Abandono Material: Deveres Legais dos Pais e Consequências por Negligência no Sustento
- Abandono material = deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge/companheiro, do filho menor ou de ascendente/descendente incapaz, quando legalmente obrigado. É crime (CP, art. 244) e também gera responsabilidade civil (alimentos, indenização) e consequências familiares (guarda, poder familiar).
- Obrigação alimentar: decorre do parentesco (CC, arts. 1.694 a 1.710), do poder familiar (arts. 1.630 a 1.638) e do princípio da solidariedade familiar.
- Ferramentas de cobrança: execução de alimentos com prisão civil (CF, art. 5º, LXVII; CPC, art. 528); desconto em folha (CPC, art. 529); penhora; protesto do título; negativação.
- Excludentes no crime: impossibilidade absoluta e não voluntária de prover (doença grave, perda total da renda, caso fortuito), desde que comprovada. Desemprego simples não basta se há meios mínimos (trabalho informal, patrimônio).
- Vítimas e canais: Defensoria Pública, Ministério Público, Varas de Família e da Infância, Conselhos Tutelares; boletim de ocorrência quando houver crime.
Conceito jurídico e alcance do abandono material
O ordenamento brasileiro tutela a dignidade e a proteção integral de crianças e adolescentes, assim como a solidariedade entre membros da família. Nessa perspectiva, o abandono material caracteriza-se quando o genitor, responsável legal ou parente deixa de cumprir o dever de prover o sustento de quem dele depende, sem justa causa. A tutela é tríplice: penal (para punir a conduta), civil (para assegurar os alimentos e reparar danos) e administrativa (medidas protetivas e de fiscalização).
O Código Penal (art. 244) descreve o tipo penal: “Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos, ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, quando lhe falte recursos próprios”. A pena, em regra, é de detenção e multa. Paralelamente, o Código Civil disciplina a obrigação alimentar (arts. 1.694 a 1.710) e o poder familiar (arts. 1.630 a 1.638), impondo aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos.
Base normativa estruturante
Mapa legal essencial:
• CF/88: art. 5º, LXVII (prisão civil por dívida de alimentos); art. 226 (proteção da família); art. 227 (prioridade absoluta de crianças e adolescentes).
• CP: art. 244 (abandono material); art. 246 (abandono intelectual – correlato na educação); art. 133 (abandono de incapaz – situações extremas).
• CC: arts. 1.694 a 1.710 (alimentos), 1.566 (deveres conjugais), 1.630 a 1.638 (poder familiar).
• ECA (Lei 8.069/1990): arts. 4º (dever de todos), 22 (dever dos pais), 129 (medidas aplicáveis aos pais, inclusive perda/suspensão do poder familiar em casos graves).
• CPC/2015: art. 528 (execução de alimentos com prisão), 529 (desconto em folha), 531-533 (técnicas executivas); art. 517 (protesto).
• Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos): rito especial, fixação provisória; prioridade de tramitação.
• STJ Súmula 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”
Sujeitos protegidos e extensão do dever
O polo passivo do crime de abandono material pode ser ocupado por cônjuge/companheiro necessitado, filho menor ou inapto para o trabalho, ascendente inválido ou idoso (≥ 60 anos) sem recursos. Já no plano civil, a obrigação de alimentos se estende a parentes em linha reta e colateral até o segundo grau, observada a ordem de preferência e a proporcionalidade (necessidade x possibilidade).
Quanto aos filhos, os deveres derivam do poder familiar e são irrenunciáveis. O não cumprimento enseja medidas de reforço (acompanhamento, encaminhamento a políticas públicas) e sanções (multas, perda/suspensão do poder familiar em hipóteses extremas previstas no ECA).
Fixação dos alimentos: critérios e parâmetros
Trinômio necessidade–possibilidade–proporcionalidade
Os alimentos são fixados com base no trinômio necessidade do alimentando, possibilidade do alimentante e proporcionalidade. Para filhos, incluem moradia, alimentação, saúde, educação, vestuário, transporte e lazer compatível com a realidade familiar. Em regra, consideram-se comprovações documentais (contracheques, despesas, padrão de vida), e, na ausência, o juiz pode arbitrar por estimativa.
Alimentos provisórios e tutela de urgência
A Lei de Alimentos autoriza a concessão provisória com base em indícios de parentesco/necessidade, assegurando sustento imediato. Em casos de risco, medidas de urgência podem bloquear contas, determinar desconto em folha e outras providências.
Execução: mecanismos de coerção e efetividade
Rito da prisão civil (CPC, art. 528)
O credor pode requerer a execução das três últimas parcelas vencidas e das vincendas. Após citação, o devedor tem prazo para pagar, provar pagamento ou justificar a impossibilidade. Não comprovada causa legítima, poderá ser decretada prisão civil de 1 a 3 meses (regime fechado, separado dos presos comuns), sem extinguir a dívida. A Súmula 309 do STJ orienta a extensão temporal da cobrança que admite o rito de prisão.
Rito da expropriação
Para parcelas mais antigas, utiliza-se a via expropriatória: penhora de bens, bloqueio via Sisbajud, protesto da decisão e inscrição em cadastros de inadimplentes. O art. 529 prevê desconto em folha até o percentual que preserve a subsistência do devedor.
Boa prática processual: peticionar com planilha atualizada do débito, comprovações das despesas ordinárias (escola, saúde) e pedidos cumulativos: (i) pensão provisória; (ii) desconto em folha; (iii) astreintes para obrigações de fazer (inclusão em plano de saúde, por exemplo).
Responsabilidade penal: elementos e defesas
Elemento subjetivo
O crime do art. 244 exige, em regra, dolo (vontade consciente de não prover) e a capacidade econômica mínima do agente. A culpa não é suficiente. O animus abandonandi se revela quando o agente, podendo, não cumpre voluntariamente o dever de sustento.
Justa causa (excludente)
É possível afastar a tipicidade quando demonstrada impossibilidade absoluta e não imputável (doença incapacitante, perda total do emprego e renda com busca ativa de recolocação, calamidade). Provas: laudos médicos, CTPS, extratos, declarações de imposto de renda, busca de emprego. A mera inadimplência episódica sem justificativa mantém a tipicidade.
Concurso com outros crimes
Em situações de exposição extrema (negligência grave, abandono físico), podem ocorrer concursos com abandono de incapaz (CP 133) e omissão de socorro (CP 135). Se houver coação, fraude ou violência patrimonial/familiar, avaliam-se os tipos correspondentes e medidas protetivas (inclusive de leis especiais).
Repercussões no Direito de Família
Guarda e convivência
O inadimplemento reiterado e a atitude de desinteresse podem repercutir em decisões de guarda, sempre subordinadas ao melhor interesse da criança. A guarda compartilhada é a regra, mas condutas que demonstram descumprimento grave de deveres podem justificar restrições de convivência, mediação obrigatória ou acompanhamento psicossocial.
Poder familiar
O ECA prevê medidas aplicáveis aos pais (art. 129), incluindo perda ou suspensão do poder familiar em casos extremos (abandono, maus-tratos, exploração). O descumprimento material grave pode ser elemento, quando associado a outras negligências, para tais medidas.
Indenização por danos
Além da pensão, a conduta pode gerar dano moral à criança/adolescente ou ao outro genitor, a depender da prova do sofrimento e da repercussão. Não se confunde com a pensão alimentar, que tem finalidade de subsistência.
Fluxo típico de um caso (do pedido à execução)
Etapa | Objetivo | Documentos e Dicas |
---|---|---|
Fixação (ação de alimentos) | Obter valor mensal (provisório/definitivo). | Certidão de nascimento, gastos do menor, renda do alimentante, pedido de alimentos provisórios e desconto em folha. |
Execução — rito da prisão | Cobrar 3 últimas parcelas + vincendas. | Planilha do débito, pedido de prisão civil, prova de inadimplemento; atenção à Súmula 309. |
Execução — rito expropriatório | Recuperar parcelas antigas. | Pesquisa patrimonial (Sisbajud, Renajud), penhora, protesto judicial, cadastros de crédito. |
Medidas complementares | Efetivar obrigações de fazer. | Astreintes para plano de saúde, matrícula escolar; comunicação a órgãos públicos quando houver benefícios. |
Revisão (majoração/redução) | Adequar ao trinômio. | Provar alteração de necessidade/possibilidade (desemprego, doença, aumento de gastos educacionais). |
“Gráfico” didático (valores e frequências hipotéticas)
Os dados abaixo são ilustrativos, para fins pedagógicos sobre incidência típica nos foros de família:
Em trabalhos técnicos, substitua por estatísticas oficiais do seu tribunal, CNJ e Ministério da Justiça.
Questões práticas e controvérsias
Desemprego do genitor
O simples desemprego não exonera a obrigação, pois os alimentos visam a subsistência do menor. O juiz pode reduzir o valor temporariamente, mas exige-se prova da real impossibilidade e da busca ativa por trabalho. Ausente prova cabal, subsiste o dever e a execução segue seu curso.
Trabalho informal e ocultação de renda
Indícios de renda informal permitem arbitramento com base no padrão de vida, redes sociais, gastos e depoimentos, além de requisições fiscais/bancárias. A ocultação pode configurar fraude à execução e justificar medidas severas (bloqueio de ativos, penhora de faturamento).
Filho maior de idade
O dever pode persistir quando houver estudo superior em andamento, deficiência, ou incapacidade para o trabalho. A exoneração exige ação própria, com prova da autossuficiência do alimentando.
Alimentos in natura vs. pensão em dinheiro
O cumprimento pode se dar por custeio direto de despesas (escola, plano de saúde) somado a quantia mensal, desde que autorizado judicialmente no acordo/sentença. Compensações unilaterais são risco de inadimplemento.
Atuação interinstitucional e políticas públicas
O abandono material também reflete vulnerabilidades socioeconômicas. Políticas de mediação, orientação parental, qualificação profissional e garantia de renda minimizam o litígio e protegem crianças. As redes de proteção (CRAS/CREAS, Conselhos Tutelares, Defensorias) devem articular-se com o Judiciário, inclusive com plataformas de acordo on-line e execução eletrônica.
Checklist de prevenção e resposta
Para o responsável guardião:
• Reúna comprovantes mensais de despesas (educação, saúde, moradia).
• Busque alimentos provisórios imediatamente após a separação.
• Em caso de inadimplemento, escolha o rito adequado (prisão/expropriação) e atualize a planilha.
• Solicite desconto em folha quando o devedor for empregado/servidor.
• Peça medidas de tutela de urgência para necessidades críticas (medicação, escola).
Para o devedor:
• Se perdeu a renda, peticione pedindo revisão, com provas robustas.
• Evite realizar pagamentos por fora sem recibo; prefira depósitos identificados.
• Cumpra integralmente o acordo e comunique variações de renda.
Boas práticas probatórias
- Planilha de gastos com anexos numerados (recibos, notas, boletos, extratos).
- Organização temporal: linha do tempo de pagamentos e atrasos; registro de conversas lícitas.
- Pedidos encadeados: alimentos + guarda + visitas + plano de saúde para solução integral.
- Uso de precedentes: decisões do tribunal local para calibrar percentual/valor e técnicas executivas.
Consequências adicionais do inadimplemento reiterado
Além da cobrança e do risco penal, o devedor pode enfrentar negativação em cadastros, protesto do título judicial, apreensão de CNH/passaporte (em hipóteses admitidas pela jurisprudência, com proporcionalidade) e restrições de crédito. Quando há dolo de se furtar à execução (fraude, dilapidação patrimonial), medidas de desconsideração e responsabilização de terceiros podem ser manejadas.
Conclusão
O tema abandono material ilumina a convergência entre os ramos penal, civil e da infância. Pais e mães têm dever jurídico de prover a subsistência dos filhos; quando isso não ocorre, o ordenamento entrega instrumentos rápidos e efetivos para assegurar alimentos, punir condutas dolosas e proteger crianças e adolescentes. A prevenção exige informação, mediação e políticas públicas que reduzam a vulnerabilidade econômica; a resposta judicial demanda prova organizada, escolha correta do rito e persistência na execução. O respeito a esses parâmetros reduz litígios, desestimula o inadimplemento e reafirma o compromisso constitucional com a prioridade absoluta da infância e juventude, garantindo que nenhuma criança fique sem o mínimo existencial por omissão de quem tem o dever legal de ampará-la.
Guia rápido
- Abandono material: deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge/companheiro, filho menor ou incapaz, ou ascendente inválido/idoso — é crime (CP, art. 244) e gera responsabilidade civil e familista.
- Alimentos: baseados no trinômio necessidade–possibilidade–proporcionalidade (CC, arts. 1.694 a 1.710). Podem ser provisórios e incluem moradia, saúde, educação e lazer compatível.
- Cobrança: execução com prisão civil (CPC, art. 528; CF, art. 5º, LXVII; Súm. STJ 309), desconto em folha (CPC, art. 529), penhora, protesto e negativação.
- Proteção infantojuvenil: prioridade absoluta (CF, art. 227); ECA prevê medidas contra pais faltosos (art. 129) e tutela integral (arts. 4º, 22).
Quadro jurídico essencial (fundamentos e regras)
- Constituição Federal: art. 5º, LXVII (prisão civil por dívida de alimentos); art. 226 (proteção da família); art. 227 (prioridade absoluta de crianças e adolescentes).
- Código Penal: art. 244 (abandono material: detenção e multa); arts. 246 (abandono intelectual) e 133 (abandono de incapaz) — figuras correlatas em hipóteses extremas.
- Código Civil: arts. 1.630–1.638 (poder familiar), 1.566 (deveres conjugais), 1.694–1.710 (alimentos e revisão/exoneração).
- ECA (Lei 8.069/1990): arts. 4º, 22 e 129 (dever dos pais e medidas cabíveis); prioridade de atendimento.
- CPC/2015: arts. 528–533 (execução de alimentos), 517 (protesto), 529 (desconto em folha).
- Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos): rito especial, alimentos provisórios e prioridade de tramitação.
- Súmula STJ 309: prisão civil abrange as três parcelas anteriores à execução e as vincendas.
Como os tribunais calculam os alimentos:
• Análise do padrão de vida familiar (antes da separação), das despesas do menor e da capacidade do alimentante.
• Possibilidade de fixação por percentual sobre rendimentos (salário, 13º, férias, horas extras) ou por valor certo quando não assalariado.
• Alimentos in natura (plano de saúde, escola) combinados com parcela em dinheiro — somente se previstos na decisão/acordo.
FAQ
1) O que configura crime de abandono material e quando não há crime?
Configura-se quando o responsável, podendo, deixa sem justa causa de prover a subsistência do cônjuge/companheiro necessitado, do filho menor ou incapaz, ou do ascendente inválido/idoso (CP 244). Não há crime se comprovada impossibilidade absoluta e não imputável (doença incapacitante, perda total da renda com busca ativa de recolocação), mas a pessoa deve comunicar e pedir revisão judicial do valor — simples desemprego sem prova robusta não exclui o dever.
2) Como cobro pensão em atraso e qual rito escolher?
Para as três últimas parcelas vencidas e as vincendas, utilize o rito do art. 528 do CPC, que admite prisão civil (Súm. 309/STJ). Para parcelas mais antigas, use a via expropriatória (penhora, Sisbajud, Renajud), além de desconto em folha (CPC 529), protesto e negativação.
3) O que muda se o devedor está desempregado ou trabalha informalmente?
O dever de alimentos permanece. O devedor pode pedir revisão com provas da queda de renda; o juiz pode reduzir temporariamente. Em trabalho informal/ocultação de renda, o valor pode ser arbitrado pelo padrão de vida e indícios (gastos, movimentação), com requisições fiscais/bancárias.
4) O inadimplemento pode afetar guarda e poder familiar?
Sim, quando revela desinteresse e descumprimento grave de deveres parentais. O ECA autoriza medidas (art. 129), inclusive restrições de convivência e, em casos extremos, perda/suspensão do poder familiar, sempre guiadas pelo melhor interesse da criança.
Considerações finais
O enfrentamento do abandono material combina prevenção e resposta efetiva. A via civil garante subsistência imediata por meio de alimentos provisórios e execução célere; a via penal reprime condutas dolosas e reiteradas; e a rede de proteção (Conselho Tutelar, MP, Defensoria) assegura a prioridade absoluta de crianças e adolescentes. A atuação técnica — com documentação organizada, escolha correta do rito e pedidos encadeados (alimentos, guarda, plano de saúde) — aumenta a efetividade, desestimula o inadimplemento e protege quem mais precisa.
Aviso importante
Este conteúdo é informativo e não substitui a atuação de um profissional habilitado. Cada caso exige análise individual de documentos, provas e contexto socioeconômico para definição da estratégia jurídica e dos pedidos mais adequados.