Arbitragem e mediação

Confidencialidade na Arbitragem: Proteção, Sigilo e Impactos Jurídicos na Prática

Tópicos +

  • O que é confidencialidade arbitral e por que importa para empresas, investidores e entes públicos.
  • Base normativa brasileira: Lei de Arbitragem, CPC, LGPD e regulamentos institucionais.
  • Alcance: quem é obrigado, o que fica protegido e quando há exceções.
  • Integração com o Judiciário: como manter o sigilo em medidas de apoio e execução.
  • Governança de dados: cláusulas, ordens de proteção, cibersegurança e clean rooms.
  • Boas práticas e erros que vazam informação.

Conceito e valor estratégico

Confidencialidade na arbitragem é o conjunto de deveres de sigilo sobre existência do caso, documentos, provas, memoriais, deliberações e, em certas hipóteses, sentenças. Diferentemente do processo judicial, que é regido pelo princípio da publicidade, a arbitragem oferece uma arena reservada para controvérsias sensíveis: disputas societárias, tecnologia, preços e fórmulas comerciais, contratos de M&A, compliance e relações de investimento. O sigilo reduz riscos reputacionais, evita efeitos colaterais de mercado e estimula negociações mais francas, preservando vantagens competitivas.

Base normativa brasileira e enquadramento

No Brasil, a Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) não impõe um sigilo automático universal. A confidencialidade decorre principalmente de convenção das partes (cláusula compromissória ou termo de arbitragem) e/ou dos regulamentos das câmaras, que usualmente preveem deveres de sigilo a árbitros, secretarias e, quando pactuado, às partes e a terceiros envolvidos. O CPC/2015 dialoga com esse regime ao permitir segredo de justiça quando o processo judicial tratar de arbitragem em sigilo ou envolver dados comerciais sensíveis (art. 189, IV). Nos litígios com Administração Pública, a própria Lei de Arbitragem, na redação da Lei 13.129/2015, exige publicidade de certos atos (p. ex., publicação de sentenças), preservando informações estratégicas e segredos industriais.

A LGPD agrega uma camada essencial: dados pessoais — especialmente sensíveis — devem ter base legal, minimização, segurança e governança ao longo do procedimento (compartilhamento com peritos, e-discovery, clouds de câmaras, etc.).

Quem é obrigado e o que exatamente fica protegido

  • Árbitros, secretários e a instituição: habituamente sujeitos a dever contratual e ético de confidencialidade sobre atos, deliberações e documentos.
  • Partes e seus representantes: ficam obrigados quando o regulamento assim prevê ou quando existe cláusula específica ou ordem processual que imponha sigilo.
  • Terceiros (peritos, testemunhas, fact witnesses): devem assinar termos de confidencialidade e observar as protective orders emitidas pelo tribunal arbitral.

O escopo do sigilo pode abranger: existência da arbitragem, peças e provas, laudos periciais, ordens processuais e a sentença. Muitas câmaras publicam abstracts anônimos para fins acadêmicos/estatísticos, prática compatível com o sigilo quando há anonimização.

Dicas de redação contratual (cláusula de confidencialidade)

  • Defina escopo (“todas as informações, documentos, comunicações e decisões relativas à arbitragem”).
  • Identifique obrigados (partes, controladoras/afiliadas, árbitros, consultores, peritos e prestadores).
  • Preveja exceções: exigência legal/regulatória, defesa de direitos, comunicação a auditores e financiadores (third-party funding) sob NDA.
  • Estabeleça padrões de segurança (criptografia, controles de acesso, vedação a messengers não corporativos).
  • Preveja sanções por violação (multa reputacional/indenização, possibilidade de ordens de contenção pelo tribunal).

Exceções e necessidade de publicidade

O sigilo cede quando há dever legal ou legítimo interesse superior: cumprimento de obrigações regulatórias (CVM, Banco Central), demonstrações financeiras auditadas, defesa em processo judicial, arbitragem com entes públicos sujeita à transparência e eventuais ordens judiciais. Nesses cenários, aplica-se o princípio da divulgação mínima necessária com redação de trechos sensíveis e controle de destinatários.

Judicialização de apoio: como proteger o sigilo no Judiciário

Arbitragens muitas vezes demandam medidas de apoio (tutelas de urgência, cartas arbitrais, depoimentos coercitivos) ou cumprimento/execução da sentença. Como o processo judicial é, em regra, público, é imprescindível requerer segredo de justiça (CPC art. 189, IV), juntar versões expurgadas de documentos e apresentar memoriais de confidencialidade justificando a proteção de segredos comerciais e dados pessoais. Também se recomenda protocolo eletrônico classificado quando o tribunal oferecer essa opção.

Governança de dados e cibersegurança

Com provas digitais intensas, o maior risco ao sigilo é técnico, não jurídico. Boas práticas:

  • Data rooms com controle granular de acesso (log, download controlado, marca d’água, read-only).
  • Protocolos de e-mail e messaging: proibir apps pessoais; exigir MFA e criptografia.
  • Produção de documentos com redações consistentes (aplicar review jurídico e técnico; manter logs de versões).
  • Planos de resposta a incidentes (vazamento/ransomware) com comunicações pré-redigidas e acionamento do tribunal arbitral.
  • Termos de NDA individuais para testemunhas e peritos; cláusula de devolução/eliminação ao final do caso.
“Gráfico” qualitativo — onde o sigilo mais falha

Trocas informais (apps pessoais)
alto
Petições no Judiciário sem pedido de segredo
alto
Perícia sem NDA robusto
médio
Publicações involuntárias (assembleias/RI)
médio

Indicadores qualitativos baseados em práticas forenses; a incidência real varia por setor e maturidade de governança.

Financiamento por terceiros, auditores e stakeholders

O third-party funding (TPF) e a participação de auditores externos ou consultores exigem bases contratuais claras para compartilhamento de informações: NDA, limitação de uso, dever de destruição pós-uso e, quando necessário, ordem processual do tribunal. Em companhias abertas, coordenar com o RI o que deve ser divulgado ao mercado, sob o princípio da materialidade e da divulgação mínima.

Boas práticas e erros a evitar

Boas práticas Erros comuns
Prever cláusula de confidencialidade detalhada na cláusula arbitral e no termo processual Assumir que a confidencialidade é automática por lei para todos os casos
Requerer segredo de justiça em toda interação com o Judiciário Juntar documentos sensíveis sem redação ou classificação
Implementar data room e controle de versões Compartilhar arquivos por e-mails pessoais ou mensageiros abertos
Assinar NDA com peritos/testemunhas e registrar logs de acesso Não treinar a equipe e vazar por descuido operacional
Checklist mínimo de proteção

  • Cláusula contratual + ordem processual confirmando o sigilo e definindo exceções.
  • Plano de cibersegurança (MFA, criptografia, DLP) e proibição de BYO-messaging.
  • Modelo de redação e mascaramento de dados (LGPD).
  • Protocolo de segredo de justiça e peticionamento classificado para medidas de apoio.
  • Encerramento: devolução/eliminação de dados e relatório de lições aprendidas.

Conclusão

No Brasil, a confidencialidade na arbitragem é construída por contrato e por regulamento institucional, reforçada por regras do CPC e da LGPD. Sua importância prática vai além do discurso: protege segredos industriais, reduz riscos de mercado e melhora a qualidade do debate probatório. Para que funcione, é indispensável arquitetar o sigilo (cláusula, ordens e NDAs), proteger tecnicamente os dados (cibersegurança e governança) e integrar a estratégia com o Judiciário quando houver medidas de apoio ou execução. Confidencialidade bem desenhada é ativo estratégico — e sua ausência, um passivo imediato.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *