Atos Administrativos: conceito, requisitos e características
1. Introdução
O estudo dos atos administrativos é essencial para compreender a dinâmica do Direito Administrativo e o funcionamento da Administração Pública. Através deles, o Estado exerce sua função administrativa, concretizando políticas públicas, atendendo demandas da coletividade e regulando situações individuais. Por meio de um simples ato administrativo, a Administração pode conceder licenças, aplicar sanções, celebrar contratos, organizar serviços públicos e até limitar direitos particulares em prol do interesse coletivo.
Portanto, conhecer os conceitos, requisitos e características dos atos administrativos não é apenas uma exigência acadêmica, mas também prática, já que tais elementos são frequentemente cobrados em concursos públicos, provas da OAB e aparecem no cotidiano profissional de advogados, servidores e gestores públicos.
2. Conceito de Ato Administrativo
Em linhas gerais, ato administrativo é a manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, ou de quem lhe faça as vezes, no exercício da função administrativa, que tem por finalidade produzir efeitos jurídicos imediatos sob o regime de direito público. Esse conceito apresenta três pilares básicos:
- Manifestação unilateral de vontade: o ato administrativo é praticado por uma única parte, a Administração, ainda que envolva repercussões em terceiros.
- Exercício da função administrativa: não basta que a manifestação venha de um agente público, é necessário que esteja vinculada ao exercício da função administrativa, excluindo, portanto, atos políticos, jurisdicionais ou legislativos.
- Produção de efeitos jurídicos imediatos: o ato não depende de outros fatores externos para surtir efeito, gerando modificações no mundo jurídico de forma direta.
Doutrinadores como Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello apresentam variações na conceituação, mas todos convergem para a ideia de que o ato administrativo é o instrumento jurídico por meio do qual a Administração concretiza sua atuação cotidiana.
3. Diferença entre Ato e Fato Administrativo
É importante diferenciar o ato administrativo do chamado fato administrativo. O primeiro é manifestação de vontade que gera efeitos jurídicos; já o fato administrativo corresponde a meras ocorrências ou situações materiais que produzem consequências para a Administração sem se caracterizar como expressão de vontade. Exemplo: a demolição de um prédio público por ordem da Administração é ato administrativo; o desabamento do prédio em razão de uma tempestade é fato administrativo.
4. Requisitos de Validade do Ato Administrativo
Para que um ato administrativo seja considerado válido e eficaz, ele precisa atender a determinados requisitos, também conhecidos como elementos ou pressupostos de validade. Doutrinariamente, são cinco os requisitos clássicos:
4.1. Competência
Competência é o poder legal conferido ao agente público para praticar determinado ato. Todo ato deve ser praticado por autoridade competente, sob pena de nulidade. A competência é irrenunciável, intransferível e improrrogável, salvo delegação ou avocação nos termos da lei. Exemplo: apenas o prefeito pode sancionar leis municipais; se o secretário municipal o fizer, o ato será inválido.
4.2. Finalidade
A finalidade do ato administrativo deve sempre ser o interesse público. Trata-se de requisito vinculado, ou seja, não admite escolha pela Administração. Se um ato for praticado com desvio de finalidade — isto é, visando atender interesse pessoal, político ou de terceiro — haverá abuso de poder, configurando ilegalidade. Exemplo clássico é a remoção de servidor com objetivo de puni-lo, quando a lei prevê remoção apenas por necessidade do serviço.
4.3. Forma
A forma corresponde ao revestimento externo do ato, geralmente estabelecido em lei. Embora o princípio da liberdade de forma predomine no direito privado, no direito administrativo a forma é, via de regra, vinculada. Isso porque a forma garante a publicidade, a transparência e o controle da legalidade. Exemplo: licitações devem ser formalizadas em procedimento escrito e publicado, não bastando um simples acordo verbal.
4.4. Motivo
Motivo é o pressuposto de fato e de direito que fundamenta o ato. O pressuposto de fato corresponde à situação concreta que leva a Administração a agir; o pressuposto de direito é a norma legal que autoriza a prática do ato. Se o motivo declarado não corresponder à realidade, ocorre a chamada “teoria dos motivos determinantes”, tornando o ato nulo.
4.5. Objeto
O objeto é o efeito jurídico imediato do ato, aquilo que ele produz no mundo jurídico. O objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e adequado ao ordenamento jurídico. Exemplo: a concessão de uma licença para construir é o objeto do ato administrativo que autoriza o particular a edificar.
5. Características dos Atos Administrativos
Os atos administrativos apresentam algumas características que os distinguem de outros institutos jurídicos. Entre as principais, destacam-se:
- Presunção de legitimidade: os atos administrativos presumem-se legais e verdadeiros, até prova em contrário.
- Imperatividade: impõem obrigações aos administrados, independentemente de sua concordância.
- Autoexecutoriedade: podem ser executados diretamente pela Administração, sem necessidade de prévia autorização judicial (salvo exceções).
- Tipicidade: devem obedecer às formas previstas em lei, não sendo livres como os negócios jurídicos privados.
6. Exemplo Prático
Imagine que um restaurante esteja funcionando sem alvará de licença. A prefeitura, ao constatar a irregularidade, expede uma notificação determinando o fechamento do estabelecimento. Este é um ato administrativo típico: praticado por autoridade competente, com finalidade pública (proteção à saúde e à ordem urbana), motivado por lei, formalizado em documento escrito e com objeto lícito (suspender atividade irregular). O ato reúne, portanto, todos os requisitos de validade.
7. Jurisprudência Relevante
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiteradamente analisam a legalidade de atos administrativos. Exemplo: o STF já firmou entendimento de que a Administração deve sempre observar a teoria dos motivos determinantes (MS 22.257/DF), o que garante maior controle judicial e transparência nos atos praticados.
8. Classificação dos Atos Administrativos
A doutrina costuma classificar os atos administrativos a partir de diferentes critérios, a fim de facilitar a compreensão de suas múltiplas facetas. Essas classificações não são excludentes, mas complementares, permitindo ao estudante e ao profissional identificar com precisão a natureza do ato em análise.
8.1. Quanto ao alcance dos efeitos
- Atos gerais: destinam-se a um número indeterminado de pessoas, como editais e regulamentos.
- Atos individuais: dirigem-se a destinatários certos, como a nomeação de um servidor.
8.2. Quanto à formação da vontade
- Atos simples: resultam da manifestação de vontade de um único órgão ou autoridade (exemplo: concessão de licença).
- Atos compostos: dependem da manifestação de mais de um órgão, sendo um ato acessório que confirma ou ratifica o ato principal (exemplo: assinatura de contrato administrativo que depende de parecer jurídico).
- Atos complexos: formam-se pela manifestação conjunta de dois ou mais órgãos, de modo que só existem como resultado da soma das vontades (exemplo: nomeação de ministro de tribunal superior, que exige ato do presidente da República e aprovação do Senado).
8.3. Quanto ao conteúdo
- Atos normativos: estabelecem regras gerais e abstratas, como decretos e regulamentos.
- Atos ordinatórios: visam organizar o funcionamento interno da Administração, como portarias, circulares e instruções.
- Atos negociais: produzem efeitos jurídicos favoráveis aos particulares, dependendo muitas vezes de manifestação de interesse do destinatário (exemplo: autorizações, licenças, permissões).
- Atos enunciativos: apenas declaram uma situação existente, sem criar obrigações ou direitos novos (exemplo: atestados e certidões).
- Atos punitivos: impõem sanções a particulares ou servidores, como multas e demissões.
9. Espécies de Atos Administrativos
A legislação e a doutrina elencam diferentes espécies de atos administrativos, cada qual com finalidades específicas. Entre os mais comuns, destacam-se:
- Decretos: editados pelo chefe do Executivo, regulamentam leis ou dispõem sobre a organização da Administração.
- Portarias: expedidas por autoridades administrativas para disciplinar matérias de sua competência.
- Instruções normativas: detalham procedimentos e rotinas administrativas.
- Resoluções: atos normativos de órgãos colegiados, como conselhos.
- Despachos: decisões administrativas em processos ou requerimentos.
- Alvarás: autorizações formais para exercício de determinada atividade.
10. Extinção dos Atos Administrativos
Os atos administrativos não são eternos: podem se extinguir por diversos motivos. As principais formas de extinção são:
- Decurso do prazo: quando o ato é temporário e atinge o termo final previsto.
- Cumprimento do objeto: quando o efeito pretendido já se concretizou (exemplo: ato de nomeação exaurido após a posse).
- Desaparecimento do sujeito: morte ou extinção da pessoa que seria beneficiária.
- Retirada: quando a própria Administração retira o ato por razões de legalidade ou conveniência.
11. Anulação, Revogação e Convalidação
A Administração Pública pode retirar seus próprios atos de diferentes formas, respeitando os limites da lei:
11.1. Anulação
A anulação ocorre quando o ato apresenta ilegalidade, seja em razão da falta de requisitos de validade, seja por vício insanável. Nesse caso, a Administração deve anular o ato, respeitando o princípio da autotutela (Súmula 473 do STF). A anulação também pode ser declarada pelo Poder Judiciário.
11.2. Revogação
A revogação decorre de juízo de conveniência e oportunidade da Administração, que retira o ato válido, mas considerado inoportuno ou inconveniente. Diferente da anulação, a revogação só pode ser feita pela própria Administração e não pelo Judiciário.
11.3. Convalidação
Se o ato apresenta vício sanável, como uma falha de competência ou de forma, pode ser convalidado, isto é, corrigido para que permaneça válido. Exemplo: uma autoridade publica um ato em papel timbrado errado; o vício pode ser corrigido sem afetar o mérito.
12. Controle dos Atos Administrativos
O controle dos atos administrativos é fundamental para garantir que a Administração atue dentro da legalidade e da moralidade. Esse controle pode ser:
- Interno: realizado pela própria Administração, como auditorias e corregedorias.
- Externo: feito pelo Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas e pelo Judiciário.
A Constituição de 1988 fortaleceu os mecanismos de controle, permitindo maior participação da sociedade civil e órgãos independentes no acompanhamento dos atos administrativos.
13. Exemplos Detalhados
Exemplo prático: uma prefeitura concede alvará de funcionamento a um comércio. Dias depois, verifica-se que o imóvel não atende às normas de segurança. Nesse caso, a Administração pode anular o ato, pois houve vício de legalidade (falta de atendimento às normas legais). Outro exemplo: uma licença para evento em praça pública pode ser revogada se, posteriormente, a Administração verificar que o evento coincidirá com outra atividade de interesse coletivo maior.
14. Jurisprudência Atualizada
O STJ tem decidido reiteradamente que, embora a Administração possua a prerrogativa de anular atos ilegais, deve sempre observar o devido processo legal e garantir o contraditório e a ampla defesa (REsp 1.111.124/PR). Já o STF, no julgamento do RE 817.338, reafirmou que a revogação deve respeitar direitos adquiridos e situações consolidadas, sob pena de violar a segurança jurídica.
15. Questões de Concursos
Questões de concursos frequentemente exploram a distinção entre anulação e revogação. Exemplo: “(CESPE – Juiz Federal) A anulação do ato administrativo pode ser realizada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário, ao passo que a revogação é ato discricionário da Administração Pública”. Gabarito: certo.
16. Importância para a Vida Prática
O estudo dos atos administrativos não se restringe a teorias jurídicas. Ele possui reflexos diretos na vida do cidadão: quando alguém recebe uma multa de trânsito, solicita uma licença para construir, pede um benefício previdenciário ou participa de um concurso público, está diante de atos administrativos. Por isso, entender sua natureza, validade e controle é fundamental para garantir direitos e evitar abusos.
17. Conclusão
Os atos administrativos são o coração do Direito Administrativo. É por meio deles que a Administração Pública se manifesta, organiza serviços, impõe obrigações e concede benefícios. Conhecer seus requisitos, características, espécies e formas de controle é essencial para estudantes, advogados, servidores e todos aqueles que buscam compreender o funcionamento do Estado. Mais do que decorar conceitos, é preciso saber interpretar e aplicar esses conhecimentos a casos concretos, fortalecendo o Estado de Direito e a cidadania.