Águas Territoriais: Entenda os Limites da Soberania e Como o Brasil Exerce Poder Além das 12 Milhas Nádicas
Subtítulo: Entenda, em linguagem prática, como se mede a largura do mar territorial, quais poderes o Estado exerce nessas águas e onde terminam a soberania e começam as liberdades internacionais.
Você já ouviu falar que o país “manda” até 12 milhas no mar, mas ficou em dúvida sobre o que isso significa na prática? Nesta leitura direta e visual, mostramos como se define o mar territorial, onde entram a zona contígua e a zona econômica exclusiva, e o que, afinal, o Estado pode fazer (ou não) em cada faixa marítima. O objetivo é dar a você um mapa jurídico claro para navegar por operações costeiras, pesca, portos, defesa e meio ambiente — sem juridiquês.
Mar territorial: extensão, natureza e poderes de soberania
Conceito-chave: o mar territorial é a faixa marítima adjacente à costa sobre a qual o Estado costeiro exerce soberania plena, semelhante à que tem em seu território terrestre, inclusive espaço aéreo e leito/subsolo marinho, ressalvado o direito de passagem inocente de navios estrangeiros.
Soberania e limites: no mar territorial, o Estado pode legislar, fiscalizar, aplicar sanções e autorizar usos (portos, cabotagem, pesquisa, aproveitamento de recursos). Contudo, deve respeitar a passagem inocente: trânsito contínuo e rápido de navios estrangeiros, sem ameaçar a paz, a boa ordem ou a segurança do Estado costeiro (proibidas, por exemplo, manobras com armas, pesca, poluição deliberada, coleta de informações, lançamento de aeronaves).
- Policiar e fiscalizar embarcações, inclusive ambientais e aduaneiras.
- Licenciar atividades portuárias, pesquisa e obras costeiras.
- Proteger patrimônios naturais e culturais submersos.
- Passagem inocente de navios estrangeiros.
- Socorro e segurança da vida humana no mar.
- Liberdade de navegação, se o trânsito for pacífico e contínuo.
MN = milha náutica ≈ 1,852 km. Medidas reais dependem das linhas de base do país.
Para além das 12 milhas: zona contígua, ZEE e plataforma continental
Zona contígua (até 24 MN): faixa adjacente ao mar territorial onde o Estado pode prevenir e reprimir infrações a leis aduaneiras, fiscais, de imigração ou sanitárias cometidas em seu território ou mar territorial. Não há soberania plena; trata-se de poderes funcionais.
Zona Econômica Exclusiva – ZEE (até 200 MN): o Estado costeiro detém direitos de soberania para fins de exploração, conservação e gestão dos recursos naturais (vivos e não vivos) das águas, leito e subsolo, e jurisdição sobre ilhas artificiais, pesquisa científica marinha e proteção ambiental. Os demais Estados mantêm liberdades de navegação, sobrevoo e colocação de cabos e dutos submarinos.
Plataforma continental: leito e subsolo das áreas submarinas até a borda exterior da margem continental, podendo ultrapassar 200 MN em casos específicos (limites geomorfológicos e distância). O Estado tem direitos de soberania sobre recursos minerais e outros recursos não vivos do leito/subsolo e sobre organismos vivos “sedentários”.
| Faixa | Extensão | Natureza do poder | Liberdades de terceiros |
|---|---|---|---|
| Mar territorial | 0–12 MN | Soberania plena (salvo passagem inocente) | Passagem inocente |
| Zona contígua | 12–24 MN | Poderes funcionais (aduana, imigração, sanidade) | Liberdades de navegação e sobrevoo |
| ZEE | até 200 MN | Direitos de soberania sobre recursos; jurisdição em temas específicos | Navegação, sobrevoo, cabos e dutos |
| Plataforma continental | até a borda da margem; pode exceder 200 MN | Direitos de soberania sobre leito/subsolo (recursos não vivos e sedentários) | Liberdades do alto-mar sobre a coluna d’água |
Aplicação prática: como delimitar, fiscalizar e resolver conflitos
1) Linhas de base e cartas náuticas
Comece definindo as linhas de base a partir da linha de baixa-mar conforme cartas oficiais. Em costas muito recortadas, podem-se adotar linhas de base retas. Em arquipélagos, linhas arquipelágicas conectam as ilhas principais. A partir delas, meça as 12, 24 e 200 MN com métodos geodésicos aceitos.
2) Fiscalização e licenciamento
No mar territorial, a autoridade marítima e órgãos ambientais/aduaneiros podem abordar e inspecionar embarcações para verificar documentos, cargas, padrões de poluição e segurança, bem como aplicar sanções. Na ZEE, a fiscalização se volta à proteção dos recursos vivos, combate à pesca ilegal e controle de estruturas (plataformas, cabos).
3) Passagem inocente: roteiros e “red flags”
Estabeleça rotas recomendadas, limites de velocidade e zonas sensíveis (instalações militares/ambientais). “Sinais de não inocência”: exercícios com armas, pesca, lançamento/recepção de aeronaves, poluição, espionagem, contrabando, embarque/desembarque de pessoas/mercadorias sem autorização.
4) Solução de controvérsias
Divergências sobre delimitação marítima entre Estados vizinhos costumam ser resolvidas por acordos bilaterais (equidistância/ajuste equitativo) ou por instâncias como o Tribunal Internacional do Direito do Mar e a Corte Internacional de Justiça. Provas cartográficas, dados geológicos e histórico de uso pesqueiro ajudam a compor soluções equitativas.
- Publicar cartas com linhas de base e limites atualizados.
- Integrar monitoramento AIS, satélite e patrulhas para abordagem baseada em risco.
- Padronizar procedimentos de passagem inocente e comunicação VHF.
- Gerir licenças de pesquisa, dragagem e estruturas com condicionantes ambientais.
- Coordenar com MRCC/guardas costeiras vizinhas para ocorrências transfronteiriças.
Aspectos técnicos e atualizações relevantes (opcional)
- Estreitos internacionais: em estreitos usados para navegação internacional, vigora a passagem em trânsito (regras mais amplas do que a passagem inocente).
- Ilhas vs. rochedos: ilhas habitáveis geram todas as zonas marítimas; rochedos que não mantêm habitação/vida econômica própria têm limitações.
- Extensão da plataforma além de 200 MN: requer submissão de dados à Comissão de Limites da Plataforma Continental.
- Proteção ambiental: medidas mais estritas podem ser impostas em áreas MARPOL, santuários e unidades de conservação costeira/marinha.
Use seus dados de patrulha/portos para calibrar prioridades de fiscalização.
Exemplos e modelos rápidos
Exemplo 1 – Passagem inocente com condicionantes
Autoridade costeira informa: “Navio estrangeiro autorizado a transitar em rota X dentro do mar territorial,
mantendo velocidade de segurança, sem parada, sem lançamento de resíduos e sem pesca.
Qualquer manobra diversa deve ser previamente comunicada no canal VHF {canal}.”
Exemplo 2 – Autorização de pesquisa na ZEE
Concedida licença para pesquisa sísmica na ZEE por {período}, condicionada a:
(i) plano de mitigação ambiental; (ii) notificação a outras autoridades marítimas;
(iii) compartilhamento de dados brutos com o Estado costeiro; (iv) proibição de coleta biológica sem adendo.
Exemplo 3 – Abordagem e inspeção
Patrulha intercepta embarcação em 11 MN sob suspeita de descarga irregular. Procedimentos: identificação visual e por AIS, registro fotográfico, verificação de certificados, checagem de lastro e resíduos oleosos, lavratura de auto e, se necessário, escolta até porto mais próximo.
Erros comuns
- Confundir soberania plena da ZEE com a do mar territorial.
- Negar passagem inocente sem base em ameaça concreta à segurança/ordem.
- Medir faixas a partir de linhas de base incorretas ou desatualizadas.
- Licenciar pesquisa/obras sem condicionantes ambientais compatíveis.
- Falta de coordenação entre marinha, meio ambiente, aduana e autoridade portuária.
- Ignorar direitos de cabos/dutos e a liberdade de navegação de terceiros na ZEE.
Conclusão
Para gerir bem as águas jurisdicionais, pense em camadas: soberania ampla até 12 MN; poderes funcionais até 24 MN; direitos de soberania e jurisdição específicos até 200 MN; e, no leito/subsolo além disso, a plataforma continental. Com linhas de base corretas, regras claras de passagem inocente, fiscalização inteligente e licenciamento responsável, o Estado protege recursos, segurança e meio ambiente — sem atropelar as liberdades do mar que mantêm o comércio e a ciência em movimento.
Guia rápido
- Mar Territorial: até 12 MN a partir das linhas de base; soberania plena do Estado costeiro, com passagem inocente obrigatória a navios estrangeiros.
- Zona Contígua: de 12 a 24 MN; poderes funcionais para prevenir/reprimir infrações aduaneiras, fiscais, migratórias e sanitárias.
- ZEE: até 200 MN; direitos de soberania para explorar, conservar e gerir recursos; terceiros mantêm navegação/sobrevoo/cabos.
- Plataforma Continental: leito/subsolo até a borda da margem (podendo exceder 200 MN); direitos de soberania sobre recursos não vivos/sedentários.
- Linhas de base: regra geral é a baixa-mar; podem existir linhas retas e arquipelágicas conforme a costa.
- Estreitos internacionais: vigora a passagem em trânsito, mais ampla que a passagem inocente.
- Ilhas x rochedos: ilhas habitáveis geram todas as zonas; rochedos sem vida econômica própria têm limitações.
FAQ
Qual é a largura padrão do mar territorial?
Até 12 milhas náuticas a partir das linhas de base oficiais.
Navios estrangeiros podem transitar livremente no mar territorial?
Sim, desde que seja passagem inocente: trânsito contínuo/rápido sem ameaçar a paz, a ordem ou a segurança do Estado costeiro.
O que o Estado pode fazer na zona contígua?
Prevenir e reprimir infrações aduaneiras, fiscais, migratórias e sanitárias relacionadas ao seu território ou mar territorial.
Na ZEE o Estado tem soberania plena?
Não. Tem direitos de soberania sobre recursos e jurisdição limitada (pesquisa, ilhas artificiais, meio ambiente); terceiros conservam liberdades do mar.
Como se mede a plataforma continental além de 200 MN?
Com critérios geomorfológicos (espessura dos sedimentos, distância) e submissão técnica à Comissão de Limites da Plataforma Continental.
Estreitos usados para navegação internacional seguem quais regras?
A passagem em trânsito, permitindo navegação e sobrevoo contínuos e rápidos, com certas obrigações de segurança e ambiente.
O que torna uma passagem “não inocente”?
Atos como exercícios com armas, pesca, poluição deliberada, coleta de informações, lançamento de aeronaves, contrabando e desembarque/embarque não autorizados.
Base técnica (fontes legais)
- Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM/UNCLOS, 1982): Partes II (Mar Territorial e Zona Contígua), V (ZEE) e VI (Plataforma Continental).
- Regras sobre passagem inocente: arts. 17–32 da CNUDM; condições de suspensão e condutas proibidas.
- Zona Contígua: art. 33 da CNUDM.
- ZEE: arts. 55–75 da CNUDM (direitos do Estado costeiro e liberdades dos demais Estados).
- Plataforma Continental: arts. 76–85 da CNUDM; Anexo II (Comissão de Limites).
- Estreitos internacionais: Parte III (arts. 34–45) — passagem em trânsito.
- Linhas de base: arts. 5–14 (baixa-mar, linhas retas, baías; arquipélagos na Parte IV).
Considerações finais
Pense o mar em faixas com poderes distintos: soberania plena até 12 MN; poderes funcionais até 24 MN; direitos de soberania/competências específicas até 200 MN; e direitos sobre o leito/subsolo na plataforma continental. Uma boa governança combina linhas de base bem definidas, protocolos de passagem inocente, fiscalização inteligente e licenciamento ambiental responsável — preservando recursos e segurança sem violar liberdades do mar.
Este material é informativo e não substitui orientação profissional. Casos concretos exigem análise técnica, cartográfica e jurídica específica, conforme tratados, legislação interna e acordos de delimitação vigentes.
