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Ação de Cobrança contra Seguradoras: como funciona

Conceito, base legal e quando usar a ação de cobrança contra seguradoras

A ação de cobrança contra seguradoras é o instrumento judicial pelo qual o segurado, o beneficiário ou, em hipóteses específicas, o terceiro lesado busca compelir a seguradora ao pagamento da indenização contratada. Diferencia-se da ação meramente declaratória (que resolve dúvida sobre a existência do direito) e da execução (que exige título executivo), pois na cobrança discute-se o próprio an debeatur (se é devido) e o quantum debeatur (quanto é devido).

A disciplina básica repousa no Código Civil (arts. 757 a 802), no Código de Processo Civil (procedimento comum e tutela de urgência), no Código de Defesa do Consumidor (quando a relação for de consumo, com normas de transparência, boa-fé e possibilidade de inversão do ônus da prova) e em normas da SUSEP e do Conselho Nacional de Seguros Privados que regulam produtos e condutas de mercado. Em seguros de responsabilidade civil, o art. 786 do CC permite que a indenização securitária seja utilizada para satisfação do crédito do terceiro lesado, e a jurisprudência admite, em situações típicas, a demanda direta contra a seguradora, sem prejuízo da presença do segurado no polo passivo.

Em poucas linhas
• Usa-se a ação quando houve sinistro coberto e a seguradora negou ou pagou a menor.
• Competência: foro do domicílio do consumidor ou do local do fato (CDC), Juizado Especial até 40 salários mínimos (sem perito complexo), ou Justiça Comum quando o caso exigir perícia ou tiver valor superior.
Prescrição: regra geral de 1 ano para pretensão do segurado contra o segurador, contada da ciência da negativa ou do vencimento da obrigação; exceções relevantes (como DPVAT: 3 anos).
• Provas: apólice/bilhete, condições gerais, comprovantes de prêmio, aviso de sinistro, orçamentos, laudos, fotos, boletim de ocorrência, negativa escrita, e registros de atendimento.

Legitimados ativos e passivos

Quem pode demandar

  • Segurado: pessoa física ou jurídica contratante da apólice (seguro de danos, RC, transporte, empresarial, etc.).
  • Beneficiário: nos seguros de pessoas (vida, acidentes pessoais), e também nos de danos quando houver indicação válida.
  • Terceiro lesado: em seguros de responsabilidade civil, de acordo com a finalidade de proteção do interesse do terceiro; a ação pode ser direta contra a seguradora, conforme desenho do produto e entendimento jurisprudencial.
  • Espólio/herdeiros: quando o sinistro envolve o falecimento do segurado ou quando a apólice integra o acervo hereditário.

Quem deve figurar no polo passivo

  • Seguradora emitente da apólice ou do bilhete de seguro.
  • Estipulante/corretora pode integrar a lide quando haja conduta própria relevante (ex.: falha de informação, retenção indevida de valores), sem prejuízo da responsabilidade principal da seguradora.
  • Segurado pode ser litisconsorte passivo em ação do terceiro contra a seguradora no seguro de RC, quando a controvérsia alcance a dinâmica do sinistro e a cobertura.

Prazos prescricionais e contagem

No direito securitário, prazos curtos exigem atenção. Regra geral do art. 206, §1º, II, do CC: 1 ano para a pretensão do segurado contra a seguradora. O termo inicial costuma ser:

  • Seguros de danos: a partir da ciência inequívoca da negativa de cobertura ou do vencimento da obrigação após a regulação do sinistro, se a seguradora silenciou.
  • Seguros de pessoas: a partir da negativa, do vencimento da indenização, ou do evento morte/invalidez quando a cobertura for automática e as condições gerais definirem prazo de pagamento imediato.
  • Seguro DPVAT: prazo trienal (regra geral dos atos ilícitos).
Checklist para não perder o prazo
1) Protocole o aviso de sinistro formal e guarde o número de protocolo;
2) Exija resposta escrita de cobertura/negativa;
3) Se houver silêncio, notifique extrajudicialmente e anote a data;
4) Calcule o prazo a partir da negativa ou do vencimento (o que for aplicável);
5) Interrompa a prescrição com citação válida ou por outras causas previstas em lei.

Fundamentos de mérito mais frequentes

Boa-fé objetiva, dever de informação e equilíbrio contratual

Como contratos de adesão, as apólices exigem transparência. Cláusulas limitativas de direito devem ser destacadas e redigidas com clareza. A negativa baseada em expressão obscura costuma ser afastada. A boa-fé objetiva impõe deveres anexos (cooperação, lealdade, mitigação de perdas), influenciando a interpretação pró-segurado em zonas grises (arts. 113 e 422 do CC e princípios do CDC).

Exclusões e âmbitos de cobertura

A seguradora pode negar com base em exclusões (ex.: uso inadequado, agravamento intencional do risco, dolo do segurado). A validade depende de prova do fato impeditivo (ônus da ré) e da clareza da cláusula. Em seguros de RC, discute-se a ocorrência do evento danoso, o nexo causal e os limites/ franquias.

Sub-seguro, valor em risco e depreciação

Em perdas parciais, é comum a aplicação da regra proporcional de sub-seguro (valor segurado inferior ao real valor em risco). Em juízo, examinam-se critério de avaliação, metodologia de depreciação e cláusulas de reposição a novo. O autor pode requerer perícia técnica para reavaliar orçamentos e laudos unilaterais da seguradora.

Franquia e participação obrigatória

A franquia abate parte da indenização. A cobrança judicial questiona base de cálculo, incidência em eventos múltiplos e compatibilidade com o risco efetivamente coberto.

Provas essenciais e estratégia probatória

  • Apólice/bilhete com condições particulares e gerais, endossos e comprovantes de pagamento do prêmio.
  • Aviso de sinistro, comunicação, protocolos e a negativa escrita (ou silêncio após prazo regulamentar).
  • Provas do evento: fotos, vídeos, B.O., laudos bombeiros/engenharia, orçamentos, notas fiscais.
  • Regulação: vistorias e pareceres da própria seguradora, que podem ser contrapostos por perícia judicial.
  • Prova pericial (engenharia, cálculos atuariais, saúde, informática), pedida já na inicial quando o ponto controvertido é técnico.

Etapas do processo e pedidos típicos

  1. Tutela de urgência: cabível quando presentes probabilidade do direito e perigo de dano (ex.: car provisionado em seguro auto, custeio imediato de reparo crítico, pagamento mínimo incontroverso).
  2. Pedidos principais:
    • Condenação ao pagamento da indenização securitária (valor contratado ou apurado por perícia), com atualização monetária desde o evento danoso e juros de mora.
    • Reconhecimento da abusividade de cláusula obscura ou limitativa não destacada.
    • Indenização por perdas e danos acessórios (lucros cessantes, quebra de safra, paralisação), se cobertos ou quando a negativa ilícita ocasionou dano autônomo comprovado.
    • Honorários periciais e sucumbenciais.
  3. Liquidação e cumprimento: apuração de saldo, compensação com pagamentos parciais, liberação de salvados (se houver).

Competência e vias processuais

  • Juizado Especial Cível: até 40 SM (sem advogado até 20 SM), útil para sinistros simples (ex.: bagagem, smartphone, pequenas avarias). Evite quando houver perícia complexa.
  • Justiça Comum: ações de maior valor, casos técnicos (incêndio, grandes riscos, engenharia, responsabilidade civil com múltiplas vítimas).
  • Foro: regra do CDC favorece o domicílio do consumidor. Na ausência de consumo (ex.: grandes riscos entre empresas), prevalecem cláusulas contratuais de eleição de foro, desde que válidas.

Cálculo da indenização: estruturas de cálculo usuais

O valor devido decorre do tipo de cobertura (valor de mercado referenciado, valor determinado, reposição a novo) e dos limites máximos de indenização (LMI), franquias e cláusulas adicionais. Em seguros de RC, observa-se o LMI por evento e por anuidade. Em seguros empresariais, há sub-limites (roubo, vendaval, lucros cessantes) que precisam ser respeitados. Em juízo, pede-se a metodologia mais aderente ao contrato e à prova pericial.

Exemplo didático (simplificado)
• LMI incêndio: R$ 500.000; perda parcial estimada: R$ 220.000;
• Franquia: R$ 10.000; sub-seguro: não identificado;
• Pagamento parcial da seguradora: R$ 120.000;
• Diferença buscada: (220.000 − 10.000) − 120.000 = R$ 90.000, com correção desde o evento e juros desde a citação (salvo mora anterior).

Negativas mais comuns e como rebater

  • Doença preexistente em seguros de pessoas sem exigência de exames na contratação: argumenta-se violação ao dever de informação e ônus probatório da seguradora quanto à má-fé do proponente.
  • Agravamento do risco não comunicado: exige nexo causal entre o agravamento e o sinistro; meras infrações formais não bastam.
  • Exclusão por ato doloso do segurado: deve ser comprovado, não presumido.
  • Atraso no prêmio: examina-se se houve constituição regular em mora e comunicação de suspensão/cancelamento antes do sinistro.
  • Cláusula limitativa obscura: pede-se interpretação mais favorável ao aderente e, se necessário, sua invalidação.

Fluxo sugerido de atuação (prática)

  1. Organize o dossiê: apólice, endossos, recibos, sinistro e negativa.
  2. Laudos independentes: orçamentos e relatórios técnicos de terceiros qualificados.
  3. Notificação prévia: pede pagamento e esclarece pontos controvertidos.
  4. Análise do foro/rito: avalie Juizado vs. Comum e risco de perícia.
  5. Inicial bem delimitada: narre sinistro e cobertura, impugne cláusulas, delimite pedidos e requeira tutela se necessário.
  6. Gestão da prova: indique assistente técnico e quesitos desde logo.
  7. Acordo: proponha faixas de acordo com base em cenários periciais (melhor caso, caso médio, pior caso).

Mini-gráfico (SVG) — Linha do tempo típica

O SVG abaixo representa, de forma ilustrativa, prazos médios (em dias) de cada etapa até a sentença em ações de cobrança simples.

Prazos médios por etapa (dias corridos) Regulação interna/negativa≈ 45–60 Pré-processual≈ 40 Fase postulatória≈ 90 Instrução/perícia≈ 150–220

Obs.: valores apenas ilustrativos; a duração real depende da comarca, da complexidade técnica e da agenda pericial.

O que pode ser cumulável na condenação

  • Correção monetária: desde o evento danoso ou da exigibilidade prevista nas condições gerais.
  • Juros de mora: regra geral a partir da citação; podem incidir antes, se caracterizada a mora da seguradora.
  • Multas contratuais quando estipuladas a favor do segurado por atraso no pagamento.
  • Honorários sucumbenciais, a cargo da vencida, e reembolso de custas e despesas.

Boas práticas para o autor (e para evitar litígios futuros)

  • Conferir pré-contratação: ler condições gerais, franquias e exclusões; guardar e-mails e prints da oferta.
  • Declarar o risco com precisão no questionário de seguro; inconsistências podem comprometer a cobertura.
  • Comunicar imediatamente o sinistro e mitigar perdas (ex.: acionar bombeiros, conter vazamentos, proteger salvados).
  • Centralizar o dossiê (numeração única de documentos) e registrar cronologia.
  • Negociar com base em números e laudos; propostas parametrizadas tendem a obter melhores resultados.

Modelos de pedidos (estrutura textual)

a) condenar a ré ao pagamento de R$ [valor], a título de indenização securitária, 
   conforme apólice nº [x], condições gerais e laudo pericial, deduzida a franquia contratual;
b) declarar a nulidade/abusividade da cláusula [x] por ausência de destaque e transparência;
c) condenar a ré ao pagamento de correção monetária desde [evento/critério contratual], 
   juros de mora a partir da citação (ou da mora anterior devidamente demonstrada);
d) condenar ao reembolso de despesas emergenciais necessárias à mitigação do dano;
e) produção de prova pericial [especialidade], testemunhal e documental suplementar;
f) tutela de urgência para custeio imediato de [item], sob pena de multa diária.

Erros frequentes a evitar

  • Ignorar o prazo prescricional anual e ajuizar tardiamente.
  • Não juntar as condições gerais (documento central de leitura do contrato).
  • Subestimar a necessidade de perícia e optar por rito/foro inadequado.
  • Deixar de comprovar a extensão do dano (orçamentos, notas, perdas consequentes).
  • Desconsiderar franquias, sub-limites e LMI ao formular o pedido.

Quadro comparativo — tipos de seguro e pontos sensíveis

Tipo Tópicos críticos Provas úteis
Auto Franquia; perda total x parcial; valor de mercado; agravamento do risco B.O.; fotos; laudos; orçamentos; tabela FIPE
Empresarial/Incêndio Sub-seguro; lucros cessantes; cláusulas de reposição a novo Laudo de engenharia; balancetes; notas fiscais; fotos
Responsabilidade Civil Nexo causal; LMI por evento; franquia; ação direta do terceiro Sentenças/acordos; laudos; contratos; comunicações de sinistro
Pessoas (vida/AP) Preexistência; invalidez (critérios); beneficiários Prontuários; laudos médicos; certidões; proposta de adesão

Conclusão

A ação de cobrança contra seguradoras exige domínio simultâneo do conteúdo técnico do contrato (condições gerais, riscos cobertos, limites) e do procedimento (competência, prazos e prova). O sucesso costuma estar vinculado à organização documental, à escolha adequada do foro e rito, e ao manejo preciso de tutelas de urgência e perícias. Ao preparar a inicial com narrativa clara do sinistro, impugnação concreta da negativa e planilha aritmética dos valores, o autor maximiza a chance de obter a indenização integral ou compor acordo vantajoso. Para empresas, revisitar periodicamente a contratação (valores em risco, sub-limites e franquias) reduz litígios futuros; para consumidores, manter comunicação escrita e exigir transparência desde a proposta é a melhor vacina contra negativas indevidas.

Perguntas frequentes

1) Quem pode ajuizar a ação de cobrança contra a seguradora?

Podem demandar: segurado (pessoa física ou jurídica), beneficiário (especialmente em seguros de pessoas), espólio/herdeiros quando a apólice compõe a herança e, em hipóteses de responsabilidade civil, o terceiro lesado (ação direta, conforme desenho do produto e art. 786 do CC). Em seguros coletivos, o participante também é legitimado quando seu direito decorre da cobertura.

2) Qual é o prazo prescricional para cobrar a indenização securitária?

A regra do art. 206, §1º, II, do CC estabelece prescrição de 1 ano para a pretensão do segurado contra a seguradora. O termo inicial costuma ser a ciência inequívoca da negativa de cobertura ou o vencimento da obrigação após a regulação do sinistro. Exceções: por exemplo, o seguro DPVAT segue prazo trienal (regra geral dos ilícitos). Recomenda-se sempre fixar a cronologia documental (aviso de sinistro, resposta e notificações).

3) Quais documentos devo juntar para aumentar a chance de êxito?

Essenciais: apólice/bilhete, condições gerais e particulares, endossos, comprovantes de pagamento do prêmio, aviso de sinistro e negativa escrita. Provas do evento: B.O., fotos, vídeos, laudos (engenharia, médicos, etc.), orçamentos/notas. Em seguros de RC, anexe também peças do processo do terceiro e documentos que demonstrem o nexo causal e os limites (LMI).

4) Posso entrar com pedido liminar (tutela de urgência)?

Sim. Quando houver probabilidade do direito e perigo de dano (CPC, art. 300), o juiz pode determinar medidas imediatas, como custeio emergencial de tratamento (seguros de pessoas), fornecimento de carro-reserva (auto), ou pagamento mínimo incontroverso. É importante fundamentar a urgência com laudos, orçamentos e a negativa/silêncio da seguradora.

5) A seguradora negou por “exclusão de cobertura”. Como contestar?

Cláusulas limitativas devem ser claras e destacadas (CDC, arts. 6º e 46/54; CC, boa-fé objetiva). A seguradora tem o ônus de provar o fato impeditivo/modificativo do direito (CPC, art. 373, II). Questione: (i) a clareza da cláusula; (ii) a relação causal entre a exclusão e o sinistro; (iii) eventual abusividade (CDC, art. 51). Em caso técnico, peça perícia e apresente laudo independente.


Base técnica com fontes legais (referências essenciais)

  • Código Civil: arts. 757–802 (contrato de seguro); art. 786 (seguro de responsabilidade civil e ação direta do terceiro); art. 206, §1º, II (prescrição ânua do segurado contra a seguradora).
  • Código de Defesa do Consumidor: arts. 6º (direitos básicos e dever de informação), 14 (responsabilidade pelo serviço), 46, 47 e 54 (contratos de adesão e cláusulas limitativas), 51 (nulidade de cláusulas abusivas), 101, I (foro do domicílio do consumidor).
  • Código de Processo Civil: art. 300 (tutela de urgência); art. 330 (julgamento conforme estado do processo); art. 373 (ônus da prova); arts. 318–321 (procedimento comum).
  • Normas SUSEP/CNSP: condições padronizadas, regulação de sinistros e governança (consultar a Circular vigente do ramo do seguro e as Resoluções CNSP aplicáveis ao produto).
  • Jurisprudência: entendimento consolidado do STJ no sentido de que o termo inicial da prescrição em seguros de danos, em regra, é a ciência inequívoca da negativa, bem como a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da transparência para interpretação de cláusulas limitativas.

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