Garantia Legal e Contratual: Entenda as Diferenças e Saiba Como Exigir Seus Direitos
Conceito de garantia: o que significa para o consumidor e para o fornecedor
A palavra garantia no consumo tem dois grandes sentidos no Brasil: a garantia legal e a garantia contratual. Ambas protegem o consumidor contra vícios (defeitos que tornam o produto/serviço impróprio ou diminuem seu valor) e, em certas hipóteses, contra fatos do produto (acidentes de consumo que causam danos à saúde, à segurança ou ao patrimônio). A primeira decorre diretamente da lei — sobretudo do Código de Defesa do Consumidor (CDC) — e independe de qualquer termo escrito. A segunda nasce de uma promessa/condição adicional dada por fabricante, importador ou lojista, formalizada num termo de garantia. Entender as diferenças evita perda de prazos e facilita exigir o conserto, a troca ou o reembolso.
Quem responde pelos vícios e pelos danos?
Em vício de qualidade/quantidade, toda a cadeia (fabricante, importador, distribuidor e comerciante) responde solidariamente pela solução no prazo legal. Em fato do produto/serviço (acidente de consumo), a responsabilidade recai principalmente sobre o fabricante/importador/prestador, em regra objetiva (independe de culpa), e o consumidor tem 5 anos para buscar indenização a partir do conhecimento do dano e do autor.
Garantia legal: prazos, alcances e como usar
Prazos decadenciais para vícios aparentes
- Produtos/serviços não duráveis: 30 dias para reclamar do vício aparente ou de fácil constatação.
- Produtos/serviços duráveis: 90 dias para reclamar do vício aparente ou de fácil constatação.
O prazo começa a contar da entrega efetiva do produto ou da conclusão do serviço. Em vício oculto (que só se manifesta depois), o prazo só começa quando o defeito se torna evidente. Esses prazos não são “garantia do fabricante”; são direitos legais que valem mesmo que a nota fiscal se perca (outros meios de prova podem demonstrar a compra).
Conserto em 30 dias e as três opções do consumidor
Aberta a reclamação dentro do prazo, o fornecedor tem, em regra, 30 dias para sanar o vício. Se não resolver nesse período (ou se o conserto comprometer a qualidade, segurança, ou depender de peça indisponível por tempo excessivo), o consumidor pode optar por:
- Substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições;
- Restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada;
- Abatimento proporcional do preço.
Para produtos essenciais (ex.: geladeira nova apresentando vício grave logo após a compra), a jurisprudência admite a exigência imediata de troca/reembolso sem aguardar os 30 dias, pois a espera esvazia a utilidade do bem.
Legal x arrependimento nas compras on-line
O direito de arrependimento de 7 dias em compras fora do estabelecimento (internet/telefone) é diferente de garantia. Ele permite devolver sem justificativa nesse prazo, mesmo sem vício. A garantia legal cuida de defeitos e pode ser exercida muito além desses 7 dias (30/90 dias, ou a partir da descoberta do vício oculto).
Documentos necessários e prova
A nota fiscal é o meio mais simples de prova, mas a ausência dela não elimina o direito. É possível comprovar a compra com comprovante de cartão, e-mails, número de pedido, etiqueta de série, registro na garantia contratual ou até testemunhas. Registre o vício por escrito (e-mail, protocolo, chat) para fixar datas e facilitar a contagem do prazo de 30 dias para conserto.
Garantia contratual: o que é, como funciona e quais armadilhas evitar
Natureza e requisitos
A garantia contratual é uma cobertura adicional e gratuita oferecida por fabricante, importador ou lojista, formalizada em termo escrito que deve indicar prazo, abrangência, condições, local de assistência e canais de atendimento. Ela não pode restringir a garantia legal e, por regra, soma-se a ela. Ex.: se o termo promete “1 ano de garantia”, não elimina os 90 dias legais sobre vícios aparentes do produto durável; em vez disso, o período contratual amplia a proteção, respeitadas as condições lícitas do termo.
O que geralmente cobre (e o que costuma excluir)
Normalmente cobre vícios de fabricação. Pode excluir danos por mau uso, quedas, líquidos, instalações inadequadas, surtos elétricos sem proteção, ou manutenção por assistência não autorizada. Excludentes abusivas podem ser anuladas se retirarem a essência da proteção ou impuserem ônus excessivo ao consumidor. O termo também não pode transferir ao consumidor custos de logística injustificados quando não houver assistência local, sobretudo durante o período inicial.
Garantia estendida x garantia contratual
Garantia estendida vendida em lojas é, em regra, um seguro (produto regulado), que pode cobrir vícios após o fim da garantia do fabricante e até eventos como dano acidental, dependendo da apólice. Já a garantia contratual do fabricante é uma promessa do fornecedor, não um seguro. Antes de comprar “estendida”, avalie: preço do seguro, franquias, rede de atendimento e tempo de permanência com o produto. Em bens de rápida obsolescência, pode não valer a pena.
Diferenças-chave entre garantia legal e contratual
- Origem: a legal vem da lei (automática); a contratual vem de um termo do fornecedor (facultativa).
- Obrigatoriedade: a legal é obrigatória; a contratual é opcional para o fornecedor, mas vincula quando oferecida.
- Prazos-base: legal = 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis) para reclamar de vícios aparentes; contratual = definido no termo (ex.: 12 meses).
- Contagem do vício oculto: na legal, começa quando o defeito aparece; na contratual, conta conforme o termo, mas não pode limitar abusivamente a lei.
- Relação entre elas: a contratual soma e não substitui a legal.
- Direitos após falha no reparo: na legal, após 30 dias sem solução o consumidor escolhe troca, devolução ou abatimento; na contratual, aplica-se o que foi prometido, sem afastar as saídas legais quando houver vício não sanado.
- Âmbito: a legal cobre vícios de qualidade/quantidade e possibilita indenização por danos; a contratual foca vícios de fabricação dentro do prazo prometido.
Gráfico comparativo simples (prazos típicos)
Obs.: a garantia contratual é exemplo ilustrativo. O prazo real depende do termo do fornecedor e soma-se à legal quando não restringe direitos.
Como agir passo a passo quando surge um defeito
- Documente o problema: fotos, vídeos, número de série, relato com data e hora.
- Reúna provas de compra: nota fiscal, pedido, fatura do cartão, e-mails.
- Acione primeiro a garantia legal com o fornecedor/loja ou assistência autorizada dentro dos 30/90 dias (ou assim que o vício oculto aparecer). Exija protocolo.
- Controle o prazo de 30 dias de conserto. Se não resolver, exerça uma das três opções: troca, devolução ou abatimento.
- Verifique a garantia contratual: se houver termo, utilize-a para ampliar o período de cobertura, sempre sem abrir mão daquilo que a lei assegura.
- Sem solução? Registre queixa no Procon, plataformas oficiais de reclamação/consumo ou busque o Juizado Especial Cível (até 40 salários mínimos), anexando toda a prova produzida.
Cenários especiais: vício oculto, peça indisponível, assistência distante
Vício oculto após um ano?
Se o defeito decorre de vício de fabricação preexistente que só apareceu depois, a contagem do prazo legal se dá a partir do momento em que o vício ficou evidente. Em bens duráveis de alto valor, a jurisprudência costuma reconhecer a responsabilidade do fornecedor quando o vício está ligado a defeito de projeto, fabricação ou qualidade que reduz substancialmente a vida útil esperada.
Peça demora mais que 30 dias
O prazo de 30 dias para o reparo é regra. Se a espera por peça extrapola o razoável e impede o uso normal, o consumidor pode invocar o direito de substituição, devolução ou abatimento. Cláusulas que tentam prorrogar indefinidamente o conserto tendem a ser consideradas abusivas.
Ausência de assistência técnica na cidade
O termo contratual deve prever canais e locais de atendimento. Quando não houver assistência local, o fornecedor deve oferecer solução logística proporcional (coleta, transporte, reembolso ou rede alternativa). Transferir todo o custo/risco ao consumidor, sem opção razoável, pode ser prática abusiva.
Compra internacional, importação e marketplace
Se a compra ocorreu de vendedor estrangeiro, há três cuidados: (i) dificuldade de aplicação e execução de garantias no Brasil; (ii) prazos logísticos; (iii) suporte técnico local. Em marketplaces nacionais, o fornecedor da plataforma também pode responder solidariamente quando intermedeia a venda e influencia a confiança do consumidor. Prefira produtos com assistência autorizada no país e políticas claras de pós-venda.
Boas práticas para o consumidor
- Leia o termo contratual antes de acionar: verifique prazos, coberturas e canais oficiais.
- Abra o protocolo por escrito (e-mail/chat) para registrar datas e compromissos.
- Não aceite renúncia de direitos legais em troca de “benefícios”. A lei é irrenunciável em prejuízo do consumidor.
- Guarde as ordens de serviço e relatórios técnicos — úteis em eventual troca ou devolução do valor.
- Para compras online, lembre do arrependimento de 7 dias (produto sem uso e com embalagem/itens originais, salvo exceções de higiene/consumo imediato).
Boas práticas para empresas
- Termo claro e acessível, entregue ao consumidor, com linguagem simples, canais e prazos.
- Rede de assistência mapeada e SLA realista. Evite prometer o que não cumpre.
- Peças de reposição por período razoável após a descontinuação do produto.
- Registro de protocolos e treinamentos para evitar negativas indevidas que geram autuações e processos.
- Respeito à solidariedade da cadeia: não “jogue” a responsabilidade só no fabricante; atenda primeiro, ajuste internamente depois.
- O produto é durável (90 dias) ou não durável (30 dias)?
- O vício é aparente (conta da entrega) ou oculto (conta da evidência)?
- Há termo contratual vigente? Ele amplia a cobertura?
- O fornecedor já ultrapassou 30 dias para consertar? Se sim, escolha: troca / reembolso / abatimento.
- Em produtos essenciais, exija solução imediata; 30 dias podem ser dispensados.
Base técnica e referências legais essenciais
- Vícios e responsabilidade solidária: art. 18 e seguintes do CDC (prazo de 30 dias para sanar vício; escolhas do consumidor).
- Prazos para reclamar de vícios: art. 26 do CDC — 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis); vício oculto conta da evidência.
- Garantia contratual: art. 50 do CDC — deve ser conferida por termo escrito e não exclui a legal.
- Fato do produto/serviço (acidente de consumo): arts. 12 a 14 do CDC (responsabilidade objetiva e prazo prescricional de 5 anos, art. 27).
- Direito de arrependimento em compras fora do estabelecimento: art. 49 do CDC (7 dias).
- Cláusulas abusivas e nulidade de ofício: arts. 39 e 51 do CDC.
Conclusão
A garantia legal é a base mínima e obrigatória que protege o consumidor contra vícios, com prazos claros para reclamar (30/90 dias) e para o fornecedor consertar (30 dias), culminando no direito de escolha entre troca, reembolso ou abatimento se o vício persistir. A garantia contratual, quando oferecida, é um plus que amplia a proteção e se soma à legal, mas não pode reduzi-la. Conhecer a diferença evita que o consumidor perca prazos, aceite condições abusivas ou pague por “estendidas” que pouco agregam. Para as empresas, termos claros, rede de assistência eficiente e respeito à solidariedade da cadeia geram menos litígios e mais confiança. Em caso de impasse, o caminho passa por Procon, canais oficiais de resolução e, se necessário, Juizado Especial com toda a prova documental do caso.
Guia rápido — Garantia legal x contratual (passo a passo)
- Identifique o tipo de produto/serviço: durável (ex.: TV, celular) → prazos legais de 90 dias. Não durável (ex.: alimentos, limpeza) → 30 dias.
- Classifique o defeito: aparente (perceptível de imediato) ou oculto (só aparece depois). Em vício oculto, o prazo legal começa quando o defeito se torna evidente.
- Acione a garantia legal primeiro: comunique o vício por escrito (e-mail/chat) e obtenha protocolo. Isso inicia o prazo de 30 dias para reparo.
- Controle o prazo de conserto: se o fornecedor não resolver em 30 dias (salvo exceções de produto essencial), você escolhe: troca, devolução do valor ou abatimento.
- Verifique a garantia contratual: se houver termo do fabricante/lojista, ela se soma à legal. Use-a para ampliar a cobertura dentro do prazo prometido.
- Documentos úteis: nota fiscal (preferencial), comprovante de cartão, e-mails/pedidos, número de série, fotos/vídeos do defeito. A falta da NF não extingue direitos se houver outras provas.
- Compras online: além das garantias, existe o arrependimento de 7 dias (devolução sem justificativa, produto íntegro).
- Peça indisponível ou assistência distante: exija solução proporcional (coleta, transporte, rede alternativa). Esperas indefinidas são abusivas.
- Garantia estendida: normalmente é seguro. Leia a apólice, coberturas e franquias. Não confunda com a garantia contratual do fabricante.
- Sem solução amigável? Registre no Procon e avalie o Juizado Especial Cível (até 40 SM), anexando protocolos, ordens de serviço e evidências.
- Produtos essenciais: em vício grave inicial, é possível exigir troca/reembolso imediato sem aguardar 30 dias.
FAQ — Perguntas frequentes
1) O que é exatamente a garantia legal?
É a proteção prevista em lei para vícios de produtos/serviços, com prazos de 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis) para reclamar, além do direito a conserto em 30 dias e, se não resolvido, troca, devolução ou abatimento.
2) A garantia contratual substitui a legal?
Não. A contratual é um plus do fornecedor e soma-se à legal. Qualquer termo que tente afastar a garantia legal tende a ser abusivo.
3) Perdi a nota fiscal. Ainda tenho direito?
Sim, desde que apresente outros meios de prova (comprovante de cartão, e-mails, número de série, pedido). Exigir exclusivamente a NF pode ser abusivo.
4) Como funciona o prazo de 30 dias para conserto?
Após abrir o protocolo, o fornecedor tem 30 dias para sanar o vício. Ultrapassado o prazo, você escolhe entre troca, restituição do valor pago ou abatimento proporcional.
5) E se o defeito for oculto e aparecer depois de meses?
O prazo de reclamar começa quando o vício se torna evidente. Em defeitos ligados à qualidade intrínseca do bem, a jurisprudência reconhece a responsabilidade do fornecedor mesmo após longo tempo de uso normal.
6) Posso acionar diretamente o fabricante?
Sim. Em vícios, todos da cadeia respondem solidariamente (fabricante, importador, distribuidor e comerciante). Você pode escolher a quem recorrer primeiro.
7) O que muda em compras online?
Além das garantias, existe o direito de arrependimento em 7 dias a contar do recebimento (devolução sem motivo). É diferente de garantia por defeito.
8) Produto essencial com vício logo após a compra precisa esperar 30 dias?
Não necessariamente. Para produtos essenciais com vício grave inicial, é possível exigir troca ou reembolso imediato, pois a espera esvazia a utilidade do bem.
9) Garantia estendida é a mesma coisa que contratual?
Não. A “estendida” costuma ser seguro vendido à parte, com regras próprias da apólice. A contratual é promessa do fornecedor sem custo adicional.
10) Quem paga o frete quando não há assistência na minha cidade?
O fornecedor deve oferecer solução proporcional (coleta, postagem autorizada, ponto de atendimento). Transferir todo o custo ao consumidor sem alternativa pode ser abusivo.
11) Quando vale a pena acionar o Juizado Especial Cível?
Quando a solução administrativa falha e o valor não excede 40 salários mínimos. Até 20 salários, em regra, é possível sem advogado; acima disso, recomenda-se representação técnica.
Fundamentação normativa essencial
- CDC, arts. 18 a 20: vícios de qualidade/quantidade; conserto em 30 dias; alternativas do consumidor (troca, restituição, abatimento).
- CDC, art. 26: prazos para reclamar de vícios — 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis); contagem em vício oculto a partir da evidência.
- CDC, art. 50: garantia contratual por termo escrito, complementar à legal (não pode excluí-la).
- CDC, arts. 12 a 14: responsabilidade por fato do produto/serviço (acidente de consumo) — responsabilidade objetiva do fornecedor.
- CDC, art. 27: prescrição de 5 anos para reparação de danos decorrentes de fato do produto/serviço.
- CDC, art. 49: arrependimento de 7 dias em compras fora do estabelecimento (internet/telefone).
- CDC, arts. 39 e 51: práticas e cláusulas abusivas — nulidade de ofício de condições que restrinjam direitos básicos.
- Decretos/Normas setoriais (ex.: eletrodomésticos, telecom, seguros): podem detalhar SLA, logística reversa e assistência — verificar regulamentação específica do setor.
- Jurisprudência: dispensa do prazo de 30 dias em produtos essenciais e reconhecimento de vício oculto que compromete a vida útil esperada do bem.
Considerações finais
A garantia legal assegura o mínimo obrigatório para qualquer consumidor, enquanto a garantia contratual pode ampliar essa proteção quando ofertada. Em caso de vício, priorize o registro por escrito e a contagem dos prazos; se a solução não vier, exerça sua escolha (troca, devolução ou abatimento) e leve o caso aos canais públicos (Procon, plataformas oficiais) ou ao Juizado Especial. Empresas que mantêm termos claros, rede de assistência eficaz e peças disponíveis reduzem conflitos e fidelizam clientes.
Aviso importante: este material tem caráter informativo e educativo. As situações reais variam conforme documentos, prazos, condições do termo de garantia e normas setoriais aplicáveis. Para uma análise precisa do seu caso, procure assistência profissional habilitada (advogado(a) ou órgão de defesa do consumidor). O conteúdo não constitui consultoria jurídica individual.
