Cartão de crédito para menores: regras legais, riscos e como usar com segurança
Panorama e por que o tema importa
O uso de cartão de crédito por menores cresce com a digitalização dos pagamentos, aplicativos de delivery e jogos on-line. Surgem ofertas de cartões adicionais, contas de pagamento “jovem” e cartões pré-pagos integrados a carteiras digitais. O tema exige atenção porque envolve capacidade civil, responsabilidade dos pais, proteção de dados pessoais (LGPD) e riscos de superendividamento familiar, além de fraudes e assinaturas recorrentes pouco transparentes.
- Menores de 16 anos são absolutamente incapazes para os atos da vida civil: só podem contratar representados pelos responsáveis.
- Entre 16 e 18, são relativamente incapazes: precisam de assistência (coassinatura) do responsável.
- Emancipação (ex.: por escritura pública) antecipa a capacidade plena e, em regra, permite contratar cartão como maior.
- Como regra de prudência, o menor usa cartão adicional ou pré-pago; quem responde é o titular/responsável.
Marco legal: capacidade civil, consumo e proteção de dados
Capacidade civil (Código Civil)
- Maioridade aos 18 anos (art. 5º). Antes disso, a capacidade é limitada.
- Absolutamente incapazes: menores de 16 anos (art. 3º) — atos praticados sem representação tendem à nulidade.
- Relativamente incapazes: maiores de 16 e menores de 18 (art. 4º) — atos sem assistência geram anulabilidade (art. 171, II).
- Emancipação: hipóteses do art. 5º, parágrafo único (por outorga dos pais, casamento, emprego público efetivo, colação de grau, estabelecimento civil/comercial próprio ou economia própria) — confere capacidade plena.
- Responsabilidade dos pais: arts. 932, I e 933 tratam da responsabilidade por atos dos filhos menores que estejam sob sua autoridade e companhia.
Relações de consumo (CDC)
- Informação adequada e transparência (art. 6º, III) — cláusulas de preço, juros, anuidade, limites e tarifas devem ser claras.
- Práticas abusivas (art. 39) — proíbe venda casada e condutas que retirem a liberdade de escolha do consumidor.
- Publicidade (art. 37) — a interpretação protetiva considera abusiva a publicidade que se aproveita da hipervulnerabilidade de crianças e adolescentes.
- Cobranças (art. 42, par. único) — indébitos podem ensejar restituição em dobro, salvo engano justificável.
Proteção de dados pessoais (LGPD – art. 14)
- Tratamento de dados de crianças e adolescentes exige consentimento específico e em destaque de pelo menos um dos pais ou responsável, observando o melhor interesse do menor.
- Perfil comportamental e marketing direcionado devem ser avaliados com cautela: bancos e “fintechs” precisam minimizar dados e esclarecer finalidades.
Contratos de cartão de crédito assinados por menores sem representação/assistência adequada podem ser contestados, e o emissor deve ajustar seu onboarding com checagem de idade, consentimento e trilha de auditoria.
Modelos de acesso ao crédito para menores
Cartão adicional vinculado ao titular
O caminho mais comum é o cartão adicional em nome do menor, vinculado à conta de um adulto. O limite é compartilhado ou setorizado, e o responsável define teto, categoria de gastos e recebe alertas em tempo real. A responsabilidade de pagamento é do titular; o adicional é usuário autorizado.
Cartão pré-pago ou conta de pagamento “jovem”
Funciona por carga antecipada (sem crédito rotativo). Reduz risco de dívida, mas exige consentimento e gestão de limites. Atenção a tarifas, assinaturas automáticas e compras in-app.
Cartão de crédito próprio (emancipado)
Emancipados têm, em regra, capacidade plena para contratar. Ainda assim, instituições devem observar análise de crédito responsável e comunicação clara de riscos.
- KYC/Idade Validação etária robusta; captura de consentimento quando menor.
- LGPD Políticas específicas para dados de menores, minimização e transparência.
- Controles Bloqueio por MCC, limites por transação, bloqueio noturno e alertas ao responsável.
- Onboarding Telas sem dark patterns; opção por pré-pago/adicional antes de cartão próprio.
Principais riscos (para família e menor)
- Endividamento indireto dos pais/responsáveis por gastos do adicional (especialmente com limites mal configurados).
- Compras por impulso e assinaturas recorrentes pouco claras (“teste grátis que vira mensalidade”).
- Loot boxes e moedas virtuais em jogos: recorrência e opacidade podem drenar saldo rapidamente.
- Fraudes (phishing, perfis falsos, golpes de “suporte”), clonagem e engenharia social com redes sociais.
- Exposição de dados sensíveis: compartilhamento de cartão, senhas, selfies para “verificação”.
- Estigma financeiro precoce: confusão entre crédito e renda, hábito de parcelar sem juros com perda de noção do custo total.
Contratação e cláusulas que merecem lupa
Cláusula/Etapa | O que observar | Boa prática |
---|---|---|
Consentimento do responsável | Se o menor não for emancipado, deve haver representação (até 16) ou assistência (16–18). | Fluxo com dupla autenticação do responsável e trilha de auditoria. |
Limites e bloqueios | Limite geral alto e sem controles setoriais aumenta risco. | Definir teto diário, por MCC e horário; bloquear crédito rotativo. |
Tarifas e anuidade | Cobranças pouco claras violam transparência (CDC). | Tabela simples e destaque a custos totais; isenção para adicionais menores. |
Assinaturas | Renovação automática “silenciosa”. | Alertas antes da renovação; cancelamento em 2 cliques. |
Dados (LGPD) | Coleta excessiva; compartilhamento com adtechs. | Minimização, opt-out real e relatório de impacto quando aplicável. |
Como configurar o cartão adicional/pré-pago com segurança
- Defina objetivos: transporte escolar, alimentação, pequenas compras.
- Escolha o produto: adicional (controle pelo titular) ou pré-pago (sem crédito).
- Limites e regras: gastos diários, bloqueio de categorias (jogos, apostas, apps adultos), limite noturno.
- Alertas em tempo real para cada compra (push/SMS) e autorização prévia acima de X reais.
- Educação financeira: explicar juros, parcelamento, IOF internacional e custo total da compra.
- Revisão mensal conjunta da fatura/saldo e renegociação de limites conforme maturidade.
- Compra única até R$ 80 sem autorização; acima disso, pedir aval pelo app.
- Proibido cadastrar o cartão em marketplaces sem o titular presente.
- Sem parcelamento para o adicional; apenas pagamento à vista.
- Relatório semanal: três aprendizados financeiros + três ajustes para a próxima semana.
Fraudes comuns e como prevenir
- Suporte falso: contato pedindo “verificação do cartão” e senha. Oriente a nunca informar CVV, senhas ou SMS.
- Phishing em redes sociais: links para “skins” e “moedas” com checkout falso.
- Troca de cartão físico na escola/curso: manter apenas digital e com tokenização no celular do responsável.
- Malwares em PCs para jogos: usar conta separada, atualizar SO e autenticação multifator.
Como contestar compras indevidas
- Bloqueie o cartão adicional e desative funcionalidades suspeitas.
- Notifique o emissor pelo app/chat e peça chargeback (serviço não reconhecido ou fraude).
- Registre protocolos e guarde prints da conversa e da fatura.
- Se não resolver: Consumidor.gov.br, Banco Central (assuntos regulados) e PROCON.
- Persistindo: Juizado Especial Cível; avalie repetição em dobro e eventual dano moral, conforme o caso.
Prezados,
Identifiquei lançamentos não reconhecidos no adicional do menor [iniciais], vinculado ao meu cartão (final ____), em [datas/valores].
Solicito o bloqueio imediato do adicional, abertura de contestação/chargeback e estorno, com base no CDC (arts. 6º, III; 14; 42, par. único).
Ressalto que se trata de usuário menor, sob minha responsabilidade, e que os controles de limite já foram ajustados.
Protocolo deste contato: ______. Aguardo retorno.
[Nome completo • CPF • Contatos]
Educação financeira para adolescentes: competências mínimas
- Planejamento de mesada e metas (curto, médio prazo).
- Crédito não é renda: diferença entre limite e dinheiro disponível.
- Juros, rotativo do cartão e por que evitá-lo.
- Segurança digital: senha, CVV, phishing, lojas confiáveis.
- Consumo consciente e leitura de assinaturas.
Perguntas políticas para escolher o emissor
- LGPD Existe política específica para dados de menores? Há consentimento granular para marketing?
- Controles Posso bloquear MCCs, definir limites por horário e exigir aprovação do titular?
- Suporte Há canal prioritário para fraudes com adicionais? SLA de resposta?
- Tarifas O adicional menor tem anuidade zero? O pré-pago cobra emissão/saque?
Conclusão
Cartão de crédito para menores pode ser ferramenta de educação financeira e conveniência, desde que o acesso respeite a capacidade civil, a LGPD e as regras de consumo. A solução mais segura costuma ser o adicional controlado ou o pré-pago, com limites, bloqueios por categoria, alertas e acompanhamento ativo do responsável. Em caso de problemas, existem mecanismos de contestação e canais administrativos e judiciais para correção de rota. Informação clara, controles bem configurados e diálogo frequente são o tripé para proteger o menor e a saúde financeira da família.
O tema do cartão de crédito para menores exige cautela. Apesar de ser cada vez mais comum ver adolescentes com meios de pagamento próprios, há limites legais claros e riscos que pais e responsáveis precisam conhecer. Abaixo, um resumo prático das medidas legais, financeiras e educativas para prevenir problemas.
1. Entenda quem pode ter cartão
- Menores de 16 anos — São absolutamente incapazes para atos civis (art. 3º, Código Civil). Só podem usar cartão se representados pelos pais ou responsáveis, geralmente como adicional.
- De 16 a 18 anos — São relativamente incapazes; podem ter cartão, mas apenas com assistência do responsável, que deve constar no contrato.
- Emancipados — Adquirem capacidade plena. Podem solicitar cartão próprio, embora instituições ainda façam análise de renda e risco.
- Os bancos que oferecem cartões a menores devem garantir controle total ao responsável e respeitar a LGPD quanto a dados de adolescentes.
2. Formas seguras de uso
- Cartão adicional — Vem no nome do menor, mas vinculado ao titular (pai/mãe). O limite e pagamento são de responsabilidade do adulto. Ideal para pequenas despesas.
- Cartão pré-pago — Funciona com recarga antecipada. Não permite dívidas, sendo opção ideal para educação financeira.
- Conta jovem digital — Plataformas financeiras oferecem contas controladas pelos pais, com autorização de gastos e relatórios em tempo real.
3. Cuidados e proibições
- Menores não podem assumir dívidas em seu nome sem representação legal.
- Se o banco liberar crédito sem comprovar idade, o contrato pode ser anulado judicialmente.
- É ilegal direcionar publicidade de crédito ou parcelamento diretamente a menores.
- Evite cadastrar o cartão em sites de jogos, apostas ou assinaturas automáticas — riscos de gastos não reconhecidos são altos.
- Jamais forneça dados do cartão em redes sociais, mesmo para “suporte técnico”.
4. Direitos dos responsáveis
- O responsável pode contestar compras feitas pelo menor e exigir estorno se não autorizadas.
- Casos de concessão de crédito irregular a menor podem ser denunciados ao Banco Central e ao Procon.
- O CDC garante proteção contra publicidade abusiva e cobrança indevida.
- Em fraudes, cabe indenização e, em alguns casos, restituição em dobro do valor cobrado.
5. Práticas recomendadas
- Prefira limites baixos e defina categorias de uso (alimentação, transporte, educação).
- Ative alertas de compra em tempo real no celular dos pais.
- Evite crédito rotativo; use apenas modalidade à vista.
- Faça revisão mensal das faturas junto com o menor — momento ideal para ensinar responsabilidade financeira.
- Guarde todos os contratos e protocolos; eles servem de prova em caso de contestação.
Menores de idade não podem assumir crédito em nome próprio sem representação. O caminho correto é o cartão adicional ou o pré-pago, sempre com limites e monitoramento. Bancos que negligenciam a checagem de idade podem ser responsabilizados.
Pais devem combinar regras claras de uso, acompanhar as compras e ensinar o valor do dinheiro.
O cartão é uma ferramenta útil, desde que sirva à educação financeira e não à criação precoce de dívidas.
Base técnica e fundamentos legais
O tema cartão de crédito para menores está diretamente ligado à capacidade civil, à proteção do consumidor e ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. A seguir, as principais referências legais que definem os limites e responsabilidades desse tipo de contratação.
• Art. 3º – Menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil.
• Art. 4º – Maiores de 16 e menores de 18 são relativamente incapazes, necessitando da assistência dos responsáveis.
• Art. 5º, parágrafo único – Define hipóteses de emancipação, concedendo capacidade plena.
• Arts. 932 e 933 – Responsabilidade civil dos pais por atos dos filhos menores.
• Art. 171, II – Possibilidade de anulação de negócios jurídicos praticados sem a devida assistência.
• Art. 6º, III – Direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços.
• Art. 37 – Proíbe publicidade enganosa ou abusiva, especialmente aquela direcionada a crianças e adolescentes.
• Art. 39, IV e V – Veda práticas abusivas e imposição de condições contratuais desproporcionais.
• Art. 42, parágrafo único – Garante restituição em dobro no caso de cobrança indevida, salvo engano justificável.
• Art. 51, IV – Torna nulas cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
• Art. 17 – Direito ao respeito e à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente.
• Art. 81 – Restringe o acesso a produtos e serviços que possam causar prejuízo à formação moral ou financeira.
• Art. 74 – Obriga instituições e meios de comunicação a proteger a criança contra conteúdos e ofertas inadequadas.
• Art. 14 – Determina que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deve ser realizado com consentimento específico e em destaque de pelo menos um dos pais ou responsável.
• Impõe o princípio do melhor interesse do menor, limitando a coleta de dados apenas ao estritamente necessário.
• O uso de dados para marketing direcionado deve ser proibido ou extremamente restrito para esse público.
• Resolução CMN nº 3.919/2010 – Estabelece regras para oferta de serviços essenciais e pacotes bancários opcionais.
• Resolução CMN nº 4.196/2013 – Dispõe sobre transparência e acesso a serviços financeiros por consumidores.
• Circular nº 3.703/2014 – Obriga instituições a apresentarem informações claras na contratação de cartões.
• Em casos de descumprimento, o consumidor pode recorrer ao Banco Central ou ao Procon.
• Tribunais têm reconhecido que contratos de crédito celebrados por menores sem autorização são nulos ou anuláveis.
• STJ aplica o princípio da proteção integral e admite indenização por danos materiais e morais em casos de exposição indevida de dados de menores em cadastros de inadimplentes.
• Decisões reforçam que a responsabilidade pelo controle de gastos do adicional é do titular responsável.
• Banco Central do Brasil – para reclamações sobre crédito, cartões e práticas abusivas.
• Procon – atua em defesa do consumidor contra instituições financeiras e publicidade inadequada.
• Ministério Público – pode intervir em casos de violação de direitos de menores.
• ANPD – fiscaliza o cumprimento da LGPD em instituições financeiras.
• Consumidor.gov.br – canal direto com as instituições, com prazo de resposta de até 10 dias úteis.
Encerramento técnico
A concessão de cartões de crédito a menores exige adequação às normas de capacidade civil, proteção de dados e defesa do consumidor. O descumprimento dessas regras pode gerar nulidade contratual, responsabilidade civil e sanções administrativas às instituições financeiras.
As práticas mais seguras envolvem o uso de cartões adicionais ou pré-pagos, com limites controlados e consentimento formal do responsável legal. O cumprimento do princípio do melhor interesse do menor e a transparência total nas condições contratuais são pilares indispensáveis para uma atuação ética e conforme a legislação vigente.
Em síntese, educar financeiramente, proteger dados e respeitar a capacidade jurídica são passos essenciais para garantir que o acesso do menor ao crédito ocorra de forma segura, legal e responsável.