Venda Casada: Entenda o Que É, Exemplos Práticos e Como Denunciar a Prática Abusiva
Conceito e fundamento jurídico
Venda casada é a prática de condicionar a compra ou o uso de um produto ou serviço à aquisição de outro, sem real liberdade de escolha do consumidor. No Brasil, é prática abusiva vedada pelo art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe “condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”.
Em termos práticos, a venda casada surge quando o fornecedor impõe um vínculo artificial entre ofertas que deveriam ser independentes (ex.: “só vendo o celular se levar a capa e a garantia estendida”) ou quando dificulta de forma desproporcional a contratação isolada de um item (ex.: plataforma digital que “esconde” a opção sem assinatura complementar).
Objetivo da proibição
A vedação busca proteger a liberdade de escolha, evitar obstáculos artificiais à concorrência e coibir capturas de renda (o consumidor paga mais por itens de que não precisa). O efeito agregado é reduzir práticas anticompetitivas e incentivar que as empresas vençam pela qualidade, preço e serviço, e não por condicionamentos.
Modalidades mais comuns
Explícita
Quando o vendedor declara a condição de forma aberta: “Para contratar o plano X, precisa levar também o serviço Y”.
Velada (ou indireta)
O fornecedor não afirma o vínculo, mas arquitetura a jornada para inviabilizar a contratação avulsa: opções escondidas, design que induz a aceitar o pacote, pré-marcação de itens extras no carrinho, cancelamento difícil do acessório etc.
Estrutural
Modelos comerciais que nascem atrelados sem justificativa técnica (ex.: hardware vendido exclusivamente com assinatura de serviços não essenciais) e sem alternativa real de aquisição separada em condições razoáveis.
Diferença entre combo legítimo e venda casada
Um combo legítimo oferece vantagem econômica por reunir itens, mas permite contratar cada item separadamente por preço previamente divulgado. Já a venda casada suprime a alternativa avulsa, oculta preços ou impõe barreiras indevidas.
Critério | Combo legítimo | Venda casada |
---|---|---|
Opção avulsa | Existe e é acessível | Inexistente ou artificialmente escondida |
Preços | Transparentes (avulso vs. pacote) | Opacos; forçam o pacote |
Justificativa técnica | Itens independentes | Vínculo sem necessidade |
Experiência de compra | Livre escolha | Condicionamento |
Exemplos no comércio físico
Bancos e financeiras
- Condicionar empréstimo/financiamento à compra de seguro prestamista ou de títulos de capitalização da mesma instituição.
- Abrir conta só com pacote pago (sem alternativa clara de serviços essenciais gratuitos ou pacote básico).
Concessionárias e varejo
- Vincular a compra do veículo à instalação obrigatória de acessórios/serviços não essenciais (rastreador, película, “taxa de despachante” não opcional).
- Vender eletroeletrônico apenas com garantia estendida ou proteção extra, sem opção avulsa evidente.
Academias, clubes e serviços locais
- Obrigar matrícula com pacote de avaliação + personal não desejado.
- Forçar aluguel de espaço com buffet/prestador específico, sem liberdade de contratar outro fornecedor equivalente.
Exemplos no comércio online
E-commerce
- Acessórios pré-marcados no carrinho (garantia estendida, serviço de instalação), com remoção difícil ou confusa.
- Checkout que só permite concluir a compra com assinatura adicional (ex.: clube, frete “premium”), sem opção clara de finalizar com frete padrão ou sem assinatura.
- Marketplaces que “travem” a venda avulsa de um item para impor pacotes fechados sem justificativa.
Plataformas e apps
- Vender equipamento (ex.: device) apenas com plano de serviços não essencial, sem oferta autônoma do hardware.
- Opção “grátis” com limitações artificiais que forçam upgrade obrigatório para funções básicas que já haviam sido anunciadas como parte do produto.
Telecomunicações: combos, preços e limites
Em telecom, a autoridade setorial veda que a operadora force o combo quando o consumidor deseja serviço único (p. ex., só internet fixa). É lícito dar desconto por contratar mais de um serviço, desde que a contratação avulsa exista, com preços transparentes e sem degradação artificial do serviço unitário.
Avulso TV: R$ 80 ▇▇▇▇▇▇▇▇
Combo: R$ 150 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇
Desconto de combo é legítimo se a opção avulsa existir, for clara e com qualidade equivalente.
Setor bancário: seguros, pacotes e orientação prática
Instituições financeiras não podem condicionar crédito à contratação de seguros ou produtos atrelados. Também não podem negar serviços essenciais (como conta com pacote básico) para forçar pacotes mais caros. Em conflitos, tribunais reiteradamente reconhecem venda casada em vínculos como empréstimo + seguro, sobretudo quando o consumidor não teve opção real de escolher outra seguradora, recusar o seguro ou contratar avulso.
Efeitos jurídicos para o consumidor e para a empresa
Nulidade de cláusulas e desconstituição do vínculo
Cláusulas que impõem a aquisição conjunta podem ser declaradas nulas. O consumidor tem direito de manter apenas o produto/serviço desejado ou desfazer o negócio, conforme o caso.
Restituição de valores
Pagamentos indevidos decorrentes do condicionamento podem ser restituídos. Havendo má-fé na cobrança, o CDC admite devolução em dobro dos valores, com correção e juros.
Sanções administrativas
Órgãos de defesa do consumidor e agências setoriais podem aplicar multas e outras penalidades, além de impor ajustes de conduta.
Como identificar venda casada na prática
- Oferta confusa: ausência de opção avulsa clara; preços avulsos não informados; comparações incompletas.
- Barreiras à contratação isolada: fila exclusiva para combo, atendimento que “não tem sistema” para vender avulso, checkout que não permite prosseguir sem extra.
- Pré-seleção de itens: carrinho com acessórios marcados por padrão, opt-out difícil.
- Cancelamento assimétrico: fácil aderir ao pacote, difícil remover o acessório depois.
- Existe opção avulsa com preço claro e acessível?
- O preço do combo é comparável aos preços avulsos informados?
- Há justificativa técnica para o vínculo? (ex.: dependência funcional real)
- O consumidor consegue remover acessórios/assinaturas com um clique?
- O cancelamento do extra é simples e simétrico à adesão?
Como provar e a quem recorrer
Provas úteis
- Prints do site/app mostrando que não existe opção avulsa ou que o item extra está pré-marcado.
- Propostas, contratos e e-mails que demonstrem o condicionamento.
- Gravação de atendimento (quando a empresa liga) ou protocolos de chat.
- Notas fiscais discriminando itens que o consumidor não desejava contratar.
Canais de solução
- Fornecedor: solicitar ajuste imediato e retirada do item condicionado.
- Procons locais/estaduais: abertura de reclamação com anexos das provas.
- Agências setoriais: telecom (ANATEL), sistema financeiro (Banco Central), conforme o setor.
- Poder Judiciário: ações individuais ou coletivas, quando necessário.
Boas práticas para empresas (prevenção)
- Transparência na precificação: divulgar preço avulso e do combo com igual destaque.
- Arquitetura de escolha justa: proibir pré-seleções; exigir opt-in explícito para extras; “desfazer” tão fácil quanto “fazer”.
- Design sem dark patterns: botões de mesma proeminência para aceitar e recusar extras.
- Treinamento de vendas: scripts que ofereçam, mas não condicionem; registro de consentimento.
- Monitoramento: auditorias periódicas de sites, jornadas e contratos; canais de correção ágil para reclamações.
- Proibição expressa de condicionar a venda.
- Oferta de itens avulsos em todas as páginas de produto.
- Registro de consentimento granular para cada extra.
- Revisão jurídica de campanhas e combos antes de irem ao ar.
Estudo de caso resumido (online e físico)
Online: assinatura escondida no checkout
Loja virtual adiciona garantia estendida e assinatura de clube pré-marcadas. O botão “continuar” só aparece após aceitar os extras. Risco jurídico: forte indício de venda casada; correção: remover pré-marcações e permitir avanço sem extras.
Físico: crédito com seguro imposto
Correspondente bancário condiciona a aprovação do empréstimo à contratação de seguro prestamista da própria instituição. Risco jurídico: prática abusiva; correção: oferta de crédito independente do seguro, liberdade para escolher outra seguradora ou recusar o produto.
Indicadores e monitoramento (para gestão)
- % de pedidos com extras adicionados por opt-in explícito (meta: > 95%).
- Taxa de remoção de extras no carrinho (se muito baixa, verifique design enviesado).
- Tempo para cancelar/estornar extras não desejados (SLA curto).
- Reclamações sobre condicionamento em Procons/plataformas internas (queda sustentada após correções).
Métrica | Baixo risco | Alto risco |
---|---|---|
Opt-in de extras | Explícito e granular | Pré-marcação ou bloqueio |
Caminho avulso | Visível em 1 clique | Oculto/indisponível |
Cancelamento | Símétrico à adesão | Burocrático/assimétrico |
Conclusão
A venda casada fere a espinha dorsal do direito do consumidor: livre escolha, transparência e equilíbrio contratual. No comércio físico e online, o teste prático é simples: existe opção avulsa, clara, acessível e equivalente? Se a resposta for “não”, há risco concreto de abusividade. Do lado do consumidor, a estratégia é documentar o condicionamento e acionar os canais de defesa. Do lado das empresas, o caminho é compliance de oferta, design ético e precificação transparente. Assim, combos continuam possíveis e até desejáveis, desde que não substituam a liberdade de contratar.
- O que é: condicionar a compra/uso de um produto ou serviço à aquisição de outro, sem opção avulsa clara.
- Regra: prática abusiva vedada pelo art. 39, I, do CDC. Cláusulas podem ser nulas.
- Exemplos: crédito atrelado a seguro prestamista; eletrônico “só com garantia estendida”; checkout que obriga assinatura adicional.
- O que não é: combo com desconto quando existe opção avulsa, com preço transparente e escolha livre.
- Como identificar: falta de preço avulso; pré-seleção de extras; impossibilidade de concluir sem pacote; cancelamento difícil.
- Como agir: peça venda avulsa por escrito; guarde prints/propostas; reclame em Procon/agência setorial; avalie ação judicial.
- Riscos para empresas: nulidade de cláusulas, multas, devolução em dobro (se cobrado indevidamente e com má-fé), dano reputacional.
- Compliance: preço avulso + do combo em igual destaque; opt-in explícito; proibir dark patterns.
Venda casada ocorre quando o fornecedor impõe um vínculo entre ofertas que deveriam ser independentes, suprimindo a livre escolha do consumidor. A vedação protege o equilíbrio contratual e a concorrência, evitando que combos obrigatórios sirvam para extrair valor de itens não desejados. No ambiente digital, a prática costuma aparecer de modo velado, por meio de interfaces que escondem o caminho avulso ou pré-marcam extras no carrinho (design enganoso).
No comércio físico, exemplos típicos são: (i) financiamento condicionado à compra de seguro ou título de capitalização da mesma instituição; (ii) veículo vendido apenas com acessórios e taxas “obrigatórias” sem base legal; (iii) academia exigindo pacote de personal ou avaliação não desejada. No online, aparecem: (i) acessórios pré-marcados (garantia, instalação); (ii) assinaturas impostas no checkout; (iii) hardware vendido apenas com plano de serviços não essencial, sem alternativa autônoma.
- Combo legítimo: itens opcionalmente reunidos com desconto; há preços e contratação avulsos.
- Venda casada: pacote forçado, caminho avulso inexistente/oculto, preço opaco ou barreiras artificiais.
Avulso TV: R$ 80 ▇▇▇▇▇▇▇▇
Combo: R$ 150 ▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇▇
O desconto é lícito se a contratação avulsa existir de forma clara, com preços visíveis e experiência equivalente.
Boas práticas para fornecedores e plataformas: (a) exibir sempre preço avulso e do combo com igual destaque; (b) exigir opt-in explícito para extras (nunca pré-marcar); (c) permitir remover itens com um clique; (d) cancelar é tão fácil quanto aderir (simetria); (e) treinar equipes para oferecer, não condicionar; (f) revisar jornadas e termos com critérios de compliance.
FAQ — Perguntas frequentes
1) Desconto em combo é sempre venda casada?
Não. O desconto é legítimo quando existe a alternativa avulsa com preço claro e experiência de contratação equivalente. A vedação atinge o condicionamento, não o desconto em si.
2) E se a empresa disser que “o sistema não permite” vender avulso?
“Impossibilidade sistêmica” não afasta o direito do consumidor. Barreiras tecnológicas que suprimem a escolha podem caracterizar venda casada velada.
3) Posso exigir a contratação de serviço de terceiros (ex.: instalação)?
Somente quando houver justificativa técnica real e opção de escolher o prestador ou realizar por conta própria. Obrigar o serviço com fornecedor único e sem alternativa indica abusividade.
4) Pré-marcar garantia estendida no carrinho é permitido?
É arriscado. A regra é opt-in explícito. Pré-seleções, botões confusos ou caminho avulso oculto podem configurar condicionamento.
5) No banco, podem atrelar empréstimo a seguro?
Não. Condicionar crédito à contratação de seguro prestamista ou produtos do grupo econômico é prática abusiva. O consumidor deve poder contratar sem seguro ou com seguradora de sua escolha.
6) Como o consumidor prova a venda casada?
Guarde prints do site/app, propostas e contratos; registre atendimentos e protocolos; peça por escrito a venda avulsa e arquive a resposta. Notas fiscais que discriminem itens indesejados ajudam.
7) Quais são as consequências para a empresa?
Nulidade de cláusulas, multas administrativas, restituição de valores (podendo ser em dobro em caso de cobrança indevida com má-fé) e danos reputacionais.
8) E se o produto realmente depender do serviço extra?
Quando houver dependência técnica indispensável (p. ex., ativação de rede), o fornecedor deve explicar a necessidade e oferecer alternativas razoáveis (prestadores diferentes, contratação própria), evitando o condicionamento econômico.
- CDC — art. 6º (direitos básicos), art. 39, I (proibição de condicionar o fornecimento de produto/serviço a outro).
- Decreto do E-commerce — Decreto nº 7.962/2013 (informações claras, preços, atendimento facilitado no comércio eletrônico).
- Sistema Financeiro — normas do BACEN/CMN e diretrizes de conduta sobre venda de produtos atrelados a crédito; serviços essenciais de conta.
- Telecom — regras de oferta/contratação de serviços e combate a práticas abusivas (ex.: obrigação de contratação avulsa quando houver combo).
- Concorrência — Lei nº 12.529/2011 (CADE): condutas atreladas podem ter viés anticompetitivo quando fecham o mercado.
- Jurisprudência — decisões reiteradas reconhecem venda casada em “empréstimo + seguro prestamista”, “garantia estendida imposta” e “pré-seleção de extras em e-commerce”.
Que suas ofertas sejam claras, seus preços transparentes e a escolha do cliente sempre livre. Precisando, estou aqui para ajudar a revisar jornadas e contratos.