Alimentos entre ascendentes e descendentes: quem deve pagar e quando é devido
Fundamento e escopo da obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes
No âmbito do direito de família, a obrigação alimentar entre famílias se fundamenta no princípio da solidariedade familiar e na ideia de que o vínculo de parentesco gera deveres recíprocos de assistência material. O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) dispõe, no seu art. 1.694, que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social”. Já o art. 1.696 esclarece que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.
Assim, a obrigação de prestar alimentos entre ascendentes (pais, avós etc.) e descendentes (filhos, netos etc.) se estende em ambos os sentidos, embora com características e dinâmica distintas: de filhos para pais ou de pais para filhos, sempre conforme a necessidade e a possibilidade. Esse dever está entre os pilares do ordenamento familiar como mecanismo de proteção da dignidade da pessoa humana.
Quem pode pedir e quem pode ser obrigado: ascendentes × descendentes
Alimentos de descendentes para ascendentes
Quando o ascendente (p.ex., pai ou mãe) se encontra em situação de vulnerabilidade — seja por velhice, enfermidade, incapacidade laboral ou absoluta falta de recursos — pode pleitear alimentos de seus descendentes. Conforme jurisprudência recente, é irreversível que os filhos maiores têm o dever de “ajudar e amparar” os pais na velhice, carência ou enfermidade (CF/88, art. 229) e esse dever se reflete em eventual obrigação alimentar.
Para que seja acolhido o pedido do ascendente, devem estar presentes os seguintes critérios: (i) necessidade do ascendente, (ii) capacidade do descendente, (iii) ausência ou insuficiência de outros alimentos preferenciais (por exemplo, cônjuge do ascendente) e (iv) proporcionalidade entre o valor fixado e os recursos do alimentante.
Alimentos dos ascendentes para os descendentes
Na outra ponta, a obrigação dos ascendentes em relação aos descendentes é a mais tradicional: os pais podem ser chamados a prestar alimentos aos filhos menores ou incapacitados. A responsabilidade dos ascendentes é originária e prioritária. O art. 1.696 do CC diz que esse direito à prestação também se aplica entre pais e filhos. 4
O dever dos pais abrange a educação, formação, sustento e bem-estar do filho menor ou incapaz, até que este alcance alguma autonomia ou incapacitação cesse. Já para filhos adultos que demonstrem necessidade e ascendentes que possuam condições, a prestação ainda pode ocorrer, sendo fixada conforme o binômio necessidade-possibilidade.
Ordem sucessiva de obrigação e responsabilidade subsidiária
O art. 1.697 do CC determina a ordem em que a obrigação alimentar recai entre parentes: “Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.”
Isso significa que, em regra, os mais próximos (ex.: pais para filhos) respondem primeiro. Se não puderem, entra a figura do descendente para com o ascendente, e apenas após isso outros parentes, como irmãos ou colaterais. Essa estrutura permite que o dever se exerça com base em uma lógica escalonada, protegendo a dignidade e evitando sobrecarga desarrazoada.
1) Ascendentes (quando descendentes incapazes ou menores) → 2) Descendentes (quando ascendentes necessitados) → 3) Outros parentes (se faltarem os anteriores)
Requisitos e critério de fixação dos alimentos
A fixação da pensão alimentar entre ascendentes e descendentes obedece aos mesmos critérios aplicáveis em toda prestação alimentar: o chamado binômio necessidade-possibilidade (alguns autores falam em tríade: necessidade, possibilidade, proporcionalidade).
Concretamente, o requerente deve provar sua necessidade (custos de saúde, moradia, subsistência mínima, tratamento médico) e o devedor, sua capacidade (rendimentos, patrimônio, encargos). O valor definido deve ser compatível com o padrão de vida das partes e não comprometer o mínimo existencial do alimentante.
Fixação e revisão
O valor pode ser fixado em percentual dos rendimentos ou em montante certo, considerando as particularidades. O dever alimentar pode e deve ser revisado sempre que ocorrer mudança significativa na situação financeira de quem paga ou de quem recebe. A jurisprudência admite essa possibilidade, destacando que os alimentos não têm natureza vitalícia automática, mas dependem da evolução dos fatos.
Procedimento, execução e extinção
A ação cabível é a Ação de Alimentos (Lei 5.478/1968) ou pelas regras do CPC (arts. 528 a 533) quando o meio for aderente. Pode haver alimentos provisórios desde logo, se preenchidos os requisitos. Em caso de inadimplemento, existe possibilidade de prisão civil do devedor (arts. 528, §3º, CPC e art. 733-§1º, CPC), sem prejuízo das medidas patrimoniais.
No que toca à extinção ou exoneração, essa ocorre quando cessam os requisitos da obrigação (por exemplo, o alimentado torna-se capaz, o alimentante perde recursos, há mudança significativa). Merece menção que o art. 1.700 do CC prevê a transmissão da obrigação aos herdeiros do devedor em determinadas condições.
Exemplos práticos e estatísticas relevantes
Embora não existam muitos dados públicos agregados especificamente para alimentos entre ascendentes e descendentes, é crescente a jurisprudência em casos que envolvem pais idosos pleiteando alimentos de filhos maiores, bem como em menores que pleiteiam de pais de rendimento baixo.
Exemplo 1: Mãe idosa, sem recursos, ajuíza ação de alimentos contra dois filhos com emprego formal — TJ identificou capacidade e fixou percentual de 30% e 35% dos rendimentos (AI, TJ-RS, 2023).
Exemplo 2: Filha maior, com deficiência, pleiteia alimentos de pai desempregado; inadmissão por ausência da prova de capacidade do alimentante.
Considerações finais
A obrigação de prestar alimentos entre ascendentes e descendentes é um mecanismo essencial de justiça social e proteção familiar, refletindo o pacto de solidariedade inerente às relações de parentesco. No entanto, sua aplicação exige cuidado, pois não se trata de direito automático, mas de dever que se concreta a partir da demonstração da necessidade do requerente e da capacidade do obrigado, dentro da ordem sucessiva de responsabilidade prevista em lei.
Para o operador do direito, é fundamental reunir documentos de renda e despesa, demonstrar o esgotamento das fontes preferenciais de alimentos (no caso de quem pede ascendentes) e atender ao critério da proporcionalidade. A fixação ou revisão da pensão deve observar a realidade econômica das partes e não representar ônus que comprometa o mínimo existencial do alimentante.
- Quem pode pedir? Pais, avós e demais ascendentes em situação de necessidade; filhos e netos (descendentes) quando menores, incapazes ou maiores que demonstrem necessidade concreta.
- Base legal-chave: CC arts. 1.694 a 1.699 (direito/ordem entre parentes); CF art. 229 (dever dos filhos de amparar os pais); Lei 5.478/1968 (Ação de Alimentos); CPC arts. 528–533 (cumprimento e prisão civil).
- Critério de fixação: binômio necessidade × possibilidade, com proporcionalidade e preservação do mínimo existencial do devedor.
- Ordem de responsabilidade: recai primeiro nos mais próximos em grau; se faltar ou for insuficiente, atinge os demais (ex.: obrigação avoenga é subsidiária/complementar).
- Formas de cobrança: alimentos provisórios; execução com desconto em folha; penhora de bens; e, nas três últimas parcelas, possibilidade de prisão civil (CPC, art. 528, §3º).
- Revisão/Exoneração: cabem quando mudam as condições econômicas ou cessa a necessidade (ex.: autonomia do alimentado). Súmula STJ 358: cancelamento de alimentos exige decisão judicial.
1) Pais podem exigir alimentos de todos os filhos ao mesmo tempo?
Em regra, sim, mas a obrigação observa a proporcionalidade da capacidade de cada filho. O juiz pode ratear a pensão conforme os rendimentos e encargos de cada um, inclusive diferenciando percentuais.
2) Avós podem ser demandados diretamente?
Em caráter subsidiário e complementar. Primeiro se busca o genitor; comprovada a insuficiência ou impossibilidade, a obrigação pode alcançar os avós. O valor costuma ser ajustado para não onerar excessivamente quem está em idade avançada.
3) A maioridade extingue automaticamente a pensão dos filhos?
Não. A extinção não é automática: exige decisão judicial e análise da persistência da necessidade (estudos, incapacidade etc.). A Súmula 358 do STJ veda cancelar de ofício sem contraditório.
4) Quais provas são relevantes para fixar alimentos a pais idosos?
Comprovantes de necessidade (despesas médicas, moradia, medicamentos, laudos) e de capacidade dos filhos (contracheques, IR, faturas, patrimônio), além da prova de insuficiência de outras fontes (cônjuge do idoso, benefícios).
5) É possível fixar alimentos em valor fixo em vez de percentual?
Sim. O juiz pode fixar como quantia certa (atualizável) ou como percentual dos rendimentos, conforme melhore a adequação ao caso (informalidade, variação de renda, previsibilidade de gastos).
6) O que muda na execução quando há atraso?
As três últimas parcelas vencidas (e as que se vencerem) podem ser cobradas pelo rito da prisão civil (CPC, art. 528, §3º). Parcelas mais antigas costumam seguir o rito patrimonial (penhora), sem prisão.
- Código Civil arts. 1.694 (direito a alimentos), 1.695 (necessidade e possibilidade), 1.696 (reciprocidade entre pais e filhos e extensão a ascendentes), 1.697 (ordem entre parentes), 1.698 (chamamento dos demais obrigados) e 1.699 (revisão/exoneração).
- Constituição Federal art. 229 — dever dos filhos de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
- Lei 5.478/1968 (Ação de Alimentos) — procedimento especial, alimentos provisórios, celeridade.
- CPC arts. 528–533 — cumprimento de sentença/decisão que fixa alimentos: desconto em folha, prisão civil, mecanismos de coerção e penhora.
- Súmula STJ 358 — “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito a decisão judicial…”.
- Jurisprudência do STJ sobre alimentos avoengos — natureza subsidiária e complementar da obrigação dos avós (precedentes reiterados).
A obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes concretiza a solidariedade familiar e protege a dignidade em fases de vulnerabilidade. Não é automática nem imutável: depende da prova da necessidade de quem pede, da capacidade de quem paga e da ordem de responsabilidade prevista em lei. Em qualquer cenário, planejamento probatório (receitas, despesas, laudos e histórico de pagamentos) e pedidos bem calibrados aumentam a efetividade — inclusive para revisão ou exoneração quando as circunstâncias mudam.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a avaliação individualizada de um(a) profissional habilitado(a). Cada caso concreto pode exigir estratégia processual e probatória própria.
