Direito previdenciário

Aposentadoria por invalidez no INSS: quando você tem direito (e quanto recebe)

Conceito e finalidade da aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente)

No Regime Geral de Previdência Social (RGPS/INSS), a antiga aposentadoria por invalidez passou a ser chamada, após a EC 103/2019, de aposentadoria por incapacidade permanente. O benefício é devido ao segurado que, comprovadamente, se encontra total e permanentemente incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta subsistência. A concessão depende de perícia médica federal e do preenchimento de requisitos contributivos, ressalvadas hipóteses em que a carência é dispensada.

Ideia-força
• O benefício não é automático por existir doença; exige incapacidade laboral total e permanente + impossibilidade de reabilitação.
• O nome mudou, mas a função protetiva permanece: substituir renda quando o segurado não pode mais trabalhar.

Requisitos gerais: qualidade de segurado, carência e incapacidade

Qualidade de segurado

É a vinculação do trabalhador ao RGPS. Mantém-se por contribuições e também durante o período de graça (em regra, até 12 meses após a última contribuição, com possibilidades de prorrogação conforme situação do segurado). Se o requerimento ocorrer dentro do período de graça, o segurado ainda tem cobertura.

Carência

Exige-se, como regra, 12 contribuições mensais. A carência é dispensada quando a incapacidade decorre de acidente de qualquer natureza (inclusive de trabalho) ou de doença especificada em lista oficial do Ministério da Saúde e da Previdência (ex.: algumas neoplasias, esclerose múltipla, cegueira, hepatopatia grave etc.). Nessas hipóteses, basta a qualidade de segurado.

Incapacidade total e permanente (perícia)

A incapacidade é aferida por perícia médica federal. Diferente do auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), aqui a avaliação conclui que não há perspectiva de recuperação funcional ou reabilitação para outra atividade compatível. Em muitos casos, o segurado passa primeiro por auxílio temporário; após estabilização do quadro e avaliação técnico-funcional, o benefício pode ser convertido em aposentadoria por incapacidade permanente.

Checklist rápido de elegibilidade
1) Mantém qualidade de segurado?
2) Cumpre carência (12 contribuições) ou está em hipótese de dispensa?
3) Laudo pericial atesta incapacidade total e permanente e impossibilidade de reabilitação?
4) Há nexo técnico com acidente/doença do trabalho (se for o caso)? Isso influencia o valor.

Como é calculado o valor do benefício após a Reforma

Após a EC 103/2019, o salário de benefício (SB) no RGPS é, em linhas gerais, a média aritmética simples de 100% dos salários de contribuição desde julho/1994 (ou desde o início das contribuições posteriores), ajustados. Sobre o SB aplica-se um coeficiente que varia conforme a causa da incapacidade:

  • Doença comum (sem relação com o trabalho): 60% do SB + 2% por ano que exceder 20 anos de contribuição (homem) ou 15 anos (mulher).
    Exemplo: mulher com 22 anos de contribuição → 60% + (2% × 7 excedentes aos 15) = 74% do SB.
  • Acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho: coeficiente de 100% do SB.

O benefício não sofre fator previdenciário. Incide 13º proporcional (abono anual) e está sujeito aos descontos legais (IR, quando cabível).

Gráfico didático: impacto dos anos de contribuição no coeficiente (doença comum)

Coeficiente aplicado sobre a média (SB) Anos de contribuição Coeficiente (%) 20 a. 60%

25 a. 70%

30 a. 80%

35 a. 90%

40 a. 100%

Doença comum 60% + 2% a.a. ≥40 anos → 100%

Ponto de atenção
• Em acidente/doença do trabalho, o coeficiente é 100% do SB independentemente do tempo contribuído.
• O SB usa todas as contribuições (não há descarte de 20% menores após a reforma).

Passo a passo do requerimento e documentos que fazem diferença

  1. Organize o dossiê médico: laudos com CID, exames, relatórios do médico assistente descrevendo limitações funcionais, terapias e prognóstico; se houver acidente/doença do trabalho, junte CAT e PPP/LTCAT, prontuários e Comunicação de Acidente.
  2. Registre o histórico laboral: CTPS, CNIS, carnês (boletos), recibos de contribuinte individual e vínculos.
  3. Requeira no Meu INSS o benefício (menu “Pedir benefício por incapacidade”) e anexe PDFs legíveis.
  4. Compareça à perícia na data marcada; leve medicação, exames e relatórios recentes (preferencialmente últimos 3–6 meses).
  5. Se a perícia apontar incapacidade temporária, você poderá receber auxílio e ser reavaliado; se depois constatada permanência, há conversão para aposentadoria.
  6. Em caso de indeferimento, use o recurso administrativo e considere ação judicial com perícia independente.
Erros que atrasam ou negam benefícios
• Anexar apenas CID sem descrever incapacidade laboral (CID sozinho não concede benefício).
• Falta de nexo técnico em doenças do trabalho (ausência de PPP/CAI/CAT).
• Lacunas no CNIS (períodos sem comprovação de contribuição).
• Não comparecer à perícia ou não levar exames atualizados.

Revisões, reavaliações e cessação

Apesar de ser “por incapacidade permanente”, o benefício pode ser revisado por melhoria clínica, reabilitação ou detecção de fraude/erro material. O INSS pode convocar perícia de revisão; o não comparecimento pode suspender/cessar o pagamento. Se a perícia indicar reabilitação possível, o segurado pode ser encaminhado a programa de reabilitação profissional, com manutenção do benefício até a conclusão. Ocorrendo retorno ao trabalho em atividade remunerada, há perda do benefício.

Adicional de 25% para assistência permanente de terceiros

O art. 45 da Lei 8.213/1991 prevê acréscimo de 25% para aposentados por invalidez que necessitem de assistência permanente de outra pessoa (casos como impossibilidade de locomoção, demência grave, cegueira bilateral etc.). O adicional:

  • É devido apenas na aposentadoria por incapacidade permanente (entendimento consolidado pelo STF ao julgar a extensão a outras modalidades).
  • É pessoal e não integra pensão por morte.
  • Pode ultrapassar o teto previdenciário ao ser somado ao benefício.

Acumulações e compatibilidades

  • Não é cumulável com auxílio por incapacidade temporária (um substitui o outro).
  • Pode cumular com pensão por morte, observados os limites de acumulação e redutores introduzidos pela EC 103/2019.
  • Não é cumulável com o BPC/LOAS (benefício assistencial) para a mesma pessoa.
  • Compatibilidade com auxílios-acidente depende do caso concreto e da data de concessão.

Qualidade de segurado: estratégias para não perder cobertura

Quem está em risco de perder a qualidade (ex.: desemprego) deve observar:

  • O período de graça pode ser prorrogado em certas hipóteses (ex.: desemprego involuntário comprovado), ampliando cobertura.
  • Contribuinte individual e facultativo podem retomar contribuições para restabelecer carência/qualidade — planejamento é essencial quando há doença pré-existente (a incapacidade não pode ser anterior ao reingresso, salvo agravamento comprovado).
Dica prática
• Se houve perda da qualidade, é preciso cumprir 1/3 da carência (quatro contribuições) para voltar a ter direito ao auxílio por incapacidade temporária; para aposentadoria por incapacidade permanente, aplique a regra específica de carência considerando novo vínculo e agravamento da doença se pré-existente.

Doença preexistente e agravamento

Em regra, a Previdência não cobre incapacidade causada por doença ou lesão preexistente à filiação, salvo se houver agravamento ou progressão decorrente do trabalho ou do curso natural da enfermidade após a filiação. Provas médicas comparativas (exames anteriores e posteriores) são decisivas para demonstrar o nexo de agravamento.

Nexo com o trabalho: acidente/doença ocupacional e reflexos

Quando a incapacidade decorre de acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, há reflexos relevantes:

  • O coeficiente do benefício é de 100% da média (SB).
  • O reconhecimento de nexo usa informações como CAT, PPP, LTCAT, investigações de ergonomia e NTEP (nexo técnico epidemiológico).
  • Pode haver estabilidade e responsabilização civil do empregador por danos (esfera trabalhista/civil), sem prejuízo do benefício previdenciário.

Provas médicas e linguagem que a perícia entende

Relatórios eficientes traduzem o quadro clínico em limitações funcionais e restrições ocupacionais mensuráveis:

  • Diagnóstico (CID) + achados objetivos (exames, escala funcional, audiometria, espirometria, EF).
  • Capacidade para atividades básicas e instrumentais (tempo em pé, sentar, deambular, carga máxima, atenção, memória, movimentos finos etc.).
  • Prognóstico e tentativa de terapias (fracasso terapêutico, efeitos adversos, encaminhamentos).
  • Reabilitação tentada e resultado (laudos de fisioterapia, terapia ocupacional, fono, reabilitação cognitiva).
Formato sugerido para o relatório do médico assistente
1) Dados do paciente e CID.
2) História clínica resumida com datas.
3) Exames e escalas funcionais aplicadas.
4) Limitações para o trabalho habitual e para qualquer trabalho.
5) Prognóstico: permanente ou temporário.
6) Avaliação sobre reabilitação possível ou não.

Exemplos práticos (estudos de caso)

1) Trabalhador com cardiopatia grave (doença comum)

Homem com 32 anos de contribuição, média (SB) de R$ 3.800, relatando insuficiência cardíaca avançada, múltiplas internações e contraindicação a esforço. Perícia conclui incapacidade total e permanente, sem reabilitação. Coeficiente: 60% + 2% × (32 − 20) = 60% + 24% = 84%. Valor: 0,84 × 3.800 = R$ 3.192 (antes de IR).

2) Técnica de enfermagem com LER/DORT e nexo ocupacional

Mulher com 15 anos de contribuição, SB R$ 3.000, incapaz permanentemente por doença do trabalho confirmada (PPP e laudos). Coeficiente: 100%. Valor: R$ 3.000 (antes de IR). Pode pleitear adicional de 25% se precisar de assistência permanente (após avaliação).

Quando vale buscar revisão ou judicializar

  • Perícia contraditória com laudos robustos e histórico terapêutico.
  • Erro no CNIS que reduziu a média ou excluiu salários/vínculos.
  • Não reconhecimento de nexo ocupacional quando há farta prova técnica.
  • Negativa do adicional de 25% em situações de dependência permanente de terceiros.

Boas práticas para empresas e segurados

  • Empresas: emitam CAT tempestivamente; mantenham PPP/LTCAT atualizados; registrem adaptações e tentativas de readapação do trabalhador.
  • Segurados: guardem exames seriados, laudos e atestados originais; verifiquem regularmente o CNIS; mantenham endereço e contato atualizados no Meu INSS.

Conclusão: quando é devida e como assegurar seu direito

A aposentadoria por incapacidade permanente é devida quando o segurado do RGPS, mantendo a qualidade e cumprindo a carência (salvo dispensa), comprova por perícia que não tem condições de exercer trabalho e que não há reabilitação possível. O valor após a reforma depende do tempo de contribuição e da causa da incapacidade, sendo integral (100% do SB) em casos de acidente/doença do trabalho. O caminho mais seguro combina dossiê médico técnico + documentação contributiva sem lacunas + atenção às convocações do INSS. Em caso de divergência, use recurso administrativo e a via judicial para garantir o direito.

Mensagem final
Doença não é sinônimo de aposentadoria. Mas quando a incapacidade é total, permanente e sem reabilitação, a lei assegura renda. Informação, prova médica qualificada e organização documental aceleram a concessão.

FAQ — Aposentadoria por invalidez (incapacidade permanente)

1) O que caracteriza a aposentadoria por incapacidade permanente?

É o benefício devido quando a perícia do INSS conclui que o segurado está total e permanentemente incapaz para qualquer trabalho e insuscetível de reabilitação, mantida a qualidade de segurado e cumprida a carência, salvo hipóteses de dispensa.

2) Qual é a carência exigida? Quando é dispensada?

A regra geral é 12 contribuições. A carência é dispensada quando a incapacidade decorre de acidente de qualquer natureza (inclusive de trabalho) ou de doenças especificadas em lista oficial (ex.: algumas neoplasias, esclerose múltipla, cegueira, hepatopatia grave), desde que haja qualidade de segurado.

3) Como é calculado o valor após a EC 103/2019?

O INSS calcula a média de 100% dos salários de contribuição (SB) desde 07/1994, e aplica: (a) 60% do SB + 2% por ano que exceder 20 anos de contribuição (homem) ou 15 (mulher), para doença comum; (b) 100% do SB quando a incapacidade resulta de acidente/doença do trabalho.

4) Preciso estar afastado pelo auxílio-doença antes?

Não é obrigatório, mas é comum a concessão iniciar como auxílio por incapacidade temporária e, após estabilização e nova perícia, haver conversão para incapacidade permanente.

5) Doença pré-existente impede o benefício?

Impede se a incapacidade já existia na filiação ao RGPS. Contudo, há direito quando há agravamento ou progressão posterior, comprovados por provas médicas comparativas.

6) O que é o adicional de 25%? Quem pode receber?

É o acréscimo de 25% para quem, aposentado por incapacidade permanente, necessita de assistência permanente de terceiros. É pessoal (não passa para pensão) e pode levar o valor acima do teto quando somado.

7) Posso trabalhar recebendo o benefício?

O exercício de atividade remunerada é, em regra, incompatível com a aposentadoria por incapacidade permanente e pode levar à cessação do benefício após revisão pericial.

8) Como comprovar nexo com o trabalho?

Com CAT, PPP, LTCAT, prontuários, laudos técnicos e, quando aplicável, pelo NTEP. O reconhecimento do nexo eleva o coeficiente para 100% do SB.

9) O INSS pode me chamar para nova perícia? Posso perder o benefício?

Sim. O INSS pode revisar periodicamente. Não comparecer ou haver melhora/reabilitação pode levar à cessação.

10) Perdi a qualidade de segurado. O que fazer?

É possível reingressar ao RGPS e cumprir as regras de recarência. Para benefícios por incapacidade, atenção à data de início da doença e à prova de agravamento após o reingresso.

11) Posso acumular com pensão por morte?

Regra geral: é possível, observados os limites de acumulação e redutores da EC 103/2019. Já com BPC/LOAS, não há acumulação para a mesma pessoa.

12) Como contestar um indeferimento?

Apresente recurso administrativo com novos laudos e documentos. Mantida a negativa, proponha ação judicial para perícia independente e revisão do CNIS/cálculo.

13) Quais documentos médicos aumentam a chance de concessão?

Laudos recentes com CID, exames objetivos, descrição de limitações funcionais, prognóstico, tentativas terapêuticas e parecer sobre reabilitação; em caso ocupacional, junte CAT, PPP e LTCAT.

14) Existe 13º na aposentadoria por incapacidade permanente?

Sim. O benefício paga o abono anual (13º), conforme cronograma do INSS.

15) O fator previdenciário é aplicado?

Não. O fator previdenciário não incide na aposentadoria por incapacidade permanente.


Base técnica – Fontes legais

  • Lei 8.213/1991 (Plano de Benefícios): arts. 42 a 47 (aposentadoria por invalidez/por incapacidade permanente), 59 a 63 (auxílio por incapacidade temporária), 45 (adicional de 25%), regras de carência e qualidade de segurado.
  • Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social): dispositivos correlatos sobre perícia, reabilitação, cálculo e revisão.
  • Emenda Constitucional 103/2019: novas bases de cálculo e coeficientes da aposentadoria por incapacidade permanente e normas de acumulação de benefícios.
  • Instrução Normativa INSS nº 128/2022 (e atualizações): procedimentos periciais, início de prova, dispensa de carência para doenças especificadas, justificação e rotinas de revisão.
  • Normas do Ministério da Saúde/Previdência sobre a lista de doenças graves que dispensam carência e critérios médicos periciais.
  • CLT e legislação de SST: CAT, PPP, LTCAT e reconhecimento de nexo ocupacional (inclui referência ao NTEP).
  • Jurisprudência STF/STJ/TRFs sobre adicional de 25%, doença preexistente com agravamento, conversão de auxílio em aposentadoria e revisões de cálculo/CNIS.

Aplicam-se sempre as regras vigentes na data do requerimento e da DII (data de início da incapacidade) e os atos normativos internos do INSS. Em casos complexos, recomenda-se avaliação técnica com médico perito e análise do CNIS para evitar perdas de direito.

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