classificar bem, documentar melhor e atualizar sempre
A incidência da contribuição previdenciária sobre verbas trabalhistas no Brasil se estrutura em torno de três pilares: habitualidade/remuneração (regra de incidência), indenização/eventualidade (regra de não incidência) e jurisprudência vinculante (que ajusta o mapa com teses específicas). Hoje, a fotografia predominante é: incide sobre salário e adicionais habituais (horas extras, noturno, periculosidade e insalubridade); incide sobre o terço de férias gozadas com modulação temporal; não incide sobre salário-maternidade, aviso prévio indenizado, 15 dias iniciais de afastamento e vale-transporte (conforme precedentes). Ao implementar, a boa prática é: mapear rubricas, amarrar precedentes, parametrizar sistemas e revisar continuamente. Assim, a empresa reduz riscos, evita recolhimentos indevidos e assegura conformidade com as decisões do STF/STJ — hoje o verdadeiro “código-fonte” da folha previdenciária no país.
- Regra-matriz: contribuição previdenciária incide sobre remuneração habitual do trabalho; verbas indenizatórias/eventuais ficam, em regra, fora da base.
- Base constitucional e legal: CF arts. 195, I e 201, §11; Lei 8.212/1991, art. 28 (salário-de-contribuição) e §9º (exclusões).
- Incide (natureza remuneratória): salário-base, horas extras, adicional noturno, periculosidade, insalubridade, gratificações habituais e 13º.
- Terço de férias (gozadas): incide por decisão do STF (Tema 985) com modulação a partir de 15/09/2020.
- Não incide (indenizatória): aviso prévio indenizado (STJ Tema 478), primeiros 15 dias de afastamento por doença/acidente, vale-transporte (requisitos legais) e salário-maternidade (STF Tema 72).
- Décimo terceiro: integra a base; atenção a reflexos de verbas indenizatórias (ex.: aviso indenizado) que não compõem o 13º para fins de contribuição.
- Férias indenizadas x gozadas: foco na natureza; gozadas (terço) sofrem incidência, parcelas indenizadas demandam análise específica.
- Habitualidade: adicional pago com constância integra a base; pagamentos esporádicos exigem prova da eventualidade.
- Folha e sistemas: mantenha matriz de rubricas (natureza + fundamento), parametrização por competência e histórico de alterações por decisões STF/STJ.
- eSocial/DCTFWeb: alinhe eventos S-1200/S-1210/S-2299 e EFD-Reinf; reconcilie bases e totalizadores antes do fechamento para evitar autuações.
- Auditoria interna: guarde memorandos por verba com Temas/STF-STJ; registre checklist de modulação (ex.: 15/09/2020) e evidências de não incidência.
- Recuperação de créditos: onde a incidência foi afastada (p.ex., salário-maternidade), avalie repetição/compensação dentro do prazo quinquenal.
- Gestão de risco: em zonas cinzentas (frações de 13º vinculadas a verbas indenizatórias, bônus híbridos), adote posição conservadora ou busque decisão administrativa/judicial.
- Comunicação com a gestão: projete cenários de custo (baseline, +terço de férias, –salário-maternidade) e documente premissas para orçamento.
- Mensagem final: classifique corretamente a verba, documente o fundamento e atualize a folha quando a jurisprudência mudar; isso reduz passivos e evita recolhimentos indevidos.
O que define se há contribuição previdenciária sobre uma verba trabalhista?
A regra-matriz é a natureza da verba. Se for remuneratória e habitual (remunera o trabalho prestado), integra o salário-de-contribuição e sofre incidência. Se for indenizatória (repara um dano/custo, sem remunerar trabalho) ou meramente eventual, tende a ficar fora da base. Esse critério decorre da Constituição (arts. 195, I, e 201, §11) e da Lei 8.212/1991 (art. 28 e §9º), bem como da orientação vinculante do STF e do STJ.
Quais verbas costumam integrar a base de cálculo?
Via de regra: salário-base, horas extras, adicional noturno, periculosidade, insalubridade, gratificações habituais e 13º salário. Todas têm perfil de remuneração do trabalho e habitualidade.
O terço constitucional de férias sofre contribuição?
Sim, quando se trata de férias gozadas. O STF (Tema 985) firmou a incidência, com modulação de efeitos: em linhas gerais, a cobrança passou a ser exigível a partir da publicação da decisão de mérito (15/09/2020). Já férias indenizadas exigem análise específica da rubrica e do contexto de pagamento.
Sobre quais verbas a contribuição não deve incidir?
Entre as principais exclusões: salário-maternidade (STF, Tema 72 – inconstitucionalidade da cobrança), aviso prévio indenizado (STJ, Tema 478), os primeiros 15 dias de afastamento por doença/acidente (natureza indenizatória), e o vale-transporte (atendidos os requisitos legais). Outras hipóteses constam do art. 28, §9º, da Lei 8.212/1991.
PLR, ajuda de custo e diárias entram na base?
PLR não integra o salário de contribuição quando paga conforme a Lei 10.101/2000 (critérios formais e metas). Ajuda de custo e diárias podem ser excluídas quando efetivamente indenizatórias (ressarcitórias) e dentro dos limites legais. Pagamentos que, na prática, funcionem como salário disfarçado tendem a ser requalificados.
Como ficam os adicionais de insalubridade, periculosidade e noturno?
Quando habitualmente pagos, são remuneratórios e integram a base. O STJ consolidou a incidência sobre horas extras, adicional noturno, periculosidade e também firmou entendimento pela incidência sobre o adicional de insalubridade em julgamento repetitivo recente.
O 13º salário sempre sofre contribuição?
Sim, pois é verba remuneratória anual. Atenção apenas a reflexos de parcelas indenizatórias (por exemplo, parcelas vinculadas a aviso prévio indenizado): aquilo que não integra o salário-de-contribuição não deve ser projetado para fins de incidência no 13º.
O que devo fazer na folha para ficar em conformidade?
Manter uma matriz de rubricas com a natureza (remuneratória/indenizatória), o fundamento legal e o precedente (Tema STF/STJ) aplicável; parametrizar sistemas conforme a modulação temporal (ex.: terço de férias a partir de 15/09/2020); arquivar memorandos jurídicos; e reconciliar informações entre eSocial/DCTFWeb/EFD-Reinf.
Posso recuperar valores pagos a maior ou regularizar diferenças?
Sim. Onde a jurisprudência afastou a incidência (p. ex., salário-maternidade), avalia-se restituição/compensação observando a prescrição quinquenal e as regras da Receita (Per/Dcomp). Onde passou a exigir a incidência (p. ex., terço de férias gozadas), é prudente revisar a competência afetada e regularizar.
Quais são os principais erros que geram autuação?
Confundir rótulo “indenizatório” com não incidência automática; ignorar habitualidade; desconsiderar modulação de decisões; e manter rubricas divergentes entre eventos do eSocial. O antídoto é classificação correta, documentação e atualização contínua conforme STF/STJ.
Base técnica com fontes legais:
• Constituição Federal: art. 195, I (contribuição sobre folha) e art. 201, §11 (ganhos habituais).
• Lei 8.212/1991: art. 28 (salário-de-contribuição) e §9º (exclusões).
• STF – Temas: 20 (ganhos habituais), 72 (salário-maternidade – não incide), 985 (terço de férias gozadas – incide, com modulação).
• STJ – Temas Repetitivos: 478 (aviso prévio indenizado/15 dias – não incide); blocos sobre horas extras, adicional noturno, periculosidade e decisão repetitiva pela incidência sobre insalubridade.
• Lei 10.101/2000 (PLR) – requisitos para não integração ao salário de contribuição.
• Normas de cumprimento: eSocial, EFD-Reinf e DCTFWeb (integração e fechamento de bases).
Este material é informativo e educativo. Ele não substitui a atuação de um(a) profissional qualificado(a) — contador(a) e/ou advogado(a) — que poderá analisar documentos, rubricas e decisões aplicáveis ao seu caso, definir estratégias de regularização e orientar a recuperação de créditos com segurança.
