Contrato de Arrendamento Mercantil: Tipos, Regras e Cuidados Essenciais
Conceito, fundamento legal e finalidades do arrendamento mercantil (leasing)
O arrendamento mercantil — mais conhecido como leasing — é o contrato pelo qual uma arrendadora (normalmente instituição financeira ou companhia de arrendamento mercantil) adquire um bem escolhido pelo arrendatário e o cede para uso deste, mediante pagamento de contraprestações periódicas e com opção futura de compra, renovação ou devolução ao final do prazo. No Brasil, a espinha dorsal normativa está na Lei 6.099/1974, no Decreto-Lei 759/1969 (que criou as sociedades de crédito, financiamento e investimento), na legislação complementar do CMN/Bacen e em regras contábeis (CPC 06 (R2)/IFRS 16) aplicáveis às demonstrações financeiras. Para relações com consumidores, aplicam-se ainda os princípios do CDC.
- Financiamento do uso de máquinas, veículos, equipamentos de TI e bens industriais sem desembolso integral imediato.
- Gestão de caixa: preserva capital de giro ao transformar aquisição em OPEX (despesa) para fins gerenciais.
- Atualização tecnológica: troca programada de equipamentos ao final do prazo (renovação).
- Eficiência tributária e contábil conforme regime de cada empresa e classificação do contrato.
Espécies de leasing e diferenças práticas
Leasing financeiro
Estrutura dominada pela intenção econômica de aquisição ao final. O prazo costuma cobrir a maior parte da vida útil do bem. As contraprestações amortizam substancialmente o valor investido pela arrendadora. Ao final, o arrendatário pode exercer a opção de compra mediante pagamento do Valor Residual Garantido (VRG), renovar ou devolver. É o formato mais usado para veículos, máquinas e equipamentos.
Leasing operacional
A ênfase está no uso temporário e na renovação. O prazo tende a ser inferior à vida útil do bem, as contraprestações não amortizam substancialmente o investimento e a opção de compra não é necessariamente o destino natural. Muito comum em parques de informática, equipamentos médicos e soluções em que a atualização constante é desejável.
Sale and leaseback (retroarrendamento)
A empresa vende um ativo de seu imobilizado para a arrendadora e, na mesma operação, o arrenda de volta, liberando caixa e mantendo o uso. É alternativa de reestruturação financeira quando se busca desalavancar ou alongar passivos sem perder a utilidade do bem.
- VRG é o valor a ser pago caso o arrendatário opte pela compra ao final.
- Pode haver antecipação parcial do VRG durante o contrato; conforme a Súmula 293 do STJ, a mera cobrança antecipada do VRG não descaracteriza o arrendamento mercantil.
- Se houver devolução, a forma de acerto do VRG deve estar expressa (p.ex., venda do bem e compensações).
Estrutura contratual: cláusulas essenciais
- Identificação do bem (marca, modelo, série, NF e fornecedor escolhido pelo arrendatário).
- Prazo do arrendamento, calendário e forma de reajuste das contraprestações.
- Opções finais: compra com VRG, renovação ou devolução; procedimentos e prazos para manifestar a escolha.
- Responsabilidade pela escolha e adequação do bem (regra geral, do arrendatário, preservando a neutralidade da arrendadora; atenção a garantias do fabricante).
- Seguros obrigatórios (danos, furto, responsabilidade civil) e cobertura mínima.
- Manutenção, substituição de peças e padrão de conservação; penalidades por uso inadequado.
- Tributos, encargos e despesas (frete, emplacamento, IPVA/seguro obrigatório, taxas, impostos incidentes nas parcelas).
- Vencimento antecipado e remédios contratuais (mora, multa, juros, reintegração de posse do bem).
- Cláusulas de compliance (antissuborno, sanções internacionais para bens importados, uso lícito).
- Resolução de disputas (foro judicial, mediação e/ou arbitragem se aplicável).
Direitos e deveres das partes
A arrendadora permanece proprietária do bem durante a vigência e tem direito de fiscalizar o uso. O arrendatário tem o direito de uso pacífico e deve pagar pontualmente as contraprestações, zelar pela conservação, manter seguros e comunicar sinistros. Em inadimplemento relevante, a arrendadora pode buscar a reintegração de posse e a cobrança dos valores devidos, observadas as garantias de defesa e a boa-fé objetiva.
Tratamento contábil e impactos gerenciais
Com a adoção do CPC 06 (R2)/IFRS 16, a maioria dos contratos que transfere direito de uso de um ativo por determinado prazo e em troca de contraprestação periódica gera, no arrendatário, o reconhecimento de um ativo de direito de uso e de um passivo de arrendamento (com exceções para contratos de curto prazo ou baixo valor). Isso altera indicadores como alavancagem, EBITDA e retorno sobre ativos. Já a arrendadora mantém o tratamento conforme o tipo de contrato (operacional/financeiro) pelas normas específicas do setor.
Tributação e aspectos regulatórios
O desenho fiscal do leasing depende da espécie contratual, do regime tributário do arrendatário e da natureza do bem. Em linhas gerais, as contraprestações podem compor despesa dedutível para IRPJ/CSLL conforme regras de cada regime; tributos indiretos (p.ex., ICMS em veículos/mercadorias, ISS em certas estruturas de prestação de serviço) e contribuições (PIS/COFINS) exigem análise do documento fiscal emitido. Para importados, podem incidir impostos aduaneiros na entrada e regras específicas de drawback e de nacionalização. Companhias de arrendamento são supervisionadas pelo Banco Central e devem observar normas prudenciais e de conduta.
- Descumprimento de prazos e reajustes: prever cláusulas claras e sistemas automáticos de aviso.
- Sinistro sem cobertura: exigir apólices vigentes e franquias compatíveis com o caixa da empresa.
- Discussões sobre vício do bem: alocar a responsabilidade pela escolha e preservar garantias do fabricante.
- VRG e devolução: definir critérios de depreciação, avaliação e forma de venda/compensação.
- Inadimplemento: estipular procedimento de cura, multa e passo a passo para reintegração de posse.
Consumidor, pequenas empresas e boas práticas de transparência
Em operações com pessoa física ou micro e pequenas empresas, reforça-se a aplicação do CDC (quando caracterizada relação de consumo): informação clara de custo total, taxas, seguros, encargos por atraso, condições de portabilidade ou liquidação antecipada, canais de atendimento e política de renegociação. A boa-fé objetiva exige cooperação: envio de faturas detalhadas, memória de cálculo de VRG e relatórios de manutenção.
Leasing x compra financiada x aluguel simples
- Leasing: direito de uso com opção ao final, propriedade da arrendadora durante a vigência, e parcelas que podem incluir amortização econômica do bem.
- Compra financiada: propriedade do comprador desde a aquisição, usualmente gravada por alienação fiduciária; foco em quitação do preço.
- Aluguel (locação): pagamento pelo uso sem opção de compra (salvo convenção) e com responsabilidades típicas de alugueres.
Pontos de atenção em contratos complexos
- Multi-itens e bundles: separar o que é bem (arrendamento) do que é serviço (manutenção/Gestão), para precificação e tributação adequadas.
- Obsolescência tecnológica: prever troca programada, SLAs de substituição e critérios de obsolescência para bens de TI.
- Cláusulas de change-in-law: ajustar contraprestações quando alterações legais/tributárias afetarem os custos de forma relevante.
- Garantias adicionais: fianças, seguros de crédito, covenants operacionais (uso mínimo, quilometragem, horas de máquina).
- Encerramento antecipado: fórmula de indenização que reflita saldo de parcelas, custos de retomada e valor de revenda do ativo.
- Não explicitar quem escolhe o fornecedor e as consequências por vício do bem.
- VRG mal definido: ausência de metodologia de avaliação na devolução.
- Cláusulas de seguro genéricas, sem franquia e coberturas coerentes com o risco.
- Falta de cronograma e de índices de reajuste transparentes.
- Ausência de procedimento de cura e renegociação antes de medidas judiciais.
Conclusão
O arrendamento mercantil é uma ferramenta sofisticada para viabilizar investimento produtivo, acelerar a modernização de ativos e organizar o fluxo de caixa. Seu desenho jurídico exige atenção a VRG, seguros, manutenção, tributação, opções finais e remédios de inadimplemento. Cláusulas claras, cronogramas transparentes e políticas de informação ao usuário reduzem atritos e aumentam a previsibilidade. Em operações relevantes — especialmente com múltiplos itens, importação ou leaseback — vale realizar due diligence documental, simulações contábeis (CPC 06 (R2)) e avaliação tributária específica. Com esses cuidados, o leasing cumpre seu papel: entregar eficiência financeira com segurança jurídica.
Guia rápido
- O contrato de arrendamento mercantil é regido pela Lei nº 6.099/1974 e permite o uso de um bem mediante pagamento periódico.
- Envolve duas partes: arrendadora (proprietária do bem) e arrendatária (usuária).
- Ao término do contrato, o arrendatário pode comprar o bem, renovar o arrendamento ou devolvê-lo.
- É amplamente utilizado em veículos, máquinas e equipamentos industriais.
- O contrato pode ser de tipo financeiro, operacional ou de retroarrendamento (leaseback).
Aspectos essenciais do arrendamento mercantil
O contrato de arrendamento mercantil é uma ferramenta jurídica e econômica que proporciona flexibilidade e acesso a bens de capital sem a necessidade de compra imediata. A empresa arrendadora adquire o bem escolhido pelo arrendatário e o disponibiliza para uso mediante pagamento de parcelas, que podem incluir a opção de compra ao final do contrato. O bem permanece sob propriedade da arrendadora até a quitação integral ou o exercício da opção de compra.
Os prazos e condições variam conforme o tipo de arrendamento:
- Financeiro — o bem tende a ser adquirido ao final; é de longo prazo e cobre a vida útil do ativo.
- Operacional — o uso é temporário, com possibilidade de renovação e sem intenção de compra.
- Leaseback — a empresa vende o ativo e o arrenda de volta, liberando capital e mantendo o uso.
- Arrendamento mercantil: direito de uso com opção de compra futura.
- Compra financiada: propriedade transferida desde o início, com garantia fiduciária.
- Locação comum: sem opção de compra, apenas cessão temporária do uso.
Direitos e deveres das partes
O arrendatário tem o direito de uso do bem e o dever de conservá-lo, pagar as parcelas e manter os seguros obrigatórios. Já a arrendadora tem o direito de fiscalizar o uso e a propriedade do bem, garantindo o recebimento das contraprestações. Em caso de inadimplência, pode requerer reintegração de posse e exigir o pagamento das parcelas vencidas, observando as normas do Banco Central e da legislação civil.
Responsabilidade e riscos
O arrendatário assume o risco operacional e de manutenção do bem, salvo vícios de fabricação. O contrato deve prever cláusulas claras sobre seguro, devolução e valor residual garantido (VRG). O VRG é o valor que o arrendatário pode pagar para adquirir o bem ao final do contrato, e sua antecipação não descaracteriza o leasing (Súmula 293 do STJ).
- Leia atentamente as cláusulas sobre reajuste e multa.
- Verifique se há previsão de renovação automática e condições de devolução.
- Exija cópia da apólice de seguro contratual e verifique cobertura.
- Atente-se à responsabilidade fiscal e contábil pelo uso do bem.
Centro normativo e fundamentos legais
O arcabouço jurídico do arrendamento mercantil é composto principalmente pela Lei nº 6.099/1974 e pelo Decreto nº 1.981/1982, que regulamentam a atividade das instituições financeiras que realizam leasing. O Banco Central do Brasil é o órgão responsável pela fiscalização e normatização das operações. Além disso, o CPC 06 (R2) traz regras contábeis específicas sobre o reconhecimento do direito de uso e do passivo de arrendamento.
Na esfera tributária, há incidência de tributos como IOF, ISS, PIS e COFINS conforme a natureza do contrato. Nos casos de importação, incidem ainda impostos aduaneiros e obrigações cambiais. A jurisprudência também reconhece que, enquanto o contrato não é rescindido, o bem pertence à arrendadora, cabendo a ela o direito de buscar a posse em caso de mora (STJ, REsp 1.101.412/SP).
Guia de análise e boas práticas
- Verifique a autorização do Banco Central da empresa arrendadora.
- Peça sempre cópia integral do contrato antes da assinatura.
- Analise o prazo de vigência e a possibilidade de rescisão antecipada.
- Evite cláusulas abusivas e multas desproporcionais.
- Solicite planilha de cálculo do valor residual garantido (VRG).
FAQ
O arrendamento mercantil transfere a propriedade do bem?
Não. A propriedade permanece com a arrendadora até que o arrendatário exerça a opção de compra ao final do contrato, mediante pagamento do VRG.
O contrato de leasing é considerado um tipo de financiamento?
Não exatamente. Ele tem natureza híbrida: combina aspectos de locação e financiamento, mas o foco é o uso do bem com opção de compra futura.
É possível rescindir o contrato antes do prazo?
Sim, desde que o contrato preveja essa possibilidade. Geralmente, há cobrança de multa proporcional ou indenização para cobrir o saldo remanescente.
Como é tratado o leasing na contabilidade da empresa?
Pelas normas do CPC 06 (R2), o arrendatário deve reconhecer um ativo de direito de uso e um passivo de arrendamento equivalente ao valor presente das contraprestações.
Base normativa
- Lei nº 6.099/1974 — Dispõe sobre o arrendamento mercantil e instituições financeiras.
- Decreto nº 1.981/1982 — Regulamenta a Lei nº 6.099/74.
- Resoluções do Banco Central — Normas complementares aplicáveis às operações de leasing.
- Súmula 293 do STJ — Antecipação do VRG não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.
- CPC 06 (R2)/IFRS 16 — Normas contábeis para contratos de arrendamento.
Considerações finais
O contrato de arrendamento mercantil é uma alternativa moderna de financiamento e gestão patrimonial, mas exige cautela e conhecimento jurídico. É fundamental compreender as cláusulas, as obrigações financeiras e as implicações fiscais. Recomenda-se a assessoria de um profissional especializado em direito financeiro ou contabilidade empresarial para avaliar riscos e adequações antes da assinatura.
Essas informações têm caráter informativo e não substituem a orientação de um profissional qualificado.
