Trabalhador rural: conheça seus direitos, deveres e as garantias da legislação especial
Direitos dos trabalhadores rurais: CLT e legislação especial
O trabalhador rural empregado possui um regime jurídico próprio que complementa a CLT. O núcleo desse regime está na Lei nº 5.889/1973 (Emprego Rural) e no seu regulamento (Decreto nº 73.626/1974), além da Constituição Federal (art. 7º) e das normas de Saúde e Segurança do Trabalho Rural (principalmente a NR-31). Em termos práticos, o rural tem acesso aos mesmos direitos fundamentais dos trabalhadores urbanos (salário mínimo, 13º, férias, FGTS, proteção contra discriminação e assédio, adicional noturno, horas extras, repouso semanal etc.), mas com regras específicas para jornada, trabalho noturno, moradia/alimentação fornecidas na fazenda, contratos de safra e organização de segurança no campo.
Quem é empregado rural e quem é empregador rural
- Empregado rural: pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob dependência e mediante salário (Lei 5.889/73, art. 2º). Enquadram-se cortadores/colhedores, tratoristas, vaqueiros, irrigadores, trabalhadores de viveiros, entre outros.
- Empregador rural: pessoa física ou jurídica que explore atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou pastoril, direta ou indiretamente (art. 3º).
- Não confundir com o segurado especial previdenciário (agricultor familiar que trabalha em regime de economia familiar sem empregados permanentes), que tem regime distinto.
Essencial: o contrato rural segue a CLT, mas a Lei 5.889/73 traz regras próprias para jornada noturna, contrato de safra, moradia/alimentação e instrumentos de prevenção de acidentes no campo (NR-31, CIPATR).
Jornada, descanso e pausas
- Jornada base: aplica-se a regra geral da CLT (até 8h diárias e 44h semanais), com possibilidade de 2h extras por dia, banco de horas e compensação mediante ACT/CCT.
- Intervalo intrajornada: mínimo de 1 hora quando a jornada exceder 6h; até 6h, intervalo de 15 minutos.
- Repouso semanal: 24 horas consecutivas preferencialmente aos domingos, somado ao descanso diário quando aplicável (prática usual: 35h contínuas nas escalas).
- Tempo de deslocamento: como regra geral após a reforma de 2017, o percurso casa-trabalho não integra a jornada, salvo ajuste coletivo mais favorável ou situações específicas comprovadas.
Trabalho noturno rural
- Agricultura: considera-se noturno o labor entre 21h e 5h.
- Pecuária: período noturno entre 20h e 4h.
- Adicional noturno: a remuneração do trabalho noturno rural deve ser superior à do diurno; negociações coletivas normalmente fixam o percentual mínimo devido e demais critérios (horas reduzidas, bases de cálculo).
Quadro prático — organização da escala na colheita
- Planeje frentes de trabalho por talhão e horário (evitar exposição solar extrema).
- Garanta áreas de sombra, água potável, sanitários e local de refeições (NR-31).
- Registre ponto (eletrônico ou ficha manual) e formalize banco de horas por ACT/CCT quando houver sazonalidade intensa.
Contrato de safra, prazo e sazonalidade
- Contrato de safra: modalidade por tempo determinado vinculada à variação estacional da produção ou atividades de beneficiamento (Lei 5.889/73). Deve indicar a época aproximada e as tarefas sazonais.
- Direitos preservados: salário, FGTS, 13º proporcional, férias proporcionais + 1/3 e demais garantias legais. Encerrada a safra, o contrato termina sem multa de 40% por iniciativa do empregador, pois há termo certo – salvo descumprimento.
- Recontratação: é comum a cada safra; recomenda-se examinar continuidade de vínculos e alternância de funções para evitar fraudes.
Remuneração, salário-utilidade e habitação
- Pagamento: salário mínimo ou piso da categoria, com adicional de horas extras e noturnas quando devidas; admitida remuneração por tarefa/produção com garantia de piso mínimo.
- Salário-utilidade: a lei especial admite a fornecimento de moradia e alimentação em locais rurais como utilidades; em regra, não podem reduzir o salário mínimo nem comprometer a subsistência. Percentuais, condições e quando não integram o salário devem constar em contrato e, preferencialmente, em ACT/CCT.
- Alojamento: quando o trabalhador permanece na fazenda, a NR-31 exige condições sanitárias, camas/armários, água tratada, controle de pragas e refeitórios adequados.
Saúde, segurança e prevenção de acidentes (NR-31)
- NR-31: estabelece obrigações para o empregador rural sobre água potável, instalações sanitárias, abrigos contra intempéries, transporte seguro, EPIs e gestão de riscos (agrotóxicos, máquinas, trabalho em altura, eletricidade, animais peçonhentos).
- Capacitação: treinamentos sobre uso de agrotóxicos, operação de tratores/colhedoras, manutenção e guarda segura de ferramentas e embalagens.
- CIPATR: Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho Rural para estabelecimentos acima de certos portes; atua em mapeamento de riscos e campanhas sazonais (calor, queimadas, pragas).
- Transporte: veículos com bancos fixos, proteção lateral, sem exceder capacidade; proíbe-se transporte de pessoas com cargas perigosas, salvo condições específicas.
Proteção a grupos específicos e condutas vedadas
- Trabalho infantil: é proibido trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 (atividades rurais devem ser compatíveis com a proteção integral).
- Gestante e lactante: estabilidade desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto; adequação de tarefas quando houver risco químico/biológico.
- Assédio moral e sexual: políticas claras, canais de denúncia e proteção contra represália; treinamentos periódicos para liderança e capatazes.
Previdência, acidentes e afastamentos
- Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT): obrigatória em caso de acidente típico, de trajeto (quando caracterizado) ou doença ocupacional; falha na emissão sujeita a multa.
- Estabilidade acidentária: empregado que retorna de benefício por acidente/doença do trabalho tem garantia de emprego por 12 meses (Lei 8.213/1991, art. 118).
- PPP e LTCAT: documentos previdenciários essenciais para comprovação de exposição a agentes nocivos e aposentadoria especial quando cabível.
Checklist de conformidade no campo
- Contrato (inclusive de safra) por escrito, com função, salário, jornada e moradia/alimentação quando houver.
- Ponto e escalas com intervalos registrados; pagamento de extras e adicional noturno rural.
- Implementação da NR-31: água, sanitários, refeitório, EPIs, CA válido, treinamentos e CIPATR.
- Gestão de agrotóxicos: receituário agronômico, armazenamento, EPI adequado, tríplice lavagem e destinação de embalagens.
- Previdência: emissão de CAT, manutenção de PPP/LTCAT e acompanhamento médico ocupacional.
Tópicos (+)
- Transporte fornecido: veículos adequados e condutores habilitados; evitar transporte em carrocerias.
- Dormitórios de colheita: ventilação, mosquiteiros, limpeza e distanciamento de depósitos de defensivos.
- Equiparação salarial: possível entre trabalhadores de mesma fazenda e função, observados critérios legais.
- Aprendizado e qualificação: programas de formação elevam produtividade e reduzem acidentes.
Erros que geram passivo
- Tratar contratos de safra como permanentes sem registro.
- Descontar moradia/alimentação sem critérios e sem acordo coletivo.
- Ignorar adicional noturno específico do rural (janelas diferentes da urbana).
- Descumprir a NR-31 (água, sanitários, EPIs, transporte), principal fonte de autuações.
Conclusão
O mosaico formado pela CLT, Lei 5.889/1973, regulamentos e a NR-31 cria um sistema sólido para proteger quem trabalha no campo. A boa gestão do empregador passa por contratos claros (inclusive de safra), controle de jornada, pagamento correto de adicionais, infraestrutura mínima e prevenção de riscos. Para o trabalhador, conhecer os direitos — especialmente sobre trabalho noturno rural, moradia e saúde e segurança — é a melhor forma de exigir condições dignas, reduzir acidentes e construir relações laborais sustentáveis em toda a cadeia do agronegócio.
Guia rápido
- Lei principal: Lei nº 5.889/1973 – regula o trabalho rural no Brasil.
- Regulamento: Decreto nº 73.626/1974 – detalha obrigações do empregador e direitos do empregado.
- Norma de segurança: NR-31 – define medidas de saúde, higiene e segurança no trabalho rural.
- Direitos básicos: registro em carteira, FGTS, 13º, férias, adicional noturno e descanso semanal.
- Trabalho noturno: na agricultura (21h–5h) e na pecuária (20h–4h), com adicional mínimo de 25%.
- Contrato de safra: permitido com duração limitada à colheita e todos os direitos proporcionais.
FAQ
O trabalhador rural tem direito a FGTS e 13º salário?
Sim. Os trabalhadores rurais registrados têm direito a FGTS, 13º salário e férias, exatamente como os trabalhadores urbanos. O depósito do FGTS é mensal e obrigatório.
O contrato de safra precisa ser formalizado?
Sim. O contrato deve ser escrito, com prazo determinado e indicação do período de colheita. Mesmo assim, o trabalhador tem direito a férias e 13º proporcionais.
O empregador pode oferecer moradia e descontar do salário?
Somente se previsto em contrato e de forma moderada. A moradia deve respeitar os padrões da NR-31, com segurança, saneamento e condições adequadas de higiene.
Quem fiscaliza as condições de trabalho no campo?
A fiscalização é realizada pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, que podem aplicar multas e interdições em caso de irregularidades.
Base normativa e fundamentos legais
- Lei nº 5.889/1973 – Dispõe sobre o trabalho rural.
- Decreto nº 73.626/1974 – Regulamenta a Lei 5.889/73.
- NR-31 – Norma Regulamentadora sobre Segurança e Saúde no Trabalho Rural.
- Constituição Federal, art. 7º – Direitos fundamentais aplicáveis a todos os trabalhadores.
- CLT (art. 224 e seguintes) – Aplicável de forma subsidiária ao setor rural.
Considerações finais
O conjunto de normas que regula o trabalho rural busca garantir dignidade, segurança e equilíbrio nas relações de emprego no campo. Cumprir essas regras significa proteger o trabalhador e fortalecer o agronegócio de forma ética e sustentável. Tanto o empregador quanto o empregado devem conhecer seus direitos e deveres para construir relações mais justas e seguras.
Estas informações têm caráter educativo e não substituem a orientação de um advogado ou profissional especializado em direito trabalhista rural.
