Direito Real de Habitação: Entenda a Proteção da Moradia em Imóveis Herdados
Conceito: o que é o direito real de habitação
O direito real de habitação é uma garantia legal conferida ao cônjuge ou companheiro sobrevivente para permanecer morando no imóvel que servia de residência da família após o falecimento do outro, independentemente do regime de bens e sem necessidade de pagar aluguel aos herdeiros. Trata-se de um direito real (erga omnes), de caráter personalíssimo, vitalício e intransmissível, que não se confunde com propriedade nem com usufruto. A previsão central encontra-se no art. 1.831 do Código Civil, com extensão ao companheiro reconhecida pela legislação da união estável e pela jurisprudência consolidada.
Essência prática: o sobrevivente fica no imóvel familiar, sem pagar aluguel aos herdeiros, desde que seja o único imóvel residencial a inventariar e que o titular mantenha a destinação de moradia.
Fundamentos legais e alcance
Código Civil e união estável
O art. 1.831 do CC assegura o direito ao cônjuge sobrevivente. No âmbito da união estável, a Lei n.º 9.278/1996 já previa proteção similar e, posteriormente, a jurisprudência passou a equiparar a proteção do companheiro à do cônjuge para fins de habitação. Após decisões paradigmáticas, firmou-se a compreensão de que o companheiro sobrevivente também goza do direito real de habitação no imóvel que servia de lar do casal, observado o requisito do imóvel único de natureza residencial no acervo.
Natureza e efeitos perante terceiros
Por ser direito real, a habitação é oponível contra terceiros e pode (e deve) ser averbada na matrícula do imóvel no registro de imóveis, conferindo maior segurança contra alienações ou constrições que contrariem o seu exercício. A averbação não cria o direito (que decorre da lei), mas facilita a sua prova e oponibilidade.
Requisitos para a aplicação em imóveis herdados
- Residência da família: o imóvel deve ter sido o lar conjugal/familiar na data do óbito. Casas de veraneio ou imóveis de investimento, em regra, não se qualificam.
- Imóvel único de natureza residencial no acervo hereditário: em inventários com mais de um imóvel residencial disponível, a regra legal não assegura automaticamente a habitação. Há decisões que, excepcionalmente, reconhecem quando apenas um deles é efetivamente o lar da família e os demais possuem outra destinação, mas o caminho contencioso tende a ser mais difícil.
- Qualidade de cônjuge ou companheiro sobrevivente: exige-se prova do casamento ou da união estável. No caso de união estável, recomenda-se reconhecimento judicial (ou escritura declaratória) para facilitar o registro.
- Continuidade da finalidade de moradia: o direito subsiste enquanto o sobrevivente residir no imóvel como moradia principal. Se ele abandona a residência definitivamente ou aluga a terceiros (descaracterizando o uso próprio), os herdeiros podem discutir a extinção do direito ou a obrigação de repassar frutos.
Compatibilidade com meação e herança: o sobrevivente pode ser meeiro e/ou herdeiro e, ainda assim, exercer a habitação sobre a integralidade do imóvel, sem pagamento de aluguel. O direito de habitação não impede a partilha, mas grava a unidade residencial com o uso vitalício do sobrevivente.
Convivência com copropriedade, usufruto e condomínio
É comum que o imóvel esteja em condomínio entre o sobrevivente (meeiro/herdeiro) e os demais herdeiros. A habitação pode incidir mesmo em copropriedade, assegurando o uso exclusivo residencial ao titular da habitação, sem aluguel. Em regra, usufruto e habitação não se acumulam para fins de fruição por terceiros; porém, se já havia usufruto anterior em favor do sobrevivente, a articulação entre os direitos exigirá leitura do título constitutivo. Em alienações judiciais ou extrajudiciais, o gravame de habitação acompanha o imóvel, respeitando-se sua oponibilidade.
Despesas, impostos e conservação
- Despesas ordinárias (água, luz, condomínio ordinário, IPTU anual, seguros básicos): tendem a ser do habitante, por vincular-se ao uso do bem.
- Despesas extraordinárias (obras estruturais, fundo de obras, contribuições vultosas para valorização): em regra, cabem aos proprietários/herdeiros, pois agregam valor ao patrimônio.
- Benfeitorias: úteis e necessárias realizadas pelo habitante podem ser indenizáveis, a depender da prova, vedado o enriquecimento sem causa.
Boa-fé e uso adequado: o mau uso (ex.: transformar o imóvel em pensão, locar integralmente a terceiros, impedir acessos indispensáveis de manutenção) pode ensejar intervenção judicial para ajustar ou extinguir a habitação.
Limites práticos e situações recorrentes
Venda do imóvel pelos herdeiros
Os herdeiros podem deliberar pela venda do bem na partilha, mas a alienação não elimina o direito de habitação já constituído. O adquirente tomará o imóvel gravado até o termo da habitação; por isso, a averbação registral é recomendável e muitas vezes exigida por compradores e financiadores.
Nova família do sobrevivente
O simples fato de o sobrevivente iniciar novo relacionamento não faz cessar automaticamente a habitação. O ponto-chave é a manutenção do imóvel como residência. Se, contudo, o sobrevivente se muda de forma definitiva para outro lar, pode caracterizar perda superveniente da finalidade de moradia e justificar a extinção do direito.
Imóvel em área rural ou com finalidade mista
Quando o imóvel combina moradia e atividade econômica (ex.: casa-sede de sítio), a avaliação é casuística. A proteção alcança a porção residencial, sem assegurar exploração econômica exclusiva, salvo acordo entre os herdeiros ou decisão judicial que module o uso.
Procedimentos no inventário (judicial e extrajudicial)
No inventário judicial, o direito pode ser reconhecido no curso do processo e constar do formal de partilha. No inventário extrajudicial, é possível instituí-lo por escritura pública, com a anuência dos herdeiros e a qualificação do sobrevivente, desde que não haja litígio. Em ambos os casos, recomenda-se a averbação na matrícula após a conclusão, garantindo a publicidade.
Checklist rápido para o cartório/juízo:
• Documentos do casamento ou prova da união estável;
• Certidão de óbito e qualificação do espólio;
• Comprovação de que era a residência da família (contas, correspondências, declarações);
• Declaração quanto à unicidade do imóvel residencial no acervo;
• Cláusula expressa de instituição da habitação na partilha/escritura para averbação.
Conflitos frequentes e soluções
- Pedido de aluguel pelos herdeiros: improcede quando o sobrevivente exerce a habitação para sua moradia. Pode ser discutido se houver locação a terceiros pelo habitante.
- Indivisibilidade do bem: ainda que haja interesse de venda para partilha, a habitação prevalece enquanto estiver vigente. As quotas-partes podem ser partilhadas, mas o uso permanece com o sobrevivente.
- Penhora por dívidas do espólio ou dos herdeiros: o gravame de habitação dificulta a utilidade da penhora enquanto perdurar o uso. Para dívidas do próprio habitante, a proteção é maior por seu caráter personalíssimo e voltado à moradia, mas cada caso exigirá análise da natureza da dívida e da legislação local.
Exemplos práticos de aplicação
- Imóvel único e lar do casal: óbito do cônjuge A. O cônjuge B permanece no apartamento com base no art. 1.831, sem pagar aluguel aos filhos herdeiros. IPTU e condomínio ordinário são arcados por B; obras estruturais, pelos proprietários conforme deliberação.
- Dois imóveis residenciais: se o acervo possui dois apartamentos residenciais, a concessão automática é controvertida. O sobrevivente pode buscar demonstrar que apenas um era a residência da família, mas a solução dependerá de prova e, muitas vezes, de acordo.
- Companheiro sobrevivente: união estável reconhecida. O companheiro tem assegurada a habitação no imóvel-lar, ainda que não figure como proprietário no registro anterior, desde que o bem seja o único residencial do acervo.
Conclusão
O direito real de habitação é instrumento central de proteção da moradia familiar no contexto sucessório brasileiro. Para a aplicação segura em imóveis herdados, é indispensável verificar a condição de residência, a unicidade do imóvel residencial no espólio e a manutenção do uso habitacional pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente. Reconhecido o direito, ele é oponível a herdeiros e terceiros, não gera aluguel e subsiste enquanto o titular residir no local. O planejamento registral (averbação), a distribuição adequada das despesas e a observância da boa-fé são medidas que reduzem litígios e preservam a função social do instituto.
Mensagem-chave: Em inventários com imóvel único de moradia, o cônjuge ou companheiro sobrevivente tem direito legal de permanecer na casa, sem aluguel, com o direito oponível a terceiros e apto à averbação no registro, até que deixe de utilizá-la como residência.
Guia rápido
- O direito real de habitação garante ao cônjuge ou companheiro sobrevivente o uso do imóvel que servia de residência da família.
- Aplica-se a imóveis únicos de natureza residencial, conforme o art. 1.831 do Código Civil.
- É um direito vitalício e personalíssimo, que não pode ser transferido nem cedido.
- Deve ser averbado na matrícula do imóvel para segurança jurídica e publicidade.
- O direito é oponível a herdeiros e terceiros, impedindo cobrança de aluguéis enquanto houver uso habitacional.
FAQ
O direito real de habitação depende de decisão judicial?
Não necessariamente. O direito decorre da lei, mas o reconhecimento formal pode ser feito no inventário, tanto judicial quanto extrajudicial. A averbação no registro do imóvel é recomendada para garantir sua oponibilidade a terceiros.
O sobrevivente pode perder o direito de habitação?
Sim, se deixar de usar o imóvel como residência habitual, alugá-lo a terceiros ou abandoná-lo definitivamente. Nessas situações, o direito pode ser extinto por perda da função habitacional.
O direito de habitação impede a venda do imóvel herdado?
Não impede a venda ou partilha, mas o imóvel continuará gravado com a habitação até a morte do titular. O comprador adquire o bem com o ônus de respeitar o direito vigente.
O cônjuge e o companheiro têm os mesmos direitos?
Sim. Após a jurisprudência do STF e STJ, o companheiro passou a ter o mesmo direito à habitação previsto no art. 1.831 do Código Civil, desde que comprovada a união estável e o imóvel seja o único de natureza residencial no acervo.
Referências jurídicas
- Código Civil – Art. 1.831 (direito real de habitação).
- Lei nº 9.278/1996 – União estável e moradia familiar.
- STJ, REsp 1.382.170/SP – Reconhecimento do direito de habitação ao companheiro.
- STF, RE 878.694/MG – Equiparação entre cônjuge e companheiro para efeitos sucessórios.
Considerações finais
O direito real de habitação representa uma das formas mais eficazes de proteção da moradia familiar após o falecimento de um dos cônjuges. Sua correta aplicação evita disputas e garante segurança jurídica ao sobrevivente. Para análise específica, procure sempre um advogado especializado em direito sucessório, que poderá orientar quanto à averbação e à extensão do direito em cada caso concreto.
Essas informações têm caráter educativo e não substituem a consulta a um profissional jurídico habilitado.
