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Maus-tratos: entenda a caracterização, punições e principais decisões da Justiça

Maus-tratos no ordenamento brasileiro: conceito nuclear e campos de incidência

No discurso jurídico brasileiro, “maus-tratos” é expressão-guarda-chuva que aparece em diferentes diplomas e contextos. Em sentido estrito penal, remete ao art. 136 do Código Penal (CP), que incrimina expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob autoridade, guarda ou vigilância, seja por meio de privação de alimentos ou cuidados indispensáveis, submissão a trabalhos excessivos ou penosos, ou uso de castigos imoderados. Em sentido setorial, a noção aparece (i) no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que veda o vexame ou constrangimento e outras práticas atentatórias à integridade; (ii) no Estatuto do Idoso, com tipos específicos que reprimem condutas que exponham o idoso a perigo, tratamento desumano ou degradante; (iii) na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que, no art. 32, criminaliza atos de abuso, maus-tratos, ferimentos ou mutilações contra animais silvestres, domésticos ou domesticados; e (iv) na Lei Maria da Penha, na qual práticas de maus-tratos integram a violência física, psicológica ou moral contra a mulher em ambiente doméstico e familiar.

Em todas essas frentes, a diretriz é a proteção da dignidade e da integridade física e psíquica de pessoas — especialmente em situação de vulnerabilidade — e de animais, à luz do repúdio constitucional a tratamentos cruéis e degradantes. A jurisprudência tem, gradualmente, densificado os contornos de cada tipo, definindo elementos objetivos (condutas e resultados), elementos subjetivos (dolo e culpa quando cabível), formas de prova e critérios de dosimetria.

Mapa rápido de diplomas

  • CP, art. 136 — maus-tratos contra pessoa sob autoridade/guarda; crime de perigo à vida/saúde; inclui castigo imoderado.
  • ECA — proibição de vexame/constrangimento (art. 232) e mecanismos de proteção (medidas tutelares, rede de atendimento).
  • Estatuto do Idoso — tipos penais próprios (art. 99 e correlatos) sobre exposição a perigo e condições desumanas.
  • Lei 9.605/1998, art. 32 — maus-tratos a animais; inclui domésticos, domesticados e silvestres; penas aumentadas por resultado e circunstâncias.
  • Lei Maria da Penha — enquadramento de condutas de maus-tratos como violência doméstica e familiar, com medidas protetivas.

Art. 136 do Código Penal: estrutura típica, alcance e distinções

Bem jurídico e natureza

O tipo tutela a vida e a saúde (física e psíquica) de pessoas que, pela relação com o agente, estão sob poder-dever de cuidado: pais, responsáveis, empregadores, educadores, cuidadores, dirigentes de instituições, entre outros. A doutrina majoritária classifica o delito como crime de perigo — tradicionalmente entendido como perigo concreto (exige-se prova de que a conduta gerou risco relevante ao bem jurídico), embora decisões reconheçam a suficiência de perigo abstrato qualificado quando a conduta, por sua própria natureza, é notoriamente lesiva (ex.: privação substancial e injustificada de alimentos a criança).

Núcleos do tipo

  • Privar de alimentação ou cuidados indispensáveis à conservação da vida/saúde.
  • Submeter a trabalhos excessivos ou a serviços penosos incompatíveis com a idade/condição.
  • Aplicar castigos imoderados (violência disciplinar desproporcional).

O elemento subjetivo é o dolo (vontade de praticar a conduta sabidamente arriscada). A culpa não é típica. O tipo admite formas omissivas (ex.: deixar deliberadamente de prover alimentação/medicação).

Resultados e qualificações

A pena base é de detenção (curto período) ou multa. Se da prática resulta lesão corporal de natureza grave ou morte, incidem qualificadoras com pena mais rigorosa. Em contexto doméstico e familiar, a prática pode, ainda, absorver ou concorrer com outras figuras (lesão corporal, tortura, abandono de incapaz), conforme o caso.

Distinções relevantes

  • Tortura (Lei 9.455/1997): exige dolo específico (finalidade de castigar, obter confissão/informação etc.) e intenso sofrimento. Se presentes, a tortura prevalece.
  • Lesão corporal (CP, art. 129): quando há efetiva lesão e autor individualizado, pode haver concurso ou deslocamento do enquadramento, a depender da prova.
  • Abandono de incapaz (CP, art. 133): recai sobre abandono físico/espacial com exposição a perigo. Maus-tratos podem ocorrer sem abandono espacial, pela privação ou castigo imoderado.
Provas usuais no art. 136

  • Prontuários e laudos do IML/hospital (baixo peso, desidratação, ferimentos, fraturas antigas mal curadas).
  • Relatórios de escola/CRAS/CREAS e visitas domiciliares com registros fotográficos.
  • Perícias ambientais (higiene, disponibilidade de alimentos/medicamentos) e depoimentos de vizinhos.
  • Mensagens e orientações que demonstrem castigo imoderado ou submissão a trabalho penoso.

ECA e proteção infantojuvenil: do vexame/constrangimento à rede de proteção

Tipificação e medidas

O ECA prevê, entre outras figuras, o art. 232 (submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento) e dispositivos de responsabilização administrativa de instituições de ensino, saúde e acolhimento que, por ação ou omissão, violem direitos. A atuação é integrada: Ministério Público, Conselhos Tutelares e rede socioassistencial.

Na prática, maus-tratos infantis abrangem violência física, psicológica, negligência e abandono. Em muitos casos, o caminho processual envolve medidas protetivas (art. 98/101 do ECA), medidas cautelares contra agressores e eventual ação de destituição do poder familiar, sem prejuízo das esferas penal e cível.

Estatuto do Idoso: maus-tratos e vulnerabilidade ampliada

No Estatuto do Idoso, o art. 99 criminaliza expor a perigo a integridade e a saúde física ou psíquica do idoso, sujeito à autoridade, guarda, vigilância ou cuidado, com pena de detenção e multa, além de causas de aumento e agravantes. Outras figuras (como apropriação de bens/pensões e abandono) compõem o mosaico de proteção. A jurisprudência reconhece reiteradamente negligência em lares e instituições como forma de maus-tratos (falta de higiene, medicação irregular, contenções ilegais).

Maus-tratos a animais: evolução normativa e julgados paradigmáticos

Lei de Crimes Ambientais, art. 32

O art. 32 pune abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A redação tem sido interpretada de modo amplo, alcançando desde omissões (privação de água/comida, confinamento insalubre) a ações diretas (espancamento, mutilação, dopagem). Há agravantes por morte do animal e por circunstâncias específicas previstas em alterações legislativas recentes (p. ex., aumento de pena para cães e gatos).

Jurisprudência

  • STF e práticas culturais cruéis: o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade de práticas que impõem sofrimento a animais (casos paradigmáticos envolvendo “farra do boi” e, posteriormente, a “vaquejada” em julgamento que considerou a crueldade incompatível com a Constituição). Mesmo após alterações constitucionais que buscaram proteger manifestações culturais, a Corte tem exigido mecanismos efetivos de prevenção de crueldade.
  • STJ e alcance do art. 32: a Corte reforça que o tipo abrange animais domésticos e que omissões graves (falta de água, alimento, cuidados veterinários) configuram maus-tratos. A jurisprudência também valida laudos de médico-veterinário e registros fotográficos como prova bastante para recebimento de denúncia e condenação.
Boas práticas investigativas (animais)

  • Laudo veterinário detalhado (condição corporal, parasitoses, lesões, escore de dor, exames).
  • Fotos/vídeos com carimbo temporal e medição do ambiente (temperatura, ventilação, abrigo).
  • Histórico de denúncias e visitas de fiscalização; recolhimento de testemunhos de vizinhos.
  • Encaminhamento para ONGs/centros de acolhimento, preservando a cadeia de custódia de evidências.

Elementos probatórios e perícia: como se demonstra “maus-tratos”

Embora os tipos variem, a lógica probatória costuma combinar: (a) prova técnica (laudos médico-legais, psicológicos, veterinários); (b) provas documentais e digitais (prontuários, relatórios, mensagens, fotos, vídeos); e (c) testemunhos qualificados (profissionais de saúde/educação, vizinhos, familiares, policiais). Em crimes de perigo, é essencial demonstrar a situação de risco relevante criada pela conduta; em crimes de lesão, demonstrar o nexo causal e a extensão do dano.

Jurisprudência selecionada: linhas interpretativas recorrentes

  • Castigo imoderado (CP, art. 136): tribunais consideram desproporcional o uso de violência com fins “disciplinares” (palmadas com instrumentos, queimaduras intencionais, privação de alimentação como punição). Em contextos de reiterada violência doméstica, há decisões que reconhecem concurso com lesão corporal e aplicação de medidas protetivas.
  • Negligência grave (ECA/Idoso): omissões em instituições (asilos, creches, clínicas) — como falta de higiene, medicamentos e alimentação — têm ensejado condenações criminais e indenizações civis, com responsabilização de dirigentes quando comprovado o dever de garantia.
  • Animais e crueldade: além de reprimir condutas individuais, decisões têm vedado atos públicos de entretenimento que impliquem sofrimento, e validado operações de resgate com base em indícios objetivos de maus-tratos.

Responsabilidade civil e administrativa: além do penal

Os mesmos fatos podem gerar responsabilidade civil (indenização por danos morais e materiais) e administrativa (multas, interdições, perda de alvará). Em relações de consumo, estabelecimentos respondem por falhas no dever de segurança. Na esfera pública, gestores podem responder por improbidade se a omissão culposa/dolosa perpetua maus-tratos em unidades sob sua coordenação.

Políticas de prevenção e compliance: reduzir risco e proteger vulneráveis

  • Protocolos escritos para escolas, hospitais, asilos, abrigos e organizações esportivas, com fluxos de denúncia, encaminhamento e preservação de provas.
  • Treinamentos periódicos para reconhecer sinais (hematomas, perda de peso, retraimento, marcas de contenção) e acionar a rede de proteção.
  • Auditorias internas e externas (checklists de higiene, nutrição, medicação, manejo de animais).
  • Transparência com familiares, tutores e órgãos de controle, inclusive com prontuários digitais e logs de atendimento.
Quadro — Sinais de alerta (humano e animal)

  • Feridas frequentes e explicações inconsistentes sobre sua origem.
  • Perda de peso, desidratação, apatia, isolamento social.
  • Marcas de contenção ou de instrumentos (cintos, cabos, laços).
  • Ambiente insalubre, sem ventilação, sem acesso à água, com fezes/urina acumuladas.
  • Comportamentos defensivos extremos (medo de contato com cuidadores).

Visual didático — risco de dano em cenários de negligência

O gráfico abaixo é ilustrativo e demonstra a intuição consolidada em literatura aplicada: a probabilidade de dano grave cresce com o tempo de exposição a negligências e com a gravidade das privações.

Risco de dano ↑ Tempo de exposição → Negligência moderada Negligência grave

Estudos de caso didáticos (hipóteses) e enquadramento

1) Privação alimentar em instituição de acolhimento

Relatórios apontam crianças com baixo peso e ausência de registros de refeições. Enquadramento: CP, art. 136 (privação de alimentos), ECA (medidas de proteção) e responsabilidade administrativa. Provas: prontuários, laudos nutricionais, inspeção sanitária, depoimentos.

2) Idoso em clínica com lesões por pressão

Fotografias e prontuários mostram úlceras de decúbito sem manejo adequado. Enquadramento: Estatuto do Idoso (art. 99), responsabilidade civil por falha de cuidado e, se houver dolo ou risco consciente, art. 136 do CP.

3) Cães confinados sem água à sombra

Equipe encontra animais desidratados, magros, ambiente sujo. Enquadramento: Lei 9.605/1998, art. 32 (maus-tratos a animais). Provas: laudo veterinário, fotos, vídeos, depoimentos. Medidas: apreensão dos animais, multa administrativa, ação penal.

Jurisprudência aplicada: tendências e cuidados

  • Valorização da prova técnica: laudos médicos e veterinários bem estruturados costumam ser determinantes para comprovar perigo/lesão e o nexo com a conduta.
  • Relevância da omissão consciente: tribunais têm equiparado omissões graves à ação direta quando há dever de cuidado.
  • Proteção integral: decisões à luz do ECA e do Estatuto do Idoso privilegiam medidas de proteção imediatas e responsabilização de dirigentes.
  • Vedação à crueldade animal: cortes superiores mantêm linha de tolerância zero a práticas culturais que causem sofrimento, exigindo adaptações robustas para afastar crueldade.
Erros comuns (e como evitar)

  • Confundir maus-tratos (perigo/privação/castigo imoderado) com lesão corporal ou tortura sem analisar o dolo específico e o nexo causal.
  • Subestimar omissões em instituições: relatórios e registros são tão importantes quanto lesões visíveis.
  • Negligenciar a cadeia de custódia de fotos/vídeos e a obtenção de laudos tempestivos.
  • Ignorar medidas protetivas e fluxos intersetoriais (Conselho Tutelar, CREAS, Vigilância Sanitária).

Roteiro prático de atuação (aplicável a humano e animal)

  1. Detecção: identifique sinais clínicos e ambientais; colha relatos iniciais.
  2. Preservação de prova: fotos/vídeos com data/hora; recolha de documentos; solicite exames e laudos.
  3. Encaminhamento: acione a rede de proteção (ECA/Idoso), órgãos ambientais (animais) e, se necessário, urgência médica.
  4. Tipificação: avalie art. 136 do CP, ECA/Idoso, art. 32 da Lei 9.605 e eventual concurso de crimes.
  5. Medidas cautelares: garanta afastamento do agressor, apreensão de animais, interdição de espaços insalubres.
  6. Gestão e compliance: implemente políticas escritas, treinamento e auditorias periódicas.

Base técnica (fontes legais e parâmetros de interpretação)

  • Constituição Federal — dignidade da pessoa humana; vedação à crueldade; proteção de crianças, adolescentes e idosos; tutela do meio ambiente.
  • Código Penal, art. 136 — maus-tratos contra pessoa sob autoridade/guarda; qualificadoras por lesão grave ou morte.
  • Lei 9.605/1998, art. 32 — crimes de maus-tratos a animais; alterações que elevaram penas para espécies domésticas.
  • Estatuto da Criança e do Adolescente — art. 232 (vexame/constrangimento) e sistema de proteção integral (arts. 98, 101).
  • Estatuto do Idoso — art. 99 (exposição a perigo e condições desumanas), entre outros.
  • Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) — medidas protetivas e enquadramento de maus-tratos como violência doméstica.
  • Jurisprudência STF/STJ — proteção contra crueldade animal; alcance do art. 32; valorização de laudos e provas técnicas; reconhecimento de omissões de cuidado como maus-tratos.

Conclusão

“Maus-tratos” é categoria transversal que o ordenamento brasileiro utiliza para prevenir e reprimir condutas que atentam contra a integridade de pessoas e animais, sobretudo em contextos de vulnerabilidade e relações de cuidado. No eixo penal, o art. 136 do CP tipifica o perigo criado por privações e castigos imoderados; no eixo protetivo, ECA e Estatuto do Idoso acionam redes e medidas urgentes; no eixo ambiental, o art. 32 da Lei 9.605 consolida o repúdio à crueldade contra animais, acompanhado por jurisprudência firme das cortes superiores. A prática forense exige prova técnica consistente, atenção às omissões qualificadas, análise criteriosa do nexo causal e articulação com instrumentos cíveis e administrativos. Na gestão, protocolos, treinamento e auditoria reduzem riscos e salvam vidas. Em última análise, caracterizar corretamente maus-tratos — e responder com políticas e decisões baseadas em evidência e nos limites constitucionais — é condição para efetivar a promessa de dignidade inscrita na Constituição e orientar a jurisprudência para a proteção integral.

Aviso importante: este conteúdo é informativo e educativo e não substitui a orientação personalizada de profissionais habilitados(as) (jurídicos, de saúde, veterinários). Em situações de risco imediato ou suspeita de maus-tratos, acione os serviços de emergência e os órgãos competentes, preservando provas e garantindo proteção à vítima.
  • Conceito jurídico: maus-tratos abrangem condutas que atentam contra a integridade física, psíquica ou moral de pessoas ou animais, conforme art. 136 do CP, ECA, Estatuto do Idoso e Lei 9.605/98.
  • Tipos de maus-tratos: físicos, psicológicos, negligência, abandono, privação de cuidados, castigos imoderados, abuso e exposição a perigo.
  • Sujeitos: qualquer pessoa em posição de autoridade, guarda ou vigilância; tutores e responsáveis legais; cuidadores de idosos e profissionais de instituições.
  • Consequências penais: pena de detenção e multa; agravamento se houver lesão grave ou morte; concorrência com crimes de tortura, abandono ou lesão corporal.
  • Proteção de vulneráveis: crianças e adolescentes (ECA), idosos (Lei 10.741/03) e animais (Lei 9.605/98, art. 32) possuem tutela penal específica.
  • Provas essenciais: laudos médicos ou veterinários, relatórios de serviços sociais, prontuários, registros fotográficos e testemunhos.
  • Jurisprudência: STF e STJ consolidaram a vedação a práticas cruéis e reforçaram a equiparação de omissão grave à ação direta de maus-tratos.
  • Responsabilidade civil e administrativa: indenizações, interdição de instituições e perda de alvará em casos de negligência comprovada.
  • Prevenção e compliance: implementação de protocolos de denúncia, fluxos de comunicação, capacitação e auditoria institucional periódica.
  • Denúncia: acione o Disque 100, 190 (emergência), órgãos ambientais ou conselhos tutelares em caso de suspeita ou confirmação de maus-tratos.
FAQ — Maus-tratos: caracterização e jurisprudência (formato normal, sem schema e sem acordeão)

O que configura “maus-tratos” no Direito brasileiro?

Em sentido estrito penal, maus-tratos estão no art. 136 do Código Penal: expor a perigo a vida ou a saúde de quem está sob autoridade, guarda ou vigilância, por privação de alimentos/cuidados, submissão a trabalhos excessivos ou aplicação de castigos imoderados. Em sentido setorial, a noção também aparece no ECA (art. 232), no Estatuto do Idoso (art. 99) e na Lei 9.605/1998 (art. 32, animais), além de integrar hipóteses na Lei Maria da Penha.

É preciso haver lesão para caracterizar o crime do art. 136 do CP?

Não necessariamente. O tipo tutela perigo à vida/saúde. Ainda que a doutrina discuta perigo concreto, a jurisprudência reconhece que condutas como privação substancial de alimento ou castigo imoderado podem, por si, evidenciar risco relevante. Se houver lesão grave ou morte, incidem as qualificadoras.

Como diferenciar maus-tratos de tortura e de lesão corporal?

Tortura (Lei 9.455/1997) exige dolo específico (castigar, obter confissão/informação) e intenso sofrimento, prevalecendo quando presentes. Lesão corporal (art. 129 do CP) incide quando há dano efetivo com autor individualizado. Maus-tratos focam a exposição ao perigo por privação/castigo imoderado em contexto de dever de cuidado.

Quais são exemplos práticos de maus-tratos a crianças e adolescentes?

Negligência grave (falta de alimentação, higiene e cuidados médicos), castigos físicos imoderados, submissão a trabalho penoso, e práticas de vexame/constrangimento (ECA, art. 232). A resposta costuma envolver medidas protetivas (arts. 98 e 101 do ECA), investigação penal e eventual ação cível.

Como a lei trata maus-tratos a idosos?

O Estatuto do Idoso prevê no art. 99 crime de expor a perigo a integridade e a saúde do idoso sob cuidado/guarda. Jurisprudência reconhece como maus-tratos omissões em clínicas e lares (higiene precária, medicação irregular, contenções ilegais), com repercussões penais, civis e administrativas.

Maus-tratos a animais: o que diz a Lei 9.605/1998?

O art. 32 criminaliza abusar, maltratar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados. Provas típicas: laudo veterinário, fotos/vídeos, depoimentos. Cortes superiores têm vedado práticas cruéis e reforçado a proteção, com aumento de penas para certas espécies em alterações legislativas recentes.

Quais provas costumam ser decisivas em casos de maus-tratos?

Laudos técnicos (IML, médicos, psicológicos, veterinários), prontuários, relatórios de visitas domiciliares, fotos/vídeos com carimbo temporal, mensagens/ordens que revelem castigo imoderado ou privação, e testemunhos qualificados. A preservação da cadeia de custódia é crucial.

Qual é a responsabilidade civil e administrativa além do crime?

Os autores podem responder por indenização (danos morais e materiais) e sofrer sanções administrativas (multas, interdições, perda de alvará). Instituições têm dever de garantia e podem ser responsabilizadas por omissões que mantenham ambientes insalubres ou práticas abusivas.

Que medidas de prevenção e compliance são recomendadas?

Protocolos escritos de detecção, denúncia e encaminhamento; treinamento de equipes para reconhecer sinais de alerta; auditorias periódicas; prontuários/registro digital de atendimentos; e integração com Conselho Tutelar, Vigilância Sanitária e órgãos ambientais, conforme o caso.

O que fazer ao suspeitar de maus-tratos?

Não confronte o possível autor sem segurança. Preserve provas (fotos, vídeos, documentos), acione a rede de proteção adequada (ex.: Conselho Tutelar para crianças, Disque 100 para violações de direitos humanos, órgãos ambientais para animais) e, em emergência, ligue 190/192.

Base técnica (fontes legais e parâmetros)

  • Código Penal — art. 136: maus-tratos (perigo à vida/saúde; privação; trabalho excessivo; castigo imoderado); qualificadoras por lesão grave ou morte.
  • ECA — art. 232 (vexame/constrangimento) e arts. 98/101 (medidas protetivas e rede de atendimento).
  • Estatuto do Idoso — art. 99: exposição a perigo e condições desumanas; responsabilização de cuidadores e instituições.
  • Lei 9.605/1998 — art. 32: maus-tratos a animais (abusar, maltratar, ferir, mutilar); agravantes e prova pericial veterinária.
  • Lei 11.340/2006 (Maria da Penha): medidas protetivas e enquadramento de maus-tratos na violência doméstica.
  • Constituição Federal: dignidade da pessoa humana; proteção integral de crianças/adolescentes/idosos; vedação à crueldade contra animais; tutela do meio ambiente.
Aviso importante: este material é informativo e educativo e não substitui a orientação individualizada de profissionais habilitados(as) (jurídicos, de saúde, veterinários). Cada caso exige análise técnica das provas, do nexo causal e dos dispositivos legais aplicáveis. Em risco imediato, acione os serviços de emergência e a rede de proteção competente.

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