Compra e Venda de Imóveis: as 10 Regras Jurídicas que Evitam Prejuízo
Visão geral da compra e venda de imóveis
Negócios imobiliários envolvem patrimônio elevado e, por isso, exigem
planejamento jurídico. No Brasil, a transferência da propriedade de bem imóvel
só ocorre com registro do título hábil na matrícula (art. 1.245 do
Código Civil). Antes disso, o comprador tem apenas direitos obrigacionais.
A seguir, um guia prático e essencial — do primeiro contato ao registro em
cartório — para reduzir riscos, alinhar expectativas e proteger comprador,
vendedor e intermediários.
Due diligence: o que verificar antes de assinar
• Matrícula atualizada (30 dias) com a cadeia dominial e eventuais
ônus (penhoras, hipotecas, alienação fiduciária, usufruto, indisponibilidade).
• Certidões forenses do vendedor (cível, criminal, federal, trabalhista) e
fiscais (municipais/estaduais/federais).
• IPTU, taxas municipais, condomínio e contas de serviços atualizados.
• Se houver construção, conferir averbação da obra na matrícula e o
habite-se.
• Para pessoa casada: anuência conjugal (outorga) quando exigível.
• Para PJ: atos constitutivos e procuração do representante com poderes específicos.
Uma leitura atenta da matrícula revela quase tudo: quem é o proprietário,
a área, confrontações, regime de bens, e se o imóvel está penhorado,
hipotecado ou gravado com alienação fiduciária. Se houver ônus,
avalie se será baixado antes da escritura ou se o preço será usado para a
quitação no ato.
Contrato preliminar, sinal e cláusulas essenciais
É comum firmar um compromisso de compra e venda (promessa), que cria o
dever de celebrar a escritura definitiva. Ao redigir, priorize:
- Descrição precisa do imóvel conforme matrícula, incluindo vagas e frações ideais.
- Preço, forma de pagamento, parcelas, índices de correção e juros (se houver).
- Sinal/arras (confirmatórias ou penitenciais) e consequências do inadimplemento.
- Prazos para escritura e entrega da posse (imissão), com multa e mora.
- Condições suspensivas (ex.: aprovação de financiamento) e resolutivas.
- Responsabilidade por tributos e despesas até a imissão/registro.
- Evicção e vícios (arts. 447 a 457 CC), com prazos e procedimentos.
• Arras confirmatórias reforçam o vínculo; descumprimento gera perdas e danos e
possível retenção/devolução em dobro.
• Arras penitenciais autorizam arrependimento, com perda do sinal por quem o deu
ou devolução em dobro por quem recebeu. Especifique expressamente o tipo.
Escritura pública e registro
Para imóveis de valor superior a 30 salários mínimos, a lei exige escritura
pública (art. 108 CC). Porém a propriedade só se transfere com o
registro da escritura (ou do contrato particular com força de escritura,
nos casos permitidos) na matrícula do imóvel. A prenotação garante
prioridade desde o protocolo (Lei 6.015/73). Sem o registro, o comprador
permanece possuidor, mas não proprietário, ficando exposto a riscos
perante terceiros.
Tributos e custos do negócio
Encargo | Quem paga (prática usual) | Observações |
---|---|---|
ITBI (municipal) | Comprador | Exigido antes do registro; alíquota varia por município. |
Emolumentos (tabelionato e RI) | Comprador | Escritura + registro da transferência. |
Laudêmio (terreno de marinha/enfiteuse) | A negociar | Incide em áreas específicas; verificar na matrícula e junto à SPU. |
Comissão de corretagem | Usual: Comprador (secundário) ou Vendedor (primário) | Defina por contrato e destaque o valor/percentual. |
Financiamento e alienação fiduciária
No crédito habitacional, a propriedade é transferida ao comprador e
gravada com alienação fiduciária (Lei 9.514/97) em favor do banco.
O devedor tem a posse direta, e o credor, a propriedade resolúvel. Em
caso de inadimplência, segue-se rito de intimação e leilões. Cláusulas
contratuais devem prever: liberação de parcelas conforme evolução de obra
(na planta), responsabilidade por seguros (MIP/DFI), portabilidade, e
condições para quitação e baixa do gravame.
Imóvel na planta, distrato e proteção do consumidor
Nas incorporações (Lei 4.591/64), o adquirente é protegido pelo CDC.
Compras realizadas fora do estabelecimento (feirões/stands) admitem
arrependimento em 7 dias (art. 49 CDC). Em caso de resolução,
aplica-se a Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato): define limites de retenção,
prazos de devolução e consequências do atraso de obra. Exija quadro-resumo
com preço total, índices de reajuste, multas e prazos.
Regras familiares e sucessórias
- Outorga conjugal: necessária em vários regimes para vender gravar ou dar em garantia (arts. 1.647 e 1.648 CC). A falta pode tornar o negócio anulável.
- Bem de família (Lei 8.009/90): regra de impenhorabilidade com exceções (ex.: pensão alimentícia, financiamento do próprio imóvel).
- Espólio: venda de imóvel de falecido requer alvará judicial ou formal de partilha no inventário.
Locação e direito de preferência
Se o imóvel estiver locado, observe a Lei 8.245/91. O locatário tem
preferência na compra em igualdade de condições, mediante notificação
com preço e forma de pagamento. O descumprimento pode gerar perdas e danos
ou anulação com sub-rogação, conforme o caso.
Regularidade urbanística e ambiental
Verifique se o loteamento foi aprovado (Lei 6.766/79), se a construção respeita
recuos, taxa de ocupação e zoneamento. Em área rural, atenção a georreferenciamento,
CAR/CCIR e, se for o caso, limitações ambientais e de marinha. Em
imóveis antigos, avalie a necessidade de regularização fundiária (REURB,
Lei 13.465/17). Exija laudos quando houver suspeita de vícios estruturais.
Cláusulas que reduzem litígios
• Multa por atraso proporcional e razoável, com teto.
• Condições suspensivas claras (financiamento, baixa de ônus, alvarás).
• Entrega da posse vinculada à quitação e situação desocupada.
• Distribuição de riscos (ITBI, taxas, condomínio, IPTU) por marcos objetivos.
• Mecanismo de solução de conflitos (mediação/arbitragem quando aplicável).
• Foro competente e endereço eletrônico para notificações.
Riscos comuns e como mitigar
- Compra sem registro: não oponível a terceiros. Mitigação: registrar imediatamente após a escritura.
- Procuração antiga ou sem poderes: risco de nulidade. Mitigação: exigir instrumento recente, específico e com firma reconhecida.
- Penhora oculta: surge entre assinatura e registro. Mitigação: certidões na data da escritura e prenotação rápida.
- Área real divergente: conferir planta, memorial e confrontantes; corrigir no cartório antes.
- Condomínio em atraso: sub-roga no imóvel. Mitigação: exigir declaração de quitação do síndico/administradora.
Quadro-resumo para compradores
financiamento; simule ITBI e emolumentos; reserve fundo para escritura/registro; organize
prazos de mudança e desocupação.
Durante: leia todas as cláusulas; confira índices de reajuste; documente pagamentos;
reconheça firmas quando exigido; peça recibos; protocole o título no RI o quanto antes.
Depois: transfira contas; atualize cadastro no município/condomínio; guarde cópias
digitais e físicas da escritura registrada e certidões.
Conclusão
A compra e venda de imóveis é um processo juridicamente técnico que
combina verificação documental, alocação de riscos contratuais e cumprimento
de etapas cartorárias. O sucesso do negócio depende de três pilares:
due diligence rigorosa, contrato claro e registro tempestivo.
Seguindo as cautelas indicadas — e contando, quando necessário, com apoio
profissional — compradores e vendedores reduzem litígios, preservam valor e
alcançam a segurança jurídica que o patrimônio exige.
Guia rápido: passos essenciais para um negócio seguro
Antes da seção de perguntas, siga este roteiro prático. A compra e venda de imóveis é
um negócio de alto valor que só se consolida com o registro do título na
matrícula (art. 1.245 do CC). Até lá, você possui direitos obrigacionais, não
a propriedade. Reduza riscos com as verificações e marcos abaixo.
1) Antes de negociar o preço
- Peça a matrícula atualizada (emitida há até 30 dias) e leia toda a cadeia dominial.
- Cheque ônus: penhora, hipoteca, alienação fiduciária, usufruto, indisponibilidade.
- Exija certidões do vendedor (cíveis, fiscais, trabalhistas, criminais) e quitações de
IPTU e condomínio. - Confirme habite-se e averbação da construção na matrícula; em área rural, verifique
CAR/CCIR e georreferenciamento. - Se o vendedor for casado, confira a outorga conjugal; para pessoas jurídicas, valide
poderes do representante em procuração específica.
2) Ao firmar a promessa (compromisso)
- Descreva o imóvel exatamente como na matrícula (fração ideal, vagas, benfeitorias).
- Defina preço, forma de pagamento, índices de correção e eventuais juros.
- Regule o sinal/arras (confirmatórias ou penitenciais) e as penalidades por inadimplemento.
- Estabeleça prazos para escritura, entrega da posse e condições suspensivas
(ex.: aprovação de financiamento, baixa de ônus). - Distribua despesas: ITBI, emolumentos, certidões, condomínio e IPTU por marcos objetivos.
3) Escritura pública e registro no cartório
- Imóveis acima de 30 salários mínimos exigem escritura pública (art. 108 CC).
- Sem registro na matrícula, não há transferência da propriedade. Protocole o título e garanta
prioridade pela prenotação (Lei 6.015/73).
4) Financiamento e garantias
- Em crédito habitacional, a garantia usual é a alienação fiduciária (Lei 9.514/97).
- Cheque seguros obrigatórios (MIP/DFI), critérios de liberação (obra na planta) e
cláusulas de liquidação/baixa do gravame.
5) Imóvel na planta e proteção do consumidor
- Aplique o CDC; se a compra ocorrer fora do estabelecimento, há arrependimento
em 7 dias (art. 49). - Em distratos, siga a Lei 13.786/2018 (retenções, prazos e quadro-resumo obrigatório).
6) Custos típicos
laudêmio quando aplicável, e corretagem conforme pactuado e destacado no contrato.
7) Riscos comuns e como evitar
- Compra sem registro: não oponível a terceiros. Mitigação: registrar imediatamente.
- Certidões desatualizadas: penhora pode surgir entre a assinatura e o registro.
Mitigação: tirar certidões na data da escritura e protocolar no mesmo dia. - Procuração inadequada: risco de nulidade. Mitigação: exigir poderes específicos e recente.
- Débitos condominiais: sub-rogam no imóvel. Mitigação: declaração de quitação do síndico.
8) Regra de ouro
A tríade para um negócio sólido é: due diligence rigorosa, contrato claro com
alocação de riscos e registro tempestivo. Seguir esses marcos reduz litígios,
evita prejuízos e entrega a segurança jurídica esperada em transações imobiliárias.
O que transfere a propriedade do imóvel?
A propriedade só se transfere com o registro da escritura (ou do título hábil) na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC). Sem registro, há apenas obrigação entre as partes.
Escritura pública é sempre obrigatória?
Para imóveis acima de 30 salários mínimos, a forma é, via de regra, escritura pública (art. 108 do CC). Instrumento particular é admitido em hipóteses legais específicas (ex.: financiamento com alienação fiduciária pela Lei 9.514/97).
Quais certidões e documentos devo exigir antes de comprar?
Matrícula atualizada (últimos 30 dias) e certidões do imóvel (ônus, ações reais, averbações). Do vendedor: cíveis, fiscais, trabalhistas, CRF se PJ, e comprovantes de IPTU e condomínio quitados. Em área rural: CAR, CCIR e georreferenciamento.
Arras confirmatórias e penitenciais: qual a diferença?
As confirmatórias reforçam o contrato e, em inadimplemento, podem ser retenção (de quem recebeu) ou devolução em dobro (de quem deu). As penitenciais autorizam o arrependimento mediante perda/devolução em dobro, se assim pactuado.
Quem paga ITBI, escritura e registro?
Usualmente o comprador paga ITBI, emolumentos de escritura e registro, salvo ajuste diverso. O vendedor costuma arcar com certidões e tributos até a data de imissão na posse. Tudo pode (e deve) ser pactuado no contrato.
Promessa de compra e venda dá algum direito real?
Se o compromisso for registrado na matrícula (art. 1.417 do CC), o promitente comprador adquire direito real à aquisição, oponível a terceiros. Sem registro, o direito é apenas obrigacional.
Como funciona o financiamento com alienação fiduciária?
O imóvel fica em garantia fiduciária ao credor até a quitação. O contrato é levado a registro. Após a quitação, é necessário baixar o gravame na matrícula para liberar a propriedade plena.
Imóvel na planta: quais cuidados e regras de distrato?
Aplica-se o CDC. O quadro-resumo é obrigatório e a Lei 13.786/2018 disciplina retenções, prazos de devolução e multas no distrato. Verifique patrimônio de afetação e prazos de tolerância.
Quais são os riscos de comprar sem registrar imediatamente?
Sem prenotação/registro, o negócio não é oponível a terceiros: pode surgir penhora, hipoteca ou nova venda a terceiro de boa-fé que registrar primeiro. O protocolo garante prioridade.
Posse, detenção e propriedade são a mesma coisa?
Não. Posse é exercício de fato; detenção é posse em nome de outrem; propriedade é o direito real, que depende do registro. O contrato pode dar posse antes do registro, mas não transfere a propriedade.
Fundamentação e Referências Legais
1) Transferência da propriedade e prioridade registral
A propriedade imobiliária só se transmite com o registro do título na matrícula do imóvel (art. 1.245, caput e §1º, CC). A prioridade decorre da prenotação e dos princípios de continuidade e especialidade (Lei 6.015/1973 — Lei de Registros Públicos, arts. 167, 169, 176 e segs.).
2) Forma do negócio: escritura pública e exceções
Imóveis com valor acima de 30 salários mínimos exigem escritura pública (art. 108, CC). Há exceções legais, como financiamento com alienação fiduciária regido pela Lei 9.514/1997 (arts. 22 a 27), cujo contrato particular é registrável no CRI.
3) Promessa de compra e venda e direito real à aquisição
O compromisso registrado gera direito real à aquisição, oponível a terceiros (art. 1.417, CC). Na recusa de outorga, cabe adjudicação compulsória (art. 1.418, CC).
4) Arras e consequências do inadimplemento
As arras confirmatórias reforçam o vínculo e, em mora/culpa, admitem retenção ou devolução em dobro (arts. 417 a 420, CC). As arras penitenciais funcionam como cláusula de arrependimento, se expressamente pactuadas.
5) Tributos, emolumentos e despesas usuais
O ITBI é de competência municipal (CF, art. 156, II). A prática contratual costuma atribuir ao comprador ITBI, escritura e registro, e ao vendedor as certidões e tributos até a imissão na posse, sem prejuízo da livre pactuação (arts. 421 e 421-A, CC).
6) Débitos de IPTU e condomínio
São obrigações propter rem: o IPTU vincula-se ao proprietário (CTN, art. 34) e as cotas de condomínio acompanham a unidade (art. 1.345, CC). Recomenda-se exigir certidões de quitação antes da assinatura.
7) Imóvel na planta, CDC e distrato
Aplica-se o CDC (arts. 6º, 30–35). A Lei 13.786/2018 disciplina o quadro-resumo, retenções, prazos de devolução e regras do distrato, inclusive em patrimônio de afetação.
8) Alienação fiduciária imobiliária
Enquanto não quitado, o imóvel permanece em propriedade resolúvel do credor (Lei 9.514/1997, art. 22). Após quitação, é indispensável baixar o gravame no CRI para consolidar a propriedade plena.
9) Due diligence e boa-fé objetiva
É diligência mínima obter matrícula atualizada, verificar ônus/averbações, e colher certidões pessoais do vendedor (cíveis, fiscais, trabalhistas, federais/estaduais/municipais). A negociação se pauta pela boa-fé objetiva (art. 422, CC).
10) Cláusulas recomendáveis no contrato
- Condições suspensivas (aprovação de crédito/financiamento).
- Entrega da posse e risco do bem até o registro.
- Alocação de despesas (ITBI, escritura, registro, certidões).
- Multa, mora e arras.
- Prazo para outorga e registro; penalidades por atraso.
Encerramento prático
Para segurança jurídica, conduza a operação com título hábil, due diligence documental completa e registro imediato (com prenotação) na matrícula. Sem o registro, não há transferência de propriedade, nem oponibilidade a terceiros.
Referências legais citadas: Código Civil (arts. 108, 417–420, 421, 421-A, 422, 1.245, 1.345, 1.417, 1.418); Lei 6.015/1973 (Registros Públicos); Lei 9.514/1997 (Alienação Fiduciária Imobiliária); Lei 13.786/2018 (Distrato/Quadro-Resumo); CF art. 156, II; CTN art. 34; CDC arts. 6º, 30–35.