Direito militar

Direito do Militar à Saúde: Quando Usar o SUS e Quando Acionar o Sistema Militar

Panorama geral: saúde do militar entre o SUS e o sistema próprio

O militar brasileiro – das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e, em âmbito estadual, das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares – transita entre dois arranjos institucionais de saúde: o Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal e financiado por impostos, e os sistemas próprios militares, estruturados em torno de hospitais, policlínicas e fundos de saúde de cada Força. Em regra, o militar e seus dependentes fazem o atendimento preferencial na rede militar/credenciada; porém, o SUS permanece como porta aberta e retaguarda em casos de urgência/emergência, ausência de oferta ou quando houver pactuação formal entre o ente militar e gestores do SUS. A Constituição consagra a saúde como direito de todos e dever do Estado e a universalidade do SUS, enquanto o Estatuto dos Militares e normas específicas reconhecem a assistência médico-hospitalar ao militar, dependentes e, em certos casos, pensionistas no âmbito dos fundos de saúde e das organizações militares de saúde.

Quem é atendido em cada arranjo

  • Rede militar: militares da ativa e da reserva remunerada, reformados, dependentes habilitados (cônjuge/companheiro, filhos menores/estudantes ou incapazes, entre outros nas condições regulamentares) e, conforme a Força, pensionistas. O atendimento pode ocorrer intramuros (hospitais militares) ou em rede credenciada custeada pelos fundos de saúde.
  • SUS: todo cidadão, inclusive militares, com acesso universal e gratuito. O SUS pode ser acionado diretamente (emergência) ou por regulação/contrarreferência quando há integração regional e protocolos de fluxo entre SUS e hospitais militares.
Ideia central: o sistema militar não exclui o SUS. O militar tem um caminho preferencial (rede da Força/credenciada), mas a porta do SUS está aberta e pode ser obrigatória diante de urgência, inexistência de oferta adequada ou pactuações formais.

Arquitetura dos sistemas militares: FUSMA, FUSEX e FUNSA (e congêneres)

Cada Força organiza e financia sua assistência via fundos de saúde e estruturas médico-hospitalares próprias:

  • Marinha: FUSMA (Fundo de Saúde da Marinha), rede de hospitais navais, policlínicas e contratos/credenciamentos.
  • Exército: FUSEX (Fundo de Saúde do Exército), com hospitais militares regionais, policlínicas e a Diretoria de Saúde coordenando a rede.
  • Aeronáutica: FUNSA (Fundo de Saúde da Aeronáutica), com o Instituto e hospitais da Força Aérea, clínicas e credenciados.

Esses fundos são alimentados por contribuições dos beneficiários (percentual sobre a remuneração/proventos) e por recursos orçamentários da União. A cobertura é definida em portarias e instruções normativas de cada Força (consultar o manual do beneficiário). Em geral incluem atenção primária e especialidades, internação, procedimentos cirúrgicos, terapias, materiais especiais, oncologia e tratamentos de alta complexidade, com regras para referência (de policlínica → hospital militar → rede referenciada).

Quem custeia e como pedir

  • Agendamento/Autorização: consultas e procedimentos eletivos costumam exigir encaminhamento pela rede militar e autorização do fundo de saúde quando realizados fora do hospital militar.
  • Reembolso: só é usual quando o atendimento ocorreu fora da rede por urgência/emergência ou inexistência de oferta, observadas as regras de prazos, documentos (relatório médico, nota fiscal, laudos) e tabelas de reembolso.
  • Coparticipação: alguns procedimentos/tipos de acomodação podem ter coparticipação do beneficiário, definida em norma interna; isenções para doenças graves são possíveis mediante laudo e junta médica.
Boas práticas: mantenha carteira do fundo, CADBEN ou documento equivalente atualizado; guarde laudos e autorizações; e utilize os canais de regulação (call center, e-SARAM/SESM, SIGSAUDE, conforme a Força).

Onde o SUS entra: universalidade, urgência e integralidade

A Constituição (art. 196) fixa que a saúde é direito de todos e dever do Estado, executado por políticas sociais e econômicas. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) institui o SUS, com princípios de universalidade, integralidade e equidade. Para o militar, isso significa:

  • Emergência: o SAMU, as UPAs e os prontos-socorros do SUS atendem imediatamente qualquer pessoa, inclusive militar/dependente. Posteriormente pode haver contrarreferência para hospital militar quando estável e disponível.
  • Alta complexidade: mesmo com rede militar, determinados procedimentos de alta complexidade podem ser prestados pelo SUS via centros de referência (oncologia, cardiologia intervencionista, transplantes, terapia renal substitutiva etc.), por pactuação regional.
  • Vacinação, vigilância e assistência farmacêutica: são políticas universalizadas do SUS. Militares e dependentes têm direito aos calendários vacinais e a medicamentos da RENAME quando incorporados por protocolos clínicos.
Mensagem operacional: em risco imediato, a regra é ir ao serviço de urgência mais próximo (SUS ou privado). Ninguém pode ser recusado. Depois do atendimento e estabilização, avalia-se a remissão para a rede militar ou a manutenção no SUS conforme critérios clínicos e de regulação.

Lacunas, sobreposição e judicialização

Na prática, conflitos surgem quando (i) a rede militar não dispõe do tratamento/insumo; (ii) há fila/regulação demorada; (iii) um procedimento é negado por não constar do rol interno; ou (iv) ocorre urgência fora da rede com posterior recusa de reembolso. As soluções seguem três eixos:

  1. Regulação administrativa — solicitação formal, junta médica e justificativa clínica (ineficácia de alternativas, necessidade de centro especializado). Muitas Forças admitem tratamento fora da rede quando comprovada a inexistência de oferta adequada.
  2. Pactuação com o SUS — encaminhamento a serviço SUS habilitado quando a rede militar não possui habilitação/intervenção disponível; mantém-se o acompanhamento compartilhado.
  3. Via judicial — decisões reiteradas asseguram tratamento fora da rede ou custeio de insumos quando comprovada a necessidade urgente e a ausência de alternativa idônea na rede militar/SUS. A tutela costuma exigir laudo médico e prova de negativa/omissão.

Direitos do militar, dependente e pensionista: o que normalmente está garantido

Assistência integral e contínua

  • Promoção e prevenção (vacinas, check-ups, saúde ocupacional, fono/psico/fisioterapia conforme protocolos).
  • Atenção ambulatorial (clínica, pediatria, GO, cirurgia geral e especialidades) e diagnóstico (imagem, laboratório, anatomia patológica).
  • Internação clínica e cirúrgica, UTI, oncologia, cardiologia, ortopedia e reabilitação, de acordo com a capacidade instalada/credenciada.
  • Transporte sanitário e aeromédico em situações estratégicas da Força.

Quem é dependente

Regulamentos das Forças definem a condição de dependente. Em linhas gerais: cônjuge/companheiro, filhos menores ou estudantes até faixa etária limite, filhos inválidos/PCD sem renda, e, em condições restritas, pais ou tutelados que vivam sob dependência econômica. Pensionista tem regra própria conforme o Sistema de Proteção Social dos Militares e normas do fundo de saúde.

Documento indispensável: Comprovante de vinculação (carteira do fundo/beneficiário) + documento oficial de identificação. Para pessoas com deficiência, mantenha laudos e parecer da Junta de Saúde atualizados.

Comparativo prático: rede militar x SUS (pontos fortes e limites)

Rede militar

  • Integração com a carreira (saúde ocupacional, perícias, readaptações).
  • Canal preferencial e linhas de cuidado organizadas para o público militar.
  • Regulação própria e contratos/credenciamentos sob responsabilidade da Força.
  • Limites: capacidade instalada regional, credenciamento local e regras de autorização e coparticipação.

SUS

  • Universal, amplo parque de alta complexidade (oncologia, cardiologia, transplantes).
  • Urgência/emergência porta aberta e redes regionais de referência.
  • Protocolos clínicos e judicialização consolidada como última ratio.
  • Limites: filas, regulação regional e disponibilidade local.

Fluxos de acesso e exemplos práticos

1) Urgência clínica sem hospital militar próximo

Acione o SAMU/UPA/SUS. Após estabilização, peça relatório médico e contate a regulação da Força para decidir entre transferência para hospital militar/credenciado ou continuidade no SUS. Guarde toda a documentação para eventual reembolso conforme norma.

2) Procedimento de alta complexidade não disponível na rede militar

Solicite parecer de especialista, abra processo de tratamento fora da rede (TFR) ou encaminhamento SUS ao centro habilitado. Junte laudos, exames e, se cabível, segundo parecer. A decisão considera eficácia, custo e tempo.

3) Insumo/medicamento não padronizado

Requeira excepcionalidade com base em diretrizes terapêuticas, evidência clínica e falha de alternativas. Em negativa injustificada, cabe recurso administrativo e, em última instância, medida judicial.

Indicadores úteis (exemplo visual ilustrativo)

Gráfico meramente ilustrativo para apoio à gestão de risco. Números não são oficiais.

Casos encaminhados ao SUS por alta complexidade
Reembolsos decorrentes de urgência fora da rede
Judicializações por insumo não padronizado

Direitos e deveres: síntese operacional

  • Direitos: acesso preferencial à rede militar/credenciada; atendimento de urgência no serviço mais próximo (SUS incluído); possibilidade de tratamento fora da rede quando comprovada ausência de oferta adequada; encaminhamento a centros de referência do SUS; reembolso nas hipóteses e limites normativos; processo de recurso contra negativas.
  • Deveres: manter cadastro e dependentes atualizados; cumprir regra de referência (policlínica → hospital militar → credenciado); solicitar autorizações quando exigidas; guardar documentos clínicos e fiscais para reembolso; informar imediatamente ocorrências de urgência fora da rede.
Checklist rápido

  • Tenho cadastro ativo no fundo de saúde e comprovação de dependência?
  • O caso é urgência (risco imediato) ou eletivo (planejável)?
  • Existe oferta na rede militar com tempo clinicamente aceitável? Se não, há credenciado ou fluxo com o SUS?
  • Estão documentadas as tentativas/negativas para eventual reembolso ou judicialização?

Roteiro de ação por cenários

Urgência (acidente, dor torácica, AVC, politrauma)

  1. Procure o SUS/serviço mais próximo imediatamente.
  2. Após estabilização, acione a regulação da Força com relatório médico.
  3. Defina transferência/sequência de cuidado e organize a documentação de reembolso (se couber).

Cirurgia eletiva/terapia especializada

  1. Inicie na policlínica militar (atenção primária/especialista).
  2. Solicite encaminhamento e autorização para hospital militar ou credenciado.
  3. Se indisponível, peça avaliação de tratamento fora da rede ou encaminhamento SUS.

Medicamento/insumo não padronizado

  1. Reúna laudos e evidências de necessidade (falha de alternativas).
  2. Protocole pedido de excepcionalidade no fundo.
  3. Em negativa injustificada e risco concreto, avalie medida judicial com suporte técnico.

Conclusão

O direito do militar à saúde resulta de um arranjo dual: uma rede própria organizada pelas Forças e a universalidade do SUS. Na vida real, isso se traduz em um fluxo preferencial (rede militar/credenciada), mas com o SUS desempenhando funções essenciais de porta aberta, retaguarda e alta complexidade. Quando há ausência de oferta ou urgência, o sistema deve girar para o que está disponível e eficaz – com posterior contrarreferência, reembolso quando previsto e, se necessário, tutela judicial. A boa gestão do cuidado depende de documentação, regulação ativa e informação clara ao beneficiário sobre autorizações, prazos, coparticipações e rotas com o SUS. Assim, evita-se a fragmentação, protege-se a continuidade terapêutica e assegura-se que a missão – preservar a saúde do militar e de sua família – seja cumprida com qualidade e segurança.

Aviso importante: este conteúdo é educativo e não substitui a avaliação personalizada de profissionais habilitados (advogados, médicos reguladores das Forças, assistentes sociais e gestores do SUS). Cada caso depende de normas internas atualizadas de cada Força, protocolos regionais do SUS, disponibilidade de serviços e documentos clínicos que comprovem a necessidade. Procure orientação técnica antes de decisões críticas.

Guia rápido

  • Militar tem dois caminhos de assistência: rede militar (FUSMA/FUSEX/FUNSA e congêneres) como via preferencial + SUS como porta universal, especialmente em urgência/emergência e alta complexidade.
  • Quem é atendido na rede militar: militar da ativa, reserva/reformado, dependentes habilitados e, conforme norma, pensionistas. Em geral, precisa de encaminhamento/autorização para procedimentos eletivos e para rede credenciada.
  • Quando usar o SUS: em risco imediato, sempre; quando não houver oferta adequada/tempo clínico na rede militar; ou por pactuação de referência/contrarreferência. Vacinação e vigilância sanitária são sempre do SUS.
  • Custos e reembolso: fundos de saúde são mantidos por contribuições + orçamento. Reembolso costuma ocorrer em urgência fora da rede ou inexistência de oferta, com laudo e comprovantes.
  • Documentos-chave: carteira do fundo/beneficiário, comprovação de dependência (CADBEN ou similar), laudos, autorizações, notas fiscais e relatórios para reembolso.

FAQ

1) Militar e dependente podem ser atendidos diretamente no SUS?

Sim. O SUS é universal (CF/88, art. 196; Lei 8.080/1990). Em urgência ninguém pode ser recusado. Para casos eletivos, a prática é priorizar a rede militar/credenciada e usar o SUS quando pactuado ou necessária a alta complexidade.

2) A Força é obrigada a custear hospital/insumo fora da rede?

Regra geral, o custeio segue as normas internas do fundo (FUSMA/FUSEX/FUNSA). Quando houver urgência ou inexistência de oferta idônea, é usual admitir tratamento fora da rede ou reembolso, mediante laudo, justificativa clínica e observância de prazos/tabelas. Em negativa injustificada e necessidade comprovada, a via judicial pode assegurar o tratamento.

3) Quem é considerado dependente para atendimento militar?

Em linhas gerais: cônjuge/companheiro, filhos menores (ou até idade limite/estudantes), filhos inválidos/PCD sem renda e, em condições restritas, pais ou tutelados sob dependência econômica. Pensionistas seguem regramento próprio do Sistema de Proteção Social dos Militares e das normas do fundo da Força.

4) Tive emergência em hospital civil. Como proceder para reembolso?

Guarde relatório médico, exames e notas fiscais; comunique a regulação da Força assim que possível; protocole o pedido de reembolso dentro do prazo com os documentos exigidos (laudo, CID, justificativa clínica). O pagamento observará limites/tabelas do fundo e as hipóteses previstas em norma.

Caderno normativo essencial (fundamentos legais e regulatórios)

  • Constituição Federal — art. 196: saúde como direito de todos e dever do Estado; art. 198: organização do SUS.
  • Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) — princípios de universalidade, integralidade e equidade; redes de atenção, regulação, assistência farmacêutica e vigilância.
  • Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980) e legislação do Sistema de Proteção Social dos Militares — reconhecem a assistência médico-hospitalar ao militar, dependentes e, conforme normas, pensionistas, cabendo às Forças a gestão da rede própria e dos fundos de saúde.
  • Normas internas das Forças (portarias/instruções do FUSMA, FUSEX, FUNSA e congêneres) — definem coberturas, fluxos de autorização, credenciamento, coparticipações, hipóteses de reembolso e tratamento fora da rede.
  • Direito à urgência — a porta de entrada do SUS (UPA/SAMU/hospitais) é obrigatória e imediata para qualquer pessoa; posterior contrarreferência para hospital militar depende de estabilidade clínica e disponibilidade.
  • Judicialização da saúde — decisões reiteradas garantem fornecimento/custeio quando comprovadas necessidade, ineficácia de alternativas e ausência de oferta, exigindo laudo e documentação.
Como usar as bases: comece pelo manual do beneficiário da sua Força; confira se o procedimento está na cobertura, se precisa de autorização e se há credenciado. Em ausência de oferta ou risco de dano, acione o SUS e a regulação militar simultaneamente.

Considerações finais

O militar e sua família contam com um arranjo complementar de saúde: a rede militar organiza o cuidado contínuo, enquanto o SUS assegura universalidade, porta aberta e alta complexidade quando necessário. Na prática, a melhor decisão é clínica e logística: usar o serviço mais rápido e adequado ao risco, documentar tudo e manter os fluxos de referência ativos para evitar desassistência e garantir reembolso quando cabível.

Aviso importante: estas informações têm caráter educativo e não substituem a orientação personalizada de profissionais habilitados (médicos reguladores das Forças, advogados e gestores do SUS). Cada caso depende de normas internas atualizadas, disponibilidade regional, documentação clínica e particularidades familiares. Procure assistência técnica antes de tomar decisões sobre transferência, custeio ou judicialização.

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