Eleições e Fake News: Os Limites Legais da Propaganda Online e o Combate à Desinformação nas Campanhas Digitais
Panorama: propaganda eleitoral na internet e desinformação
A internet tornou-se eixo central de propaganda eleitoral e também de desinformação. No Brasil, as regras combinam a Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), o Código Eleitoral, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a LGPD (Lei 13.709/2018) e as Resoluções do TSE — em especial a Res.-TSE nº 23.610/2019 (e suas atualizações), que disciplina a propaganda, o impulsionamento na internet e as condutas vedadas. Há ainda tipos penais como a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral, com redação da Lei 13.834/2019) e normas de promoção de integridade informacional e combate à violência política (ex.: Lei 14.192/2021).
- Propaganda eleitoral na internet: manifestações que pedem voto, difundem candidaturas, propostas e comparações, obedecendo às datas legais e às regras de identificação.
- Impulsionamento: patrocínio de conteúdo permitido somente para partidos, coligações/federações e candidatos, com identificação do pagador e dados de CNPJ/CPF, conforme Res.-TSE 23.610.
- Desinformação (fake news): conteúdos falsos ou gravemente enganosos que buscam manipular o eleitor; podem gerar direito de resposta, remoção, sanções eleitorais e penais quando configurada ilicitude.
- Conteúdo sintético manipulado (deepfake): manipulação audiovisual que pode caracterizar fraude, abuso de poder e propaganda irregular, sujeita a remoção e responsabilização.
O que é permitido e o que é proibido
Práticas permitidas (com requisitos)
- Sites, blogs e perfis do candidato/partido com atualização regular e identificação clara do responsável.
- Impulsionamento (anúncios) apenas por partido/federação/coligação e candidato, com transparência do pagador, segmentação não discriminatória e rastros de contratação (faturas, contratos).
- Arrecadação prévia por financiamento coletivo, observadas as regras da Justiça Eleitoral e prestação de contas.
- Debates e lives dentro das balizas de isonomia e identificação de conteúdo patrocinado quando houver.
Práticas vedadas ou arriscadas
- Disparo em massa por robôs/serviços irregulares, compra de bases de dados e uso de cadastros de terceiros sem base legal: vedado.
- Impulsionamento por pessoa jurídica não autorizada (empresas privadas, ONGs, órgãos públicos) ou por agentes públicos usando recursos institucionais: vedado.
- Propaganda negativa com fatos sabidamente inverídicos, ofensa à honra, discurso de ódio, manipulações (deepfakes): sujeita a remoção, direito de resposta e sanções.
- Publicidade institucional em período vedado, uso da máquina pública, e condutas vedadas a agentes: podem levar a multas e cassação.
- Telemarketing eleitoral e práticas enganosas (contas falsas, astroturfing, perfis automatizados não identificados): irregular.
- Mostrar “Propaganda Eleitoral” e nome/CNPJ/CPF do contratante.
- Guardar comprovantes (RPA/nota, contratos, relatórios das plataformas) para prestação de contas.
- Evitar segmentações sensíveis (raça, religião, saúde etc.) sem base legal; não direcionar grupo vulnerável de forma discriminatória.
Responsabilidade das plataformas e dos usuários
O Marco Civil da Internet (art. 19) prevê regime de responsabilidade por ordem judicial para remoção de conteúdo. Em matéria eleitoral, o TSE pode determinar remoções céleres, desmonetização e desindexação quando houver violação às regras. Plataformas devem manter canais de denúncia, rastreabilidade de anúncios e cooperação com a Justiça Eleitoral; usuários e campanhas respondem por conteúdo ilícito e abuso (inclusive uso indevido de meios de comunicação social e poder econômico).
Proteção de dados e segmentação
- A LGPD exige base legal, finalidade e minimização no uso de dados; listas de contato devem ter consentimento ou base legítima aplicável.
- Compartilhamento de dados com terceiros requer transparência e segurança; vazamentos podem gerar sanções e impactos eleitorais (abuso de poder).
- Scraping e enriquecimento de perfis sem base legal configuram tratamento irregular.
Sancionamento: quando a desinformação vira ilícito
- Direito de resposta e retirada/retificação de conteúdo falso: cabível quando comprovada falsidade ou ofensa.
- Denunciação caluniosa eleitoral (art. 326-A, CE): acusar falsamente alguém de crime para afetar a eleição → crime.
- Calúnia, difamação e injúria eleitorais: crimes previstos no Código Eleitoral quando praticados em propaganda.
- Abuso de poder econômico/comunicação: pode levar a cassação e inelegibilidade em ações como Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).
- Coletar provas (URLs, prints com data/hora, relatórios de anúncio, ID de post).
- Notificar a plataforma pelos canais de denúncia e guardar o protocolo.
- Requerer tutela à Justiça Eleitoral: remoção, direito de resposta, multa e medidas de urgência.
- Avaliar tipificação penal e medidas cíveis (honra, danos) e eleitorais (AIJE/AIME).
Métricas e riscos operacionais (ilustrativo)
Campanhas devem monitorar riscos informacionais e conformidade. O painel a seguir é exemplificativo, para orientar gestão de incidentes e priorização:
- Manual interno de propaganda e dados pessoais com fluxos de aprovação.
- Registro de impulsionamentos (ID de anúncio, público, verba, fatura).
- Time de resposta rápida para desinformação (jurídico + comunicação).
- Política de conteúdos que veda deepfakes, discurso de ódio e ataques coordenados.
- Treinamento de influenciadores/voluntários sobre limites legais.
Base normativa essencial (referencial técnico)
- Lei 9.504/1997 — regras de propaganda, condutas vedadas, arrecadação e gastos.
- Código Eleitoral — crimes e ilícitos em propaganda (calúnia, difamação, injúria; art. 326-A, denunciação caluniosa eleitoral).
- Res.-TSE nº 23.610/2019 (e atualizações) — disciplina da propaganda eleitoral, internet, impulsionamento, remoções e direito de resposta.
- Lei 12.965/2014 (Marco Civil) — responsabilidade de provedores, ordem judicial, logs e cooperação.
- Lei 13.709/2018 (LGPD) — princípios, bases legais e segurança no tratamento de dados por campanhas e terceiros.
- Lei 14.063/2020 — assinaturas eletrônicas em interações com o poder público (útil a processos e prestações de contas digitais).
- Lei 14.192/2021 — prevenção e combate à violência política (inclusive no ambiente digital).
Conclusão
A propaganda eleitoral online no Brasil é permitida, mas cercada por regras estritas que visam proteger a integridade do pleito e os direitos dos eleitores. O uso responsável de impulsionamento, a transparência do pagador, o respeito à LGPD e o combate ativo à desinformação — especialmente a conteúdos sabidamente inverídicos e deepfakes — formam a linha mestra de conformidade. Para campanhas, partidos, plataformas e cidadãos, a chave é combinar educação midiática, governança de dados e resposta jurídica ágil diante de abusos, garantindo debate vigoroso sem sacrificar a verdade e a lisura eleitoral.
Aviso importante: Este conteúdo é informativo e não substitui consultoria jurídica. Cada caso pode envolver especificidades fáticas, regras locais e atos normativos do TSE vigentes no ciclo eleitoral. Para atuar com segurança, consulte a regulamentação eleitoral atualizada e um(a) profissional especializado(a).
