Arbitragem e mediaçãoDireito empresárial

Quem Pode Arbitrar no Brasil? Regras, Limites e Casos Práticos

Quem pode recorrer à arbitragem no Brasil: sujeitos, limites e cenários práticos

No Brasil, a arbitragem é regida pela Lei 9.307/1996, alterada pela Lei 13.129/2015, pela Convenção de Nova York/1958 (Decreto 4.311/2002) e pela Convenção do Panamá/1975 (Decreto 1.902/1996). Em síntese, pode recorrer à arbitragem quem for capaz e quem discuta direitos patrimoniais disponíveis, desde que exista convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral). Abaixo, um guia detalhado dos principais sujeitos habilitados, com exceções e cuidados contratuais.

Pessoas físicas e jurídicas de direito privado

Capacidade civil e disponibilidade do direito

A regra matriz do art. 1º da Lei de Arbitragem estabelece que pessoas capazes podem submeter litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis à arbitragem. Isso abrange indivíduos e sociedades empresárias, associações, fundações e demais pessoas jurídicas de direito privado. O recorte “patrimonial e disponível” exclui, por exemplo, discussões sobre estado da pessoa, família (salvo reflexos puramente patrimoniais disponíveis), direito penal e matérias indisponíveis por lei.

Empresas e contratos empresariais

Arbitragem é largamente adotada em contratos de M&A, construção, infraestrutura, energia, franquia, tecnologia, e em contratos internacionais de fornecimento. A convenção de arbitragem pode surgir como cláusula geral de resolução de disputas (com etapas de negociação e mediação) ou como compromisso arbitral pós-litígio.

Quadro 1 — Checklist mínimo para cláusula compromissória empresarial

  • Âmbito: “quaisquer controvérsias decorrentes de ou relacionadas a…”
  • Câmara e Regulamento: indique a instituição (p. ex., CAM-CCBC, CAM-B3, CCI, CAMES etc.).
  • Sede e lei aplicável: definem o foro de controle judicial e o regime de apoio.
  • Número de árbitros e idioma.
  • Urgência: poderes do tribunal e medidas de emergência (árbitro de emergência, art. 22-A).
  • Confidencialidade e provas eletrônicas.

Companhias abertas e mercado de capitais

No ambiente societário, a arbitragem é comum em disputas societárias (conflitos entre acionistas, executivos e a companhia). Listagens como o Novo Mercado da B3 exigem adesão ao Regulamento de Arbitragem da CAM B3 para determinados conflitos. Isso permite que acionistas minoritários, administradores e a companhia submetam litígios societários à arbitragem, desde que o estatuto contenha cláusula compromissória abrangente aprovada pelas formalidades legais (art. 109, §3º, LSA, que admite a arbitragem para direitos disponíveis do acionista).

Adesão de minoritários e proteção

Havendo cláusula estatutária, a adesão dos acionistas pode ser automática, mas é essencial: (i) dar divulgação no estatuto; (ii) assegurar paridade processual e custas proporcionais; (iii) observar regras da CVM para acesso a informações e tutela coletiva quando cabível.

Administração Pública direta e indireta

A Lei 13.129/2015 incluiu previsão expressa: a Administração Pública pode arbitrar direitos patrimoniais disponíveis, especialmente em contratos de infraestrutura, concessões, partnerships e equilíbrio econômico-financeiro. As estatais e sociedades de economia mista também podem recorrer à arbitragem, tanto no Brasil como no exterior, observadas as regras de publicidade e transparência (em geral, publicidade dos atos essenciais, preservado sigilo de estratégia e segredos industriais).

Licitações e contratos públicos

A Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos) e leis setoriais permitem o uso de meios adequados de solução de controvérsias, incluindo arbitragem, para temas técnicos e econômico-financeiros. Em contrapartida, sanções administrativas típicas e matérias indisponíveis permanecem fora do âmbito arbitrável.

Quadro 2 — Quando o Poder Público pode arbitrar

  • Sim: reequilíbrio de contratos, cálculos de indenizações, cláusulas econômicas, responsabilidade contratual, engenharia/medição.
  • Não: atos típicos de império, sanções disciplinares e matérias legais indisponíveis.
  • Requisitos usuais: autorização legal/editalícia, publicidade dos atos principais, escolha de câmara idônea e regras de transparência.

Relações de consumo: quando é possível?

A arbitragem de consumo é excepcional e exige cautela. O CDC impõe proteção ao consumidor, parte hipossuficiente. Em linhas gerais:

  • Cláusula compromissória em contrato de adesão só é válida se o consumidor tomar a iniciativa de instaurar a arbitragem ou se concordar expressamente depois do litígio, com destaque e assinatura específica (art. 4º, §2º, da Lei 9.307/96). É recomendável demonstrar informação adequada e livre escolha.

  • Programas setoriais (ex.: setor financeiro, telefonia, e-commerce) podem usar câmaras especializadas, mas sem coerção nem perda de acesso ao Judiciário e aos órgãos de defesa.

Relações de trabalho e a reforma trabalhista

A CLT (art. 507-A) admite convenção de arbitragem para empregados com nível superior e salário elevado (≥ duas vezes o limite máximo do RGPS) desde que a cláusula seja expressa pelo empregado ou por sua iniciativa. Em geral, a arbitragem trabalhista permanece restrita, e controvérsias de direitos indisponíveis (p. ex., normas de saúde e segurança) não são arbitráveis.

Setor público não estatal, ONGs e entidades profissionais

Associações, fundações e entidades paraestatais podem pactuar arbitragem para conflitos patrimoniais disponíveis (p. ex., contratos de patrocínio, convênios com obrigações financeiras). Estatutos podem prever cláusula para solução de controvérsias entre associados, respeitado o devido processo e a ampla defesa.

Arbitragem internacional e partes estrangeiras

Pessoas e empresas estrangeiras podem arbitrar no Brasil, e laudos estrangeiros podem ser reconhecidos pelo STJ (art. 35 da Lei 9.307/96). A escolha de sede no Brasil dá ao Poder Judiciário local jurisdição de apoio e controle limitado (anulação em hipóteses taxativas). Se a sede for no exterior, o Brasil aplicará a Convenção de Nova York na fase de reconhecimento e execução.

Adesão, capacidade e representação

Para que “quem pode arbitrar” de fato arbitre, é preciso capacidade e poderes de representação adequados. Em pessoas jurídicas, verifique atos constitutivos e procurações com poder específico para celebrar cláusula compromissória ou compromisso arbitral. Em condomínios e cooperativas, a assembleia deve autorizar a convenção. Menores e incapazes, em regra, não podem ser obrigados por cláusulas prévias; eventuais disputas patrimoniais disponíveis dependem de representação legal e controle judicial.

Temas arbitráveis vs. não arbitráveis

  • Arbitráveis: responsabilidade contratual, cláusulas de preço, equilíbrio econômico-financeiro, distribuição/comercial, M&A, societário, propriedade intelectual patrimonial, construção, seguros corporativos, contratos de infraestrutura.

  • Não arbitráveis (regra): família e sucessões (salvo partilha disponível entre capazes), penal, direito administrativo punitivo, matéria tributária estritamente legal e outros direitos indisponíveis.


Espectro de arbitrabilidade Indisponíveis (família, penal, sanções) Zonas mistas (regulação, consumo, trabalho executivo) Disponíveis (contratos, societário, infraestrutura)
A disponibilidade do direito e a capacidade das partes definem quem pode arbitrar.

Aderência formal em contratos de adesão

Em contratos de adesão, o art. 4º, §2º, da Lei de Arbitragem exige que a cláusula compromissória esteja em destaque e o aderente a assine especificamente, sob pena de ineficácia. Em consumo e trabalho, além disso, é necessário que a arbitragem não fragilize o acesso ao Judiciário e que haja consentimento livre, preferencialmente pós-conflito (compromisso arbitral).

Quadro 3 — Sinais de que a arbitragem não é indicada

  • Estrita necessidade de precedente vinculante (tese repetitiva) ou intervenção coletiva ampla.
  • Assimetria extrema de informação, com hipervulnerabilidade do aderente.
  • Matérias indisponíveis ou com ordem pública intensa.
  • Custos desproporcionais à disputa; possibilidade de juizado especial mais eficiente.

Medidas de urgência e apoio do Judiciário

Mesmo quando as partes podem arbitrar, o Poder Judiciário permanece como apoio: concessão de medidas cautelares antes da constituição do tribunal; cartas de ordem para produção de provas; execução de sentenças arbitrais e controle limitado de anulação (art. 32). Isso reforça que “poder arbitrar” não significa “abrir mão do Estado-juiz”; significa optar por um foro privado para mérito, com controle público nos limites legais.

Custos, acesso e viabilidade

Qualquer parte capaz pode recorrer à arbitragem, mas é prudente avaliar custos (taxas, honorários de árbitros, perícias) e vantagens (especialização, celeridade, confidencialidade, exequibilidade global). Câmaras oferecem tabelas de custas e, em alguns setores, existem regras de microdisputas com árbitro único e procedimentos abreviados que ampliam o acesso.

Conclusão

No Brasil, podem recorrer à arbitragem as pessoas capazes — físicas ou jurídicas, públicas ou privadas — para conflitos de direitos patrimoniais disponíveis, mediante convenção de arbitragem válida. O instrumento é amplamente usado por empresas e sociedades anônimas, vem se firmando em contratos públicos de infraestrutura e tem porta estreita em consumo e trabalho, onde o consentimento deve ser livre, informado e específico. Em operações internacionais, partes estrangeiras também podem arbitrar no Brasil, com apoio das convenções internacionais e do STJ. Assim, a pergunta “quem pode arbitrar?” se traduz, na prática, em duas chaves: disponibilidade do direito e capacidade/consentimento. Confirmados esses requisitos — e bem redigida a cláusula compromissória — a arbitragem é um caminho seguro para resolver disputas complexas de forma técnica, eficiente e com exequibilidade nacional e internacional.

Quem pode utilizar a arbitragem no Brasil?

Qualquer pessoa física ou jurídica capaz pode recorrer à arbitragem desde que a disputa envolva direitos patrimoniais disponíveis, conforme o art. 1º da Lei 9.307/1996. Isso abrange empresas privadas, sociedades empresárias, associações, fundações e até entes públicos, desde que a matéria não envolva interesses indisponíveis.

O poder público pode participar de arbitragem?

Sim. Após a Lei 13.129/2015, a Administração Pública passou a poder utilizar a arbitragem para resolver controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, especialmente em contratos de concessão, PPPs e infraestrutura. Contudo, deve observar os princípios de publicidade e legalidade.

Consumidores podem ser obrigados a recorrer à arbitragem?

Não. O consumidor só pode participar da arbitragem se concordar expressamente após o surgimento do conflito ou se a cláusula compromissória estiver em destaque e for assinada separadamente. Isso decorre do art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem e da proteção ao consumidor prevista no CDC.

Trabalhadores podem resolver disputas por arbitragem?

Somente em casos específicos. O art. 507-A da CLT permite a arbitragem apenas para empregados com nível superior e salário igual ou superior a duas vezes o teto do INSS. A cláusula deve ser expressa e voluntária, firmada por iniciativa do próprio empregado.

É possível usar arbitragem em contratos internacionais?

Sim. O Brasil é signatário da Convenção de Nova York (1958) e da Convenção do Panamá (1975). Sentenças arbitrais estrangeiras podem ser reconhecidas pelo STJ com base no art. 35 da Lei 9.307/1996, garantindo validade e execução internacional dos laudos.


Base técnica e fontes legais

  • Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) — arts. 1º, 4º, 7º, 32 e 35.
  • Lei nº 13.129/2015 — amplia a arbitragem para entes públicos e redefine prazos.
  • CLT, art. 507-A — arbitragem nas relações de trabalho com requisitos específicos.
  • CDC, arts. 6º e 51 — proteção ao consumidor contra cláusulas abusivas.
  • Convenção de Nova York (1958) e Convenção do Panamá (1975) — execução internacional de sentenças arbitrais.
  • Lei nº 14.133/2021 — arbitragem em licitações e contratos administrativos.

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