Direito Penal

Atos de terrorismo: como a legislação brasileira define, pune e previne essas condutas

Conceito jurídico de atos de terrorismo no Brasil

O Brasil passou a contar, de forma mais clara, com uma tipificação penal específica para o terrorismo a partir da Lei nº 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo. Antes dela, o ordenamento lidava com condutas violentas por meio de outros tipos penais (como homicídio, sequestro, incêndio, dano qualificado, crimes contra a segurança nacional e, em certos momentos históricos, pela Lei de Segurança Nacional), mas não havia um tipo geral, com definição própria de ato de terrorismo. A lei de 2016 foi editada principalmente para atender compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da ONU, da OEA e de organismos financeiros, que exigem dos países a criminalização, prevenção e cooperação no enfrentamento ao terrorismo.

A lei brasileira procura equilibrar dois objetivos: (i) reprimir com rigor ataques que visem causar terror social, coação do Estado ou discriminação; e (ii) não criminalizar manifestações legítimas, movimentos sociais, greves, reivindicações políticas e atos de defesa de direitos. Por isso, o art. 2º, §2º, da Lei nº 13.260/2016, expressamente, exclui da definição de terrorismo a atuação de movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, quando se derem com propósitos sociais ou reivindicatórios e sem prejuízo da tipificação de outros crimes que porventura ocorram.

Base constitucional
A Constituição Federal de 1988 considera o terrorismo um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII), ao lado da tortura e do tráfico de drogas, e determina que tais crimes sejam punidos com penas severas. A lei de 2016 concretiza esse mandamento constitucional.

1) Elementos estruturais do crime de terrorismo (Lei nº 13.260/2016)

O art. 2º da lei define que o terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, de determinadas condutas (violentas ou potencialmente letais), por motivos de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, ou ainda com a finalidade de:

  • I — provocar terror social ou generalizado;
  • II — expor a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública;
  • III — coagir autoridades ou o Estado a fazer ou deixar de fazer algo.

Essa combinação de meio + finalidade é o que distingue o terrorismo de crimes comuns violentos. Não basta que haja explosão ou atentado: é necessário que haja o propósito de gerar terror ou coagir o poder público.

Condutas típicas (exemplos da lei)
A lei aponta condutas como: usar ou ameaçar usar explosivos; incendiar, depredar ou sabotar meios de transporte ou serviços públicos essenciais; sequestrar; disseminar agentes químicos, biológicos, nucleares ou outros meios capazes de causar morte em massa; atentar contra a vida ou integridade de pessoas em locais de grande circulação. Tudo isso, quando realizado com as finalidades descritas, pode ser enquadrado como terrorismo.

2) Exclusões expressas: proteção a movimentos e protestos

Um ponto central da lei brasileira é o de não criminalizar protestos. O art. 2º, §2º, diz que “não se aplica o disposto neste artigo à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. Isso foi incluído após forte debate legislativo e da sociedade civil, com receio de que o tipo penal fosse usado para reprimir manifestações legítimas.

Entretanto, a própria lei observa que isso não impede a apuração de outros crimes eventualmente praticados durante atos públicos (dano, lesão, incêndio, resistência, desobediência etc.). Ou seja, não é porque o ato é um protesto que haverá imunidade penal; apenas não será terrorismo se preenchidos os requisitos da exclusão.

3) Penas e causas de aumento

A Lei nº 13.260/2016 estabelece pena de reclusão de 12 a 30 anos, além das correspondentes à ameaça ou à violência. Existem causas de aumento de pena, por exemplo, quando o crime:

  • é cometido com uso de explosivo, agente tóxico, químico, biológico, radiológico ou nuclear;
  • gera morte ou lesão grave de várias pessoas;
  • envolve organização terrorista ou transnacionalidade.

A intenção do legislador foi deixar claro que se trata de crime de alta ofensividade, com resposta penal proporcional. A lei ainda prevê punição para financiamento do terrorismo, para quem promove, organiza, integra ou recruta pessoas para tais atos, bem como para quem produz ou divulga conteúdo de incitação.

Quadro comparativo — atos x apoio

Categoria Exemplos Tratamento
Ato de terrorismo Explosão em local público para gerar pânico; ataque armado para coagir o Estado Pena de reclusão (12 a 30 anos) + agravantes
Financiamento Fornecer recursos, bens ou serviços com conhecimento da destinação Pena própria, mesmo que o ato não ocorra
Recrutamento/treinamento Alistar pessoas, treinar em armas ou explosivos para ato terrorista Conduta autônoma e punível

4) Prevenção e cooperação internacional

A lei brasileira dialoga com convenções e resoluções internacionais que recomendam aos Estados:

  • tipificar o terrorismo de forma clara;
  • prevenir a lavagem de dinheiro e o uso do sistema financeiro para financiar atentados;
  • promover cooperação policial e judiciária entre países;
  • compartilhar informações de inteligência.

Nesse ponto, a atuação do COAF (hoje Unidade de Inteligência Financeira) e de órgãos como a Polícia Federal é fundamental, pois ajudam a identificar transações suspeitas e a rastrear grupos que possam tentar praticar atos terroristas em território nacional.

O Brasil também tipificou lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998) e passou a tratar o financiamento do terrorismo como hipótese expressa, permitindo bloqueio de bens e comunicações ao sistema internacional.

5) Relação com a Lei de Organizações Criminosas

O terrorismo pode se manifestar por meio de organizações estruturadas. Nesses casos, aplica-se, no que couber, a Lei nº 12.850/2013 (organizações criminosas), permitindo:

  • colaboração premiada para identificar autores e financiadores;
  • infiltração de agentes e investigação eletrônica;
  • quebra de sigilo bancário e fiscal com ordem judicial;
  • perda de bens que sejam proveito ou instrumento da atividade.

Essa combinação de leis cria um arcabouço repressivo que busca desarticular não só o executor do ato, mas também toda a cadeia de apoio e de financiamento.

Observação técnica
O desafio jurídico está em interpretar restritivamente o conceito de terrorismo, para não atingir dissenso político ou social, e ao mesmo tempo permitir reação rápida do Estado diante de condutas que exponham a coletividade a risco grave.

6) Fiscalização, investigação e competência

Em regra, casos de terrorismo ou de seu financiamento envolvem competência da Justiça Federal, especialmente quando há interesse direto da União, transnacionalidade, órgãos federais ou bens da União envolvidos. A investigação é conduzida, via de regra, pela Polícia Federal, com atuação do Ministério Público Federal. A depender do alvo ou local do ataque (por exemplo, contra governadores, tribunais ou estruturas estaduais), pode haver atuação de órgãos estaduais em cooperação.

O caráter sensível do tema costuma levar os tribunais a autorizar medidas cautelares invasivas (interceptações, buscas, quebras de sigilo) quando houver indícios concretos de preparação de ato terrorista, justamente porque o bem jurídico protegido é a incolumidade pública em larga escala.

Conclusão

A legislação brasileira sobre atos de terrorismo, centrada na Lei nº 13.260/2016, conseguiu trazer para o plano interno os compromissos internacionais do país e definir, com maior precisão, o que o Brasil entende por terrorismo: atos violentos ou potencialmente letais, voltados a causar terror social, discriminação ou coagir o Estado. Ao mesmo tempo, a lei protegeu o direito de manifestação, afastando o uso indevido do tipo penal contra movimentos sociais. A efetividade desse sistema depende de três eixos: (i) prevenção financeira e de inteligência para identificar grupos e fluxos de recursos; (ii) investigação especializada, com uso dos instrumentos da Lei de Organizações Criminosas; e (iii) aplicação criteriosa dos tipos penais, para que apenas condutas realmente terroristas sejam punidas com o rigor que a Constituição exige.

Guia rápido — Atos de terrorismo na legislação brasileira

  • Lei-base: Lei nº 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo).
  • Fundamento constitucional: art. 5º, XLIII, da CF/88 — terrorismo é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
  • Elemento-chave: conduta violenta + finalidade de provocar terror social ou coagir o Estado.
  • Motivações: xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, entre outras previstas.
  • Exclusão expressa: manifestações e movimentos sociais legítimos não são terrorismo (art. 2º, §2º, da Lei 13.260/2016).
  • Pena: reclusão de 12 a 30 anos, além das penas correspondentes à violência.
  • Condutas conexas: financiamento, promoção, recrutamento e treinamento também são punidos.
  • Competência: geralmente Justiça Federal e atuação da Polícia Federal e MPF.
  • Base internacional: compromissos da ONU e GAFI para prevenção e combate ao terrorismo.
  • Objetivo do sistema: reprimir atos de grande potencial lesivo sem criminalizar protesto democrático.

FAQ NORMAL (sem schema e sem acordeão)

1) O que a lei brasileira considera ato de terrorismo?

É a prática de determinadas condutas violentas ou potencialmente letais, com a finalidade de provocar terror social/generalizado ou coagir o Estado, motivadas por xenofobia, discriminação ou preconceito, conforme art. 2º da Lei nº 13.260/2016.

2) Toda explosão ou ataque é automaticamente terrorismo?

Não. Se faltar a finalidade típica (gerar terror, coagir o poder público ou discriminar), o fato pode ser crime comum (homicídio, incêndio, dano qualificado), mas não terrorismo.

3) Protestos, greves e movimentos sociais podem ser enquadrados como terrorismo?

Regra geral, não. A própria Lei nº 13.260/2016 exclui manifestações políticas, sindicais, religiosas e de movimentos sociais com propósitos sociais ou reivindicatórios. Porém, se houver outros crimes, eles podem ser apurados de forma autônoma.

4) Qual é a pena para o crime de terrorismo?

A lei prevê reclusão de 12 a 30 anos, além das penas correspondentes à ameaça ou à violência efetivamente praticada.

5) O financiamento do terrorismo também é crime?

Sim. Financiar, custear, organizar ou de qualquer forma dar suporte material ao ato terrorista é punível, ainda que o ato final não se concretize.

6) Quem investiga crimes de terrorismo no Brasil?

Normalmente a Polícia Federal, com atuação do Ministério Público Federal, por se tratar de matéria que envolve segurança nacional, tratados internacionais ou bens/interesses da União.

7) O terrorismo é crime hediondo?

Ele não está na lista tradicional da Lei dos Crimes Hediondos, mas a Constituição o coloca ao lado de crimes de máxima gravidade (art. 5º, XLIII), tornando-o inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

8) A lei permite fazer investigações sigilosas e infiltração?

Sim. A Lei nº 13.260/2016 pode ser aplicada junto com a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), permitindo infiltração, colaboração premiada e quebras de sigilo, mediante autorização judicial.

9) A internet pode ser usada para incitar o terrorismo?

Pode. A legislação prevê punição para quem promove, recruta, organiza ou incita atos de terrorismo, inclusive por meios digitais, desde que presentes o dolo e a finalidade típica.

10) Por que o Brasil aprovou a Lei Antiterrorismo?

Para cumprir compromissos internacionais, adequar-se às recomendações de organismos como ONU e GAFI e ter um instrumento interno para prevenir e punir atentados de grande impacto.

Base normativa e técnica essencial

  • Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLIII — terrorismo: crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
  • Lei nº 13.260, de 16/03/2016 — Dispõe sobre o terrorismo, trata de investigação, processamento e julgamento e dispõe sobre o cumprimento de pena.
  • Lei nº 12.850/2013 — Define organização criminosa e trata de meios de obtenção de prova (aplicável a casos de terrorismo).
  • Lei nº 9.613/1998 — Lavagem de dinheiro, inclui o financiamento ao terrorismo como hipótese relevante.
  • Convenções e resoluções da ONU sobre combate ao terrorismo e financiamento ao terrorismo (implementadas internamente).
  • Normas do COAF/UIF e do Banco Central — prevenção ao uso do sistema financeiro para fins terroristas.
  • Resoluções do GAFI/FATF — padrões internacionais de combate ao financiamento do terrorismo.

Considerações finais

A legislação brasileira buscou uma via de equilíbrio: punir severamente os atos de terrorismo e todo o seu entorno (financiamento, recrutamento, treinamento) e, ao mesmo tempo, proteger o direito de manifestação e de reivindicação social. A interpretação deve ser restritiva, para não transformar protestos em “terrorismo”, e efetiva, para alcançar atos realmente voltados a causar pânico coletivo ou a chantagear o Estado. Este texto tem caráter informativo e não substitui a análise profissional individualizada; para casos concretos, é indispensável consultar advogado(a) ou especialista em direito penal e segurança pública, além de acompanhar atualizações legislativas e decisões dos tribunais.

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