Direito do trabalho

Afastamento por Motivo de Saúde: Conheça Seus Direitos e as Regras do INSS

Conceito geral e pilares do afastamento por motivo de saúde

O afastamento por motivo de saúde ocorre quando o(a) trabalhador(a) está temporariamente incapaz de exercer suas funções por doença, acidente ou condição clínica que comprometa a capacidade laboral. No ordenamento brasileiro, a proteção envolve três pilares: saúde (diagnóstico e tratamento), renda (manutenção de meios de subsistência) e vínculo (preservação de direitos do contrato). Esses pilares se articulam entre empregador, INSS e, quando houver nexo com o trabalho, o SAT/Seguro Acidente e a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).

Em termos práticos, a sequência típica é: atestamento médicojustificativa de ausênciapagamento dos 15 primeiros dias pelo empregador (se houver afastamento contínuo por doença comum) → perícia do INSS para benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) a partir do 16º dia → manutenção de alguns direitos trabalhistas durante o período → retorno, alta programada ou, quando indicado, reabilitação e adaptações.

Quem paga e quando paga: repartição de responsabilidades

Primeiros 15 dias de afastamento

Nos contratos regidos pela CLT, quando o afastamento por doença não tem nexo ocupacional, o empregador é responsável pelo pagamento do salário nos primeiros 15 dias corridos de ausência devidamente atestada. Os atestados podem ser fracionados e somados para atingir 15 dias dentro de um mesmo evento incapacitante.

Do 16º dia em diante (doença comum) — benefício do INSS

Se a incapacidade ultrapassar 15 dias, o(a) trabalhador(a) deve requerer ao INSS o benefício por incapacidade temporária (antigo B31, auxílio-doença previdenciário). A concessão depende de qualidade de segurado, carência (em regra, 12 contribuições, salvo exceções como acidente, doenças graves listadas em norma e gestação de risco) e perícia médica. O valor é calculado segundo regras previdenciárias vigentes e pago diretamente pelo INSS.

Quando há nexo ocupacional (acidente/doença do trabalho)

Se a incapacidade decorrer de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o benefício equivalente é o por incapacidade temporária acidentário (historicamente conhecido como B91). Nessa hipótese, além do pagamento pelo INSS a partir do 16º dia, o empregador deve recolher FGTS durante todo o período de afastamento e, após a alta, aplica-se a estabilidade provisória de 12 meses (vedação à dispensa sem justa causa), salvo acordo coletivo ou hipóteses legais específicas.

Resumo “quem paga”

  • Dia 1 a 15 (doença comum): empresa paga salário.
  • Do 16º em diante (doença comum): INSS paga benefício por incapacidade temporária (ex-auxílio-doença).
  • Acidentário (acidente/doença do trabalho): INSS paga do 16º dia; empresa recolhe FGTS durante o afastamento e há estabilidade após retorno.

Fluxo prático do afastamento: passo a passo

1) Obtenção do atestado e comunicação

O(a) empregado(a) deve obter atestado médico com CID opcional (não é obrigatório constar) e tempo de afastamento. O documento deve ser entregue no prazo definido por norma interna ou acordo coletivo — em geral, até 48 horas da emissão. A empresa deve registrar a justificativa de ausência e orientar sobre a marcação da perícia no Meu INSS quando houver perspectiva de exceder 15 dias.

2) Preparação de documentos para o INSS

Relatórios de médico assistente, exames, laudos, receitas e declaração do empregador (informando datas de afastamento) reforçam o pedido. A qualidade de segurado é aferida por contribuições recentes; para intermitentes, domésticos e MEI, vale atenção às competências em dia.

3) Perícia médica e alta programada

A perícia pode ser presencial (com exame) ou, em situações específicas, documental (análise de atestados). Em caso de deferimento, o benefício tem data de cessação estimada. Se a incapacidade persistir, deve-se solicitar prorrogação antes do término.

4) CAT, quando houver suspeita de nexo com o trabalho

Em acidente de trabalho típico, de trajeto (quando devido) ou doença ocupacional, deve-se emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). A empresa tem dever primário de emissão; na omissão, podem emitir o próprio trabalhador, sindicato, médico ou autoridade pública. A CAT não garante benefício automaticamente, mas é evidência relevante para o enquadramento acidentário.

5) Retorno ao trabalho e avaliação de aptidão

Ao retornar, o(a) empregado(a) passa por exame médico de retorno (PCMSO) para atestar aptidão, determinar restrições e, se preciso, sugerir adaptações ou reabilitação profissional. A empresa deve adequar a função às limitações, de boa-fé e com diálogo entre médico do trabalho, RH e empregado.

Direitos trabalhistas preservados durante o afastamento

Vínculo empregatício

O contrato fica suspenso durante o benefício previdenciário (não corre contagem de tempo para alguns efeitos), mas o vínculo permanece. Na doença comum (B31), a empresa não recolhe FGTS nem paga salários; no acidentário (B91), mantém o FGTS e, após a alta, há estabilidade de 12 meses contra dispensa sem justa causa.

Férias e 13º salário

O período de afastamento não conta para férias quando superar 6 meses no mesmo período aquisitivo (salvo regimes específicos). O 13º considera a fração trabalhada no ano; quando há benefício, o INSS paga a proporção referente ao período em gozo (parcela de abono anual).

Plano de saúde e benefícios

Se a empresa oferece plano de saúde como benefício do contrato, a regra é a manutenção durante o afastamento (o custeio segue a política interna; eventual coparticipação do empregado pode continuar). Auxílios como vale-alimentação e vale-transporte dependem da política e do instrumento coletivo; não há uniformidade.

Estabilidade e garantias após acidente/doença do trabalho

Concedido e cessado o benefício acidentário, o(a) empregado(a) tem estabilidade de 12 meses. A dispensa só é possível por justa causa ou acordo com assistência sindical (ou outra forma prevista em lei), sob pena de reintegração ou indenização substitutiva.

Checklist de direitos durante o afastamento

  • Vínculo preservado e retorno assegurado após alta.
  • FGTS recolhido em afastamento acidentário.
  • Estabilidade de 12 meses no pós-alta acidentária.
  • Plano de saúde mantido como benefício contratual (salvo exceções).
  • Abono anual (13º do INSS) proporcional ao período de benefício.
  • Adaptações/reabilitação quando necessárias, com laudo do médico do trabalho.

Doença comum x doença relacionada ao trabalho: por que isso importa?

Reconhecimento do nexo ocupacional

O nexo entre doença e trabalho altera diversos efeitos: natureza do benefício (acidentário), obrigação de FGTS durante o afastamento, estabilidade pós-alta e potencial responsabilidade civil do empregador (quando houver culpa ou omissão em prevenção). O nexo pode ser reconhecido por laudos médicos, CAT, histórico ocupacional e, em litígios, por perícia judicial.

Exemplos comuns de nexo

  • LER/DORT (transtornos musculoesqueléticos) em atividades repetitivas sem ergonomia adequada.
  • Transtornos mentais decorrentes de assédio, sobrecarga crônica, jornadas exaustivas (nexo exige prova técnica).
  • Perda auditiva induzida por ruído em ambientes sem proteção eficaz.
  • Doenças respiratórias em exposição a agentes nocivos sem controle ambiental.
Impactos práticos de reconhecer o nexo

  • Benefício acidentário (mais protetivo) em vez do previdenciário comum.
  • FGTS depositado durante todo o afastamento.
  • Estabilidade de 12 meses após retorno.
  • Possibilidade de indenizações por danos materiais e morais, se houver culpa patronal.

Documentos e prazos que fazem diferença

Atestados e relatórios

Devem conter identificação do profissional (CRM/COREN/CRM-especialidade), tempo de afastamento e data. O CID é facultativo ao empregado. Relatórios detalhados do médico assistente (evolução, limitações funcionais) fortalecem o pedido ao INSS.

CAT e evidências do acidente/doença

Em casos ocupacionais, a CAT deve ser emitida de imediato. Fotos do local, ordens de serviço, PPRA/PGR, PCMSO e ASOs ajudam a corroborar o nexo. Anote nomes de testemunhas e guarde protocolos.

Prazos de prorrogação

Peça prorrogação do benefício antes da data de cessação indicada. Perder prazos pode interromper pagamento e obrigar a novo requerimento, gerando lacunas de renda.

Setores e vínculos específicos: o que muda

Empregado doméstico e intermitente

Ambos são segurados da Previdência. Para domésticos, a contribuição é recolhida via eSocial; para intermitentes, cada período trabalhado gera contribuição proporcional. Carência, qualidade de segurado e prova do vínculo precisam de atenção.

Servidor público

Servidores estatutários têm regras próprias no regime jurídico único e, em muitos casos, licenças para tratamento de saúde com remuneração integral por períodos determinados, além de juntas médicas específicas. Já celetistas de empresas públicas/sociedades de economia mista seguem a CLT e a Previdência Geral.

MEI, contribuinte individual e facultativo

São segurados do RGPS e podem requerer benefício por incapacidade temporária, desde que cumprida a carência e mantida a qualidade de segurado. Atenção ao recolhimento em dia e ao valor do salário de contribuição, que impacta o benefício.

Retorno ao trabalho, reabilitação e adaptações

Exame de retorno e limitações

O médico do trabalho avalia aptidão e pode impor restrições (ex.: não levantar peso, evitar turno noturno). Cabe ao empregador acomodar a função, redimensionar metas e, se necessário, alterar posto de trabalho, com respeito à remuneração e às oportunidades internas.

Reabilitação profissional

O INSS pode oferecer reabilitação quando o empregado não pode retornar à atividade anterior. O programa inclui capacitação, readaptação e, ao final, emissão de certificado. Durante a reabilitação, o benefício é mantido; concluído o processo, busca-se o reingresso em atividade compatível.

Conflitos: alta do INSS x inaptidão no exame de retorno

Se o INSS dá alta e o médico do trabalho considera o empregado inapto, a empresa deve afastar das atividades e orientar novo requerimento ao INSS (reconsideração) ou buscar adaptação transitória. Litígios podem ocorrer; a boa-fé e a documentação técnica reduzem riscos.

Indicadores e tendências (ilustração conceitual)

Para fins didáticos, o quadro abaixo indica, de forma conceitual, a frequência relativa de temas que geram dúvidas em afastamentos (com base em experiências de departamentos de pessoal e contencioso trabalhista):

Gráfico de barras — dúvidas mais recorrentes

Valores ilustrativos para priorização de rotinas de compliance trabalhista.

Boas práticas para empresas e trabalhadores

Para o trabalhador

  • Entregar atestados dentro do prazo e guardar cópias.
  • Reunir relatórios, exames e receitas antes da perícia.
  • Solicitar prorrogação do benefício com antecedência.
  • Em eventual acidente/doença ocupacional, exigir emissão da CAT.
  • Na alta, dialogar sobre adaptações e seguir as restrições do ASO de retorno.

Para o empregador

  • Ter políticas claras de entrega de atestados e comunicação com o INSS.
  • Emitir CAT nos casos cabíveis e investigar incidentes (CIPA/SESMT).
  • Respeitar sigilo médico (o CID é facultativo ao trabalhador).
  • Manter FGTS no afastamento acidentário e observar estabilidade.
  • Aplicar adaptações razoáveis e reabilitação sempre que indicado.
Roteiro enxuto de compliance

  1. Fluxo documentado de atestados e afastamentos (SST + RH).
  2. Checklist de documentos para perícia do INSS e para retorno (ASO).
  3. Procedimento para emissão e controle de CAT.
  4. Monitoração de FGTS no afastamento acidentário e de estabilidades.
  5. Política de plano de saúde e benefícios durante afastamentos.

Casos especiais e dúvidas recorrentes

Transtornos mentais

Quadros como depressão e ansiedade podem gerar incapacidade laboral. O tratamento costuma exigir tempo e acompanhamento multiprofissional. O laudo do médico assistente é chave; o nexo ocupacional, quando alegado, pede prova robusta (histórico de metas, assédio, falta de pausas, turnos). Políticas internas de saúde mental e canais de denúncia reduzem risco e litígio.

Gestantes com recomendação médica de afastamento

A gestação pode demandar afastamentos por saúde (ex.: risco gestacional) com benefício previdenciário próprio durante a incapacidade. Não confundir com licença-maternidade (salário-maternidade), que possui regras e prazos específicos. A estabilidade gestante é independente e alcança do conhecimento da gravidez até 5 meses após o parto.

Teletrabalho durante o tratamento

Exercer teletrabalho enquanto se recebe benefício não é permitido (configura trabalho durante a incapacidade). Havendo liberação parcial pelo médico do trabalho, pode-se negociar retorno com adaptação de jornada e tarefas, fora do período de benefício.

Conclusão

O afastamento por motivo de saúde é um regime de proteção ao trabalho que equilibra a continuidade do vínculo com a recuperação da capacidade e a manutenção de renda. Conhecer o fluxo (atestados, 15 dias, INSS, prorrogação, retorno), distinguir doença comum de acidentária e organizar documentos são atitudes que evitam perdas financeiras e conflitos.

Para as empresas, boas práticas de SST, emissão de CAT e acomodações razoáveis reduzem passivos e fortalecem a cultura de cuidado. Para os trabalhadores, cumprir prazos, guardar relatórios e dialogar com o médico do trabalho são passos decisivos. Em todos os cenários, a regra de ouro é documentação clara + respeito às restrições médicas + comunicação contínua. Assim, o afastamento cumpre seu propósito: curar sem punir, protegendo pessoas e a segurança jurídica do contrato.

Guia rápido

  • Direito ao afastamento: o trabalhador tem direito a se afastar por motivo de doença ou acidente, mediante atestado médico válido.
  • Prazo inicial: até 15 dias de afastamento pagos pela empresa; a partir do 16º dia, o benefício é pago pelo INSS.
  • Tipos de benefício: auxílio por incapacidade temporária (doença comum) e acidentário (decorrente do trabalho).
  • Documentos essenciais: atestado médico, exames, relatórios, declaração do empregador e, quando necessário, CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
  • FGTS: recolhido somente durante afastamento acidentário.
  • Estabilidade: 12 meses após retorno em caso de afastamento acidentário.
  • Plano de saúde: deve ser mantido enquanto o contrato estiver suspenso.
  • Retorno ao trabalho: exige exame médico de aptidão e, se necessário, reabilitação profissional.
  • Prazo para requerer benefício: o pedido deve ser feito antes do fim dos 15 dias de afastamento.
  • Documentação médica: o CID é opcional no atestado entregue à empresa.

FAQ

1) Quem paga os primeiros dias de afastamento?

Os 15 primeiros dias de afastamento são pagos pela empresa, desde que justificados por atestado médico. Após esse prazo, o benefício é pago pelo INSS.

2) O que é benefício por incapacidade temporária?

É o antigo auxílio-doença, pago ao trabalhador que fica incapacitado para o trabalho por período superior a 15 dias, após avaliação médica do INSS.

3) Qual a diferença entre benefício comum e acidentário?

No comum, o afastamento decorre de doença não relacionada ao trabalho. No acidentário, há nexo com o trabalho, gerando estabilidade de 12 meses após o retorno e FGTS durante o afastamento.

4) O trabalhador pode ser demitido durante o afastamento?

Não. O contrato fica suspenso durante o afastamento e, no caso de benefício acidentário, o empregado tem estabilidade após o retorno.

5) Como funciona o pedido de prorrogação do benefício?

O trabalhador deve solicitar prorrogação antes do término do benefício, diretamente no portal ou aplicativo Meu INSS, anexando novos relatórios médicos.

6) E se o INSS negar o benefício?

O trabalhador pode apresentar pedido de reconsideração no prazo de 30 dias após a decisão, ou ingressar com recurso administrativo e até ação judicial.

7) É necessário informar o CID no atestado?

Não. O CID é opcional no atestado apresentado à empresa, sendo protegido pelo sigilo médico. O médico só deve informar o tempo de afastamento.

8) A empresa pode descontar o período de afastamento?

Somente se o atestado for considerado inválido ou não for entregue dentro do prazo. Em afastamentos regulares, o pagamento é garantido.

9) O trabalhador mantém o plano de saúde durante o afastamento?

Sim, o plano de saúde deve ser mantido durante o afastamento, se for um benefício previsto no contrato de trabalho ou política interna da empresa.

10) O que acontece após o retorno?

O empregado deve passar por exame médico de retorno. Se persistirem limitações, poderá haver readaptação ou encaminhamento para reabilitação profissional pelo INSS.


Base normativa e referência legal

  • CLT, art. 60: pagamento dos primeiros 15 dias pelo empregador.
  • Lei 8.213/91, arts. 59 a 63: benefícios por incapacidade e regras do INSS.
  • Lei 8.213/91, art. 118: estabilidade de 12 meses após alta do benefício acidentário.
  • Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social): normas sobre perícia e cálculo de benefício.
  • Lei 8.036/90, art. 15, §5º: recolhimento do FGTS durante o afastamento acidentário.
  • Portaria MTP nº 4.219/2022: define os procedimentos do eSocial e CAT para afastamentos.
  • IN INSS/PRES nº 128/2022: consolida regras para requerimento e prorrogação de benefícios.

Considerações finais

O afastamento por motivo de saúde é um direito garantido pela legislação trabalhista e previdenciária. Ele assegura que o trabalhador tenha tempo adequado para recuperação sem perder sua fonte de renda ou vínculo empregatício. Contudo, é essencial seguir os prazos, apresentar a documentação correta e manter a comunicação com o empregador e o INSS. Entender a diferença entre afastamento comum e acidentário evita prejuízos e garante que todos os direitos sejam respeitados.


Aviso importante

Este conteúdo tem caráter informativo e educativo e não substitui a consulta de um profissional. Em caso de dúvida, procure um advogado trabalhista ou um contador especializado para análise do seu caso concreto.

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