Nulidade de Casamento: Entenda Quando o Casamento é Considerado Inválido pela Lei
Nulidade de casamento: em que casos ocorre
A nulidade de casamento é a forma pela qual o ordenamento jurídico brasileiro reconhece que determinado matrimônio nasceu com vício tão grave que ele não deveria sequer produzir efeitos. Diferentemente da anulação (que atinge casamentos válidos, mas com defeitos menos graves, normalmente por vício de vontade ou incapacidade relativa), a nulidade incide sobre situações em que o casamento afronta diretamente uma proibição legal ou foi celebrado sem pressuposto essencial. Em outras palavras: há casamentos que, perante a lei, não poderiam ter acontecido. E, quando acontecem, podem ser atacados a qualquer tempo ou por pessoas legitimadas, dependendo da hipótese.
O Código Civil, especialmente nos arts. 1.514 a 1.567, trata dos requisitos para casar, dos impedimentos dirimentes, das causas de nulidade e de anulação. É preciso distinguir:
- Casamento nulo → vício gravíssimo; em regra, pode ser alegado por qualquer interessado e, em alguns casos, até reconhecido de ofício;
- Casamento anulável → vício menos grave; depende de ação específica e tem prazo;
- Casamento putativo → casamento nulo ou anulável, mas que produz efeitos em favor do cônjuge de boa-fé e dos filhos.
Na prática, a nulidade costuma aparecer em contextos de impedimento absoluto (como parentesco em linha reta), de casamento já existente, de ausência total de consentimento ou de falta de autoridade competente. São hipóteses que tocam a própria ordem pública familiar – por isso o legislador foi mais duro.
Quadro informativo – Diferença prática
- Nulo: não deveria existir; regra geral, pode ser atacado sem prazo (ex.: casamento de ascendentes com descendentes).
- Anulável: existe até ser anulado; depende de ação e prazo (ex.: menor de 16 a 18 sem autorização).
- Putativo: mesmo que nulo ou anulável, produz efeitos em favor de quem casou de boa-fé e dos filhos.
Fundamentos legais da nulidade
As causas de nulidade estão, sobretudo, no art. 1.548 do Código Civil, que diz serem nulos os casamentos:
- I – contraídos por infringência de impedimento (arts. 1.521 e 1.522);
- II – contraídos por autoridade incompetente.
Os impedimentos matrimoniais, por sua vez, estão no art. 1.521 do CC e representam proibições absolutas. Se forem desrespeitados, o casamento é nulo. Entre eles:
- Ascendentes com descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
- Afins em linha reta (enteado com padrasto/madrasta);
- O adotante com o cônjuge do adotado e vice-versa;
- Os irmãos, unilaterais ou bilaterais;
- O adotado com o filho do adotante;
- As pessoas casadas;
- O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Note que esses impedimentos visam proteger a estrutura familiar, a afetividade saudável e impedir casamentos simulados para acobertar crime (como o último caso).
Quadro informativo – Impedimentos do art. 1.521 do CC (resumo)
- Ascendentes × descendentes;
- Afins em linha reta;
- Adotante × cônjuge do adotado e vice-versa;
- Irmãos;
- Adotado × filho do adotante;
- Pessoas casadas;
- Viúvo/viúva com o condenado por homicídio do cônjuge.
Descumprido o impedimento → casamento nulo.
Casamento de pessoa já casada
Uma das causas de nulidade mais conhecidas é o casamento de pessoa já casada. O Código Civil, ao listar “as pessoas casadas” como impedidas, deixa claro que o casamento só pode existir se o estado civil anterior tiver sido regularmente dissolvido (divórcio, morte, anulação anterior). Se alguém, ainda casado, contrai novo matrimônio, o segundo é nulo. É a chamada bigamia, que, além de invalidar o ato civil, pode configurar crime (art. 235 do Código Penal).
Casamento por autoridade incompetente
Outra hipótese de nulidade é o casamento celebrado por autoridade incompetente. Por exemplo, ato praticado por quem não detinha competência legal, por quem estava suspenso, ou por celebrante que não tinha delegação válida. O requisito de competência é elemento da forma solene do casamento – se falta, o ato é nulo (art. 1.548, II, CC). Em muitos casos, porém, o ordenamento busca preservar os efeitos em favor de cônjuges de boa-fé, aplicando a lógica do casamento putativo.
Erro na identificação da pessoa e vício de vontade grave
O Código Civil trata de vícios de vontade e de erro essencial (art. 1.556 e seguintes) muito mais como causa de anulação do que de nulidade. Contudo, se o casamento foi celebrado sem qualquer manifestação válida de um dos nubentes – por exemplo, totalmente incapaz sem representação, ou pessoa representada de forma ilícita – pode-se discutir a inexistência ou nulidade do ato, porque faltou consentimento real. Mas, em regra, vícios de vontade típicos (erro quanto à identidade, crime anterior oculto, desonra) geram anulabilidade, não nulidade.
Quem pode alegar a nulidade
O casamento nulo, por violar regra de ordem pública, pode ser declarado a requerimento de qualquer interessado e, em alguns casos, o Ministério Público também pode intervir. Quando a nulidade decorre de impedimento absoluto, costuma-se admitir maior amplitude na legitimidade. Isso é diferente da anulação, que tem prazos específicos e legitimidade mais restrita (cônjuges, representantes, etc.).
Em geral:
- Qualquer interessado pode propor ação de nulidade de casamento nulo por impedimento;
- O Ministério Público pode agir quando há interesse social relevante;
- O próprio cônjuge pode buscar o reconhecimento da nulidade para regularizar estado civil e efeitos patrimoniais.
“Gráfico” descritivo – Caminho da nulidade
Impedimento absoluto → casamento é celebrado → ajuizamento de ação de nulidade por interessado/MP → sentença declara nulo → aplica-se, se for o caso, casamento putativo para proteger filhos e cônjuge de boa-fé.
Casamento putativo: proteção à boa-fé
Mesmo quando o casamento é nulo, o Código Civil (art. 1.561) estabelece a figura do casamento putativo: se ao menos um dos cônjuges contraiu o casamento de boa-fé, os efeitos civis se produzem em favor dele e dos filhos. Isso é essencial para resguardar filhos e cônjuge que desconheciam o impedimento (ex.: a pessoa não sabia que o outro já era casado; ou não sabia de parentesco impediente). Assim, o casamento é nulo perante o mundo jurídico, mas não derruba a proteção mínima a quem agiu corretamente.
Os efeitos do casamento putativo duram até a data da sentença que declarou a nulidade. A partir daí, cessa o estado de casado, mas mantêm-se direitos como alimentos e partilha, se houver boa-fé e patrimônio construído.
Consequências da nulidade
Declarada a nulidade:
- O vínculo conjugal é considerado inexistente desde a origem;
- Os cônjuges retornam ao estado civil anterior (solteiro, viúvo, divorciado);
- Os filhos são sempre protegidos (filiação não é afetada – art. 1.561, §2º);
- Patrimônio constituído pode ser partilhado conforme o esforço comum e a boa-fé;
- É possível responsabilização civil se houver má-fé ou fraude.
Relação com o direito registral
Depois de transitada em julgado a sentença de nulidade, o registro de casamento no cartório deve ser averbado com a informação de que o casamento é nulo. Isso é importante para a segurança jurídica, pois evita que o cônjuge nulo contraia novos casamentos como se estivesse casado, ou que surjam dúvidas sobre sucessão e pensão. Em alguns estados, o próprio juiz comunica o registro; em outros, a parte deve levar o mandado ao cartório.
Guia rápido
- Base legal principal: Código Civil, arts. 1.548, 1.521, 1.561.
- Casos típicos de nulidade: casamento com pessoa já casada; casamento entre ascendentes e descendentes; casamento entre irmãos; casamento com afim em linha reta; casamento com condenado por homicídio do cônjuge da outra parte; casamento por autoridade incompetente.
- Quem pode alegar: em regra, qualquer interessado e o Ministério Público.
- Proteção: casamento putativo – protege filhos e cônjuge de boa-fé.
- Registro: sentença deve ser averbada no cartório de registro civil.
FAQ
1) Todo casamento ilegal é automaticamente nulo?
Nem todo. O Código Civil diferencia nulidade (vícios gravíssimos ligados a impedimentos absolutos ou autoridade incompetente) de anulabilidade (vícios menos graves, como erro, coação, incapacidade relativa). Por isso é essencial identificar se o caso está no art. 1.548 (nulidade) ou nos arts. 1.550 e seguintes (anulação).
2) Posso pedir nulidade de casamento de pessoa já falecida?
Sim, em certas hipóteses. Como a nulidade visa proteger ordem pública e terceiro prejudicado, é possível discutir a nulidade mesmo após a morte de um dos cônjuges, especialmente quando há reflexos sucessórios ou patrimoniais relevantes.
3) O casamento nulo produz algum efeito?
Sim, quando há boa-fé de ao menos um dos cônjuges, aplica-se o casamento putativo, que protege os filhos e o cônjuge de boa-fé até a data da sentença. Assim, evita-se prejuízo a quem acreditava estar casado de forma válida.
4) Qual a diferença entre impedimento e causa suspensiva?
Impedimento (art. 1.521) torna o casamento nulo se for desrespeitado. Já a causa suspensiva (art. 1.523) não torna o casamento nulo, mas pode impedir efeitos patrimoniais completos (como o regime da comunhão parcial) enquanto não for suprida. Impedimento é mais grave.
5) O Ministério Público pode entrar com ação de nulidade?
Pode, especialmente quando o casamento ofende claramente a ordem pública familiar (ex.: casamento entre ascendentes e descendentes) ou quando há interesses de incapazes. O MP atua como fiscal da lei.
Considerações finais
A nulidade de casamento é mecanismo de defesa da própria estrutura do direito de família. Não se trata de punir o afeto, mas de impedir que uniões proibidas por lei – por parentesco, por casamento anterior, por crime, por falta de autoridade – permaneçam produzindo efeitos como se fossem válidas. Ao mesmo tempo, o Código Civil demonstra sensibilidade ao proteger filhos e cônjuge de boa-fé pelo casamento putativo. Por isso, diante de qualquer suspeita de impedimento, de casamento duplo ou de autoridade irregular, o melhor caminho é consultar o cartório ou um advogado para avaliar se o caso é de nulidade ou de anulação.
Estas informações têm caráter geral e não substituem a orientação de um profissional habilitado (advogado, defensor público, tabelião/registrador) que poderá analisar documentos, certidões e peculiaridades do caso concreto.
