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Entenda a lei com clareza – Understand the Law with Clarity

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Direito constitucionalDireito tributário

Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF): o que diz a Constituição e como poderia funcionar

A tributação sobre grandes fortunas (IGF) é uma previsão explícita da Constituição Federal brasileira que atribui à União a competência para instituí-la por lei complementar (art. 153, VII). Apesar do comando constitucional, o imposto não foi instituído até o momento. O tema suscita um debate constitucional que envolve capacidade contributiva, isonomia, progressividade, vedação ao confisco, riscos de bitributação e questões de eficiência arrecadatória. Nesta análise, organizamos os principais argumentos, opções de desenho normativo e implicações práticas para pessoas físicas de alta renda, empresas familiares e formuladores de políticas públicas.

QUADRO | Ponto de partida constitucional

  • Competência da União para instituir Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) por lei complementar (CF, art. 153, VII).
  • Aplicação dos princípios: capacidade contributiva e progressividade (CF, art. 145, §1º; art. 150, II e §1º), vedação ao confisco (art. 150, IV), anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, III).
  • Até a edição da lei complementar, não há IGF vigente no Brasil.

O que exatamente o IGF tributaria?

O IGF incidiria sobre a riqueza acumulada (estoque patrimonial) de pessoas físicas – e, a depender do desenho, de determinadas pessoas jurídicas equiparadas – superando um patamar mínimo (“franquia” ou threshold). Ao contrário do IR, que alcança fluxos (renda e ganhos), e de impostos patrimoniais específicos (IPTU, IPVA, ITR), que incidem sobre bens isolados, o IGF considera a soma de ativos menos passivos dedutíveis, compondo o patrimônio líquido do contribuinte.

Tributo O que alcança Base típica Periodicidade
IR Fluxos (rendimentos, ganhos de capital) Renda anual, alienações Anual/na realização
IPTU / IPVA / ITR Propriedade de bens específicos Imóvel urbano, veículo, imóvel rural Anual
ITCMD / ITBI Transmissão gratuita / onerosa Herança/Doação; imóveis No evento
IGF (proposto) Estoque de riqueza acima de patamar Patrimônio líquido global (ativos – dívidas) Anual

Na prática, o desenho do IGF exigiria regras de avaliação para: imóveis (valor de mercado; interação com avaliações municipais), participações societárias (métodos de fluxo de caixa/valor patrimonial), títulos e fundos (marcação a mercado), obras de arte e joias (laudos), criptoativos, offshore e estruturas de trust no exterior (critérios de controle/beneficiário).

QUADRO | Três escolhas técnicas decisivas

  • Quem é contribuinte: pessoa física residente? Não residentes com bens no país? Equiparação de family offices?
  • O que entra: ativos financeiros, quotas, imóveis, cripto, arte; o que deduz: dívidas reais, garantias, hipotecas.
  • Onde tributar: patrimônio mundial do residente (com compensação externa) ou apenas bens situados no país.

O debate constitucional: fundamentos pró e contra

Argumentos favoráveis

  • Capacidade contributiva e progressividade: a CF orienta que impostos sejam graduados conforme a capacidade econômica (art. 145, §1º). Um IGF bem desenhado alcançaria pouquíssimos contribuintes com elevado patrimônio, reforçando a equidade vertical.
  • Correção de vieses: parte relevante do patrimônio cresce por valorização não realizada (ganhos patrimoniais latentes) pouco capturada pelo IR. O IGF alcançaria esse “estoque”, evitando vieses pró-capital em relação ao trabalho.
  • Arrecadação e transparência: ainda que a receita potencial seja moderada, a obrigação acessória de declaração patrimonial padronizada pode melhorar a fiscalização do IR e de tributos patrimoniais, reduzindo planejamentos abusivos.

Argumentos contrários

  • Vedação ao confisco (art. 150, IV): alíquotas elevadas, somadas a tributos sobre renda e bens, poderiam erosionar a base patrimonial e caracterizar confisco, sobretudo em ativos ilíquidos.
  • Dupla tributação e sobreposição: críticos veem risco de bitributação econômica com IR (na formação do patrimônio) e com IPTU/IPVA/ITR (no estoque de bens). Defensores respondem que as bases são distintas e que a CF admite cumulação desde que respeitados princípios.
  • Eficiência e fuga de capitais: países com IGF reportam desafios de compliance e evasão, especialmente quando há portas de saída (mudança de residência, offshore). O desenho precisa mitigar planejamentos agressivos para não reduzir a base sem ganhos de equidade.
  • Custo administrativo: avaliação anual de bens complexos (arte, empresas fechadas) é onerosa para o Fisco e para o contribuinte.

Ilustração (barras CSS) — tensão entre objetivos

Equidade

Arrecadação líquida

Risco de evasão/planejamento

Custo de administração

O que o mundo já testou

Modelos de imposto sobre patrimônio líquido existem (ou existiram) em países europeus e latino-americanos, com resultados heterogêneos. Suíça adota versões cantonais e estáveis, com alíquotas moderadas e grande integração cadastral. Espanha mantém um imposto de riqueza com isenções elevadas e mínima progressividade regional. França substituiu seu antigo imposto amplo por um tributo focalizado em imóveis (IFI), após críticas de ineficiência. Há ainda experiências temporárias (contribuições extraordinárias) em contextos de crise. As lições recorrentes: alíquotas moderadas, base ampla com deduções de dívidas, coordenação com IR e tributos locais e custos administrativos baixos.

Um desenho normativo possível (exercício)

Sem antecipar escolhas do legislador, segue um roteiro técnico de itens que a lei complementar deveria endereçar para compatibilizar o IGF com a Constituição e com a eficiência econômica:

  1. Sujeitos passivos: pessoas físicas residentes no Brasil; equiparação de quem mantiver centro de interesses vitais no País; regras para mudança de residência (saída) com período de vinculação residual.
  2. Base de cálculo: patrimônio líquido global em 31/12; dedução de dívidas efetivas e demonstráveis; avaliação por marcação a mercado de ativos líquidos; regras específicas para empresas fechadas, obras de arte, criptos e offshore/trusts.
  3. Alíquotas e progressividade: franquia elevada para restringir o alcance ao topo da distribuição; degraus progressivos moderados para respeitar vedação ao confisco.
  4. Coordenação federativa: neutralidade frente a IPTU/IPVA/ITR (evitar dupla tributação jurídica); compartilhamento de cadastros com cartórios, juntas comerciais, reguladores financeiros.
  5. Integração com o IR: compensação parcial de IGF com IR sobre rendimentos do capital em algumas hipóteses (opcional e calibrada), para reduzir bitributação econômica sem desfigurar o imposto.
  6. Compliance e fiscalização: declaração patrimonial padronizada, integração com e-Financeira e órgãos reguladores; obrigação de laudos periódicos para ativos específicos; sanções proporcionais.
  7. Salvaguardas constitucionais: respeito às anterioridades; limites explícitos de alíquota efetiva sobre ativos ilíquidos; possibilidade de parcelamento ou ajuste por liquidez em certas classes (ex.: participação em empresa fechada).
QUADRO | Exemplo meramente ilustrativo de faixas

Faixas apenas para visualizar a ideia de progressividade (não são recomendação):

Até R$ 20 milhões: isento

R$ 20–50 milhões: 0,3%

R$ 50–100 milhões: 0,5%

Acima de R$ 100 milhões: 0,8%

Obs.: os números acima são hipotéticos, apenas para demonstrar como a progressividade poderia ser visualizada sem afrontar a vedação ao confisco.

Interações com outros tributos e a reforma do consumo

O IGF é independente da recente reforma do consumo (IVA dual), pois incide sobre estoque patrimonial e não sobre circulação ou renda. Ainda assim, a sua eventual instituição demandaria:

  • Coordenação com IR e ganhos de capital (para evitar distorções entre tributar acréscimos e estoques);
  • Alinhamento com ITCMD (heranças/doações), evitando estímulos artificiais à antecipação sucessória apenas para escapar do IGF;
  • Interoperabilidade cadastral com Municípios (IPTU), Estados (ITCMD/IPVA) e cartórios;
  • Regras para residentes no exterior e patrimônio offshore (critérios de residência, lugar da tributação e compensação).

Potenciais efeitos econômicos

Os impactos do IGF dependem do desenho. Alíquotas baixas, base ampla e boa integração com cadastros tendem a elevar a conformidade e produzir receitas moderadas, com pouca distorção sobre poupança e investimento. Já alíquotas altas sobre ativos ilíquidos, sem mecanismos de liquidez, podem provocar venda forçada, descapitalização e litígios, minando a aceitação social e o resultado arrecadatório.

Para o setor produtivo, uma calibragem que deduza dívidas e trate com cuidado participações em empresas fechadas reduz o risco de penalizar capital empreendedor. Para as famílias de alta renda, o IGF induziria melhor governança patrimonial (inventário, avaliação, seguros) e maior transparência em estruturas internacionais.

Como se preparar (sem alarmismo)

  1. Inventário patrimonial anual: imóveis, participações, ativos financeiros, cripto, arte; reúna documentos de avaliação e títulos de propriedade.
  2. Mapeie passivos legitimamente dedutíveis (empréstimos, hipotecas), com contratos e extratos.
  3. Revise estruturas societárias e sucessórias: holdings e family offices devem ser avaliados quanto a substância, residência fiscal e transparência.
  4. Concilie com o IR: verifique coerência entre evolução patrimonial e rendimentos/ganhos declarados.
  5. Governança documental: laudos de mercado para bens ilíquidos e custódia para ativos digitais.
  6. Planejamento lícito: doações, fundos e previdência podem compor a estratégia, sempre respeitando limites legais e finalidades econômicas reais.

Guia rápido

  • Base constitucional: CF, art. 153, VII (lei complementar é indispensável).
  • Objeto: patrimônio líquido acima de franquia elevada; dedução de dívidas reais.
  • Princípios: capacidade contributiva, progressividade, isonomia e vedação ao confisco.
  • Desenho crítico: avaliação de ativos ilíquidos, tratamento de quotas, cripto e patrimônio offshore.
  • Riscos: custo de compliance, litígios, evasão; mitigar com cadastro integrado e alíquotas moderadas.
  • Boas práticas: inventário anual, laudos, governança e alinhamento IR-patrimônio.

FAQ

1) O IGF existe hoje no Brasil?

Não. A Constituição autoriza (art. 153, VII), mas a instituição depende de lei complementar específica. Até que ela seja aprovada e entre em vigor (respeitando anterioridades), não há cobrança.

2) O IGF seria inconstitucional por “bitributar” com IR e IPTU/IPVA?

Em regra, não. A CF permite tributos com bases distintas. O ponto constitucional sensível é respeitar capacidade contributiva e evitar confisco. O desenho legal deve mostrar que o IGF alcança riqueza global e não “retributa” bens já gravados de forma confiscatória.

3) Como tratar bens ilíquidos (empresa fechada, fazenda, arte)?

É crucial prever métodos de avaliação aceitos (laudos, múltiplos, valor patrimonial ajustado) e mecanismos de liquidez (parcelamento, limites de efetiva) para não violar a vedação ao confisco.

4) O IGF faria as pessoas ricas mudarem de país?

Há risco de mudança de residência, mas o efeito depende de alíquotas, coordenação internacional e regra de vinculação temporária do ex-residente. Transparência cadastral e cooperação tributária reduzem esse incentivo.

5) Haveria estímulo à antecipação de heranças?

Possivelmente, se o IGF não dialogar com o ITCMD. A lei pode mitigar isso ao calibrar a franquia, reconhecer doações com finalidade econômica e evitar “janelas” que incentivem planejamentos artificiais.

6) O que empresas familiares devem fazer agora?

Independente do IGF, é prudente manter inventário patrimonial, acordos de sócios, protocolo familiar e avaliações periódicas de quotas, além de alinhar a estrutura societária às regras de residência e aos objetivos de longo prazo.

Base técnica e referências constitucionais

  • CF/1988, art. 153, VII — competência da União para instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas por lei complementar.
  • CF/1988, art. 145, §1ºcapacidade contributiva e progressividade como vetores na instituição e calibragem de impostos.
  • CF/1988, art. 150, II, III e IVisonomia, anterioridade anual/nonagesimal, vedação ao confisco.
  • CF/1988, arts. 156 e 155 — impostos municipais e estaduais (IPTU, IPVA, ITR, ITCMD), para coordenação federativa.
  • CF/1988, art. 146 — normas gerais em matéria tributária, papel da lei complementar.

Observação: Propostas legislativas sobre IGF tramitam periodicamente no Congresso, mas o conteúdo e a viabilidade variam. Quando houver texto final, será necessária análise específica da lei complementar e de sua regulamentação.

Conclusão

O Imposto sobre Grandes Fortunas é uma possibilidade constitucional que depende de lei complementar. O debate real não é “se” a Constituição permite — ela permite —, mas “como” desenhar um tributo que respeite capacidade contributiva e vedação ao confisco, minimize custo de conformidade e evite distorções. Alíquotas moderadas, base clara, dedução de dívidas, tratamento específico para ativos ilíquidos e integração cadastral são as chaves para um eventual IGF com segurança jurídica e efetividade. Enquanto a lei não vem, pessoas e empresas podem ganhar eficiência ao organizar o patrimônio, alinhar governança e reforçar a coerência entre renda e riqueza declaradas.

Comunicado: este conteúdo é informativo e não substitui um advogado ou consultor tributário. Em casos concretos, procure assessoria especializada.

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