Empréstimo Não Autorizado: Como Suspender Descontos e Reaver seu Dinheiro
Empréstimos não autorizados em conta: como reconhecer, contestar e reaver valores
Empréstimos e créditos lançados sem anuência do consumidor — especialmente consignados liberados sem assinatura válida ou por fraude digital — geram uma cadeia de responsabilidades para bancos e correspondentes. A Constituição e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) asseguram ao cliente o direito à reparação integral, à informação adequada e à inversão do ônus da prova quando verossímil a alegação (art. 6º, III e VIII). Instituições financeiras se submetem ao CDC (Súmula 297, STJ) e respondem objetivamente por falhas de segurança e fraudes integrantes do chamado fortuito interno (Súmula 479, STJ), cabendo ainda a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, salvo engano justificável (art. 42, parágrafo único, CDC). A seguir, um guia prático — com base técnico-jurídica — para agir com rapidez e eficiência.
Como identificar que houve empréstimo não autorizado
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Lançamento de crédito seguido de débitos mensais (“parcelas do contrato xxx”) que você não reconhece.
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Descontos de consignado em benefício previdenciário (INSS) ou folha sem contratação.
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SMS, e-mail ou notificação do aplicativo com “contrato liberado/assinado” sem ação sua.
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Ligação de “retenção” pedindo confirmação de dados sensíveis para “liberar bônus” (sinal de engenharia social).
- Extratos da conta/benefício que mostrem o crédito indevido e as parcelas.
- Prints do aplicativo, SMS e e-mails; gravações de telemarketing (peça cópia ao banco).
- Cópia/foto de assinatura que o banco alega ser sua (se houver “contrato digital”, exija o log completo de IP, geolocalização e dispositivo).
- Boletim de ocorrência (B.O.) e, quando aplicável, reclamações registradas nos canais oficiais (Banco Central, consumidor.gov.br, Procon).
Passo a passo para recorrer administrativamente
1) Conteste imediatamente ao banco (SAC/Ouvidoria)
Use o SAC e anote protocolo. Reitere à Ouvidoria com resumo de fatos, valores e pedido claro: cancelamento do contrato, estorno do valor creditado com correção, suspensão dos descontos e retirada de eventuais negativações. Mencione o CDC: art. 14 (responsabilidade objetiva), art. 6º, VIII (inversão do ônus), art. 42, parágrafo único (repetição em dobro), e art. 39 (práticas abusivas). Se for consignado em benefício, peça imediata suspensão junto ao INSS (Meu INSS → “Bloquear/Desbloquear Empréstimo Consignado” e “Solicitar Desbloqueio após 30 dias”, conforme regra vigente).
2) Registre a reclamação nos órgãos públicos
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Consumidor.gov.br (Senacon/Ministério da Justiça): plataforma oficial com prazos de resposta e histórico público — costuma acelerar soluções.
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Banco Central do Brasil: registre a queixa contra a instituição e o correspondente bancário. Reclamações recorrentes impactam a supervisão prudencial e de conduta.
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Procon estadual/municipal: abre procedimento administrativo e pode aplicar sanções por conduta abusiva.
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INSS (se consignado): protocole suspensão dos descontos e peça histórico de contratos vinculados ao seu benefício.
3) Medidas de proteção de dados e segurança
Com base na LGPD (Lei 13.709/2018), solicite ao banco: (i) confirmação do tratamento de dados usado na contratação; (ii) relatório de log (IP, dispositivo, biometria, selfie, geolocalização e trilhas de consentimento); (iii) origem do lead compartilhado por correspondentes. Havendo indícios de vazamento, comunique a ANPD e o MP.
- Cancelamento do contrato e das parcelas.
- Estorno do principal creditado indevidamente, com correção desde a data do crédito.
- Reembolso de juros e tarifas, e repetição em dobro do que já foi descontado (art. 42, parágrafo único, CDC).
- Exclusão de negativação e de registros internos de inadimplência.
- Entrega de cópia integral do contrato/canais de aceite, logs e prova de autenticidade.
Judicialização: quando e como propor ação
Se não houver solução rápida na esfera administrativa, ajuíze demanda no Juizado Especial Cível (até 40 salários mínimos) ou na Justiça comum, conforme o valor e a complexidade. Os pedidos típicos são: (a) declaração de inexistência de débito/contrato; (b) repetição do indébito em dobro; (c) devolução do principal creditado sem autorização; (d) danos morais, quando a fraude gera constrangimento (descontos em benefício alimentar, negativação, cobrança agressiva); (e) tutela de urgência para suspender descontos e impedir inscrição em cadastros. Fundamente na responsabilidade objetiva (art. 14, CDC) e no fortuito interno (Súmula 479, STJ): fraudes de terceiros vinculadas ao risco do empreendimento não afastam o dever de indenizar.
Prova e inversão do ônus
Com base no art. 6º, VIII, do CDC, requeira inversão do ônus para que o banco comprove a regularidade da contratação. Exija metadados e testes de autenticidade das biometrias. Se o banco alegar assinatura digital, peça laudo do prestador de ICP-Brasil ou, em soluções próprias, a cadeia de validação e de prova de vida (selfie liveness). Em consignados, comprove ausência de autorização no Meu INSS (suspensão prévia é um forte indicativo de fraude).
Correspondentes bancários e responsabilidade solidária
Grande parte dos golpes nasce em telemarketing agressivo ou correspondentes que “empurram” refinanciamentos. Ainda que a intermediação tenha sido por terceiro, a instituição financeira responde solidariamente pelos atos de seus prepostos/parceiros, porque integra a cadeia de fornecimento (CDC, arts. 7º, par. único, e 34). Na prática, acione ambos na mesma demanda; em pedido administrativo, identifique o CNPJ do correspondente que realizou a proposta.
Consignados em INSS e servidores públicos
Nos benefícios previdenciários, há camadas adicionais de controle (margem consignável, número de contratos ativos, bloqueio/desbloqueio). Se descontos já ocorrem, solicite a suspensão imediata ao INSS e requeira a devolução de tudo que foi descontado. Para servidores, verifique o sistema de gestão de pessoas do órgão (SIGEPE e congêneres) e peça trava da margem. Nas duas hipóteses, peticione em juízo contra banco e, se necessário, contra o ente pagador apenas para cumprimento de ordem de suspensão (não para responsabilizá-lo pela fraude, salvo falha específica).
Fraude digital: como reduzir o risco
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Mantenha bloqueios de consignado ativos (Meu INSS) quando não pretende contratar.
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Desative limites de contratação instantânea no app do banco; habilite duplo fator e biometria.
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Não compartilhe selfie, documentos ou códigos por mensageiros. Desconfie de ofertas “para quitar dívidas com troco na conta”.
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Use o Registrato (BCB) para acompanhar seu histórico de operações de crédito e consultar quem consultou seus dados.
Como calcular o que deve ser devolvido
Separe três blocos: (1) principal creditado indevidamente; (2) parcelas descontadas (com juros embutidos) e tarifas; (3) correção monetária pelo índice aplicável (geralmente IPCA ou INPC, ou índice contratual se mais favorável ao consumidor) e juros desde os descontos. Para o item (2), pleiteie a repetição em dobro do que efetivamente saiu da sua conta, salvo “engano justificável” demonstrado pelo banco. Em consignados, requer-se a devolução via mesma folha/benefício para liquidar com agilidade.
- “Assinatura digital válida” sem metadados: exija logs, registros de liveness e cadeia de custódia.
- “Culpa exclusiva do consumidor”: lembre o fortuito interno (Súmula 479/STJ) e a responsabilidade por segurança do sistema.
- “Engano justificável” genérico: peça prova concreta de erro inevitável e de diligência reforçada.
- “Serviço não contratado, mas usado”: mostrar que o crédito foi compulsório e não solicitado (prática abusiva; art. 39, CDC).
Pessoas idosas e hipervulneráveis
Fraudes miram idosos e beneficiários de programas sociais. O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) reforça prioridade e proteção contra práticas abusivas; decisões reconhecem danos morais em maior patamar quando há comprometimento de verba alimentar. Em petições, destaque a prioridade de tramitação e peça multas diárias para cessar descontos rapidamente.
Conclusão
Empréstimos não autorizados não são “problemas do sistema”: são falhas de segurança pelas quais a instituição responde. O caminho vencedor combina reação imediata (SAC/Ouvidoria), registros oficiais (BCB, consumidor.gov.br, Procon, INSS), provas técnicas (logs, biometria, trilha de aceite) e, quando preciso, ação judicial com pedidos de tutela de urgência, repetição em dobro e danos morais. Ancore a estratégia nos pilares do CDC (arts. 6º, 14, 39 e 42), da LGPD e da jurisprudência do STJ sobre fortuito interno e contratos não solicitados. Com organização e assertividade, é possível cessar os descontos, recuperar os valores e desestimular a prática abusiva.
FAQ — Empréstimos não autorizados em conta
O banco pode lançar empréstimo na minha conta sem eu pedir?
Não. É prática abusiva (CDC, art. 39) e gera responsabilidade objetiva do fornecedor (CDC, art. 14). A instituição responde por falhas de segurança e por fraudes de terceiros ligadas ao seu risco do negócio (Súmula 479/STJ). Você pode exigir cancelamento, estorno e indenização.
Tenho direito à devolução em dobro do que já descontaram?
Sim, quando há cobrança indevida, o consumidor tem direito à repetição do indébito em dobro, com correção e juros, salvo engano justificável (CDC, art. 42, parágrafo único). Os bancos se submetem ao CDC (Súmula 297/STJ).
Como provar que eu não contratei? Quem tem o ônus da prova?
Peça a inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) para que o banco demonstre a regularidade da contratação (contrato, logs, biometria, ICP-Brasil, IP, geolocalização). Sem comprovação técnica idônea, prevalece a versão do consumidor.
É consignado no INSS. O que faço de imediato?
Bloqueie/solicite suspensão de consignado no Meu INSS e protocole pedido de cessação dos descontos. Simultaneamente, acione SAC e Ouvidoria do banco, registre queixa no consumidor.gov.br, Procon e Banco Central, e junte tudo em eventual ação para tutela de urgência.
Posso pedir danos morais?
Sim, quando há violação a direitos da personalidade (descontos sobre verba alimentar, negativação indevida, constrangimento). A responsabilidade é objetiva (CDC, art. 14). Pessoas idosas ou hipervulneráveis contam com proteção reforçada (Estatuto do Idoso e prioridade de tramitação).
Base técnica — Fontes legais
- Constituição Federal: direitos do consumidor como direitos fundamentais (art. 5º, XXXII) e ordem econômica (art. 170, V).
- CDC — Código de Defesa do Consumidor:
- Art. 6º, III e VIII — informação adequada e inversão do ônus.
- Art. 14 — responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.
- Art. 39 — práticas abusivas (serviços não solicitados).
- Art. 42, parágrafo único — repetição do indébito em dobro.
- Súmulas do STJ:
- 297 — instituições financeiras se submetem ao CDC.
- 479 — responsabilidade por fraudes de terceiros inseridas no fortuito interno.
- LGPD (Lei 13.709/2018) — direito de acesso a dados pessoais e registros de tratamento usados na suposta contratação.
- Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) — proteção e prioridade de tramitação.
- Normas administrativas:
- Procedimentos do Banco Central para reclamações de conduta e Registrato (histórico de crédito).
- Serviços do Meu INSS para bloqueio/desbloqueio de consignado e suspensão de descontos.
- Plataforma consumidor.gov.br (Senacon) para resolução administrativa.
- Jurisprudência aplicável — ações declaratórias de inexistência de débito, tutela de urgência para cessar descontos, repetição em dobro e danos morais em casos de consignado/telemarketing fraudulento.