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Garantias Legais em Imóveis Novos: seus direitos, prazos e responsabilidades da construtora

Conceito de garantia legal, contratual e “vida útil” de sistemas

Em um imóvel residencial novo, há três camadas de proteção que frequentemente se sobrepõem. A primeira é a garantia legal de qualidade e adequação prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicável ao negócio de aquisição de unidade habitacional: ela assegura que o produto/serviço entregue está isento de vícios que o tornem impróprio ou diminuam seu valor e que, havendo falha, o consumidor possa exigir correção, abatimento de preço ou resolução do contrato. A segunda é a garantia legal de solidez e segurança da obra, disciplinada pelo art. 618 do Código Civil, pela qual o construtor/empreiteiro responde por defeitos estruturais que comprometam a estabilidade do edifício durante cinco anos. A terceira, de natureza técnica, decorre da ABNT NBR 15.575 (Norma de Desempenho), que define níveis mínimos de desempenho e vida útil de projeto para os principais sistemas habitacionais (estrutura, vedações, pisos, coberturas, instalações etc.). Essas camadas conversam entre si: o CDC define direitos e prazos de reclamação; o art. 618 do CC define um horizonte de garantia para solidez/segurança; e a NBR 15.575 fornece critérios técnicos para aferição do desempenho e da vida útil. 0

Em poucas palavras

  • CDC: responsabilidade objetiva da cadeia de fornecimento e prazos de reclamação por vícios (90 dias para bens/serviços duráveis; vício oculto conta da evidência).
  • CC, art. 618: garantia legal de 5 anos para vícios que afetem solidez e segurança da obra.
  • NBR 15.575: parâmetros técnicos mínimos de desempenho e vida útil que ajudam a caracterizar o vício e orientar perícias.

Bases: CDC, art. 26; CC, art. 618; ABNT NBR 15.575.

Quem responde: construtora, incorporadora, projetistas e fornecedores

Em relações de consumo, há responsabilidade objetiva e solidária de todos os integrantes da cadeia (construtora, incorporadora, fabricantes, empreiteiras e prestadores de serviço), nos termos do art. 7º, parágrafo único, e art. 25, §1º, do CDC. Para o consumidor, isso significa que ele pode demandar qualquer um dos responsáveis (ou mais de um), e depois os fornecedores se acertam entre si (direito de regresso). A jurisprudência é firme nesse sentido. 1

Ponto de atenção
Mesmo havendo patrimônio de afetação na incorporação, a solidariedade consumerista não se desfaz: há caminhos para responsabilizar a incorporadora e a construtora conjuntamente quando os vícios atingem o consumidor.

Classificação dos vícios e sua relevância para a garantia

Vícios aparentes x ocultos

Vício aparente é aquele perceptível no recebimento do imóvel ou logo após a entrega (ex.: portas desalinhadas, revestimentos ocos). Vício oculto é aquele que só se manifesta com o uso ou com o tempo (ex.: infiltrações em pontos não visíveis, falhas de estanqueidade, recalques). O CDC fixa que, para produtos/serviços duráveis, o prazo de reclamação por vício aparente é de 90 dias, contados da entrega; no vício oculto, o termo inicial é a evidência do defeito, e não a data da entrega. 2

Defeito (risco à saúde/segurança) x vício

Quando a falha no imóvel (ou em seus sistemas) gera risco à saúde ou à segurança do usuário (ex.: risco estrutural, instalações elétricas com possibilidade de choque/incêndio), estamos diante de defeito no sentido do CDC, com regime próprio de responsabilidade por fato do produto/serviço. Ainda que o morador não tenha sofrido dano pessoal, esse elemento de risco eleva a gravidade do caso e fundamenta medidas urgentes.

Prazos: decadência (reclamação), garantia quinquenal e prescrição

Instituto Base legal O que protege Prazo Termo inicial Observações
Decadência para reclamar vício (CDC) CDC, art. 26 Reclamar e exigir conserto/abatimento/resolução 90 dias (bens/serviços duráveis) Entrega (vício aparente) / evidência (vício oculto) Contagem pode ser obstada por reclamação formal comprovada.
Garantia legal de solidez e segurança CC, art. 618 Vícios que afetem estabilidade/segurança da obra 5 anos para aparecimento do defeito Data da entrega versus ocorrência do defeito Jurisprudência esclarece a natureza e interação com prazos do CDC.
Prescrição para indenização por danos CC, art. 205 (STJ) Perdas e danos materiais/morais decorrentes dos vícios 10 anos (regra geral) Da ciência do dano e da autoria Entendimento consolidado do STJ aplica o prazo decenal.

Fontes: CDC art. 26; CC art. 618; CC art. 205 e julgados do STJ. 3

Checklist prático de prazos

  1. Vício aparente no recebimento → 90 dias para reclamar (CDC, art. 26).
  2. Vício oculto → prazo de 90 dias conta da evidência do defeito (CDC, art. 26, §3º).
  3. Defeitos que atinjam solidez/segurançadevem manifestar-se em até 5 anos (CC, art. 618).
  4. Danos decorrentes (gastos, lucros cessantes, morais) → prescrição decenal (CC, art. 205, STJ).

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Norma de Desempenho (ABNT NBR 15.575) e como ela “conversa” com a garantia

A NBR 15.575, em seis partes, estabelece requisitos mínimos de desempenho para edificações residenciais: segurança estrutural, estanqueidade, desempenho térmico e acústico, durabilidade e manutenibilidade, entre outros. Ela traz, inclusive, vidas úteis de projeto (VUP) por sistema e orienta ensaios e critérios para verificação. Na prática forense, a norma é referência constante para laudos e decisões — sobretudo em estanqueidade de fachadas/coberturas, desempenho acústico entre unidades, piso/contrapiso e revestimentos. Aderência a essa norma não elimina a responsabilidade civil, mas ajuda a comprovar vícios de desempenho diante do juiz. 5

Exemplos de vida útil (NBR 15.575 – referências de mercado)

  • Estrutura / fundações: VUP ≥ projetada para vida da edificação.
  • Impermeabilização de áreas molhadas: VUP característica (ex.: 10 a 15 anos conforme especificação).
  • Vedações verticais (externas): desempenho de estanqueidade mínimo.
  • Esquadrias externas: estanqueidade e desempenho acústico segundo classe definida.
  • Revestimentos de fachada: requisitos de aderência e durabilidade.
  • Pisos: critérios de flecha/ruído de impacto entre unidades.

Referências técnicas: ABNT NBR 15.575 (Partes 1, 3 e 4). 6

Como o comprador deve agir: provas, comunicação e escalonamento

Coleta de evidências

Documente fotos e vídeos datados e utilize aplicativos/relatórios que registrem data/hora. Guarde ordens de serviço, mensagens eletrônicas e protocolos de atendimento. Em vícios de maior complexidade, contrate laudo técnico com ART/RRT (engenharia/arquitetura), preferencialmente já com ensaios conforme NBR 15.575 (ex.: teste de estanqueidade, medição de nível de ruído, termografia para infiltrações).

Notificação formal e prazos

Envie notificação escrita à construtora/incorporadora com descrição minuciosa do vício, localização, registro fotográfico e prazo razoável para solução. A notificação interrompe a inércia e cria trilha de evidências para eventual ação judicial. Para vícios cobertos pelo CDC, a reclamação dentro do prazo evita a decadência. Em casos de solidez e segurança (CC 618), a ciência do defeito dentro de 5 anos é crucial. 7

Áreas comuns: legitimidade do condomínio

Se o vício afeta áreas comuns (fachada, reservatórios, coberturas, redes prediais, circulação), o condomínio, por meio do síndico, é o legitimado a agir. Recomenda-se comissão técnica, contratação de laudos setoriais (fachada, impermeabilização, cobertura, instalações), deliberação em assembleia e, se necessário, propositura de ação dentro dos prazos pertinentes.

Remédios do consumidor: ordem de preferência e alternativas

Na via administrativa e judicial, o consumidor pode exigir: (i) correção do vício sem custos e em prazo razoável; (ii) abatimento proporcional do preço; (iii) substituição do produto/serviço quando cabível; ou (iv) resolução contratual em casos graves, sem prejuízo de indenização por perdas e danos (materiais, lucros cessantes e, quando cabível, morais). A opção deve considerar a extensão do vício, o impacto na habitabilidade e a viabilidade técnica da reparação. 8

Mapa de decisão rápida

  • Vício localizado e reparável → exigir reexecução sob ART, com plano de ataque, prazos e testes de recebimento.
  • Vício sistêmico (ex.: fachada inteira) → negociar plano global com cronograma e garantia pós-obra; avaliar abatimento/securitização.
  • Comprometimento de habitabilidade → considerar tutela de urgência para reparo imediato e eventual relocação temporária.

Seguro habitacional e coberturas correlatas

Empreendimentos financiados pelo SFH costumam ter apólices (MIP/DFI) que, em certas condições, cobrem danos físicos ao imóvel. Essa cobertura, quando existente, não afasta a responsabilidade dos fornecedores; pode ser acionada em paralelo, conforme contrato e normativos. Verifique as condições de apólice, exclusões e a necessidade de laudo técnico para sinistro.

Interação entre CDC e art. 618 do CC: o que a jurisprudência diz

No dia a dia, há confusão entre os prazos. O entendimento que prevalece é: (a) CDC regula os prazos de reclamação por vícios (90 dias, com termo inicial variável conforme a natureza do vício) e os remédios (conserto/abatimento/resolução); (b) art. 618 do CC fixa garantia quinquenal para que defeitos de solidez/segurança apareçam; e (c) se o consumidor busca indenização por danos decorrentes do vício, aplica-se, como regra, a prescrição decenal do art. 205 do CC, conforme o STJ. Em termos práticos: descubra o vício, notifique, e, se houver dano e resistência do fornecedor, ajuíze a ação dentro do prazo decenal. 9

Erro comum a evitar
Confundir a garantia quinquenal do art. 618 (prazo para aparecimento de defeitos de solidez/segurança) com o prazo para ajuizar a ação. A garantia não substitui a prescrição: para indenizações, prevalece a linha do prazo decenal.

Boas práticas de manutenção e preservação de garantias

A manutenibilidade é critério central da NBR 15.575: o usuário deve cumprir o Manual do Proprietário (limpeza de ralos e grelhas, inspeções de rejuntes e selantes, não perfurar elementos estruturais/vedações em pontos sensíveis, uso correto de cargas em varandas e lajes etc.). O descumprimento pode mitigar a responsabilidade do fornecedor, mas não afasta vícios de projeto/execução. Em condomínios, formalize planos de manutenção predial e registros em ata. 10

Modelagem de prova: como um perito (ou juiz) enxerga

Elementos essenciais

  • Histórico documental: contratos, memorial descritivo, ARTs/RRTs, manuais, garantias específicas e comunicados da construtora.
  • Evidência técnica: laudo com metodologia, ensaios, fotografias georreferenciadas ou datadas, mapas de umidade, medições acústicas e de estanqueidade.
  • Nexo causal: vincular o dano ao vício (ex.: infiltração por falha de impermeabilização em junta de fachada), com norma de referência e tolerâncias.
  • Quantificação de danos: orçamento comparativo (reparo x reexecução), custos indiretos (realocação) e lucros cessantes se aplicável.

Convenções úteis

Em vícios multissistêmicos (p. ex., fachada + esquadrias + impermeabilização), prefira plano global de correção com responsável técnico único e garantia pós-obra. Solicite testes de recebimento após a intervenção (BIS — Building Inspection & Sign-off), assegurando rastreabilidade.

Quadro-resumo operacional

Cenário Medida imediata Base Saídas possíveis
Vício aparente (acabamento/instalação) Notificar e exigir conserto em prazo razoável CDC, art. 26 Reexecução sem custo; abatimento; resolução
Vício oculto (infiltração, ruído, empenamento) Laudo técnico + notificação CDC, art. 26, §3º Conserto; abatimento; ação com indenização
Compromete solidez/segurança Perícia urgente; isolamento; tutela antecipada CC, art. 618 Reforço estrutural; reexecução; indenização
Áreas comuns do condomínio Comissão técnica + assembleia Regras condominiais + CDC Ação pelo condomínio (síndico)

Exemplos reais de entendimento judicial

Decisões recentes reafirmam que: (i) a solidariedade da cadeia de fornecimento permite demandar construtora e incorporadora; (ii) o prazo decenal do art. 205 do CC aplica-se à pretensão indenizatória por vícios construtivos; e (iii) o art. 618 do CC tem natureza de garantia (prazo para ocorrência do defeito), e não de prescrição. Esses pontos se repetem na doutrina e nos tribunais, dando previsibilidade ao comprador. 11

Boas cláusulas contratuais (sem reduzir a garantia legal)

  • Plano de Assistência Técnica com prazos de atendimento e SLA (vistorias, retorno, reparo).
  • Entrega de manuais e ARTs de sistemas críticos (impermeabilização, fachada, SPDA, elevadores, gás).
  • Registro fotográfico da entrega e do estado inicial (para balizar alegações futuras).
  • Canal oficial de chamados com protocolos numéricos e disponibilização de relatórios de visita técnica.

Observação: quaisquer cláusulas não podem restringir a garantia legal do CDC/CC; limitações abusivas são nulas. 12

Conclusão

As garantias legais em imóveis novos no Brasil combinam a proteção do CDC (qualidade/adequação e prazos de reclamação), a garantia quinquenal do art. 618 do Código Civil (solidez e segurança) e os parâmetros técnicos da ABNT NBR 15.575 (desempenho e vida útil). Para o comprador, o caminho seguro passa por documentar e notificar cedo, apoiar-se em laudos técnicos de qualidade, e, quando necessário, seguir para a via judicial com a tranquilidade de que a jurisprudência reconhece a solidariedade dos fornecedores e a prescrição decenal para indenizações. Do lado do empreendedor, cumprir projeto, executar conforme norma e manter rotinas de assistência técnica é o melhor investimento para evitar litígios e preservar reputação. O resultado, quando as três camadas atuam juntas, é um imóvel seguro, durável e conforme o prometido — que é exatamente o que a lei quis garantir. 13

Perguntas frequentes sobre garantias legais em imóveis novos

1. Qual o prazo da garantia para defeitos estruturais em imóveis novos?

O prazo de garantia legal para defeitos que comprometam a solidez e segurança da construção é de cinco anos, conforme o artigo 618 do Código Civil. Esse período começa a contar a partir da entrega da obra ao comprador.

2. Problemas como infiltrações e rachaduras são cobertos pela garantia?

Sim. Infiltrações, rachaduras e falhas de impermeabilização são considerados vícios construtivos. Se surgirem dentro do prazo de cinco anos e forem comprovadamente causados por erro de execução ou projeto, a construtora é obrigada a reparar.

3. Qual a diferença entre vício aparente e vício oculto?

O vício aparente é aquele que pode ser facilmente identificado no momento da entrega do imóvel, como portas desalinhadas. Já o vício oculto só se manifesta com o tempo, como infiltrações ou falhas estruturais. Para vícios ocultos, o prazo de reclamação começa a contar a partir do momento em que o defeito é descoberto (art. 26, §3º do CDC).

4. O consumidor perde o direito se não fizer manutenção no imóvel?

O proprietário deve seguir as orientações do manual do imóvel e realizar as manutenções periódicas recomendadas. Caso não o faça e o problema seja resultado da falta de manutenção, a construtora pode ser isentada da responsabilidade.

5. A construtora pode se recusar a consertar o defeito alegando fim da garantia contratual?

Não. Mesmo que o prazo da garantia contratual tenha terminado, continua valendo a garantia legal prevista no Código Civil e no CDC, especialmente quando o vício foi detectado dentro do período legal de cinco anos.

6. O que fazer se a construtora se recusar a reparar os danos?

O consumidor deve registrar a reclamação formalmente, preferencialmente por escrito ou e-mail, e buscar órgãos de defesa do consumidor (Procon) ou ajuizar ação judicial com base no art. 20 do CDC e no art. 618 do Código Civil. Um laudo técnico pode ser essencial para comprovar o vício.

7. A responsabilidade é da construtora ou da incorporadora?

Tanto a construtora quanto a incorporadora respondem solidariamente pelos vícios construtivos, conforme o art. 7º, parágrafo único, e art. 25, §1º do CDC. O consumidor pode acionar qualquer uma das partes.

8. Existe diferença entre garantia legal e garantia de desempenho?

Sim. A garantia legal assegura a reparação de defeitos previstos na lei, enquanto a garantia de desempenho é técnica e se baseia na NBR 15.575, que estabelece a vida útil e o desempenho mínimo dos sistemas construtivos.

9. Qual é o prazo para entrar com ação judicial?

O prazo para buscar indenização por danos decorrentes de vícios construtivos é de dez anos, conforme o art. 205 do Código Civil. Esse prazo é diferente do prazo da garantia, que se refere à manifestação do defeito.

10. O condomínio pode reclamar de vícios em áreas comuns?

Sim. Quando os vícios atingem áreas comuns, como fachada, garagem, escadas ou reservatórios, o condomínio (representado pelo síndico) é quem deve formalizar a reclamação ou ajuizar ação em nome de todos os condôminos.

Base técnica:

  • Código Civil: art. 618 e art. 205.
  • Código de Defesa do Consumidor: arts. 7º, 20, 25 e 26.
  • ABNT NBR 15.575: requisitos de desempenho e vida útil de sistemas construtivos.
  • Jurisprudência do STJ: prazo decenal para indenizações por vícios construtivos (REsp 1.155.202/RS).

Essas informações não substituem a consulta a um profissional qualificado. Em caso de dúvida, procure orientação jurídica especializada.

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