Revenge porn: como a lei protege você e remove o conteúdo mais rápido
Conceito jurídico: o que é “revenge porn” e quais condutas a lei brasileira pune
Revenge porn (pornografia de vingança) é a divulgação, publicação, oferta, venda, troca ou disponibilização de cena de sexo, nudez ou ato sexual de caráter privado sem consentimento da pessoa retratada, muitas vezes como retaliação após o término de um relacionamento, tentativa de humilhação, chantagem ou busca de vantagem econômica. No Brasil, o núcleo dessa proteção está no art. 218-C do Código Penal, inserido pela Lei 13.718/2018, que criminaliza tanto a divulgação não consentida quanto — por interpretação ampliada e por previsões do próprio dispositivo — a montagem que insere a vítima em conteúdo íntimo (casos com deepfakes e edições).
Apesar do termo popular “revenge”, a lei não exige motivação vingativa para punir: basta a disponibilização sem consentimento. A proteção alcança atos praticados on-line (redes sociais, mensageiros, clouds, sites pornôs, fóruns, contas anônimas) e off-line (pendrives, grupos fechados), e se combina com outras normas: Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), LGPD (Lei 13.709/2018) e, quando a vítima é criança ou adolescente, tipos penais específicos do ECA (Lei 8.069/1990, arts. 240 a 241-E).
• Conteúdo íntimo (nudez/ato sexual) privado e identificável (rosto, voz, tatuagens, perfil).
• Ausência de consentimento para a divulgação (o envio consentido em privado não autoriza publicar).
• Ato de tornar disponível (postar, reenviar, linkar, “subir” para sites; replicar em grupos).
• Possível montagem ou deepfake que vincule a imagem da vítima a cena sexual.
Arquitetura legal: como as normas se conectam para proteger a intimidade
Art. 218-C do Código Penal (Lei 13.718/2018)
Tipifica a divulgação não consentida de nudez/sexo/ato sexual de caráter privado, com pena de reclusão (regra geral) e hipóteses de agravamento quando presentes fatores como relação íntima pretérita, finalidade de vingança/humilhação ou vulnerabilidade da vítima. O dispositivo também contempla a realização de montagem para simular nudez/ato sexual (essencial para casos com deepfakes).
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)
- Art. 21: cria procedimento especial para remoção célere de nudez/ato sexual de caráter privado por notificação do ofendido. Dispensa ordem judicial se a notificação contiver os dados mínimos (URLs, identificação do material e da vítima). A plataforma que não remover pode ser responsabilizada.
- Art. 19: regra geral de responsabilidade civil condicionada ao descumprimento de ordem judicial específica de remoção. Aplica-se para conteúdos fora do escopo do art. 21.
- Art. 10: trata da preservação de registros e dados (logs), úteis para investigação.
LGPD (Lei 13.709/2018)
Protege dados pessoais, inclusive dados sensíveis e biométricos explorados em montagem/identificação (rosto, voz). O tratamento ilícito pode gerar sanções administrativas (ANPD) e reforça a responsabilização civil. O art. 14 impõe salvaguardas reforçadas para crianças e adolescentes.
ECA (Lei 8.069/1990)
Se a vítima é criança ou adolescente, incidem os arts. 240 a 241-E (produção, divulgação, posse e armazenamento de conteúdo pornográfico infantil), com penas mais severas e prioridade de persecução.
• Penal: art. 218-C (núcleo), + concurso com extorsão (art. 158), ameaça (147), stalking (147-A), invasão (154-A), crimes contra a honra (138–140).
• Civil: indenização por danos morais e materiais (CC, arts. 186 e 927), lucros cessantes e tutelas de urgência para remoção.
• Administrativa: LGPD (segurança e bases legais), ANPD, políticas de plataforma.
Fluxo típico de um caso: da primeira publicação à resposta jurídica
Casos reais variam, mas costumam seguir um ciclo de alto impacto: o conteúdo íntimo circula rapidamente, gera efeito manada (reuploads) e exige reação coordenada para reduzir o tempo de exposição.
Linha do tempo operacional (visual)
1) Não negocie com quem chantageia.
2) Documente (prints com data/URL, exporte conversas).
3) Notifique a plataforma (art. 21 do MCI) com URLs exatas.
4) Registre BO e peça preservação de logs (art. 10 do MCI).
5) Aja judicialmente com tutela de urgência para remoção/astreintes.
Enquadramentos penais que aparecem junto com o art. 218-C
Extorsão (art. 158 CP)
Quando a divulgação é usada para exigir dinheiro, favores ou mais conteúdo íntimo, há grave ameaça para obtenção de vantagem, caracterizando extorsão. É comum em “sextorsão”, com pedidos de PIX/criptomoedas. A pena é alta e não impede a aplicação simultânea do 218-C se a postagem ocorrer.
Ameaça (art. 147 CP), constrangimento ilegal (art. 146) e stalking (art. 147-A)
Se o agressor não chega a obter vantagem, mas ameaça divulgar, o 147 pode incidir. Stalking abrange perseguição reiterada, criação de perfis falsos e contato incessante. Constrangimento cobre imposições sem amparo legal (exigir senha, “apagar a conta” etc.).
Invasão de dispositivo (art. 154-A CP)
Tipifica hackear celular/conta/nuvem para obter o material íntimo. Há causas de aumento quando a invasão resulta em divulgação ou prejuízo econômico.
Crimes contra a honra (arts. 138–140) e racismo/leis correlatas
Publicações muitas vezes trazem injúria/difamação e, em certos casos, injúria racial ou discurso de ódio, agregando responsabilidade.
• ECA (arts. 240–241-E): produção, oferta, divulgação, posse e armazenamento de pornografia infantil; penas elevadas.
• Art. 241-D: aliciamento/assédio por meio eletrônico com fim libidinoso.
• A atuação policial-judicial costuma ser imediata e com prioridade.
Responsabilidade civil e reparação: como mensurar o dano
Além da esfera penal, a vítima pode buscar indenização por danos morais e materiais (CC, arts. 186 e 927). Elementos que costumam influenciar o quantum:
- Alcance (número de visualizações, reuploads, mirrors);
- Tempo de exposição até a remoção; eficácia da tutela de urgência;
- Reincidência e participação de terceiros (sharing consciente);
- Perdas materiais: queda de contratos (influencers), gastos médicos/terapêuticos, assessoria de crise, honorários;
- Condição da vítima (vulnerabilidade, cargo de exposição, menor de idade).
Visualização conceitual: fatores de dano (radar)
Provas digitais e cadeia de custódia: como construir um caso robusto
Checklist essencial
- Prints com data/hora/URL e identificação do perfil; evite cortes.
- Exportação de conversas (WhatsApp/Telegram) com metadados preservados.
- Links permanentes (URLs específicas de posts, stories e páginas de vídeo).
- Ata notarial para conferir fidedignidade (útil para liminares).
- Solicitação de preservação de logs (MCI, art. 10) às plataformas e provedores.
Notificação do art. 21 do MCI (modelo compacto)
À Plataforma X – Canal do art. 21 da Lei 12.965/2014 Solicito REMOÇÃO IMEDIATA de nudez/ato sexual de caráter privado sem consentimento. URLs: https://... https://... Perfil afetado: @usuario | Data/hora (UTC-3): dd/mm/aaaa hh:mm Descrição sucinta: (ex.: vídeo íntimo privado publicado sem autorização) Prova de titularidade: link do perfil e prints. Requeiro preservação de logs (art. 10).
• Não pague chantagens; isso incentiva nova publicação.
• Centralize a comunicação (advogado, boletim de ocorrência, protocolo na plataforma).
• Peça astreintes (multa diária) na liminar de remoção para acelerar cumprimento.
Prevenção e resposta institucional: escolas, empresas e plataformas
Escolas e universidades
- Programa de prevenção à violência sexual on-line e ciberbullying (Lei 13.185/2015), com protocolos de acolhimento e encaminhamento (ECA).
- Canal de denúncia com preservação de evidências, fluxos para Conselho Tutelar/MP.
- Educação midiática e letramento digital (consentimento, privacidade, riscos de deepfake).
Empresas e órgãos públicos
- Políticas de tolerância zero, assédio e conduta digital; treinamento sobre reputação e riscos.
- Equipe ou parceiro de incidentes digitais para agir com rapidez (judicialização, takedown, comunicação).
- Procedimentos LGPD: minimização de dados, segurança e resposta a incidentes.
Plataformas
- Aplicação rigorosa do art. 21 com canais de denúncia acessíveis e prazos curtos.
- Hashing e bases de referência para bloqueio de reuploads (fingerprinting).
- Auditoria de deepfakes e sinalização de conteúdo íntimo com etiqueta de sensível/privado.
• Tempo médio de remoção • % de remoções na 1ª notificação • Nº de reuploads bloqueados • Satisfação da vítima com suporte • Incidência de reincidência por URL/perfil
Casos complexos: deepfakes, reuploads e servidores no exterior
Três desafios se repetem:
- Deepfakes/montagens: mesmo quando não há imagem real, a ameaça de divulgar montagem pode ser extorsão, e a publicação pode ser alcançada pelo art. 218-C (interpretação protetiva), honra e LGPD.
- Reuploads/espelhos: após a remoção inicial, o conteúdo reaparece. Use hashing, monitoramento e astreintes progressivas para plataformas que “deixam passar”.
- Infra estrangeira: cooperação internacional (MLAT), pedidos à Interpol, e ordens de remoção dirigidas a filiais brasileiras quando a plataforma atua no país.
Orientações práticas para vítimas: do dano à reconstrução
- Segurança imediata: 2FA, troca de senhas, auditoria de sessões; ajuste de privacidade; bloqueie perfis.
- Documentação: prints/URLs, exporte conversas, ata notarial quando possível.
- Notificação: art. 21 com dados mínimos; peça hash-blocking ou “varredura” de mirrors.
- BO e medidas urgentes: preservação de logs; tutela de urgência de remoção com multa diária.
- Apoio psicossocial: terapia e rede de apoio; comunicação sob medida (quando necessário, nota curta para conter boatos).
- Reparação: ação civil por danos/lucros cessantes; eventual pedido de sigilo (tramitação com restrição) para proteger a intimidade no processo.
• RG/CPF • Prints e URLs • Export de chat • Ata notarial (opcional) • Protocolo de denúncia • BO • Comprovantes de prejuízo (gastos, contratos perdidos)
Indicadores e panorama (conceitual) do problema
Relatórios públicos e estudos acadêmicos apontam tendência de crescimento das denúncias de divulgação não consentida de conteúdo íntimo, com maior incidência entre jovens adultos e adolescentes. Três variáveis correlacionam-se ao dano: rapidez de remoção, alcance inicial e reincidência. O gráfico abaixo ilustra, de forma pedagógica, a relação hipotética entre tempo para remover e alcance total.
Gráfico de tendência (conceitual)
Conclusão: dignidade protegida por múltiplas portas de entrada
A legislação brasileira evoluiu para enfrentar a divulgação não consentida de imagens íntimas. O art. 218-C do Código Penal dá o tipicidade central; o Marco Civil viabiliza remoção imediata; a LGPD agrega o pilar de proteção de dados; e o ECA endurece a resposta quando há menores. Na prática, a efetividade depende de três movimentos coordenados: prova bem coletada, takedown veloz e medidas judiciais (cíveis e penais) proporcionais à gravidade.
Para vítimas, o caminho é não negociar, documentar e denunciar — usando o art. 21 para remoção e buscando apoio jurídico e psicológico. Para instituições, investir em prevenção, educação digital, resposta a incidentes e parcerias com autoridades reduz o dano social e individual. A mensagem central permanece: intimidade não é moeda; a lei protege e deve ser acionada com rapidez e técnica.
Se sua imagem íntima foi exposta, há saídas legais imediatas. Preserve provas, acione o art. 21 do MCI, faça BO e busque tutela de urgência. A resposta rápida diminui o alcance e amplia as chances de responsabilização.
FAQ – Lei contra divulgação de imagens íntimas (revenge porn)
1) O que a lei brasileira considera “revenge porn”?
É a divulgação, publicação, oferta, venda, troca ou disponibilização de nudez, ato sexual ou cena de sexo de caráter privado sem consentimento da pessoa retratada. O termo popular corresponde ao art. 218-C do Código Penal (Lei 13.718/2018), que tipifica a conduta mesmo sem motivação “de vingança”.
2) Precisa haver divulgação efetiva para haver crime?
Sim, para o 218-C é necessário que o conteúdo seja tornado disponível (publicado, compartilhado, ofertado). Contudo, ameaças para obter vantagem configuram extorsão (CP, art. 158) e podem ser reprimidas mesmo sem publicação.
3) Montagens e deepfakes entram no 218-C?
Sim. O 218-C abrange a realização de montagem para inserir a vítima em cena de nudez/sexo sem consentimento. A publicação de deepfakes pode ainda violar a LGPD e configurar crimes contra a honra.
4) Como remover rapidamente o conteúdo íntimo on-line?
Use o art. 21 do Marco Civil da Internet para notificar a plataforma com URLs específicas e dados mínimos. A plataforma deve remover de forma célere; se não o fizer, pode responder civilmente. Para outros conteúdos, busca-se ordem judicial (art. 19 do MCI).
5) Quem compartilha o link também comete crime?
Sim. Reenviar, hospedar ou tornar disponível conteúdo íntimo sem consentimento se enquadra no art. 218-C, além de gerar responsabilidade civil por danos morais.
6) E se a vítima for criança ou adolescente?
Aplicam-se os arts. 240 a 241-E do ECA (produção, posse, armazenamento e divulgação de pornografia infantil) e o art. 241-D (aliciamento on-line), com penas mais severas e prioridade investigativa.
7) Quais provas devo reunir para BO e ação judicial?
Prints com data/hora/URL, links permanentes, exportação de conversas com metadados, ata notarial (quando possível) e protocolos de denúncia. Requeira preservação de logs (art. 10 do MCI) e tutela de urgência para remoção.
8) Quais outras figuras penais podem concorrer?
Além do 218-C, podem incidir extorsão (art. 158), ameaça (147), stalking (147-A), invasão de dispositivo (154-A) e crimes contra a honra (138–140), conforme o caso.
9) Qual a responsabilidade das plataformas?
Regra geral do art. 19 do MCI: só respondem se descumprirem ordem judicial específica. Exceção do art. 21: para nudez/ato sexual de caráter privado, podem ser responsabilizadas se não removerem após notificação válida do ofendido.
10) É possível pedir indenização?
Sim. A vítima pode pleitear danos morais, materiais e, quando cabível, lucros cessantes, com base nos arts. 186 e 927 do Código Civil, além de medidas liminares (remoção com astreintes).
Base técnica – Fontes legais
- Código Penal: art. 218-C (divulgação de cena de sexo, nudez ou ato sexual sem consentimento); art. 158 (extorsão); 147 (ameaça); 147-A (perseguição/stalking); 154-A (invasão de dispositivo informático); 138–140 (crimes contra a honra).
- Lei 13.718/2018: altera o CP para criar o 218-C e agravar crimes contra a dignidade sexual.
- Marco Civil da Internet – Lei 12.965/2014: art. 21 (remoção por notificação em casos de nudez/ato sexual de caráter privado), art. 19 (responsabilidade condicionada à ordem judicial) e art. 10 (registros e dados).
- Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709/2018: princípios de segurança, dados sensíveis/biométricos; art. 14 (tratamento de dados de crianças e adolescentes).
- Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990: arts. 240 a 241-E (pornografia infantil) e 241-D (aliciamento pela internet).
- Código Civil: arts. 186 e 927 (ato ilícito e dever de indenizar), com possibilidade de tutelas de urgência (CPC).
Observação: procedimentos e prazos podem ser atualizados por portarias, resoluções e decisões judiciais. Em casos urgentes, busque delegacias de crimes cibernéticos, Defensorias ou advocacia especializada, e utilize os canais de denúncia das plataformas com amparo no art. 21 do MCI.
