Direito previdenciário

Ações judiciais para concessão do BPC: quando e como garantir o benefício assistencial

Por que judicializar o BPC: quando a ação é o caminho

O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) garante um salário-mínimo mensal à pessoa idosa (65+) ou à pessoa com deficiência (PCD) com impedimento de longo prazo, em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Apesar de ser direito fundamental de assistência social (CF, art. 203, V), o indeferimento administrativo por renda, cadastro ou perícia é frequente. Nesses casos, a ação judicial é via hábil para revisar o ato do INSS, aplicar flexibilizações jurisprudenciais do critério de renda, reconhecer barreiras reais e assegurar tutela urgente quando há risco de desamparo.

Essência: a via judicial permite reavaliar renda à luz da realidade, exigir avaliação biopsicossocial adequada e corrigir erros de cadastro/perícia, com possibilidade de tutela de urgência e pagamento de atrasados.

Arcabouço normativo mínimo que sustenta a ação

  • Constituição Federal, art. 203, V (amparo assistencial ao idoso e à pessoa com deficiência) e art. 6º (direitos sociais).
  • Lei 8.742/1993 (LOAS): institui o BPC, critérios socioeconômicos e avaliação.
  • Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): define impedimento de longo prazo e avaliação biopsicossocial.
  • Lei 14.176/2021: ajustes do BPC, revisão, incentivos ao trabalho da PCD e regras de renda.
  • Decretos e portarias vigentes (MDS/INSS): operacionalizam CadÚnico, perícia e avaliação social.
  • Tema 350 do STF: exige requerimento administrativo prévio, mas não o exaurimento de recursos internos.
  • RE 567.985/STF (repercussão geral): flexibilização do critério objetivo de 1/4 do salário-mínimo per capita quando comprovada vulnerabilidade por outros elementos.
  • Súmulas/Teses TNU e TRFs (ex.: exclusões de renda, despesas médicas essenciais, composição familiar e moradia).

Competência, rito e custos processuais

  • Justiça Federal é competente; JEF quando o valor não excede 60 salários-mínimos. Em comarca sem vara federal, há competência delegada na Justiça Estadual.
  • Gratuidade da justiça é cabível ao hipossuficiente; honorários seguem legislação e, nos JEFs, há isenção de custas na 1ª instância.

Checklist pré-processual

  1. Protocole o requerimento no INSS (Meu INSS/app/agência). Guarde protocolo/decisão. Isso cumpre o Tema 350.
  2. Atualize o CadÚnico (CRAS) e obtenha comprovante com composição familiar e renda.
  3. Reúna laudos médicos e relatórios funcionais (CID, evolução clínica, limitação para vida independente).
  4. Levante despesas essenciais (medicamentos, fraldas, alimentação especial, transporte terapêutico, aluguel/energia/água), recibos e notas.
  5. Organize provas sociais: visitas de assistente social, fotos do domicílio, declarações de escola/UBS, de vizinhos e lideranças comunitárias.

Dica prática: monte um dossiê cronológico (linha do tempo) com consultas, internações, terapias e eventos familiares (perda de renda, separação, mudança de moradia). Essa narrativa facilita a perícia e a compreensão do juiz.

Estratégia processual: pedidos e fundamentos

Pedidos típicos

  • Concessão ou restabelecimento do BPC desde a DER (data do requerimento) ou do ajuizamento, com pagamento de atrasados e correção/juros.
  • Tutela de urgência quando há risco de dano alimentar (com laudos, despesas e evidências de miserabilidade).
  • Realização de perícia médica e avaliação social por equipe multiprofissional/interdisciplinar, com metodologia biopsicossocial.
  • Exclusão de rendas indevidas do cálculo per capita (estagiário/bolsas, benefícios temporários, pensões alimentícias usadas integralmente com o beneficiário, entre outros).
  • Dedução de despesas indispensáveis (medicação, alimentação especial, fraldas, cuidadores, transporte para hemodiálise/quimioterapia).

Fundamentos recorrentes

  • Má aplicação do critério de renda (RE 567.985/STF): vulnerabilidade pode ser reconhecida além do 1/4 do SM com base probatória robusta.
  • Perícia incompleta: laudo que ignora barreiras ambientais e sociais contraria o Estatuto da PCD (avaliação por funcionalidade, não apenas diagnóstico).
  • Erro cadastral: CadÚnico desatualizado ou composição familiar equivocada (ex.: parente que não reside no domicílio).
  • Proteção ao mínimo existencial e dignidade humana (CF, arts. 1º, III; 6º; 203).

Provas que fazem diferença

  • Médicas: laudos atualizados, escalas (Barthel, Katz, FIM), testes cognitivos, prontuários, pareceres multiprofissionais (TO, fono, fisio, psi).
  • Funcionais: descrição do que a pessoa consegue ou não fazer sozinha (banho, alimentação, locomoção, comunicação), frequência de crises/dor, necessidade de cuidador.
  • Socioeconômicas: estudo social domiciliar, fotografias do lar, contratos de aluguel/contas, recibos de medicamentos e insumos.
  • Educacionais (para crianças/adolescentes): relatórios pedagógicos, acompanhamento de AEE, faltas por tratamento.

Nota de perícia: peça quesitos que abordem impedimento de longo prazo, necessidade de terceiros, barreiras de transporte/arquitetônicas, custo de cuidado e impacto na participação social.

Tramitação: do ajuizamento ao cumprimento

  1. Inicial com narrativa fática, fundamentos e pedidos (tutela de urgência se cabível) + documentos.
  2. Citação do INSS e manifestação técnica (contestação/administração).
  3. Perícia médica e estudo social (audiência para esclarecimentos quando necessário).
  4. Sentença (procedência total/parcial ou improcedência). Possibilidade de apelação/RECURSO pelo INSS e pela parte autora.
  5. Trânsito em julgadoimplantação e cálculo de atrasados. Pagamento por RPV (até 60 SM) ou precatório (acima disso).

Retroativos, correção e juros

Os atrasados contam desde a DER (se já havia direito) ou da citação/ajuizamento conforme o caso. Aplica-se prescrição quinquenal das parcelas vencidas. Correção monetária e juros seguem índices definidos pelos tribunais (observando a legislação de precatórios e decisões do STF).

Casos típicos de êxito em juízo

  • Renda per capita ligeiramente acima de 1/4 do SM, mas família arca com alto custo de cuidado (medicação especial, transporte terapêutico, fraldas).
  • PCD com diagnóstico estável, porém com limitações funcionais severas ignoradas na perícia administrativa.
  • Erro na composição familiar (consideraram renda de pessoa que não reside com o requerente).
  • Indeferimento por cadastro mesmo com CadÚnico atualizado e provas de miserabilidade.

Gráfico ilustrativo: por que ações crescem

O bloco a seguir (didático e ilustrativo) demonstra por que a judicialização tende a aumentar em cenários de crise econômica e de erros cadastrais.

KPIs úteis: taxa de êxito por Vara/Relator; tempo até tutela; causas de indeferimento; valores médios de atrasados; percentual de acordos administrativos após citação.

Questões sensíveis

  • Trabalho e BPC/PCD: vínculo formal suspende o benefício; é possível reativação se cessar o emprego e persistirem condições.
  • Acumulações: BPC não se acumula com benefício previdenciário do RGPS/RPPS para a mesma pessoa (há exceções pontuais legais).
  • Representação: quando necessário, regularize curatela ou tutela para prática de atos processuais.

Modelo de estrutura de petição (esqueleto)

  1. Fatos (linha do tempo clínica e socioeconômica).
  2. Direito (CF/LOAS/EPD/Lei 14.176; Tema 350; RE 567.985; decretos e portarias).
  3. Provas (documentos, quesitos, requerimento de perícia social e médica).
  4. Pedidos (tutela de urgência; concessão/implantação; atrasados; RPV/precatório; exclusões/deduções de renda; custas/honorários; intimação para implantação).

Tópicos essenciais (resumo prático)

  • Requerimento administrativo é requisito; recurso interno não é obrigatório.
  • CadÚnico e composição familiar corretos são decisivos.
  • Prova funcional e social pesa tanto quanto o diagnóstico.
  • Critério de renda é indicativo, não absoluto, diante de despesas essenciais comprovadas.
  • Tutela de urgência pode garantir subsistência até a sentença.
  • Implantação + atrasados via RPV ou precatório após trânsito.

Checklist rápido de documentos: RG/CPF; comprovante de residência; CadÚnico atualizado; decisão do INSS; laudos e exames; receitas e notas de medicamentos/insumos; comprovantes de renda/despesas; fotos do domicílio; declarações de escola/UBS; contratos (aluguel/energia/água); carteira de trabalho/CNIS se houver.

Conclusão

A ação judicial para concessão do BPC/LOAS é instrumento legítimo de proteção ao mínimo existencial. Com requerimento prévio, dossiê probatório consistente e fundamentação no direito assistencial e na jurisprudência, é possível superar indeferimentos por renda formal, perícias insuficientes e cadastros equivocados. O êxito depende de traduzir a doença ou idade em barreiras objetivas de participação, demonstrar a vulnerabilidade real do núcleo familiar e acionar, quando necessário, a tutela de urgência. Para famílias e profissionais, a chave é alinhar estratégia, prova e gestão de prazos — do protocolo no INSS ao cumprimento de sentença — garantindo que o benefício chegue a quem dele precisa com a celeridade que a dignidade humana exige.

Guia rápido

  • Quando ajuizar: indeferimento do INSS por renda, cadastro (CadÚnico), perícia insuficiente ou demora excessiva.
  • Pré-requisito: requerimento administrativo feito (Tema 350/STF). Não precisa esgotar recursos internos.
  • Competência: Justiça Federal (JEF até 60 SM). Na ausência, Justiça Estadual com competência delegada.
  • Provas-chave: CadÚnico atualizado, laudos biopsicossociais, recibos de despesas essenciais, estudo social e fotos do domicílio.
  • Fundamentos: CF art. 203, V, LOAS (Lei 8.742/1993), EPD (Lei 13.146/2015), Lei 14.176/2021, RE 567.985/STF (flexibilização da renda) e dignidade/minimo existencial.
  • Pedidos típicos: tutela de urgência, perícia médica + social, exclusão de rendas indevidas, dedução de despesas indispensáveis, concessão desde a DER e atrasados.
  • Resultado: implantação do BPC (1 SM, sem 13º), pagamento por RPV (até 60 SM) ou precatório (acima).
  • Riscos: improcedência por prova fraca, CadÚnico desatualizado, composição familiar errada, renda superior sem justificativas.
  • Boas práticas: linha do tempo clínica/social, quesitos objetivos à perícia, documentos datados e coerentes.
  • Prazos: prescrição quinquenal das parcelas; monitore convocações de revisão após concessão.

FAQ

Preciso recorrer no INSS antes de processar?

Não. O STF (Tema 350) exige apenas o requerimento administrativo prévio, não o esgotamento das vias internas.

Onde entro com a ação do BPC?

Na Justiça Federal (JEF até 60 salários-mínimos). Se não houver vara federal na comarca, ajuíza-se na Justiça Estadual por competência delegada.

Quais documentos mais influenciam a decisão?

CadÚnico atualizado, decisão/indeferimento do INSS, laudos médicos e funcionais, estudo social, notas de despesas essenciais (medicação, fraldas, transporte terapêutico), fotos do domicílio e comprovantes de renda.

Renda um pouco acima de 1/4 do salário-mínimo impede o BPC?

Não necessariamente. O STF (RE 567.985) permite flexibilização do critério quando demonstrada vulnerabilidade real por outras provas.

Há perícia na ação judicial?

Sim. Costuma haver perícia médica e avaliação social, preferencialmente em abordagem biopsicossocial (EPD, Lei 13.146/2015).

Posso pedir tutela de urgência para começar a receber logo?

Sim, se demonstrado perigo de dano alimentar e probabilidade do direito com documentos robustos.

Ganhei a ação. Quando recebo os atrasados?

Após o trânsito em julgado e cálculos, paga-se por RPV (até 60 SM) ou precatório (acima). Os atrasados contam, em regra, desde a DER, respeitada a prescrição de 5 anos.

Posso trabalhar e manter o BPC/PCD?

Trabalho formal suspende o benefício, com possibilidade de reativação se o vínculo cessar e persistirem os requisitos (Lei 14.176/2021).

O BPC dá 13º ou gera pensão por morte?

Não. O BPC paga 1 salário-mínimo, sem 13º e não gera pensão. É assistencial, não previdenciário.

Quais são os erros que mais causam indeferimento?

CadÚnico desatualizado, composição familiar incorreta, falta de prova funcional/social e desprezo das despesas indispensáveis no cálculo da renda.

Arcabouço jurídico essencial (em vez de “Base técnica”)

  • CF/88: arts. e 203, V (direitos sociais e amparo assistencial); princípios da dignidade e do mínimo existencial.
  • Lei 8.742/1993 (LOAS): institui o BPC, critérios de renda/composição familiar e avaliação social.
  • Lei 13.146/2015 (EPD): define impedimento de longo prazo e avaliação biopsicossocial.
  • Lei 14.176/2021: aperfeiçoa regras do BPC, revisões e incentivos ao trabalho da PCD.
  • RE 567.985/STF: admite flexibilização do critério econômico quando comprovada vulnerabilidade por outros elementos.
  • Tema 350/STF: necessidade de requerimento administrativo prévio antes de judicializar.
  • Decretos/Portarias MDS/INSS: operacionalizam CadÚnico, perícia e avaliação social; observância obrigatória.
  • Normas processuais (Lei 10.259/2001 – JEF; CPC/2015): competência, tutela de urgência, perícias e cumprimento de sentença (RPV/precatório).

Considerações finais

A ação judicial para concessão do BPC é medida legítima para corrigir indeferimentos e garantir o mínimo existencial. A chave está em provar de forma clara a vulnerabilidade socioeconômica e o impedimento de longo prazo, manter o CadÚnico atualizado, formular quesitos objetivos à perícia e invocar os fundamentos constitucionais e precedentes corretos. Com estratégia probatória consistente e atenção aos ritos do JEF/Justiça Federal, aumentam-se as chances de tutela antecipada, concessão e pagamento de atrasados.

Este conteúdo é informativo e não substitui o trabalho de um(a) profissional qualificado(a). Cada caso tem documentos, renda familiar, quadro clínico e riscos próprios; procure orientação de um(a) advogado(a) ou defensor(a) público(a) para análise personalizada e segura.

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