Contrato de Afretamento: Tipos, Cláusulas e Riscos Jurídicos que Você Precisa Conhecer
O afretamento é a espinha dorsal do transporte marítimo: por ele, o armador (ou operador) coloca um navio à disposição do afretador para transportar cargas ou prestar serviço por viagem, por tempo ou mediante transferência de posse. A seguir, um guia prático com os tipos mais usados, cláusulas decisivas e “pegadinhas” contratuais que impactam custo, risco e litígios.
• Voyage: paga-se frete por viagem; risco de espera no porto ≈ do armador, via laytime/demurrage.
• Time: paga-se hire por dia; risco de espera recai mais no afretador, salvo off-hire.
• Demise/Bareboat: transferência de posse e tripulação ao afretador, que vira “armador de fato”.
• Forms clássicos: GENCON (carga seca – voyage), ASBATANKVOY (petroleiros), NYPE/BALTIME (time), BARECON (bareboat).
Principais tipos de afretamento
Voyage Charter (por viagem)
O armador compromete-se a transportar carga entre portos definidos por um frete (por tonelada ou lumpsum). Elementos centrais: laytime (tempo de estadia), demurrage (penalidade por ultrapassar o laytime) e despatch (bônus por operar abaixo do laytime, se pactuado). Aparecem ainda deadfreight (frete morto por não completar a quantidade), notices of readiness (NOR) e Statements of Facts (SOF) para contagem do tempo.
Time Charter (por tempo)
O armador disponibiliza o navio com tripulação, manutenção e seguros; o afretador determina empregos comerciais e paga hire diário. Cláusulas vitais: off-hire (períodos sem pagamento por inoperância do navio), speed & consumption warranties (velocidade/consumo garantidos), bunkers (quantidades on/off-hire e qualidade), safe port/safe berth warranty e right of substitution (quando autorizado).
Demise/Bareboat (afretamento a casco nu)
Transfere-se a posse e controle náutico ao afretador, que passa a contratar tripulação, manutenção e seguros, assumindo riscos de operação como verdadeiro armador. Usado para financiamento/leasing e projetos de longo prazo. Forma padrão: BARECON.
COA, Slot e variações
- COA (Contract of Affreightment): compromisso de transportar volume total ao longo de um período, sem amarrar um navio específico.
- Consecutive Voyages: séries de viagens com a mesma embarcação.
- Trip Time Charter: time charter limitado a uma rota/viagem.
- Slot Charter (contêiner): compra de capacidade de slots/TEUs em serviços de linha.
• Voyage: ideal para embarques pontuais e portos com risco de espera repassado via laytime.
• Time: flexibilidade para diversos carregamentos e controle comercial das rotas.
• Bareboat: projetos longos com customização operacional e financiamento.
• COA: previsibilidade de custo médio e frequência ao longo do ano.
Cláusulas que mais geram disputa
- Laytime: definir quando começa (NOR válido, notice of readiness), como conta (WWD – weather working days, SHINC, SHEX), exceções (mau tempo, greves, unless used), interrupções (falha de equipamento do navio/porto).
- Demurrage/Despatch: taxas por dia/pró-rata; se é “liquidated damages” (não precisa provar prejuízo) e limite máximo.
- Safe Port/Safe Berth: garantia do afretador de indicar portos seguro física e politicamente; se o navio sofre dano por porto inseguro, afretador pode responder.
- Off-hire (time): quando o navio deixa de ganhar hire (avarias, quebras, atraso em inspeções, quarentenas); atenção a off-hire net/gross.
- Speed & Consumption (time): variações de meteo e fouling; performance claims pedem base de comparação acordada.
- Freight earned (voyage): momento em que o frete é “ganho” (no shipment ou na delivery), afetando reembolsos em perda total.
Documentos e integração com B/L
Em time charter, o comandante assina Bills of Lading a pedido do afretador. Se o B/L contiver termos mais onerosos que o charter party, o armador pode buscar indenidade do afretador (cláusula de indemnity). Em voyage, o B/L costuma reproduzir as condições do C/P (cláusula paramount, foro, limites).
Disputas por laytime
Off-hire e performance
Porto inseguro
Gráfico ilustrativo: onde mais surgem litígios (ajuste as alturas aos seus dados).
Formulários padrão e “recap”
- GENCON (BIMCO): base para cargas secas em voyage; atenção às cláusulas de FIO/FIOST (quem paga carga/descarga).
- ASBATANKVOY: petroleiros; detalha pumping warranties, heating, inert gas e laytime at terminals.
- NYPE/BALTIME: time charter com regras de off-hire, bunkers e manning.
- BARECON: bareboat com regime de manutenção, classe e inspeções periódicas.
As negociações começam por fixture telex e “recap” (resumo de condições). O contrato final incorpora rider clauses com ajustes comerciais (sanções, Himalaya clause, LOI, war risks, ice).
• Defina porto/berço seguro e janelas de atracação.
• Especifique NOR (condições para tender e aceitar).
• Ajuste laytime, exceções e se demurrage é “once on demurrage, always on demurrage”.
• Em time: detalhe off-hire, speed/consumption e bunkers on/off-hire.
• Inclua sanctions & compliance (OFAC/UE/ONU), war/ice clauses e force majeure.
• Escolha foro/arbitragem (LMAA, SMA, SCMA) e lei aplicável.
Peculiaridades de custo
- FIO/FIOST (voyage): quem suporta stevedoring/terminal influencia o frete.
- Demurrage/Despatch: alta variabilidade por porto e safra; combine tarifas realistas com cap quando possível.
- Taxas portuárias e rebocadores/práticos: alinhe se estão inclusos no frete.
- Bunkers (time): risco de preço e qualidade (ISO 8217); use testes e cláusula de qualidade.
Seguros e responsabilidade
Armadores vinculam-se a Clubes P&I (responsabilidade civil: colisões, poluição, carga) e a cascos/máquinas (H&M). Afretadores podem contratar Charterers’ Liability (CL) e cargo insurance para a carga (ICC A/B/C). Em bareboat, o afretador assume H&M e P&I como armador operacional.
Sanções, compliance e LOI
Rotas e contrapartes podem sofrer sanções internacionais. Inclua cláusulas de sanções (BIMCO) permitindo recusa/substituição. Letters of Indemnity (entrega sem B/L original, mudança de destino) são alta exposição; só use com orientação jurídica e anuência de P&I.
• Aceitar NOR inválida e iniciar contagem de laytime.
• Não amarrar porto seguro quando o destino é sensível a clima/política.
• Ignorar off-hire e performance em time charter.
• Omitir FIO/FIOST e taxas de terminal no cálculo do frete.
• Assinar B/L com termos mais onerosos que o C/P sem indenidade do afretador.
Conclusão
Escolher o tipo correto de afretamento — voyage, time, bareboat ou COA — e calibrar cláusulas sensíveis (laytime, demurrage, off-hire, safe port, bunkers, sanções) é o que separa uma operação previsível de um contencioso caro. Parta de formulários BIMCO, registre o recap com precisão e integre B/L e C/P para evitar contradições. Com compliance sólido e seguros adequados, o afretamento transforma volatilidade de portos e mercado em eficiência contratual e menor risco de litígio.
FAQ — Contrato de afretamento: tipos e peculiaridades
1) Quais são os tipos de afretamento mais usados e quando escolher cada um?
Os formatos clássicos são: Voyage Charter (por viagem, paga-se frete; ideal para embarques pontuais e quando o risco de espera pode ser tratado por laytime/demurrage), Time Charter (por tempo, paga-se hire diário; bom para quem quer flexibilidade comercial nas rotas), Bareboat/Demise (a casco nu; transfere posse e operação ao afretador, usado em projetos longos/financiamento) e COA (Contract of Affreightment; compromisso de transportar um volume total em período determinado, sem amarrar um navio específico).
2) O que costuma gerar litígio em voyage e em time charter?
Em voyage, disputas giram em torno de NOR válido, contagem de laytime (WWD/SHINC/SHEX), demurrage/despatch, deadfreight e quem paga FIO/FIOST. Em time, foco em off-hire (quando o hire deixa de correr), speed & consumption warranties (performance), porto/berço seguro e qualidade/quantidade de bunkers na entrega e devolução do navio.
3) Como o Bill of Lading se relaciona com o charter party?
No time charter, o comandante emite B/L a pedido do afretador. Se o B/L trouxer obrigações mais gravosas que o charter party (p.ex., lei aplicável diversa ou responsabilidades ampliadas), o armador geralmente busca indenidade do afretador (cláusula de indemnity). Em voyage, o B/L tende a reproduzir as condições do contrato (cláusula paramount, foro e limites).
4) O que significa “porto/berço seguro” e quem responde se não for?
É a garantia do afretador de indicar porto/berço que, no momento relevante, seja fisicamente seguro (profundidade, abrigos, manobra) e politicamente/operacionalmente seguro (greves, guerras, sanções previsíveis). Se o navio sofre dano ou atraso excessivo por porto inseguro, o afretador pode ser responsabilizado, salvo cláusula que limite essa garantia ou situações imprevisíveis fora do controle razoável.
5) Quais formulários padrão e cláusulas merecem atenção na negociação?
Formulários BIMCO e do mercado: GENCON (voyage/carga seca), ASBATANKVOY (tanque), NYPE/BALTIME (time), BARECON (bareboat). Atenção a: laytime/demurrage e exceções; off-hire e performance; safe port/safe berth; sanctions/war/ice; Himalaya clause; LOI (entrega sem B/L original, alto risco); jurisdição/arbitragem (LMAA Londres, SMA Nova York, SCMA Singapura) e lei aplicável.
Base técnica (fontes legais e de mercado)
- BIMCO Standard Forms: GENCON, NYPE, BALTIME, BARECON, ASBATANKVOY (cláusulas modelo e riders).
- English Maritime Law e arbitragens LMAA — precedentes sobre safe port/berth warranties, off-hire, speed & consumption e contagem de laytime.
- Hague-Visby/COGSA/Hamburg Rules — para integração B/L ↔ charter party (cláusula paramount e limites).
- York–Antwerp Rules — averia grossa em viagens sob afretamento.
- Cláusulas BIMCO de Sanções, War & Ice — conformidade e desvio/recusa por risco.
Aviso importante
Este material é informativo e educacional e não substitui a atuação de profissionais habilitados (advogados marítimos, brokers e peritos). Cada afretamento envolve mercado, rota, porto, navio e contraparte específicos que podem mudar riscos, custos e foro. Antes de assinar, valide o recap, alinhe B/L e charter party, e obtenha orientação técnica sobre cláusulas críticas e seguros.