Compras não reconhecidas: responsabilidade solidária do banco e da bandeira explicada
Compras não reconhecidas: o que são, por que acontecem e quem responde
Compras não reconhecidas ocorrem quando aparecem na fatura do cartão lançamentos que o titular não realizou, não autorizou ou não recebeu o produto/serviço correspondente. Elas podem decorrer de fraude (clonagem, vazamento de dados, uso indevido em ambiente on-line), de falhas de segurança no ecossistema de pagamentos ou de erros operacionais do estabelecimento/credenciadora.
À luz do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência consolidada, a regra é a responsabilidade objetiva e, na cadeia de fornecimento do cartão, a responsabilidade solidária entre os participantes (em especial, banco emissor e bandeira/administradora, além da credenciadora e, quando couber, do estabelecimento). Isso significa que o consumidor pode exigir solução de qualquer um deles, sem prejuízo do direito de regresso entre os fornecedores.
Base essencial (síntese): CDC arts. 6º (informação/segurança), 14 (responsabilidade objetiva), 7º, par. único e 25, §1º (responsabilidade solidária), 39 (práticas abusivas), 42, par. único (repetição do indébito). Súmulas do STJ: 297 (CDC aplica-se a instituições financeiras) e 479 (bancos respondem por “fortuito interno” — fraudes no âmbito da atividade).
Quem é quem na cadeia do cartão
Banco emissor
Emite o cartão, define limites e cobra a fatura. É o principal interlocutor do consumidor na contestação e deve zelar por mecanismos de segurança (autenticação, monitoramento, bloqueio, 2FA, 3-D Secure quando aplicável).
Bandeira/administradora
Opera a rede e as regras do sistema (settlement, chargeback, compliance). Compartilha a responsabilidade na qualidade e segurança do meio de pagamento.
Credenciadora/Subadquirente
Intermedeia a captura da transação no estabelecimento. Deve observar padrões de segurança e coibir fraudes do próprio lojista (merchant fraud).
Estabelecimento
Responsável pela venda, entrega e comprovação da autenticidade da transação (comprovante, chip+senha, 3DS, biometria, evidências de entrega).
Tipos comuns de fraude e sinais de alerta
Cartão não presente (CNP)
- Uso em e-commerce com dados vazados (número, validade, CVV).
- Falhas/no uso de autenticação forte (3DS, biometria, OTP).
- Card testing: pequenas compras sequenciais para validar cartões.
Cartão presente (CP)
- Clonagem de tarja ou fallback sem chip.
- Pagamentos por aproximação sem bloqueio/limite configurado.
- Fraude do estabelecimento (lançamentos múltiplos/alteração de valor).
Intercepção/“cartão não recebido”
- Desvio do cartão enviado pelo correio; ativação indevida por terceiros.
- Uso antes do recebimento e desbloqueio legítimo pelo titular.
Engenharia social
- Phishing/vishing para obter dados sensíveis.
- Golpe com falso suporte induzindo o envio de fotos do cartão.
Ponto jurídico-chave: fraudes e falhas de segurança próprias do serviço de pagamento configuram fortuito interno e não afastam a responsabilidade do fornecedor. Só se afasta a reparação quando houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro inevitável e externo ao risco do empreendimento — ônus de prova do fornecedor.
Passo a passo de contestação (do primeiro alerta ao estorno)
Ative bloqueio total e altere senhas/limites. Registre data e horário.
Indique todas as transações não reconhecidas, valores e datas. Peça crédito provisório (quando previsto) e a abertura do processo.
Junte prints da fatura, geolocalização, comprovantes de que estava em outro local, e-mails e registros de não entrega.
Se o SAC negar, leve à Ouvidoria com síntese objetiva e pedidos claros.
Registre reclamação para tratamento público e supervisão de conduta.
Documentos que ajudam: contrato/termos do cartão; faturas; e-mails/SMS do banco; comprovantes de 3-D Secure/OTP não recebidos; prints do pedido/entrega; boletim de ocorrência (quando cabível); laudos de não recebimento da mercadoria.
Pedidos essenciais na reclamação
- Cancelamento dos lançamentos e estorno/crédito provisório.
- Bloqueio do cartão e emissão de novo plástico.
- Inibição de cobranças de juros/encargos sobre as compras contestadas.
- Correção de limites/score afetados.
Erros comuns do consumidor
- Demorar para contestar e não guardar protocolos.
- Não listar todas as transações suspeitas (inclusive as pequenas).
- Ignorar notificações de autenticação/alerta do app.
Fluxo de chargeback (resumo didático): abertura da contestação pelo emissor → envio de reason code e evidências → representação do lojista/credenciadora (se houver) → decisão → crédito definitivo/recusa. O emissor e a bandeira têm dever de processo transparente e comunicação clara com o consumidor.
Como os fornecedores devem provar a legitimidade da transação
Para afastar a responsabilidade, os fornecedores devem demonstrar que a compra foi regular e autenticada. Em ambiente presencial, o padrão é chip + senha com comprovante. Em e-commerce, esperam-se evidências técnicas como 3-D Secure, tokenização, biometria, endereço de IP, device ID e prova de entrega com rastreio e assinatura. A apresentação de meros “prints” internos, sem lastro técnico, não afasta a vulnerabilidade do consumidor.
Evidências que costumam favorecer o consumidor
- Compras em locais distintos em minutos; horários incompatíveis.
- Não uso de 3DS/OTP em alto risco.
- Prova de não recebimento do produto.
- Falhas de georreferenciamento e inconsistências no device.
Pontos que os bancos tentam alegar
- “Uso com chip+senha” sem comprovante idôneo.
- “Culpa do consumidor” sem prova robusta de compartilhamento de senha.
- “Entrega confirmada” com comprovantes genéricos, sem identificação.
Responsabilidade solidária do banco e da bandeira
No regime do CDC, todos os integrantes da cadeia de fornecimento respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor (art. 7º, par. único e art. 25, §1º). Aplicado aos cartões de crédito, isso alcança banco emissor, bandeira/administradora e, quando vinculados ao fluxo da operação, credenciadoras e subadquirentes. A solidariedade é independente de culpa, bastando a relação de consumo e o nexo com o dano. Cláusulas contratuais que tentem “isentar” um dos agentes são nulas.
Além disso, a atividade bancária e de meios de pagamento envolve risco inerente de fraudes. A jurisprudência reconhece que tais eventos constituem fortuito interno: não rompem o nexo causal e não afastam a responsabilidade do fornecedor. Exceções exigem prova cabal de culpa exclusiva do consumidor (por exemplo, compartilhamento consciente de senha) — e mesmo assim, avalia-se se houve falha de segurança ou informação insuficiente por parte do sistema.
Boas práticas de prevenção (para consumidores e fornecedores)
Consumidor
- Ative alertas e limite por compra/ aproximação.
- Prefira cartões virtuais em e-commerce.
- Habilite biometria/2FA e nunca compartilhe senhas/OTP.
- Verifique faturas diariamente e conteste de imediato.
Fornecedores
- Aplicar 3-D Secure adaptativo em transações de risco.
- Monitorar padrões anômalos e usar autorização condicionada.
- Reforçar políticas KYC/antifraude e treinar lojistas.
- Manter logs auditáveis e prova de entrega qualificada.
Exemplo ilustrativo (valores hipotéticos)
Abaixo, barras comparativas hipotéticas mostrando a redução de fraudes quando há 3-D Secure e limites por aproximação:
Modelo curto de mensagem para contestar compras não reconhecidas
Assunto: Contestação de compras não reconhecidas — Cartão final **** Prezados, Identifiquei os seguintes lançamentos não reconhecidos em minha fatura (anexos): [listar data, hora, estabelecimento, valor]. Solicito: (i) cancelamento/estorno imediato dos lançamentos e dos encargos incidentes; (ii) bloqueio do cartão e emissão de novo; (iii) crédito provisório conforme regulamento; (iv) cópia das evidências de autenticação/entrega. Informo que permaneço à disposição para esclarecimentos e envio os documentos comprobatórios. Protocolo: [preencher]. Atenciosamente, [nome e CPF].
Consequências e pedidos em eventual ação judicial
- Declaração de inexistência do débito e retificação da fatura.
- Restituição de valores pagos, em dobro quando caracterizada cobrança indevida sem engano justificável.
- Indenização por danos morais quando houver negativação indevida, bloqueio vexatório ou recusa injustificada de solução.
- Obrigação de não fazer: abster-se de lançar encargos/juros sobre transações contestadas.
- Honorários e custas conforme legislação aplicável.
Dica prática: quando o valor de causa estiver dentro do teto, o Juizado Especial Cível permite solução mais célere; ainda assim, a ação pode exigir laudos/evidências técnicas. Capriche na organização das provas e em linhas do tempo dos fatos.
Conclusão
Em compras não reconhecidas, o consumidor não pode ser responsabilizado por riscos típicos da atividade de pagamento. Banco emissor e bandeira — ao lado da credenciadora e, quando pertinente, do estabelecimento — respondem solidariamente, com base no CDC e na jurisprudência que considera fraudes como fortuito interno. O caminho prático envolve bloqueio imediato, contestação formal, reunião de evidências e, se preciso, escalonamento para Ouvidoria, consumidor.gov.br e Poder Judiciário. A efetividade da defesa passa por prova organizada, pedido objetivo e vigilância ativa sobre a fatura. Onde houver falha de segurança, desinformação ou negação injustificada, cabem estorno, restituição e, em hipóteses qualificadas, danos morais. A regra é simples: o risco do negócio não se transfere ao consumidor.
Guia rápido: como agir em casos de compras não reconhecidas e entender quem responde
Quando o consumidor identifica compras não reconhecidas na fatura do cartão de crédito, a primeira reação deve ser agir com rapidez e buscar a solução adequada junto ao banco emissor e à bandeira do cartão. A legislação brasileira, por meio do Código de Defesa do Consumidor (CDC), garante que o titular não pode ser responsabilizado por transações realizadas sem seu consentimento, desde que não tenha contribuído de forma direta para o evento, como no caso de compartilhamento de senhas ou negligência comprovada.
O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que tanto o banco quanto a bandeira — e, em alguns casos, o estabelecimento comercial e a empresa credenciadora — possuem responsabilidade solidária. Ou seja, o consumidor pode exigir a solução do problema de qualquer um desses participantes, cabendo entre eles o acerto interno posterior. Essa solidariedade decorre do artigo 7º, parágrafo único, e do artigo 25, §1º do CDC, que estabelecem a responsabilidade conjunta dos fornecedores de produtos e serviços dentro da mesma cadeia de consumo.
1. Identifique e registre a irregularidade
O primeiro passo é conferir detalhadamente a fatura e identificar lançamentos suspeitos ou que não correspondem a compras efetuadas. Assim que identificados, o consumidor deve bloquear o cartão imediatamente, comunicar o banco e anotar o número de protocolo do atendimento. É fundamental documentar todas as etapas, guardando e-mails, comprovantes e capturas de tela.
2. Formalize a contestação
O banco é o primeiro responsável a ser acionado, devendo abrir uma contestação formal e, em muitos casos, conceder um crédito provisório enquanto analisa a operação. O prazo médio de análise é de até 10 dias úteis. Caso o banco negue o estorno sem justificativa plausível, o consumidor pode recorrer à Ouvidoria da instituição, ao Banco Central do Brasil (BCB) e ao portal consumidor.gov.br.
Importante: o consumidor não deve pagar valores relativos a compras que não reconhece enquanto o processo estiver em análise. A cobrança de juros ou encargos sobre lançamentos contestados é indevida e pode gerar direito à restituição em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC).
3. Entenda a responsabilidade solidária
Tanto o banco emissor quanto a bandeira do cartão (Visa, Mastercard, Elo, etc.) fazem parte da cadeia de fornecimento do serviço. A falha de segurança, o vazamento de dados, a ausência de autenticação adequada (como o 3D Secure) ou a não verificação de comportamento atípico de compra configuram falha na prestação do serviço. Por isso, o consumidor não deve ser prejudicado por riscos inerentes à atividade econômica dessas empresas.
O STJ, por meio da Súmula 479, reforça que as instituições financeiras respondem pelos danos gerados por fortuito interno — isto é, fraudes e golpes ocorridos no contexto de sua operação. Logo, as compras indevidas decorrentes de clonagem ou uso não autorizado são de responsabilidade do banco, ainda que o estorno dependa do fluxo de autorização da bandeira.
4. Como agir se o banco se recusar a resolver
Em caso de negativa de solução, o consumidor pode registrar reclamação na Ouvidoria e em plataformas públicas de defesa do consumidor. Persistindo a falha, recomenda-se ingressar com uma ação judicial, com pedido de declaração de inexistência do débito, restituição dos valores e, quando cabível, indenização por danos morais. O Juizado Especial Cível é o caminho mais rápido quando o valor não ultrapassa 40 salários mínimos e dispensa advogado até 20 salários mínimos.
5. Dicas essenciais
- Ative notificações de compra no aplicativo do cartão para detectar fraudes rapidamente.
- Utilize apenas sites com certificado de segurança (cadeado no navegador) e prefira cartões virtuais para compras on-line.
- Não compartilhe senhas, códigos de autenticação (OTP) ou informações pessoais por telefone ou redes sociais.
- Verifique periodicamente os extratos e limites do cartão.
Resumo prático: o consumidor é a parte vulnerável na relação com o sistema financeiro e tem o direito de ser protegido contra falhas de segurança e práticas abusivas. Havendo compras não reconhecidas, a responsabilidade é solidária entre banco e bandeira, e o consumidor pode exigir solução integral de qualquer um dos envolvidos. Persistindo a omissão, cabe buscar os órgãos de defesa e, se necessário, a Justiça.
Mensagem-chave: as compras não reconhecidas são de responsabilidade do sistema financeiro, não do consumidor. Cabe às instituições garantir segurança, monitoramento e resolução imediata. Negligenciar o estorno ou impor burocracia indevida viola o CDC e dá ensejo à reparação de danos.
São lançamentos na fatura que o titular não realizou ou não autorizou (fraude, erro do lojista/credenciadora ou falha do sistema).
Ambos respondem solidariamente, pois integram a cadeia do serviço (CDC arts. 7º, par. único, e 25, §1º). O consumidor pode cobrar solução de qualquer um.
Em regra, não. Fraude no contexto da atividade é fortuito interno; a instituição responde objetivamente (Súmula 479/STJ), salvo prova de culpa exclusiva do consumidor.
Bloqueie o cartão, comunique o SAC listando data, valor e estabelecimento; peça crédito provisório e anote o protocolo. Se necessário, escale à Ouvidoria, consumidor.gov.br e BCB.
Fatura detalhada, prints do app, comprovantes de localização/viagem, ausência de 3DS/OTP, rastreio de entrega, protocolos e boletim de ocorrência (se aplicável).
Você deve pagar apenas a parte reconhecida. Juros/encargos sobre compras contestadas são indevidos e podem ser devolvidos.
Sim, quando houver cobrança indevida sem engano justificável do fornecedor (CDC art. 42, parágrafo único).
O fornecedor deve apresentar comprovante idôneo (comprovante físico/digital, logs, biometria). A mera alegação não afasta o direito do consumidor.
Quando a solução administrativa falhar. No JEC é possível pedir inexistência do débito, estorno/restituição e, se houver negativação/constrangimento, danos morais.
Ative alertas, limite por aproximação, use cartão virtual no e-commerce, mantenha 2FA/biometria e nunca compartilhe senhas ou códigos por telefone/mensagens.
Base técnica e fundamentos legais
Fundamentos constitucionais
- Constituição Federal (art. 5º, XXXII): impõe ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor e a reparação de danos causados por serviços defeituosos.
- Constituição Federal (art. 170, V): estabelece a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica e da responsabilidade social das empresas.
Legislação infraconstitucional
- Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990): arts. 6º (direitos básicos), 14 (responsabilidade objetiva do fornecedor), 25, §1º (responsabilidade solidária entre fornecedores), 39 (práticas abusivas), 42 (repetição de indébito) e 51 (nulidade de cláusulas abusivas).
- Código Civil (Lei nº 10.406/2002): arts. 186 e 927 — responsabilidade civil subjetiva e objetiva pelos danos decorrentes de ato ilícito ou risco da atividade.
- Resoluções do Banco Central (CMN/BCB): determinam deveres de transparência, segurança da informação, autenticação de transações e prazos para contestação de compras não reconhecidas.
Entendimentos jurisprudenciais
- STJ — Súmula 297: o CDC é aplicável às instituições financeiras.
- STJ — Súmula 479: as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
- STJ — REsp 1.197.929/PR: responsabilidade solidária entre banco emissor e administradora do cartão por compras indevidas ou fraudes no sistema.
- STJ — AgRg no REsp 1.109.472/RS: a falha de segurança no ambiente eletrônico é risco inerente à atividade financeira, não transferível ao consumidor.
Fontes complementares
- Banco Central do Brasil: Circular nº 3.680/2013 e Resolução CMN nº 4.282/2013 — disciplinam a transparência nas operações de crédito e o tratamento de transações contestadas.
- Senacon (Ministério da Justiça): recomendações sobre práticas abusivas em operações com cartões e falhas na segurança de dados.
- Procons Estaduais e Municipais: notas técnicas que reconhecem a solidariedade entre banco, bandeira e credenciadora em casos de compras fraudulentas.
- Jurisprudência STJ/STF: decisões que consolidam o dever de indenizar e a impossibilidade de transferência do risco da atividade ao consumidor.
Encerramento
Mensagem-chave: em situações de compras não reconhecidas, prevalece o princípio da responsabilidade solidária entre todos os participantes da cadeia do cartão — banco emissor, bandeira e credenciadora. O consumidor não pode ser penalizado por falhas de segurança ou fraudes ocorridas dentro do sistema, pois tais eventos configuram fortuito interno. A reparação deve abranger estorno imediato dos valores, restituição em dobro quando houver cobrança indevida, e, se cabível, indenização por danos morais. A atuação conjunta de órgãos de defesa e o uso de canais oficiais de contestação fortalecem a efetividade do direito à reparação e à confiança no sistema financeiro.