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Tratamentos Fora do Rol da ANS: Quando o Plano de Saúde é Obrigado a Cobrir

A cobertura de tratamentos fora do rol da ANS é um dos temas mais debatidos do direito à saúde e da regulação dos planos de saúde. Com o aumento das terapias inovadoras, medicamentos de alto custo e procedimentos não listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), surgem dúvidas sobre a obrigatoriedade de custeio pelas operadoras e os limites da atuação judicial. Entender como o rol funciona, o que é considerado “fora do rol” e quais critérios permitem o reembolso ou custeio é essencial para proteger o consumidor e garantir o acesso a tratamentos eficazes.

Resumo rápido:
• O rol da ANS define a cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde.
• A ausência de um tratamento no rol não significa que ele seja automaticamente excluído.
• Após decisão do STJ (2022), o rol é considerado taxativo mitigado: permite exceções.
• O beneficiário pode exigir cobertura se houver comprovação médica, eficácia reconhecida e ausência de alternativa no rol.

O rol de procedimentos e eventos em saúde é uma lista elaborada pela ANS que reúne consultas, exames, terapias e tratamentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde regulamentados. Essa lista é atualizada periodicamente com base em critérios técnicos e avaliações de custo-benefício. O problema surge quando o médico prescreve um tratamento não incluído no rol, mas essencial à saúde do paciente.

Durante anos, a Justiça brasileira tratou o rol como exemplificativo — ou seja, como uma base mínima, permitindo que tratamentos fora da lista também fossem cobertos. No entanto, em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol da ANS é taxativo mitigado, o que significa que a lista é a regra, mas há exceções possíveis quando comprovada a necessidade médica e científica.

Critérios para cobertura fora do rol

Segundo o entendimento atual, a operadora deve cobrir o tratamento fora do rol quando houver:

  • Indicação médica fundamentada — prescrição detalhada justificando a escolha do tratamento e a ineficácia das opções disponíveis no rol.
  • Comprovação científica — existência de estudos técnicos, artigos científicos e reconhecimento por órgãos internacionais (como FDA, EMA ou OMS).
  • Ausência de substituto terapêutico no rol ou esgotamento das alternativas previstas.
  • Autorização da ANS ou da CONITEC (em alguns casos), que reforça a validade do método.
Exemplo prático:
Um paciente diagnosticado com câncer de pulmão metastático tem prescrição de medicamento imunoterápico não previsto no rol. Se houver relatórios médicos detalhados, estudos científicos e inexistência de alternativa equivalente, o plano pode ser obrigado judicialmente a custear o tratamento.

Esses critérios equilibram o direito à saúde com a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. O objetivo não é obrigar as operadoras a custear tudo, mas garantir que o paciente não fique desassistido quando houver necessidade comprovada.

Decisões judiciais e a posição do STJ

O STJ, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.082, consolidou que o rol é taxativo mitigado. Isso quer dizer que o plano de saúde não precisa cobrir automaticamente tudo o que não consta na lista, mas deve fazê-lo quando:

  • não existir tratamento alternativo incluído no rol;
  • houver comprovação científica de eficácia do tratamento prescrito;
  • o tratamento for reconhecido por órgãos técnicos nacionais ou internacionais de renome;
  • e for recomendação médica indispensável à manutenção da vida ou à recuperação da saúde do paciente.

O STJ também afirmou que não cabe ao plano substituir o médico na decisão sobre o melhor tratamento, desde que a prescrição esteja embasada e siga padrões científicos. No entanto, não basta apenas o desejo do paciente: a prova técnica e a relação custo-benefício são avaliadas pelos tribunais.

Procedimentos mais comuns fora do rol

  • Medicamentos imunoterápicos e biológicos de alto custo (especialmente oncológicos).
  • Tratamentos para autismo e terapias multidisciplinares intensivas (ABA, integração sensorial).
  • Terapias experimentais com evidência científica crescente, mas ainda não incluídas pela ANS.
  • Cirurgias com técnicas minimamente invasivas ou novos dispositivos médicos.
Dica prática:
Antes de entrar com ação judicial, o beneficiário deve solicitar formalmente à operadora a autorização do tratamento, apresentando relatório médico detalhado, estudos científicos e comprovação de urgência. A negativa deve vir por escrito, com a justificativa técnica do indeferimento.

Se o plano negar o pedido de forma genérica (“tratamento fora do rol”), o consumidor pode recorrer administrativamente à ANS e registrar reclamação no Procon ou no portal consumidor.gov.br. Persistindo a negativa, é possível acionar o Poder Judiciário com pedido de tutela de urgência para custeio imediato, especialmente em casos de risco de vida.

Como agir judicialmente

  • Reúna documentos: prescrição médica, exames, relatórios, negativa do plano e estudos científicos sobre o tratamento.
  • Peça liminar (tutela de urgência) para garantir o início rápido do tratamento.
  • Fundamente no CDC (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde).
  • Informe que a negativa viola os princípios da boa-fé contratual e da dignidade da pessoa humana.

Em muitos casos, os tribunais determinam a cobertura integral do tratamento, com base no princípio da proteção à saúde e no caráter essencial da assistência médica. Quando há risco de morte, a liminar costuma ser concedida em poucos dias, obrigando o plano a custear o tratamento imediatamente.

Base técnica e legal:
Lei nº 9.656/98 — dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
Resoluções Normativas da ANS — definem e atualizam o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Tema Repetitivo 1.082 do STJ — reconhece o rol taxativo mitigado e os critérios para cobertura excepcional.
CDC — garante o direito à informação clara, equilíbrio contratual e proteção contra abusos na relação de consumo.
CF/88, art. 196 — assegura que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.

Conclusão

A cobertura de tratamentos fora do rol da ANS é uma realidade crescente e complexa. O rol funciona como referência mínima, mas não pode ser usado como barreira quando o tratamento é necessário, eficaz e comprovado. A decisão do STJ trouxe equilíbrio: protege a sustentabilidade do sistema, mas preserva o direito do paciente diante de omissões técnicas. Em resumo, o consumidor pode exigir cobertura quando há prova médica consistente, respaldo científico e inexistência de alternativa eficaz no rol. Nesses casos, o direito à saúde e à vida deve sempre prevalecer sobre a rigidez contratual.

FAQ — Cobertura de tratamentos fora do rol da ANS

1) O que significa “fora do rol da ANS”?

São tratamentos, medicamentos ou procedimentos que não constam na lista oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O rol define a cobertura mínima obrigatória dos planos, mas a ausência de um item não significa que ele não possa ser coberto. Em casos específicos, com justificativa médica e comprovação científica, o custeio pode ser exigido judicialmente.

2) O plano pode negar automaticamente um tratamento fora do rol?

Não. Após decisão do STJ (Tema Repetitivo 1.082), o rol passou a ser considerado taxativo mitigado, ou seja, ele é uma referência, mas admite exceções. Se o tratamento for essencial, tiver eficácia comprovada e não houver alternativa equivalente no rol, a operadora pode ser obrigada a cobrir.

3) Quais critérios permitem a cobertura fora do rol?

  • Indicação médica fundamentada — relatório que explique a necessidade do tratamento.
  • Comprovação científica — estudos e pareceres técnicos reconhecendo a eficácia.
  • Ausência de substituto terapêutico — o paciente já testou ou não pode usar os métodos do rol.
  • Reconhecimento técnico — aprovação por órgãos nacionais ou internacionais de saúde.

4) Quais tratamentos mais geram disputa?

  • Medicamentos imunoterápicos e biológicos usados em oncologia.
  • Terapias para autismo (como ABA e integração sensorial).
  • Cirurgias e técnicas minimamente invasivas não listadas no rol.
  • Medicamentos importados com eficácia reconhecida, mas ainda sem registro nacional.

5) O que fazer quando o plano nega o pedido?

  • Solicite a negativa por escrito com a justificativa técnica.
  • Peça revisão administrativa na própria operadora.
  • Registre reclamação na ANS e no Procon.
  • Se persistir a recusa, procure o Judiciário e peça uma liminar para garantir o tratamento.

6) Que documentos são necessários para ingressar na Justiça?

  • Prescrição médica detalhada e relatório clínico.
  • Comprovação científica (artigos, pareceres técnicos, estudos).
  • Negativa formal do plano com data e motivo.
  • Exames e laudos que comprovem a necessidade do tratamento.

7) O juiz pode obrigar o plano a cobrir o tratamento?

Sim. Em situações de urgência ou risco de vida, os juízes costumam conceder tutela de urgência determinando que o plano autorize imediatamente o tratamento. A decisão é fundamentada no direito à vida e à saúde previstos na Constituição Federal.

8) O que é o rol taxativo mitigado do STJ?

Significa que o rol da ANS é a base principal de cobertura, mas pode ser mitigado em situações específicas. Assim, o plano não é obrigado a cobrir tudo, mas também não pode negar um tratamento com base científica comprovada e indicação médica justificada. Essa posição busca equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema e o direito do paciente.

9) E se o tratamento for experimental?

Se for considerado experimental (sem comprovação científica suficiente ou sem aprovação por órgãos oficiais), o plano pode negar. Contudo, se existirem estudos sólidos e o método já for utilizado internacionalmente com sucesso, há margem para contestação judicial.

10) Como agir preventivamente?

  • Peça sempre relatórios médicos detalhados e atualizados.
  • Mantenha cópias de laudos, exames e prescrições.
  • Verifique se o contrato do plano está conforme a Lei nº 9.656/98 e as resoluções da ANS.
  • Pesquise decisões judiciais semelhantes ao seu caso (muitos precedentes podem ajudar).

Base técnica (fontes legais e doutrinárias)

  • Lei nº 9.656/1998 — dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
  • Resoluções Normativas da ANS — definem e atualizam o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
  • Tema 1.082/STJ — rol taxativo mitigado, critérios de cobertura fora do rol.
  • CDC (Lei nº 8.078/1990) — direito à informação, transparência e equilíbrio contratual.
  • CF/88, art. 196 — assegura que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.

Aviso importante

Este conteúdo tem caráter educativo e informativo e não substitui a análise individualizada de um advogado especializado ou profissional habilitado. Cada caso depende de documentos, histórico médico e tipo de contrato. A decisão judicial considera as provas científicas e o risco à vida em cada situação específica.

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