Prescrição e Usucapião de Bens Públicos: Entenda as Regras e Proteções Legais
Imprescritibilidade e impossibilidade de usucapião de bens públicos
O regime jurídico dos bens públicos no direito brasileiro é marcado por três características clássicas: inalienabilidade relativa (enquanto afetados), impenhorabilidade e imprescritibilidade. Essas notas não são meramente doutrinárias: estão previstas na Constituição Federal, no Código Civil e em vasta jurisprudência do STF e do STJ. Em síntese, os bens públicos não se perdem pelo decurso do tempo e não podem ser adquiridos por usucapião, ainda que alguém os ocupe por décadas.
Essa proteção existe porque o patrimônio público é coletivo, pertence a toda a sociedade e está voltado ao atendimento de interesses públicos atuais ou potenciais. Permitir que um particular adquirisse bem público por usucapião (art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único, da CF) significaria esvaziar a função social do patrimônio estatal e abrir brecha para a apropriação privada de praças, vias, áreas institucionais, imóveis da União e até terrenos de marinha.
A regra no Brasil é clara: bens públicos são imprescritíveis e não são usucapíveis, estejam eles de uso comum, de uso especial ou dominicais.
1) Base constitucional da imprescritibilidade
A Constituição Federal, ao tratar da usucapião urbana (art. 183, §3º) e da usucapião rural (art. 191, parágrafo único), é expressa: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” Ou seja, a própria Carta Magna afasta a incidência de todas as modalidades de usucapião (ordinária, extraordinária, especial, coletiva, familiar) sobre bens públicos. A jurisprudência do STF consolidou esse entendimento ao editar a Súmula 340: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, são insuscetíveis de usucapião.”
Isso significa que nem mesmo os bens dominicais – que são os bens públicos “disponíveis”, ou seja, não afetados – podem ser usucapidos. A proteção é global, alcança toda a Administração direta e indireta e não depende de o bem estar sendo efetivamente usado pelo Estado.
2) Bens públicos e prescrição aquisitiva (usucapião)
A prescrição aquisitiva, no direito privado, é uma forma de aquisição de propriedade ou de outros direitos reais pela posse prolongada com requisitos legais (tempo, animus domini, boa-fé, justo título, conforme o caso). Contudo, quando o bem é público, a posse nunca se transforma em propriedade. A ocupação pode até gerar outras consequências (remoção, demolição, regularização fundiária, concessão de direito real de uso), mas nunca usucapião.
O fundamento é duplo:
- Natureza do bem – pertence à coletividade;
- Princípio da indisponibilidade do interesse público – o Estado não pode “perder” o bem por omissão.
3) Prescrição extintiva e bens públicos
É preciso diferenciar prescrição aquisitiva (usucapião) de prescrição extintiva (perda da pretensão). A imprescritibilidade dos bens públicos significa que o direito de propriedade do Estado não se extingue pelo tempo. Entretanto, o Estado pode sofrer prescrição em ações que esteja propondo (por exemplo, ação de cobrança), porque aí estamos falando de prescrição de direitos pessoais, não de perda de propriedade. O que não prescreve é o direito real do Estado sobre o bem.
Assim, se alguém ocupa área pública, o Estado pode desocupar a qualquer tempo, inclusive após décadas, porque o direito de reaver bem público é considerado imprescritível.
• Constituição Federal, art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único;
• STF, Súmula 340 – bens dominicais também são insuscetíveis;
• Princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público;
• Proteção do patrimônio coletivo e da função social estatal;
• Evita “grilagem” de áreas públicas e ocupações oportunistas.
4) Ocupações irregulares e regularização fundiária
A impossibilidade de usucapião não significa que o Estado esteja proibido de regularizar ocupações. Ao contrário: em muitas situações sociais, especialmente em áreas urbanas de baixa renda, o poder público pode optar por regularização fundiária de interesse social (Reurb-S), concessão de direito real de uso (CDRU) ou doação condicionada. São instrumentos de política urbana e habitacional, não de usucapião. A diferença é que a transferência é ato de vontade do Estado, pautado pelo interesse público, e não aquisição automática pelo decurso do tempo.
5) Bens públicos x bens das empresas estatais
Uma dúvida recorrente é se bens de empresas estatais (sociedades de economia mista, empresas públicas) podem ser usucapidos. A regra é: quando a estatal atua em regime de direito privado e em concorrência (atividade econômica), muitos de seus bens não recebem o mesmo grau de proteção dos bens da Administração direta. A jurisprudência admite, por exemplo, penhora de bens de empresa pública que explore atividade econômica. Mas isso não significa automaticamente que sejam usucapíveis; é preciso verificar se houve afetação a serviço público e se há norma especial de proteção.
6) Gráfico ilustrativo – proteção de bens públicos
Todos são protegidos contra usucapião e prescrição aquisitiva, mas bens de uso comum têm tutela ainda mais rígida.
7) Responsabilidade do gestor
Se o agente público, sabendo que o bem é público e imprescritível, deixar de adotar providências para proteger o patrimônio, permitindo que ocupantes o explorem de forma privada, pode responder por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, com as alterações da Lei nº 14.230/2021), especialmente por causar dano ao erário ou por violação a princípio da Administração. Tribunais de Contas também determinam a reintegração de posse e a abertura de procedimento administrativo.
Conclusão
O sistema brasileiro é coerente: se o bem é público, não prescreve e não pode ser usucapido. A proteção vale para todas as modalidades de usucapião e para todos os tipos de bens públicos. Ocupações longas podem, no máximo, ensejar soluções de política pública, mas não aquisição automática do imóvel. Para o gestor, a lição é clara: deve manter o cadastro atualizado, adotar medidas de vigilância e, diante de invasões, agir cedo, evitando que o caso vire contencioso mais caro e complexo.
Guia rápido
- Regra geral: bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.
- Fundamento: Constituição Federal, art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único.
- Alcance: vale para bens de uso comum do povo, de uso especial e também para bens dominicais.
- Imprescritibilidade: o Estado não perde o domínio de seu bem pelo decurso do tempo.
- Súmula 340 do STF: confirma que até bens dominicais são insuscetíveis de usucapião.
- Ocupação longa: não gera direito de propriedade; pode gerar, no máximo, solução de regularização fundiária.
- Posse em área pública: é sempre precária e pode ser desfeita a qualquer momento.
- Prescrição extintiva: o Estado pode sofrer prescrição em cobranças, mas não perde o bem.
- Controle: MP e Tribunais de Contas fiscalizam omissões que permitam ocupações irregulares.
- Exceções reais: praticamente inexistem; o que há são políticas de regularização por opção do poder público.
FAQ NORMAL
Posso usucapir um terreno da prefeitura que ocupo há muitos anos?
Não. Imóvel público é insuscetível de usucapião, ainda que ocupado por longo período e de boa-fé.
Essa proibição vale para todas as modalidades de usucapião?
Sim. A vedação constitucional atinge usucapião urbana, rural, especial, coletiva e até a usucapião familiar.
E se o imóvel público estiver abandonado?
Mesmo assim não há usucapião. O abandono não transforma bem público em bem privado. O Estado pode, contudo, regularizar o ocupante por meio de ato administrativo.
O que é imprescritibilidade de bem público?
É a característica pela qual o bem não se perde pelo tempo. O poder público pode reivindicá-lo a qualquer momento.
Qual a base legal para essa regra?
Constituição Federal, art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único; Código Civil, art. 102; Súmula 340 do STF.
Há diferença entre bem público de uso comum e bem dominical?
Sim quanto à destinação, mas não quanto à usucapião: ambos não podem ser usucapidos.
O Estado pode retomar o bem mesmo depois de 30 anos?
Pode. O direito de reaver bem público é imprescritível e pode ser exercido a qualquer tempo.
Ocupações irregulares podem ser regularizadas?
Podem, mas por opção do poder público (Reurb, CDRU, doação com encargo), não por usucapião.
Por que o particular não pode adquirir bem público por usucapião?
Porque o patrimônio público pertence à coletividade e está submetido ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Quem fiscaliza esses casos?
Ministério Público, Procuradorias dos entes e Tribunais de Contas, que podem exigir a reintegração de posse.
Base técnica (fundamentação)
Constituição Federal: art. 183, §3º (“Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”) e art. 191, parágrafo único (repete a vedação).
Código Civil: arts. 98 a 103 (regime dos bens públicos) e art. 102 (imprescritibilidade).
Súmula 340 STF: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, são insuscetíveis de usucapião.”
STJ: decisões que reiteram a impossibilidade de usucapião sobre áreas de marinha, terrenos da União, áreas institucionais e áreas destinadas a equipamentos públicos.
Leis de regularização fundiária (Lei nº 13.465/2017): criam mecanismos de legitimação da posse em áreas públicas, mas por ato estatal, não por usucapião.
Considerações finais
A proteção dos bens públicos contra prescrição e usucapião é peça central da tutela do patrimônio estatal. Ela impede que o tempo e a inércia transformem ocupações irregulares em direito de propriedade. A solução para conflitos fundiários envolvendo áreas públicas não é a usucapião, mas a política pública adequada, transparente e fundamentada.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a análise individualizada de um profissional habilitado ou da procuradoria do ente público.
