Negativa de Cobertura por Plano de Saúde: Entenda Quando é Ilegal e Como Garantir seu Direito
Negativa de cobertura por plano de saúde: quando é ilegal e como reagir de forma técnica
Negativas de cobertura por operadoras de planos de saúde são um dos principais gatilhos de judicialização da saúde no Brasil. Nem toda recusa é abusiva — há limitações contratuais e legais válidas —, mas uma parcela expressiva decorre de práticas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), pela Lei nº 9.656/1998 e por normas da ANS. Este guia organiza, em linguagem operacional, os casos em que a negativa tende a ser ilegal, os fundamentos que sustentam a concessão de tutela de urgência e os passos para estruturar um dossiê probatório robusto.
A recusa indevida pode provocar dano material (gastos particulares com internação, cirurgia, medicamentos) e dano moral (especialmente em cenários de urgência, risco de vida ou agravo da doença). A jurisprudência consolidou parâmetros para home care, medicamentos de alto custo, terapias multiprofissionais no TEA, tratamentos oncológicos, órteses e próteses, além de controvérsias como off label e fora do rol de procedimentos da ANS (modelo hoje entendido como taxatividade mitigada pelo STJ).
Base legal essencial
- Lei nº 9.656/1998 — regula planos e seguros privados de assistência à saúde (carência, doenças e lesões preexistentes, coberturas mínimas, urgência/emergência).
- CDC — arts. 6º (direitos básicos), 14 (responsabilidade objetiva), 39 e 51 (práticas e cláusulas abusivas), boa-fé e equilíbrio contratual.
- Normas ANS — Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (atualizações periódicas); regras sobre prazos de autorização/atendimento e mecanismos de regulação; diretrizes de utilização (DUT).
- Estatuto da Pessoa com Deficiência e legislação de saúde mental e cuidados continuados (reforçam acessibilidade e terapias multiprofissionais quando indicadas).
- Lei nº 12.732/2012 (Lei dos 60 dias) e diplomas oncológicos correlatos que inspiram protocolos de tempestividade em terapias contra o câncer (aplicados por analogia em seguros/planos em diversas decisões).
- Jurisprudência do STJ — destaque para o entendimento do rol da ANS como taxativo mitigado (admite cobertura fora do rol quando presentes critérios técnicos) e para precedentes sobre home care, órteses/proteses e medicamentos de uso domiciliar em certas hipóteses.
Hipóteses recorrentes de negativa ilegal
1) Urgência e emergência sem carência integral
Nas primeiras 24 horas de vigência, já existe cobertura para urgência e emergência (Lei 9.656/98). A operadora pode, a depender do produto, limitar a internação em regime de observação por curto período em algumas modalidades antigas, mas recusa absoluta de atendimento viola a lei e enseja tutela de urgência. Em situações de risco de vida ou lesão irreparável, a judicialização com pedido liminar e astreintes é usualmente acolhida.
2) Negativa por ser tratamento “fora do rol” da ANS
O STJ fixou modelo de taxatividade mitigada: o rol orienta a cobertura mínima, mas não bloqueia tratamentos indispensáveis quando: (i) há indicação médica fundamentada, (ii) inexistem alternativas substitutas no rol com eficácia equivalente, (iii) há evidência científica de eficácia e segurança (diretrizes nacionais/internacionais), e (iv) o tratamento foi autorizado pela Anvisa (no caso de fármacos) ou é amplamente aceito pela comunidade médica. Nesses cenários, a recusa com base exclusiva em “não constar do rol” tende a ser abusiva.
3) Negativa por “uso off label”
Uso off label (fora da bula) não é automaticamente ilícito. Havendo indicação médica detalhada, evidência científica e inexistindo alternativa eficaz, muitos tribunais determinam a cobertura — sobretudo em oncologia, doenças raras e imunobiológicos. A exigência permanente é a segurança e a necessidade clínica, não a literalidade da bula.
4) Home care prescrito como substituto adequado à internação
Quando o home care é indicado para substituir internação hospitalar, a negativa baseada em argumento genérico (“não possui cobertura domiciliar”) costuma ser abusiva. Se o contrato cobre internação, deve cobrir o cuidado domiciliar equivalente quando clinicamente indicado, observando-se equivalência terapêutica e protocolos de segurança.
5) Órteses, próteses e materiais indispensáveis ao ato cirúrgico
É ilegal negar órteses e próteses necessárias ao sucesso da cirurgia (p.ex., stents, telas, válvulas) sob argumento de “material importado” ou “fora do rol” quando integram o ato cirúrgico. A controvérsia maior reside em OPM de finalidade estética ou para uso domiciliar — que podem ser excluídas —, mas o que é assistencialmente indispensável ao procedimento deve ser coberto.
6) Terapias multiprofissionais no TEA e reabilitação
Decisões reiteradas impõem cobertura de ABA, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia sem limitação arbitrária de sessões quando há prescrição médica e necessidade contínua. Limites contratuais rígidos e coparticipações desincentivadoras podem ser tidos como abusivos em crianças/adolescentes com TEA ou condições equiparadas.
7) Oncologia e medicamentos de alto custo
Recusas para quimioterápicos orais, imunoterapia e terapias-alvo são frequentemente derrubadas quando a indicação é oncológica e respaldada por diretrizes e agências de avaliação. A exigência de “substituir por fármaco do rol” deve ser tecnicamente demonstrada; não basta invocação abstrata de custo.
8) Internação psiquiátrica, saúde mental e dependência química
Negativas por “carência” ou por “rede inexistente” em casos agudos podem ser abusivas. Havendo risco, o plano deve fornecer rede adequada ou reembolsar o tratamento fora da rede quando comprovada inviabilidade de acesso tempestivo.
9) Tratamento por médico fora da rede quando há urgência/indisponibilidade
Se a operadora não consegue ofertar rede habilitada no tempo e local adequados, o usuário pode recorrer a prestador externo e exigir reembolso integral ou cobertura direta, conforme a impossibilidade comprovada de utilização da rede credenciada.
Prazos e regulação (referência)
- Autorização e atendimento devem observar prazos máximos definidos pela ANS por tipo de procedimento (consultas, exames simples e especiais, terapias, cirurgias eletivas). A extrapolação injustificada pode caracterizar negativa tácita.
- Negativas devem ser justificadas por escrito, com base técnica e indicação de normas aplicáveis. Respostas genéricas costumam ser insuficientes em juízo.
- Planos antigos podem ter regramento distinto, mas continuam submetidos ao CDC e ao controle de abusividade.
Como montar o dossiê probatório e pedir tutela de urgência
Elementos indispensáveis
- Relatório médico detalhado (diagnóstico, CID, histórico terapêutico, justificativa da escolha, riscos de atraso, alternativas testadas, diretrizes).
- Prescrição e estimativa de doses/custos (em fármacos/insumos) e escopo (em terapias/home care).
- Comprovação da negativa (protocolo, e-mail, área do beneficiário no app, resposta da operadora).
- Provas de urgência (ex.: laudos, exames, parecer multiprofissional) e de que a rede não atendeu dentro do prazo.
Pedidos comuns na inicial
- Tutela de urgência para autorizar o tratamento em 24/48 horas, sob pena de astreintes e comunicação imediata à unidade prestadora.
- Obrigação de fazer (cobertura) cumulada com indenização por danos morais em casos de risco/agravo relevante.
- Reembolso integral quando o usuário precisou custear para não interromper terapia essencial.
- Proibição de rescisão unilateral retaliatória e manutenção de rede/habilitação necessária ao caso.
Exemplo didático — principais motivos de negativa judicializados (valores fictícios apenas para visualização)
Tópicos sensíveis e argumentos frequentes
Medicamento de uso domiciliar
Em regra, planos podem excluir medicação de uso domiciliar. Contudo, tribunais têm imposto cobertura quando: (i) o fármaco é parte indissociável do tratamento coberto (ex.: quimioterápico oral), (ii) há risco grave se interrompido, ou (iii) é o único substituto terapêutico eficaz indicado pelo médico.
Diretrizes de Utilização (DUT) e relatórios médicos
As DUT da ANS estabelecem critérios técnicos mínimos. Negativas automáticas por “não cumprir a DUT” sem análise clínica individualizada tendem a ser abusivas. Relatórios bem fundamentados (com literatura e resultados prévios) superam barreiras burocráticas em juízo.
Limitação de sessões e coparticipação excessiva
Limites fixos de sessões (p.ex., 12 ao ano) descolados da necessidade terapêutica e coparticipações que inviabilizam o tratamento podem ser declarados abusivos, especialmente em crianças, idosos e pessoas com deficiência.
Reajustes e “adimplência assistida” como barreira
Restrições por inadimplência pontual em situações de risco imediato recebem controle estrito nos tribunais, que exigem proporcionalidade e garantem o atendimento mínimo de urgência.
Checklist prático para o caso
- 1) Reúna relatório médico e prescrição completos (CID, histórico, risco do atraso, referências).
- 2) Colete provas da negativa (nº de protocolo, e-mail, área do beneficiário, laudos de rede indisponível).
- 3) Documente a urgência e a inexistência de alternativas equivalentes.
- 4) Se necessário, custeie temporariamente e guarde notas para pedir reembolso.
- 5) Ajuíze ação com tutela de urgência e pedido de astreintes; junte bibliografia e pareceres.
Conclusão: cobertura adequada é parte do núcleo do contrato
O contrato de plano de saúde tem função social: garantir acesso tempestivo à assistência quando indicada. Negativas baseadas em formalismos ou em leitura restritiva do rol colidem com a boa-fé, com o CDC e com a própria finalidade do produto. Em especial nos cenários de urgência/emergência, oncologia, home care e TEA, os tribunais brasileiros têm determinado a cobertura com base em evidência científica, indicação médica e equilíbrio contratual. Para o beneficiário, o caminho prático passa por dossiê técnico consistente e pela busca célere de tutela jurisdicional quando a via administrativa não resolve; para as operadoras, a prevenção exige governança clínica, análise individualizada e comunicação transparente.
Base técnica (referências normativas)
- Lei nº 9.656/1998 — regras gerais de cobertura, carência e urgência/emergência.
- CDC — arts. 6º, 14, 39, 51 e princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual.
- Normas/rol da ANS e Diretrizes de Utilização (DUT) — cobertura mínima e critérios técnicos.
- Estatuto da Pessoa com Deficiência — acessibilidade e terapias multiprofissionais.
- Jurisprudência do STJ — rol de cobertura como taxativo mitigado; precedentes sobre home care, quimioterápicos orais, OPM e off label quando presentes critérios técnicos.
Guia rápido — Negativa de cobertura por plano de saúde (quando é ilegal)
- Base legal essencial: Lei 9.656/1998 (regras de cobertura, urgência/emergência), CDC arts. 6º, 14, 39 e 51 (boa-fé e cláusulas abusivas) e normas/rol da ANS com taxatividade mitigada segundo o STJ.
- Negativa tipicamente abusiva: recusar urgência/emergência (coberta desde 24h), negar por estar “fora do rol” sem avaliar evidência e indicação médica, rejeitar home care que substitui internação, recusar órteses/proteses indispensáveis ao ato cirúrgico, impor limites arbitrários a terapias multiprofissionais/TEA, ou negar reembolso fora da rede quando houver indisponibilidade comprovada.
- Off label: não é veto automático. Havendo indicação médica fundamentada, evidência científica e inexistindo alternativa eficaz do rol, a recusa tende a ser abusiva.
- Prazo e formalidade: operadora deve justificar por escrito a negativa com base técnica e cumprir prazos ANS para autorizações e atendimento; atraso injustificado configura negativa tácita.
- Documentos-chave do beneficiário: relatório médico (CID, histórico, risco do atraso, literatura), prescrição, prova da negativa (protocolo/e-mail/app), evidência de urgência e de indisponibilidade da rede.
- Pedidos usuais em juízo: tutela de urgência para autorizar o tratamento em 24/48h com astreintes, obrigação de fazer (cobertura), reembolso integral se custeado, e indenização por dano moral quando houver risco/agravo relevante.
- Home care: se cobre internação hospitalar, deve cobrir o cuidado domiciliar equivalente quando prescrito como substituto, observada segurança e escopo terapêutico.
- Medicamento de uso domiciliar: pode ser devido quando for parte indissociável do tratamento coberto (ex.: quimioterápico oral) ou único substituto eficaz indicado.
- TEA e reabilitação: cobertura de ABA, fono, TO, psicologia sem limites rígidos quando houver necessidade clínica; coparticipações excessivas podem ser abusivas.
- Fora da rede: comprovada indisponibilidade da rede credenciada no tempo/local adequados, cabe reembolso integral ou cobertura direta em prestador externo.
- Como agir rapidamente: 1) peça a negativa por escrito; 2) reúna laudos; 3) protocole reclamação na ANS e no Procon; 4) ingresse com ação com tutela de urgência e bibliografia clínica.
- Boas práticas de prova: anexar diretrizes clínicas (nacionais/internacionais), notas de tentativa de marcação na rede, e estimativa de custo para fixar multa e eventual reembolso.
- Pontos de atenção da defesa: cláusulas contratuais não podem esvaziar a finalidade do plano; “custo elevado” isolado não justifica negativa sem análise técnica individualizada.
- Mensagem final: diante de risco de vida ou agravamento, priorize a tutela de urgência com dossiê médico robusto; decisões têm garantido cobertura quando presentes indicação fundamentada, evidência e necessidade terapêutica.
FAQ — Negativa de cobertura por plano de saúde (sem acordeão)
Quando a negativa do plano é considerada ilegal?
Em linhas gerais, quando contraria a Lei 9.656/1998, o CDC e as normas da ANS. Exemplos clássicos: recusar urgência/emergência (coberta desde 24h de vigência), negar tratamento apenas por estar “fora do rol” sem avaliar evidência e indicação médica (modelo de taxatividade mitigada do STJ), rejeitar home care que substitui internação, negar órteses/próteses indispensáveis ao ato cirúrgico e impor limites rígidos a terapias multiprofissionais (TEA) sem base clínica individualizada.
O que significa “rol taxativo mitigado” da ANS?
O rol define a cobertura mínima. Contudo, o STJ admite cobertura fora do rol quando há indicação médica fundamentada, inexistência de alternativa equivalente no rol, evidência científica de eficácia/segurança e, para medicamentos, registro na Anvisa. Nesses critérios, a negativa baseada só no “não consta do rol” tende a ser abusiva.
Uso “off label” de medicamento pode ser coberto?
Sim, em hipóteses específicas. O “off label” não é proibição automática. Documente indicação médica detalhada, literatura de evidência e a inexistência de opção eficaz do rol. Em oncologia, doenças raras e imunobiológicos, há forte jurisprudência favorável.
Quando o plano deve custear home care?
Quando o home care estiver prescrito como substituto terapêutico da internação hospitalar, com critérios de segurança e escopo definidos. Se o contrato cobre internação, não pode negar o cuidado domiciliar equivalente apenas por ser “fora do hospital”.
É legal negar órteses, próteses e materiais (OPM)?
É ilegal recusar OPM indispensáveis ao ato cirúrgico (p.ex., stents, válvulas, telas). A controvérsia é maior em itens de uso estético ou exclusivamente domiciliar. No intraoperatório essencial, a negativa costuma ser afastada.
Qual é a regra para terapias de TEA e reabilitação?
Planos devem cobrir ABA, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia de acordo com a necessidade clínica. Limites fixos de sessões e coparticipações desproporcionais podem ser considerados abusivos quando inviabilizam o tratamento.
Se a rede credenciada está indisponível, posso ir fora da rede?
Sim. Comprovada indisponibilidade no tempo/local adequados, o beneficiário pode usar prestador externo e exigir reembolso integral ou cobertura direta. Guarde protocolos de tentativa de marcação, e-mails e registros no app/central.
Como devo proceder imediatamente após uma negativa?
Peça a negativa por escrito (com base técnica), reúna laudos, prescrição e literatura; registre reclamação na ANS (NIP) e no Procon. Persistindo o risco/urgência, ajuíze ação com tutela de urgência (24/48h) e astreintes.
Posso pedir dano moral além da obrigação de fazer?
Em casos de risco de vida, agravamento do quadro ou recusa injustificada, é comum a fixação de dano moral, além de reembolso de despesas particulares necessárias para não interromper o tratamento.
Que documentos aumentam a chance de liminar?
Relatório médico completo (CID, histórico, alternativas testadas e justificativa), prescrição, prova da negativa (protocolo/e-mail), evidência da urgência, de indisponibilidade da rede e referências científicas (guidelines, consensos).
Base técnica (fontes legais e orientações)
- Lei 9.656/1998 — coberturas mínimas, carências e atendimento de urgência/emergência.
- CDC — arts. 6º (direitos básicos), 14 (responsabilidade objetiva), 39 e 51 (práticas/cláusulas abusivas) e princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual.
- ANS — Rol de Procedimentos e Diretrizes de Utilização (DUT), prazos máximos de atendimento/autorização.
- Jurisprudência do STJ — entendimento do rol como taxativo mitigado; precedentes sobre home care, quimioterápicos orais, OPM e off label quando presentes critérios técnicos.
- Estatuto da Pessoa com Deficiência e normas de saúde mental/reabilitação — reforçam acessibilidade e terapias multiprofissionais.
Aviso importante
Este conteúdo é informativo e educacional. Apesar de embasado em leis, normas da ANS e jurisprudência, ele não substitui a atuação personalizada de um(a) profissional de saúde e de um(a) advogado(a). Cada caso exige análise clínica e jurídica específica — contratos, relatórios médicos, urgência, disponibilidade de rede e evidências científicas — para definição da estratégia adequada.