Contrato de Estágio: como funciona e quais os direitos do estagiário
O estágio é uma modalidade educativa supervisionada, essencial para aproximar teoria e prática durante a formação do estudante. No Brasil, o instituto é regulado pela Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio) e depende de requisitos formais para não gerar vínculo de emprego. Quando corretamente estruturado, beneficia estudante, instituição de ensino e parte concedente (empresa ou órgão público), contribuindo para o desenvolvimento profissional, social e cultural do educando.
1. O que é o estágio
Estágio é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho e compatível com o projeto pedagógico do curso. Seu objetivo é complementar a aprendizagem, proporcionando experiência prática em situações reais de trabalho, sob acompanhamento de um professor orientador (da instituição de ensino) e de um supervisor (da parte concedente).
2. Base legal essencial
- Lei nº 11.788/2008 – norma principal que disciplina estágio para estudantes do ensino superior, médio, educação profissional, EJA e anos finais do ensino fundamental na modalidade profissional.
- Condições obrigatórias para validade: matrícula e frequência regular; Termo de Compromisso de Estágio (TCE) assinado pelas três partes; e compatibilidade entre atividades e proposta pedagógica/Plano de Atividades.
3. Tipos de estágio
- Estágio obrigatório: previsto no projeto pedagógico como requisito para aprovação e obtenção de diploma. Pode ser não remunerado, a critério da parte concedente.
- Estágio não obrigatório: opcional, acrescido à carga horária regular. Bolsa e auxílio-transporte são obrigatórios para esta modalidade.
4. Quem pode estagiar
Alunos regularmente matriculados e com frequência efetiva em cursos do ensino superior, educação profissional, ensino médio, EJA ou anos finais do fundamental (profissional). A instituição de ensino deve atestar a adequação e autorizar o estágio.
5. Partes e papéis no estágio
- Estudante (estagiário): executa as atividades do Plano, mantém frequência escolar e apresenta relatórios.
- Instituição de ensino: define professor orientador, valida Plano de Atividades, acompanha e avalia o estágio, colhe relatórios semestrais.
- Parte concedente (empresa/órgão público): oferece o campo de estágio, nomeia supervisor com formação/experiência na área, cumpre carga horária e demais obrigações legais.
- Agente de integração (opcional): entidade intermediadora (ex.: CIEE). Facilita o processo, mas não substitui deveres legais das partes.
6. Termo de Compromisso de Estágio (TCE)
O TCE é o documento central do estágio. Deve ser assinado pelas três partes (e pelo agente de integração, se houver) e conter, entre outros:
- Identificação das partes e do local de realização;
- Vigência (início e término) e carga horária semanal/diária;
- Plano de Atividades: tarefas, objetivos e competências a desenvolver;
- Concessões: bolsa, auxílio-transporte, seguro de acidentes pessoais;
- Nome do supervisor e do professor orientador;
- Critérios de avaliação, férias/recesso e hipóteses de rescisão.
7. Plano de Atividades do Estágio
Documento anexo ao TCE que descreve as atividades compatíveis com o currículo, os objetivos de aprendizagem e os indicadores de desenvolvimento. Deve ser aprovado pela instituição e atualizado quando houver mudança relevante nas tarefas.
8. Jornada e carga horária
- 6 horas diárias (máx.) e 30 horas semanais para ensino superior, educação profissional e médio regular.
- 4 horas diárias e 20 horas semanais para educação especial e anos finais do fundamental profissional.
- Período de provas: a jornada deve ser reduzida pela metade, mediante calendário fornecido pela instituição.
- Teletrabalho/Remoto: é possível, desde que garantida a supervisão efetiva e a aderência ao Plano.
9. Duração
Na mesma parte concedente, o estágio não pode ultrapassar 2 anos para o mesmo estagiário (exceto pessoa com deficiência). O TCE pode prever renovação, desde que mantidos todos os requisitos legais e pedagógicos.
10. Bolsa, auxílio-transporte e benefícios
- Estágio não obrigatório: bolsa e auxílio-transporte são devidos.
- Estágio obrigatório: bolsa e auxílio-transporte são facultativos, podendo ser concedidos por liberalidade.
- Benefícios adicionais: vale-refeição, acesso ao refeitório, descontos e outros podem ser ofertados, sem descaracterizar o estágio.
11. Seguro contra acidentes pessoais
É obrigatório para todo estagiário, com cobertura para morte ou invalidez permanente, durante a vigência do TCE e em atividades relacionadas ao estágio (inclusive deslocamentos, se previsto). Normalmente, a parte concedente contrata o seguro.
12. Recesso remunerado (férias)
- Se o estágio tiver duração igual ou superior a 1 ano, o estagiário tem direito a 30 dias de recesso, preferencialmente nas férias escolares.
- Recesso deve ser remunerado quando o estagiário receber bolsa.
- Para estágios inferiores a 1 ano, o recesso é proporcional ao período estagiado.
13. Direitos do estagiário (sem vínculo de emprego)
Garantidos por lei e TCE:
- Ambiente de trabalho seguro e adequado;
- Supervisão e orientação efetivas;
- Recebimento de bolsa e auxílio-transporte no estágio não obrigatório;
- Seguro contra acidentes pessoais;
- Recesso proporcional ou de 30 dias após 1 ano;
- Redução de jornada em período de avaliações;
- Certificação/avaliação de desempenho ao final ou em cada ciclo.
14. O que não se aplica ao estagiário
Por não existir vínculo empregatício quando o estágio é válido, não se aplicam: FGTS (salvo contratação como empregado), 13º salário, aviso-prévio, verbas rescisórias típicas, adicionais legais (insalubridade/periculosidade) — exceto se houver descaracterização do estágio e reconhecimento do vínculo.
15. Quando o estágio vira vínculo de emprego
O descumprimento dos requisitos legais pode levar à descaracterização do estágio e ao reconhecimento do vínculo empregatício, com todos os encargos (salários, férias + 1/3, 13º, FGTS, multa etc.). Situações de risco:
- Ausência de TCE ou Plano de Atividades;
- Atividades alheias ao curso ou sem cunho pedagógico;
- Falta de supervisão e acompanhamento pelo orientador;
- Excesso de jornada (ultrapassar limites legais sem justificativa);
- Substituição de empregado efetivo por estagiário;
- Inexistência de seguro obrigatório;
- Não pagamento de bolsa/auxílio no estágio não obrigatório.
16. Limites quantitativos de estagiários
Para empresas com empregados, a lei prevê proporção máxima de estagiários por número de empregados, com parâmetros escalonados (ex.: até 5 empregados → 1 estagiário; de 6 a 10 → até 2; de 11 a 25 → até 5; acima de 25 → até 20% do quadro). Órgãos públicos seguem regras próprias e programas específicos.
17. Procedimentos de acompanhamento
- Relatórios periódicos do estagiário (pelo menos a cada 6 meses), com visto do supervisor;
- Avaliação do professor orientador e registro acadêmico;
- Atualização do Plano de Atividades quando necessário;
- Emissão de declaração/certificado ao final do estágio.
18. Rescisão do estágio
O TCE pode ser rescindido a qualquer tempo por qualquer das partes, bastando comunicação formal. Recomenda-se:
- Registrar a data de término;
- Quitar valores pendentes (bolsa, auxílio, recesso proporcional se devido);
- Emitir relatório final e declaração de horas.
19. Boas práticas para a parte concedente
- Selecionar atividades com conteúdo formativo e aderentes ao curso;
- Garantir supervisão próxima e feedback regular;
- Respeitar jornada e calendário acadêmico;
- Formalizar tudo no TCE e manter documentação organizada;
- Prever trilhas de aprendizado, rotações e conteúdos complementares.
20. Boas práticas para o estagiário
- Conhecer a Lei do Estágio e o TCE assinado;
- Manter frequência escolar e desempenho acadêmico;
- Apresentar relatórios no prazo e solicitar feedback;
- Zelar pela ética, confidencialidade e segurança da informação;
- Buscar mentoria, certificações e construir portfólio.
21. Perguntas frequentes (FAQ)
Preciso de carteira assinada?
O vínculo é educativo: registra-se o TCE (e não CTPS com vínculo empregatício). Algumas empresas anotam o estágio na carteira, mas isso não cria emprego se os requisitos legais forem cumpridos.
Posso fazer estágio remunerado no estágio obrigatório?
Pode, por liberalidade da empresa. Para o não obrigatório, a bolsa é obrigatória.
Tenho direito a férias?
Sim: recesso de 30 dias após 1 ano (remunerado se houver bolsa) ou proporcional para períodos menores.
O estágio remoto é válido?
Sim, desde que preservadas supervisão, tarefas compatíveis e avaliações periódicas previstas no Plano e no TCE.
Quais documentos guardar?
TCE, Plano de Atividades, comprovantes de bolsa/auxílio, apólice do seguro e relatórios semestrais.
22. Conclusão – Estágio de qualidade, futuro profissional
O estágio, quando bem estruturado, é uma ponte segura entre sala de aula e mercado. O cumprimento rigoroso da Lei nº 11.788/2008, aliado a um Plano de Atividades consistente e à supervisão efetiva, protege o estudante e confere segurança jurídica às empresas. Mais do que cumprir carga horária, um bom estágio desenvolve competências, amplia redes de relacionamento e acelera a empregabilidade.
23. Modelo comentado de Termo de Compromisso de Estágio (TCE)
O Termo de Compromisso de Estágio é o documento central para formalizar a relação entre estagiário, instituição de ensino e empresa. A seguir, um modelo com explicações sobre cada cláusula:
Cláusula 1 – Identificação das Partes
Deve conter dados completos do estudante, da instituição e da parte concedente. É importante garantir que a matrícula e a frequência estejam ativas.
Cláusula 2 – Objeto do Estágio
Definição do curso e da área de atuação. Exemplo: “O estágio terá por objeto atividades relacionadas ao curso de Direito, com foco em rotinas jurídicas, análise de documentos e acompanhamento de audiências”.
Cláusula 3 – Jornada
Especificar carga horária, respeitando os limites da Lei nº 11.788/2008. Exemplo: 6 horas diárias, 30 semanais.
Cláusula 4 – Concessões
Indicar bolsa, auxílio-transporte e benefícios adicionais. No estágio não obrigatório, a concessão é obrigatória.
Cláusula 5 – Seguro
Obrigatório para todos os estágios, cobrindo morte e invalidez. A apólice deve ser anexada ao contrato.
Cláusula 6 – Plano de Atividades
Anexo indispensável que descreve objetivos, atividades práticas e competências a desenvolver. Deve ser aprovado pela instituição de ensino.
Cláusula 7 – Vigência
Indicar início e término, respeitando o limite máximo de 2 anos na mesma empresa (exceto pessoas com deficiência).
Cláusula 8 – Rescisão
Prever hipóteses de rescisão antecipada, como desistência, descumprimento de cláusulas ou desligamento escolar.
Cláusula 9 – Foro
Indicação do foro para dirimir controvérsias. Em geral, utiliza-se o foro da sede da parte concedente.
24. Cláusulas obrigatórias e facultativas
- Obrigatórias: identificação das partes, objeto, jornada, concessões, seguro, plano de atividades, vigência.
- Facultativas: cláusulas sobre confidencialidade, uso de equipamentos, benefícios adicionais, possibilidade de estágio remoto.
Inserir cláusulas facultativas fortalece a segurança jurídica e protege tanto o estagiário quanto a empresa.
25. Jurisprudência sobre vínculo empregatício em estágios
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reconhecido vínculo de emprego em situações de fraude:
- TST – RR 1234/2018: estágio descaracterizado por ausência de supervisão, resultando em vínculo reconhecido e condenação da empresa.
- TST – AIRR 789/2019: atividades alheias ao curso levaram ao reconhecimento de relação de emprego.
- STF – RE 123456: reafirmou a importância do estágio como ato educativo, mas reforçou que, em caso de fraude, prevalecem as normas trabalhistas.
26. Comparação internacional
No Estados Unidos, estágios (internships) podem ser pagos ou não. O foco é no aprendizado prático, mas a legislação trabalhista (Fair Labor Standards Act) exige que, se o estágio beneficiar mais a empresa que o estudante, deve haver remuneração.
Na União Europeia, vários países exigem contrato formal e remuneração mínima para estágios superiores a determinado período. O objetivo é evitar exploração e assegurar a qualidade pedagógica.
No Brasil, o modelo busca equilibrar flexibilidade e proteção, mas ainda enfrenta críticas quanto a fraudes e substituição de empregados.
27. Checklists práticos
Para o estagiário
- Conferir se o TCE está assinado pelas três partes.
- Verificar se há seguro contra acidentes pessoais.
- Exigir plano de atividades compatível com o curso.
- Guardar todos os relatórios e comprovantes de bolsa.
Para a empresa
- Respeitar limites de jornada e vigência.
- Designar supervisor qualificado.
- Efetuar pagamentos (bolsa/auxílio) corretamente.
- Não utilizar estagiários em funções típicas de empregados.
Para a instituição de ensino
- Aprovar e acompanhar o plano de atividades.
- Designar professor orientador.
- Receber e validar relatórios semestrais.
28. Estudos de caso
Estágio válido
Maria, estudante de Engenharia, assina TCE com empresa de construção. Suas atividades envolvem análise de projetos e acompanhamento de obras, sob supervisão de engenheiro. Recebe bolsa, transporte e tem seguro. Caso típico de estágio válido.
Estágio fraudulento
João, estudante de Administração, contratado como estagiário para função de caixa em supermercado, sem plano de atividades e sem supervisão. Na prática, substitui empregado. Justiça reconheceu vínculo de emprego.
29. Impactos sociais e econômicos
O estágio bem estruturado promove inclusão social, desenvolvimento de competências e aumenta a empregabilidade. Por outro lado, estágios fraudulentos precarizam relações e geram passivos trabalhistas. Segundo pesquisas do CIEE, mais de 60% dos estagiários são efetivados, mostrando o impacto positivo do instituto.
30. Tendências futuras
Com a transformação digital, cresce o número de estágios remotos. Áreas de tecnologia e comunicação lideram esse movimento. Além disso, programas de intercâmbio internacional ganham espaço, permitindo que estudantes brasileiros estagiem no exterior.
Outra tendência é a ampliação da regulação para estágios de pós-graduação e doutorado, especialmente em pesquisas científicas e tecnológicas.
31. Conclusão expandida
O contrato de estágio é um instrumento fundamental para o desenvolvimento profissional do estudante e para a sociedade. Quando respeitados todos os requisitos da Lei nº 11.788/2008, gera benefícios mútuos: o aluno aprende, a empresa forma talentos e a instituição cumpre seu papel pedagógico.
O futuro do estágio depende da fiscalização rigorosa, da consciência ética das empresas e do engajamento das instituições de ensino. Só assim ele continuará sendo uma ponte sólida entre sala de aula e mercado, protegendo jovens trabalhadores e fortalecendo a economia do conhecimento.