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Distrato Imobiliário na Prática: Retenções, Prazos e Como Garantir sua Devolução

Distrato imobiliário: quando é possível rescindir o contrato e quais são os efeitos práticos

O distrato imobiliário — resolução do compromisso de compra e venda de imóvel em incorporação ou loteamento — passou a ter disciplina detalhada com a Lei 13.786/2018 (“Lei do Distrato”), que alterou a Lei 4.591/1964 (incorporações) e a Lei 6.766/1979 (parcelamento do solo). A lei definiu hipóteses, prazos, multas e percentuais de retenção, bem como regras de devolução e instrumentos de previsibilidade para o mercado. Desde então, a jurisprudência do STJ vem calibrando a aplicação desses parâmetros — ora enfatizando a literalidade legal, ora impondo limites de razoabilidade em prol do consumidor, especialmente em contratos firmados após 2018. A seguir, um guia completo, prático e atualizado para entender quando é possível rescindir, quanto se devolve, em quanto tempo e como se calcula.

Base normativa essencial (com onde procurar no contrato)

  • Quadro-resumo do contrato (obrigatório): percentuais de multa/retenção, índice de correção, prazos de devolução, regras de comissão de corretagem e se o empreendimento está sob patrimônio de afetação. (Lei 13.786/2018, que incluiu o art. 67-A na Lei 4.591/1964). 0

  • Cláusula de afetação (se houver): influencia diretamente o teto de retenção e o prazo para devolução. 1

  • Cláusulas de atraso: regra do art. 43-A (margem contratual de 180 dias sem penalidade; depois disso, possibilidade de resolução com devolução integral e multa ao adquirente). 2

Quadro 1 — Linguagem-chave para localizar no instrumento particular

  • Patrimônio de afetação” / “arts. 31-A a 31-F da Lei 4.591/64”.
  • Cláusula penal” ou “pena convencional” no caso de desfazimento por culpa do adquirente.
  • Prazo de restituição” e “condição de revenda”.
  • Comissão de corretagem” (se é destacada, se é retida, em que hipótese há devolução).
  • Índice de atualização” (para corrigir o valor a restituir e o saldo devedor).

Quando o distrato é possível

1) Por iniciativa do comprador (desistência ou inadimplemento)

É a hipótese mais comum: o adquirente resolve rescindir por falta de condições de pagamento ou por desistir do negócio. A lei prevê que, em contratos celebrados diretamente com o incorporador, a rescisão pelo comprador autoriza reter uma parte do que foi pago (cláusula penal), além de despesas específicas (ex.: fruição, taxas e encargos efetivamente suportados). O teto de retenção depende do regime do empreendimento (com ou sem afetação). 3

2) Por atraso de obra (responsabilidade do vendedor)

O art. 43-A permite prorrogação contratual de até 180 dias para a entrega — sem penalidade — se o acréscimo estiver claramente pactuado. Ultrapassado esse período, o comprador pode resolver o contrato com devolução integral (100%) em até 60 dias contados da resolução, além da multa prevista. Se preferir manter o contrato, pode exigir indenização por atraso (multa periódica), também definida na lei. 4

3) Outras causas

Hipóteses como vício construtivo grave, descumprimento de metragem ou alterações substanciais não autorizadas podem ensejar resolução com devolução ampliada e perdas e danos conforme o caso, sempre à luz do CDC e do Código Civil. A análise é casuística e pode envolver perícia e precedentes do STJ.

Quanto pode ser retido? (parâmetros legais e virada jurisprudencial recente)

Quadro 2 — Teto de retenção por regime do empreendimento

  • Sem patrimônio de afetação: a lei referencia retenção (cláusula penal) em até 25% sobre o total pago, com devolução do remanescente em parcela única após o prazo de 180 dias da resolução. 5
  • Com patrimônio de afetação: o texto legal admite retenção de até 50%, com pagamento do remanescente em até 30 dias após o “habite-se” (ou documento equivalente) e admite fruição (p.ex., até 0,5% ao mês em alguns contratos). 6
  • Regra da revenda antecipada: se a unidade for revendida antes de vencerem os prazos acima, o remanescente ao comprador deve ser pago em até 30 dias após a revenda, devidamente atualizado. 7

Observação: a base legal está no art. 67-A (§§ 5º a 8º) da Lei 4.591/1964 (com redação da Lei 13.786/2018). 8

Jurisprudência recente do STJ: a partir de 2022–2024, decisões de Turmas do STJ validaram a cláusula de retenção de 50% em empreendimentos com afetação, quando expressa e contratada conforme a Lei do Distrato. 9 Em 2025, porém, ganharam força decisões noticiadas como “virada” em prol do consumidor, sustentando que a retenção máxima não poderia extrapolar 25% e que a devolução deveria ocorrer imediatamente (sem aguardar a obra). Esse entendimento — reportado pela imprensa especializada — sinaliza tensão interpretativa e possível revisão da orientação. Recomenda-se verificar o caso concreto e a data do contrato, pois o tema ainda está em consolidação. 10

Prazo de devolução do valor remanescente

  • Sem afetação: parcela única após 180 dias do distrato. Se houver revenda antes, paga-se 30 dias depois da revenda. 11

  • Com afetação: até 30 dias após o habite-se (ou equivalente); se a unidade for revendida antes, vale a regra dos 30 dias após a revenda. 12


Prazos de devolução após o distrato (lei de referência) Sem afetação 180 dias Revenda antecipada → paga em 30 dias Com afetação Habite-se + 30 dias Revenda antecipada → 30 dias
Linha do tempo extraída do art. 67-A (Lei 4.591/64), com alterações da Lei 13.786/2018. 13

O que pode ser descontado do reembolso

  • Cláusula penal (retenção) no teto aplicável (25% ou, conforme cláusula legalmente pactuada e regime de afetação, até 50%). 14

  • Encargos efetivos do vendedor (taxas de condomínio e IPTU durante a posse do comprador, seguros, fruição quando prevista de forma razoável e destacada). 15

  • Comissão de corretagem: se destacada e informada no quadro-resumo, tende a não ser devolvida. O STJ afasta, como regra, a devolução em dobro dessa comissão quando a cobrança não é abusiva. 16

Quadro 3 — Passo a passo prático

  1. Reúna o contrato, boletos e o quadro-resumo; confirme afetação, multa, índice e prazos. 17
  2. Monte a planilha (pagos × devidos; correção pelo índice contratual; multa aplicável).
  3. Notifique extrajudicialmente a incorporadora (pedido de distrato e restituição com base legal; proponha acordo).
  4. Se necessário, ajuíze ação de resolução com tutela para suspender cobranças e definir a forma de restituição, argumentando segundo o regime legal e a jurisprudência atual. 18

Temas sensíveis na prática forense

1) Contratos anteriores x posteriores à Lei 13.786/2018

Contratos anteriores costumavam ver retenções moderadas (10% a 25%) por entendimento jurisprudencial, ausente regra expressa. Com a Lei do Distrato, surgiram parâmetros legais — inclusive a faixa de 50% para afetação — que vêm sendo aceitos pelo STJ em vários julgados, mas recentemente questionados em precedentes que pretendem limitar a 25% e exigir devolução imediata. Esse mosaico reforça a importância de analisar a data do contrato e a Turma/Seção competente. 19

2) Loteamentos urbanos (Lei 6.766/79)

A Lei do Distrato também incidiu sobre parcelamento do solo, com regime próprio de devolução e prazos (em geral, 180 dias em parcela única, com antecipação em caso de revenda), além de multas e encargos previstos no contrato. A leitura combinada deve observar o projeto (se há obras de infraestrutura em andamento e o cronograma), pois isso interfere na viabilidade econômica. 20

3) Fruição e encargos durante a posse

É comum a previsão de fruição (remuneração pelo uso), especialmente quando o comprador ocupou o imóvel. O valor precisa ser limitado e razoável, destacado no quadro-resumo e conectado ao tempo de posse. A jurisprudência repele cobranças abusivas e cláusulas obscuras. 21

4) Comissão de corretagem e taxa de SAT/serviços

Quando a corretagem é destacada e informada, a sua retenção tende a se manter no distrato; o STJ já afastou devolução em dobro em hipóteses de mera improcedência da cobrança. Taxas administrativas demandam prova do serviço. 22

Comparador visual — sem afetação × com afetação


Teto legal de retenção (Lei 13.786/2018) Sem afetação — até 25% Com afetação — até 50%
Parâmetros legais do art. 67-A; verificar a jurisprudência mais recente do STJ no seu caso. 23

Estratégias de negociação e prevenção de litígios

  • Planilha transparente (com índices, datas e parcelas) e proposta de devolução parcelada dentro dos prazos legais reduzem atritos.

  • Em empreendimentos de afetação, demonstre o equilíbrio econômico do projeto — inclusive para sustentar retenções dentro da faixa legal, mas observe os novos precedentes de moderação. 24

  • Mediação e câmaras especializadas auxiliam quando há dúvida sobre culpa por atraso, metragem e vícios.

  • Para consumidores, documentar comunicações, registrar atrasos, vistorias e custos (aluguel, condomínio) é fundamental para pleitear indenizações adicionais.

Quadro 4 — Checklist rápido (comprador)

  • Contrato + quadro-resumo (confira afetação, multa, prazos, corretagem). 25
  • Planilha do saldo a restituir com o índice contratual.
  • Notificação de distrato (mencione art. 67-A e art. 43-A, se houver atraso). 26
  • Estratégia conforme jurisprudência local (25% × 50% / devolução imediata × prazos legais). 27

Como os tribunais têm decidido (síntese)

  • Validade de retenção de até 50% em empreendimentos afetados — decisões de 2022–2024, quando expressamente pactuado e dentro da lei. 28

  • Movimento recente em 2025 para limitá-la a 25% com devolução imediata — orientação ainda em formação, que pode ser modulada pelo caso e pela composição da Corte (acompanhar a consolidação). 29

  • Corretagem: não é, em regra, devolvida em dobro; exige-se informação clara e destaque contratual. 30

Conclusão

O distrato imobiliário deixou de ser um campo de pura incerteza desde a Lei 13.786/2018, que traçou tetos de retenção, prazos e regras de devolução. Em síntese: sem afetação, a referência legal é 25% com pagamento em 180 dias; com afetação, a lei admite até 50% e pagamento em 30 dias após o habite-se, com antecipação se houver revenda. 31 Nos últimos julgados, porém, o STJ sinalizou moderaçãoteto de 25% e devolução imediata — o que pode alterar a prática negocial e contenciosa. 32 Em qualquer cenário, a chave é ler o quadro-resumo, calcular com precisão, negociar com base legal e acompanhar a evolução jurisprudencial. Isso reduz litígios, protege o consumidor e preserva a viabilidade econômica dos empreendimentos.

FAQ — Distrato imobiliário

Quando o distrato é possível por iniciativa do comprador?

É admitido quando o adquirente desiste ou se torna inadimplente, observadas as regras da Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato), que incluiu o art. 67-A na Lei 4.591/1964. Haverá retenção (cláusula penal) e devolução do restante dentro dos prazos legais, variando conforme haja ou não patrimônio de afetação.

Qual é o teto de retenção e como funcionam os prazos de devolução?

Sem afetação, a referência é até 25% do total pago e devolução em parcela única após 180 dias contados da resolução; se a unidade for revendida antes, paga-se em 30 dias após a revenda. Com afetação, admite-se até 50% e pagamento do saldo em até 30 dias após o habite-se, ou em 30 dias após a revenda antecipada (art. 67-A, §§ 5º–8º, Lei 4.591/1964).

E se houver atraso na entrega da obra?

O art. 43-A da Lei 4.591/1964 permite prorrogação de até 180 dias, se expressamente pactuada. Ultrapassado esse prazo, o comprador pode resolver o contrato com devolução integral (100%) em até 60 dias da resolução e multa a favor do adquirente; se optar por manter o negócio, pode pleitear indenização por atraso conforme previsto.

Corretagem, fruição e encargos entram na devolução?

Se a comissão de corretagem estiver destacada e informada no quadro-resumo, em regra não é devolvida. Podem ser descontados encargos efetivos (IPTU, condomínio, seguros durante a posse do comprador) e fruição quando prevista de modo claro e razoável. Cobranças abusivas podem ser afastadas com base no CDC.

Como está a jurisprudência do STJ sobre retenção e prazos?

Julgados entre 2022–2024 validaram retenção de até 50% em empreendimentos com afetação quando contratada nos termos da lei. Decisões mais recentes passaram a moderar (limitando a 25% e defendendo devolução imediata), tema ainda em consolidação. É essencial considerar a data do contrato e os precedentes mais atuais de cada Turma/Seção.


Base técnica — Fontes legais e referências

  • Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato) — alterou:
    • Lei 4.591/1964 (incorporações imobiliárias): art. 43-A (tolerância de 180 dias e consequências) e art. 67-A (retenção, prazos de devolução, quadro-resumo, corretagem, fruição, revenda antecipada).
    • Lei 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano): regras de resolução e devolução em loteamentos.
  • Código de Defesa do Consumidor — transparência, informação, cláusulas abusivas e equilíbrio contratual em incorporações destinadas a consumidores (arts. 6º, 39, 51).
  • Código Civil — função social, boa-fé objetiva e revisão/resolução por onerosidade excessiva (arts. 421, 421-A, 422, 478–480).
  • CPC/2015 — tutela de urgência (arts. 300), cumprimento de obrigação de pagar e devolução de valores, além de liquidação/cálculo.
  • Jurisprudência STJ — precedentes sobre:
    • Validade de retenção até 50% em empreendimentos com patrimônio de afetação quando contratada nos termos da Lei do Distrato (julgados de 2022–2024).
    • Movimento recente de moderação para teto de 25% e devolução imediata (decisões noticiadas em 2025, orientação ainda em consolidação).
    • Corretagem destacada e informação adequada; afastamento de devolução em dobro quando não demonstrada cobrança abusiva.
  • Documentos contratuais essenciaisquadro-resumo, cláusula de afetação, índice de atualização, regras de multa e prazos de restituição.

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