Arras e Sinal no Contrato Imobiliário: quando você perde, recebe em dobro e como se proteger
Arras — conhecidas no dia a dia como sinal — são um valor pago no início da negociação para reforçar a seriedade do negócio. No contrato imobiliário, cumprem funções centrais: confirmar a intenção das partes, criar consequências imediatas para o desistente e, em certas hipóteses, permitir o arrependimento mediante perda/devolução do valor dado. Dominar o tema evita litígios e protege tanto vendedor quanto comprador.
Conceito e natureza das arras (sinal)
As arras são um pagamento antecipado — normalmente uma fração do preço — com dupla função: (i) confirmar o contrato e (ii) garantir sua execução, estabelecendo uma consequência econômica imediata para quem descumprir. O Código Civil brasileiro disciplina duas modalidades, com efeitos diferentes: arras confirmatórias e arras penitenciais.
Tipos de arras e efeitos práticos
Arras confirmatórias
São as mais comuns nas operações de compra e venda de imóveis. Servem para confirmar o negócio e antecipar perdas e danos. Em caso de inadimplemento:
- Se quem deu as arras descumpre, a outra parte pode reter o valor como indenização mínima.
- Se quem recebeu as arras descumpre, deve devolver em dobro (repetição do sinal), sem prejuízo de perdas excedentes provadas.
- Não existe direito de arrependimento por mera vontade: a lógica é cumprir o contrato ou indenizar.
Arras penitenciais
São as arras vinculadas a uma cláusula de arrependimento. Nessa hipótese, o contrato admite desistência unilateral:
- Quem desiste após ter dado o sinal, perde o valor.
- Quem desiste após ter recebido o sinal, deve devolver em dobro.
Aqui, a perda/devolução das arras substitui a multa e põe fim à obrigação principal, sem necessidade de provar prejuízo.
Como escolher a modalidade no contrato
O ponto decisivo é a redação da cláusula:
- Se o contrato não falar em arrependimento, presume-se que as arras são confirmatórias.
- Para serem penitenciais, é preciso prever expressamente o direito de arrependimento e as consequências (perda/devolução em dobro).
Valor do sinal: quanto é razoável?
Não há porcentagem legal fixa, mas a prática segura fica entre 5% e 10% do preço. Em operações com maior risco ou longo prazo, é comum ver até 20%. Valores exagerados podem ser reduzidos judicialmente por onerosidade excessiva.
Cenários frequentes e suas consequências
1) Comprador desiste sem justificativa
Arras confirmatórias: o vendedor fica com o sinal como indenização mínima. Pode ainda buscar perdas excedentes se provar (ex.: custos com documentação, corretagem não recuperada, diferença de preço em nova venda).
Arras penitenciais: a perda do sinal encerra o contrato; não há outras indenizações.
2) Vendedor desiste sem justificativa
Arras confirmatórias: devolução do sinal em dobro ao comprador, além de perdas excedentes provadas (ex.: aluguel de moradia temporária por atraso, custos de financiamento perdido).
Arras penitenciais: devolução em dobro e extinção do negócio.
3) Financiamento bancário não aprovado
É fonte comum de litígios. Se o contrato não condiciona a compra à aprovação de crédito, o risco tende a ser do comprador. Para mitigar, inclua condição suspensiva (“a eficácia do contrato fica condicionada à aprovação do financiamento até data X”), prevendo devolução simples do sinal se o crédito não sair.
4) Problemas de documentação do vendedor
Se a impossibilidade de transferir o imóvel for culpa do vendedor (ônus ocultos, matrícula irregular), ele deve devolver em dobro (confirmatórias) ou em dobro (penitenciais), conforme o tipo de arras, e pode responder por perdas adicionais.
5) Caso fortuito/força maior
Eventos inevitáveis (ex.: desastre natural que inviabiliza a entrega) tendem a afastar culpa. Em geral, recomenda-se devolução simples do sinal e solução consensual, salvo previsão contratual específica.
6) Imóvel na planta e distrato
Para incorporação imobiliária, aplica-se a Lei do Distrato (Lei 13.786/2018), que define regras próprias de retenção de valores na desistência do comprador (percentuais e prazos). Nesse cenário, a cláusula de arras deve ser harmonizada à lei especial.
Quadro comparativo rápido
Aspecto | Arras confirmatórias | Arras penitenciais |
---|---|---|
Objetivo | Confirmar e garantir o contrato | Permitir arrependimento com penalidade |
Desistência de quem deu o sinal | Outra parte retém o valor | Perda do sinal e fim do contrato |
Desistência de quem recebeu o sinal | Devolve em dobro | Devolve em dobro |
Perdas e danos além do sinal | Possíveis se provados | Em regra, não (sinal faz a quitação da desistência) |
Necessidade de cláusula de arrependimento | Não | Sim (expressa) |
Passo a passo para uma cláusula segura
- Defina a modalidade: confirmatória (regra) ou penitencial (se quiser admitir arrependimento).
- Fixe o valor do sinal de forma proporcional ao preço (use 5–10% como referência; avalie riscos).
- Especifique prazos (assinatura, financiamento, entrega de documentos, lavratura da escritura).
- Alinhe condições (condição suspensiva para crédito; documentos obrigatórios do vendedor; eventuais vistorias).
- Preveja consequências claras para atraso e inadimplemento (retenção, devolução em dobro, perdas provadas).
- Compatibilize com outras multas/cláusulas penais para evitar duplicidade punitiva.
- Inclua meios de prova (recibo do sinal, comprovantes bancários, checklists anexos).
Erros comuns (e como evitar)
- Chamar de “sinal” sem qualificar o tipo de arras ➜ descreva como confirmatórias ou penitenciais.
- Fixar valor exagerado ➜ use percentuais moderados e justificáveis.
- Ignorar o financiamento ➜ insira condição suspensiva e prazos realistas para aprovação.
- Acumular arras + multa sem critério ➜ evite dupla penalização desproporcional.
- Desconsiderar a Lei do Distrato em imóveis na planta ➜ ajuste o contrato à legislação específica.
Perguntas que a cláusula deve responder
- Qual é o valor do sinal e como será pago?
- As arras são confirmatórias ou penitenciais?
- Existe arrependimento? Em que prazo e com qual penalidade?
- Quais prazos para crédito, limpeza de ônus e escritura?
- Como ficam caso fortuito/força maior e eventos fora do controle?
- Há multas adicionais? Como se articulam com as arras?
Checklist final de segurança
- Modalidade definida e escrita com todas as consequências.
- Valor do sinal proporcional ao risco e ao preço.
- Condições claras para financiamento, documentação e prazos de escritura.
- Regras de devolução/retenção objetivas (simples, em dobro, perdas excedentes).
- Compatibilidade com leis específicas (p. ex., Lei do Distrato para imóvel na planta).
- Recibos e comprovantes anexados ao contrato.
Exemplo de cláusula (modelo orientativo)
Cláusula – Arras Confirmatórias. Para firmeza e garantia do presente instrumento, o COMPRADOR entrega ao VENDEDOR, nesta data, a quantia de R$ ______ (valor por extenso), a título de arras confirmatórias, que se imputarão ao preço final. Em caso de inadimplemento do COMPRADOR, poderá o VENDEDOR reter as arras como indenização mínima, sem prejuízo de exigir perdas e danos suplementares devidamente comprovados. No caso de inadimplemento do VENDEDOR, este restituirá ao COMPRADOR o dobro do valor recebido, sem prejuízo de perdas e danos excedentes comprovados. Fica vedado o arrependimento imotivado.
Conclusão
Arras (sinal) bem desenhadas tornam o contrato imobiliário previsível e executável. A escolha entre confirmatórias e penitenciais deve refletir a estratégia das partes: segurança e execução do negócio, ou liberdade de arrependimento com penalidade definida. Com percentuais razoáveis, condições objetivas (financiamento, documentos, prazos) e consequências claras, reduz-se drasticamente o risco de disputa e assegura-se um caminho jurídico sólido da proposta à escritura.
Arras — também chamadas de sinal — são um valor pago no início da negociação para confirmar a compra e venda e garantir sua execução. Em imóveis, a redação dessa cláusula define quem perde, quem devolve e em que condições há arrependimento. Antes de avançar à FAQ, veja o essencial para decidir e redigir corretamente.
1) Qual é a diferença prática?
- Arras confirmatórias: reforçam o negócio e não preveem arrependimento livre. Se o comprador descumpre, o vendedor pode reter o sinal como indenização mínima e, se provar, pedir perdas excedentes. Se o vendedor descumpre, devolve em dobro e pode responder por danos adicionais.
- Arras penitenciais: vinculadas a cláusula de arrependimento. Permitem desistência unilateral: quem deu o sinal e desiste perde; quem recebeu e desiste devolve em dobro. Em regra, a penalidade encerra o contrato sem outras indenizações.
2) Como escolher a modalidade?
- Quer segurança de execução e reduzir desistências? Use confirmatórias.
- Quer flexibilidade para desistir mediante penalidade predeterminada? Use penitenciais (arrependimento expresso).
- Regra prática: se o contrato não fala em arrependimento, o sinal é presumido confirmatório.
3) Quanto colocar de sinal?
Não há percentagem legal fixa. O mercado gira entre 5% e 10% do preço; em operações mais arriscadas, chega a 20%. Evite valores excessivos: podem ser reduzidos judicialmente por desproporção. O ideal é ser compatível com o risco e com eventuais multas para não punir em duplicidade.
4) Cláusulas que não podem faltar
- Natureza do sinal (confirmatórias ou penitenciais).
- Valor, forma e data de pagamento (PIX/depósito/cheque) + recibo.
- Consequências objetivas para cada cenário: atraso, inadimplemento, desistência, caso fortuito.
- Condição suspensiva para financiamento (prazo para aprovação e devolução simples do sinal se o crédito não sair).
- Prazos para apresentação de documentos, baixa de ônus e lavratura da escritura.
- Compatibilização com Lei do Distrato quando o imóvel é na planta.
5) Erros que mais geram litígio
- Escrever apenas “paga-se um sinal” sem dizer qual é a espécie de arras.
- Fixar sinal alto e ainda somar multa elevada (pode soar punitivo em excesso).
- Ignorar a condição de crédito do comprador.
- Deixar prazos abertos para documentos/escritura.
- Não registrar tudo por escrito (recibos, comprovantes e checklists anexos).
6) Mini-modelo orientativo
Cláusula – Arras Confirmatórias. “Para firmeza do presente instrumento, o COMPRADOR entrega ao VENDEDOR R$ ______ a título de arras confirmatórias, imputáveis ao preço. Em caso de inadimplemento do COMPRADOR, poderá o VENDEDOR reter as arras como indenização mínima, sem prejuízo de perdas e danos suplementares comprovados. No inadimplemento do VENDEDOR, este restituirá ao COMPRADOR o dobro do valor recebido, sem prejuízo de perdas e danos excedentes. Vedado o arrependimento imotivado.”
Resumo executivo: arras bem redigidas tornam o contrato previsível, reduzem desistências e delimitam a indenização. Nomeie a espécie (confirmatória/penitencial), descreva as consequências e alinhe o sinal com o risco real da operação.
FAQ — Arras e Sinal no Contrato Imobiliário
O que são arras (sinal) em um contrato imobiliário?
As arras são um valor pago antecipadamente para confirmar a intenção de contratar e dar segurança ao negócio. Servem como garantia de que as partes cumprirão o combinado.
Qual a diferença entre arras confirmatórias e arras penitenciais?
Confirmatórias: reforçam o vínculo. Em caso de descumprimento, permitem execução do contrato e/ou indenização por perdas e danos, além da retenção do sinal por quem o recebeu.
Penitenciais: dão direito de arrependimento. Quem desistir perde o sinal (comprador) ou devolve em dobro (vendedor).
Existe percentual recomendado para o sinal?
Não há lei com percentual fixo. Na prática, usa-se entre 5% e 10% do preço, variando conforme risco, prazo e negociação. O ideal é que o valor seja proporcional ao negócio para não ser considerado abusivo.
Se o comprador desistir, o que acontece com as arras?
Confirmatórias: o vendedor pode reter o sinal e exigir indenização complementar se houver prejuízo maior.
Penitenciais: o comprador perde o sinal pago, encerrando o negócio.
Se o vendedor desistir, o que acontece?
Confirmatórias: o comprador pode exigir o cumprimento forçado (quando possível) e/ou indenização além da devolução do sinal.
Penitenciais: o vendedor deve devolver o sinal em dobro.
As arras substituem multa contratual?
Não necessariamente. Podem conviver com cláusula penal. Contudo, para evitar bis in idem, o contrato deve especificar se a multa é cumulável com a perda/devolução das arras e em quais hipóteses.
E se o financiamento não for aprovado?
Inclua cláusula de condição suspensiva vinculando o negócio à aprovação do crédito. Sem essa cláusula, a negativa do financiamento não afasta automaticamente a perda/devolução das arras. Com a cláusula, o sinal deve ser restituído sem penalidade.
Há prazo legal de arrependimento nas arras?
Somente se forem arras penitenciais e o contrato trouxer expressamente o direito de arrependimento. Nas arras confirmatórias, não há arrependimento imotivado.
Como provar o pagamento do sinal?
Use recibo detalhado (valor, data, partes, imóvel, tipo de arras), transferência identificada (PIX, TED) e, se possível, cláusula específica no instrumento. A prova escrita reduz litígios.
Quais cuidados práticos reduzem riscos com arras?
a) Definir tipo de arras (confirmatórias ou penitenciais) e efeitos;
b) Prever hipóteses de devolução (financiamento, pendências documentais, vícios);
c) Fixar prazos e condições para escritura/registro;
d) Anexar certidões e documentos do imóvel e do vendedor;
e) Estabelecer regra sobre comissão de corretagem em caso de desfazimento;
f) Assinatura com testemunhas para dar força executiva.
Fundamentos legais & Encerramento
Marco legal essencial
- Código Civil (Lei 10.406/2002) — arts. 417 a 420 (disciplinam arras/sinal), 413 a 416 (cláusula penal e perdas e danos), 421 e 421-A (função social e liberdade contratual), 422 (boa-fé objetiva), 475 (resolução por inadimplemento) e 108 (exigência de escritura pública acima de 30 salários mínimos).
- Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) — arts. 6º, 39, 51 e 53 (equilíbrio contratual e nulidade de cláusula que imponha perda integral das parcelas pagas).
- Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) — regras sobre retenção, devolução e prazos em distratos de imóveis na planta e loteamentos.
- Lei 4.591/1964 — incorporações imobiliárias (documentação mínima, deveres do incorporador).
- Lei 6.015/1973 (Registros Públicos) — registro da promessa de compra e venda e de ônus para garantir oponibilidade a terceiros.
- CPC/2015 — art. 784, III (instrumento particular com duas testemunhas como título executivo extrajudicial).
Pontos técnicos para o contrato
- Definir o tipo de arras: confirmatórias (reforçam o vínculo e permitem indenização) ou penitenciais (admitem arrependimento com perda do sinal pelo comprador ou devolução em dobro pelo vendedor).
- Fixar valor/percentual do sinal e sua imputação ao preço final (CC, art. 420), com comprovação de pagamento (PIX/TED/recibo detalhado).
- Inserir condição suspensiva para aprovação de financiamento e obtenção de certidões, afastando penalidades se a condição não se implementar.
- Regular o inadimplemento: manutenção, resolução, retenção/devolução das arras e eventual cláusula penal, evitando bis in idem (CC, arts. 413–416).
- Estabelecer prazos para escritura pública e registro, e responsabilidade por ônus ocultos e indisponibilidades (LRP e CC).
- Disciplinar corretagem e despesas, inclusive no distrato (CDC e Lei 13.786/2018).
Jurisprudência de referência (orientativa)
- STJ, Súmula 543: na resolução de promessa de compra e venda submetida ao CDC, as parcelas pagas devem ser restituídas imediatamente, com retenção razoável pelo vendedor.
- Entendimento dominante do STJ: arras confirmatórias e cláusula penal possuem finalidades diversas; deve-se evitar cumulação indevida para não configurar bis in idem.
Fechamento prático
Use instrumento assinado com duas testemunhas, identifique expressamente o tipo de arras, anexe certidões do imóvel e do vendedor, vincule o negócio à aprovação do crédito quando necessário e detalhe a alocação de riscos (retenções, devoluções e prazos). A aderência ao Código Civil, ao CDC e à Lei do Distrato é o que sustenta a validade e a segurança do sinal nos contratos imobiliários.