Contratos Onerosos e Gratuitos: Diferenças, Exemplos e Responsabilidades Legais
Conceitos essenciais: o que são contratos onerosos e gratuitos
Na classificação obrigacional do Código Civil, a nota da onerosidade ou gratuidade incide sobre o
caráter econômico das prestações. Em linhas gerais, contrato oneroso é aquele em que ambas as partes assumem prestações
com sacrifícios patrimoniais equivalentes ou comutáveis; cada parte visa obter um benefício em troca de um custo
(ex.: compra e venda, locação, prestação de serviços, seguro). Já o contrato gratuito (ou “benéfico”) confere
proveito a apenas uma parte, impondo à outra apenas o encargo (ex.: doação simples, comodato, depósito voluntário, mútuo gratuito).
Essa classificação é transversal, convivendo com outras (típicos/atípicos; unilaterais/bilaterais; comutativos/aleatórios). A onerosidade
costuma andar junto da bilateralidade e comutatividade, mas não é requisito lógico: há contratos aleatórios e onerosos (seguro)
e contratos gratuitos porém bilaterais em deveres acessórios (ex.: comodato, em que o comodatário tem obrigações de guarda e devolução).
427 (oferta), 421-A, IV (alocação de riscos), títulos específicos: compra e venda (arts. 481–532), locação (565–578),
prestação de serviços (593–609), empreitada (610–626), doação (538–564), comodato (579–585),
depósito (627–652), mútuo (586–592), seguro (757–802). CDC (Lei 8.078/1990) e LGPD (Lei 13.709/2018) quando houver relação de consumo e tratamento de dados.
Critérios práticos para identificar a onerosidade ou gratuidade
- Fluxo econômico: existe preço, remuneração, reembolso sistemático ou contraprestação? Se sim, tende a ser oneroso.
- Alocação de riscos: contratos que repartem riscos (ex.: atraso, desempenho, garantia) e preveem caps e multas são tipicamente onerosos.
- Finalidade do disponente: há animus donandi ou liberalidade? Indício de gratuidade.
- Encargos e deveres acessórios: mesmo em contratos gratuitos, o beneficiário costuma assumir deveres de guarda, conservação e restituição.
- Cláusulas de preço: reajuste, índice, marcos de pagamento, retenções e incentivos de performance sinalizam onerosidade.
Quadro comparativo: efeitos jurídicos predominantes
Aspecto | Contratos Onerosos | Contratos Gratuitos |
---|---|---|
Prestação | Recíprocas e correlatas; sinalagma econômico | Proveito a uma parte; encargo à outra (sem preço) |
Defesas | Exceptio non adimpleti contractus (art. 476 CC) e cumprimento simultâneo (art. 477) | Regra geral não há exceptio; incidem deveres de guarda e restituição |
Responsabilidade | Mais intensa; evicção e vícios redibitórios (arts. 441–457) | Responsabilidade do disponente tende a ser atenuada; liberalidade pode ser revogada em hipóteses legais |
Risco | Risco alocado por matriz contratual, caps e garantias | Risco centrado na guarda/use do objeto pelo beneficiário |
Exemplos | Compra e venda, locação, prestação de serviços, empreitada, seguro, franquia | Doação, comodato, depósito, mútuo gratuito, uso gratuito de espaço |
Contratos onerosos: estrutura, riscos e boas práticas
Estrutura econômica e sinalagma
Em contratos onerosos, preço, marcos de entrega e aceite documentado garantem o equilíbrio.
O preço pode ser fixo, variável, por reembolso de custos com fee, ou baseado em indicadores (KPIs/SLA). O sinalagma permite suspender a execução
diante do inadimplemento alheio (art. 476 CC) e exigir cumprimento simultâneo (art. 477 CC).
Garantias e mecanismos de mitigação
- Arras (confirmatórias ou penitenciais) para reforço de vínculo e multa;
- Seguro-garantia e performance bond em empreitadas e fornecimentos críticos;
- Retenções vinculadas a marcos de aceite e service credits por descumprimento de SLA;
- Cláusulas de limitação de responsabilidade (caps) e exclusões (lucros cessantes, danos indiretos) compatíveis com o CC e, se consumo, com o CDC;
- Matriz de riscos clara (força maior, hardship, variação cambial, cadeia de suprimentos);
- Auditoria e governança: reuniões de performance, change orders, e logs de aceite.
Responsabilidade por vícios e evicção
Nos onerosos, o alienante responde por vícios redibitórios (arts. 441–446) e por evicção (arts. 447–457),
salvo estipulações de grau de conhecimento ou renúncia válida quando admitida (com cautela especial em relações de consumo).
Em serviços, a aderência a escopo e padrões de qualidade é essencial para delimitar a responsabilidade.
SLA de disponibilidade (99,5%), multas progressivas, cláusula de suspensão por falta de pagamento (art. 476),
LGPD com papéis de controlador/operador, e seguro de responsabilidade profissional.
Contratos gratuitos: função social, deveres e limites
Finalidade e liberalidade
A gratuidade se funda na liberalidade (animus donandi) ou na concessão de uso sem remuneração. Mesmo sem preço,
a disciplina da boa-fé objetiva (art. 422 CC) e da função social (art. 421) impõe deveres de lealdade, cooperação e mitigação de danos.
O beneficiário não pode abusar da liberalidade; o disponente deve agir com diligência mínima e transparência.
Obrigações típicas
- Comodatário: conservar a coisa, usá-la conforme ajustado, restituir no prazo; responde por perdas se usar indevidamente (arts. 579–585).
- Depositário: guarda e restituição da coisa; responsabilidade pela custódia (arts. 627–652).
- Mútuo gratuito: devolução da coisa fungível na mesma espécie/qualidade/quantidade (arts. 586–592), sem juros remuneratórios.
- Doação: respeita capacidade do doador, forma (eventualmente pública), possibilidade de revogação por ingratidão ou inexecução de encargo (arts. 555–564).
(i) descrever o objeto e a finalidade; (ii) regras de uso e proibição de subutilização;
(iii) vistoria/estado de conservação; (iv) prazo e restituição (com local e condição); (v) despesas ordinárias/extraordinárias;
(vi) responsabilidade por danos; (vii) hipóteses de revogação (doação) ou rescisão imediata por abuso.
Exemplos comentados e cláusulas críticas
Compra e venda de bens (oneroso)
Elementos: preço, objeto, prazo de entrega e aceite. Cláusulas essenciais: transferência de risco (Incoterms em operações internacionais),
tolerâncias, garantia e tratamento de vícios. Em caso de evicção, garantir indenização e possibilidade de substituição do bem.
Locação de imóveis (oneroso)
Aluguel, encargos, reajuste, garantias (fiança, seguro-fiança, caução), vistorias e manutenção. Em consumo, observar transparência de taxas e
proibições de abusividade (CDC, se aplicável). A ordem de cumprimento e as penalidades devem respeitar a comutatividade do contrato.
Prestação de serviços com SLA (oneroso)
Especificar escopo, KPIs, janelas de manutenção, níveis de serviço e service credits. Dados pessoais? Inserir aditivo LGPD.
Estabelecer cap de responsabilidade proporcional ao risco e seguros obrigatórios.
Doação com encargo (gratuito com ônus)
Embora gratuito, o encargo pode impor obrigações ao donatário (ex.: conservar obra, afetar recursos a fim específico). Em caso de inexecução do encargo,
cabe revogação (arts. 562–564). Atenção à capacidade do doador e à forma (escritura pública para bens de valor relevante).
Comodato de equipamentos (gratuito)
O comodatário suporta despesas ordinárias de uso e responde por perda por uso diverso do pactuado. Vistorias, fotos e relatórios de devolução
reduzem litígio. Incluir cláusula de restituição antecipada por necessidade do comodante.
Risco, incentivos e desenho contratual: como a onerosidade influencia
Em onerosos, o desenho de incentivos (bônus/malus, marcos, retenções) e a alocação clara de riscos reduzem custos de transação e
litígios. Em gratuitos, a ênfase está na conservação e no direito de reaver o bem sem pagamento. A função social (art. 421)
harmoniza interesses e preserva a utilidade econômica/social do negócio.
Gráfico ilustrativo — Intensidade média de obrigações (indicativa)
Nota: gráfico conceitual para fins didáticos. A intensidade real depende do tipo contratual, setor e alocação de riscos negociada (art. 421-A CC).
Dicas de redação contratual conforme a natureza econômica
Se o contrato é oneroso:
- Defina escopo com precisão; use anexos técnicos, KPIs/SLA e critérios de aceite documentado.
- Regule preço, reajustes e impostos; vincule pagamentos a entregas com retenções proporcionais.
- Preveja multas, service credits, caps e seguros compatíveis com o risco.
- Insira cláusulas de suspensão por inadimplemento (art. 476) e de resolução (art. 475) com efeitos detalhados.
- Evite ambiguidades: matriz de riscos, força maior, hardship, variação cambial e governança de mudanças.
Se o contrato é gratuito:
- Explicite a liberalidade e a finalidade do uso; descreva estado do bem e vistorias.
- Estabeleça regras de conservação, proibições de uso e responsabilidade por desgaste indevido.
- Fixe prazo e protocolo de restituição (local, condição, transporte), com penalidades moderadas e proporcionais.
- Nos casos de doação, trate de revogação por ingratidão ou inexecução de encargo, observando forma e capacidade.
- Proteja dados, segredos e reputação: mesmo gratuitos, confidencialidade e LGPD podem ser exigíveis.
(1) tratar comodato como “empréstimo sem regras” → ausência de vistoria e devolução problemática;
(2) contratos onerosos sem KPIs e aceite → disputa sobre qualidade;
(3) silenciar sobre evicção/vícios na compra e venda;
(4) esquecer caps e seguros em serviços críticos;
(5) confundir mútuo gratuito com financiamento e não disciplinar prazos de devolução.
Interação com o CDC, contratos de adesão e plataformas
Se houver consumidor, incidem deveres de informação adequada, equilíbrio e controle de abusividade.
Em plataformas digitais (marketplaces, SaaS), ainda que a contraprestação seja “zero” para o usuário, pode existir uma onerosidade indireta
via dados, publicidade ou engajamento. Transparência e consentimentos (LGPD) são indispensáveis — a forma aparente de gratuidade não elimina deveres.
Casos-limite e zona cinzenta: quando a natureza econômica muda
- Doação com encargo relevante: aproxima-se de onerosidade parcial, exigindo cumprimento fiel do encargo.
- Comodato com reembolsos sistemáticos: pode “bilateralizar” a ponto de justificar remuneração mínima.
- Provas e registros: e-mails, checklists de entrega, fotos de vistoria e ordens de serviço são decisivos para qualificar a natureza e resolver litígios.
Conclusão
Classificar um contrato como oneroso ou gratuito não é apenas exercício acadêmico: orienta responsabilidade, remédios contratuais,
alocação de risco e a própria governança do negócio. Nos onerosos, o foco está no equilíbrio econômico, desempenho e garantias;
nos gratuitos, nos deveres de conservação, uso adequado e possibilidade de revogação. Uma redação clara, proporcional e aderente à boa-fé (art. 422)
e à função social (art. 421) reduz litígios, facilita a execução e dá previsibilidade. Use matrizes de risco, anexos técnicos, indicadores,
checklists de vistoria e protocolos de devolução: são instrumentos simples que fazem grande diferença no ciclo de vida contratual.
- Contratos onerosos: envolvem prestações recíprocas e contraprestação financeira; ambas as partes obtêm vantagens e assumem obrigações.
- Contratos gratuitos: apenas uma das partes é beneficiada, e a outra age por liberalidade, sem contraprestação.
- Base legal: arts. 421, 421-A, 422, 475, 476, 538–564, 579–585 e 627–652 do Código Civil; aplicável o CDC em relações de consumo.
- Exemplos onerosos: compra e venda, locação, prestação de serviços, franquia, seguro e empreitada.
- Exemplos gratuitos: doação, comodato, mútuo gratuito e depósito voluntário.
- Responsabilidade: maior nos contratos onerosos (vícios, evicção, perdas e danos); limitada nos gratuitos.
- Deveres do beneficiário: conservar, usar conforme o ajustado e devolver o bem quando aplicável.
- Regras de boa-fé e função social: incidem em ambos os tipos, impondo lealdade, transparência e cooperação.
- Risco e matriz contratual: em contratos onerosos, define obrigações, garantias e penalidades; nos gratuitos, protege o disponente.
- Recomendação prática: detalhar objeto, prazos, encargos e responsabilidades em cláusulas específicas para evitar litígios.
FAQ — Contratos onerosos e gratuitos (conceitos e exemplos)
O que diferencia um contrato oneroso de um gratuito?
Contratos onerosos envolvem prestações recíprocas com contraprestação econômica (ex.: compra e venda, locação, serviços). Contratos gratuitos (benéficos) conferem proveito a uma parte sem preço/remuneração, por liberalidade (ex.: doação simples, comodato, depósito voluntário). Base: CC arts. 421, 421-A, 422; compra e venda (481–532), doação (538–564), comodato (579–585), depósito (627–652), mútuo (586–592).
A “exceção de contrato não cumprido” (art. 476 CC) se aplica nos gratuitos?
É típica de contratos onerosos bilaterais: permite suspender a prestação enquanto a outra parte não cumpre a sua (art. 476) e exigir cumprimento simultâneo (art. 477). Em gratuitos, via de regra não há contraprestação correlata; subsistem deveres de boa-fé e, p.ex., de guarda e restituição no comodato.
Doação com encargo transforma a natureza do contrato?
Não. Continua sendo gratuito, embora imponha obrigação ao donatário; o descumprimento pode permitir revogação (arts. 562–564 CC). Se o “encargo” equivaler a um preço disfarçado, a operação deve ser tratada com cautelas típicas de contratos onerosos (garantias, matriz de riscos).
Como fica a responsabilidade por vícios e evicção?
Nos onerosos, o alienante responde por vícios redibitórios (arts. 441–446 CC) e evicção (arts. 447–457 CC), salvo pactos válidos fora do consumo. Nos gratuitos, a responsabilidade tende a ser mitigada, mas permanece por dolo, culpa grave e inobservância de deveres legais/contratuais.
Quais exemplos típicos de cada categoria?
Onerosos: compra e venda, locação, prestação de serviços, empreitada, franquia, seguro. Gratuitos: doação, comodato, mútuo gratuito, depósito voluntário, cessão de uso sem remuneração.
Em apps “gratuitos”, existe onerosidade indireta?
Sim. Pode haver onerosidade indireta por dados pessoais, publicidade ou engajamento. Incidem boa-fé (art. 422 CC), função social (art. 421 CC), CDC quando há consumidor (Lei 8.078/1990) e LGPD (Lei 13.709/2018) para bases legais, transparência e segurança.
Quais cuidados mínimos em contratos gratuitos como o comodato?
Descrever objeto/estado, finalidade e limites de uso, prazo e protocolo de restituição, vistorias, despesas e responsabilidade por danos (arts. 579–585 CC). O comodatário responde por uso diverso do ajustado e mora na devolução.
Posso limitar a responsabilidade em contratos onerosos?
Em regra, sim, com proporcionalidade e respeito às normas imperativas. Em consumo, cláusulas que exonerem/atenuem responsabilidade por vício/defeito tendem a ser abusivas (arts. 24–25 e 51 CDC). Em relações civis/empresariais, são usuais caps, exclusões de danos indiretos e multas compatíveis (art. 421-A, IV CC).
Como a classificação impacta remédios contratuais?
Nos onerosos: exceptio non adimpleti (art. 476), cumprimento simultâneo (art. 477) e resolução por inadimplemento (art. 475). Nos gratuitos: regras específicas (p.ex., revogação da doação; rescisão do comodato) e deveres de conservação/restituição.
Quais boas práticas de redação segundo a natureza econômica?
Onerosos: escopo, preço/reajuste, KPIs/SLA, garantias (arras, seguro-garantia), matriz de risco, caps, governança de mudanças. Gratuitos: liberalidade, finalidade de uso, vistoria, conservação, devolução e hipóteses de revogação/rescisão.
Base técnica (fontes legais principais)
- Código Civil/2002: arts. 421, 421-A, 422, 441–457, 475–477, 481–532, 538–564, 579–585, 586–592, 593–609, 610–626, 627–652.
- CDC (Lei 8.078/1990): arts. 6º, 14, 24–25, 39, 51.
- LGPD (Lei 13.709/2018): princípios, bases legais e segurança da informação quando há tratamento de dados.
Aviso importante: Este material é informativo e foi elaborado com base em normas amplamente utilizadas. Ele não substitui a análise individual por um(a) profissional habilitado(a). Cada caso exige avaliação das cláusulas, documentos, contexto fático e regras setoriais para definição de estratégia, responsabilidades e garantias adequadas.