Brasileiros no exterior: seus direitosDireito de famíliaProcessual civil

Alimentos no Exterior: Passo a Passo para Executar Pensão de Brasileiros com Tratados e via STJ

Execução de alimentos de brasileiros no exterior: fundamentos, caminhos práticos e cooperação internacional

A cobrança internacional de alimentos (pensão alimentícia a crianças, adolescentes e ex-cônjuges) exige articular direito de família, processo civil e cooperação jurídica internacional. O objetivo desta síntese prática é explicar, de forma estruturada, como brasileiros podem executar decisões ou acordos de alimentos quando o devedor está fora do país ou quando a decisão foi proferida no exterior e deve produzir efeitos no Brasil. Reunimos fundamentos legais, instrumentos internacionais, fluxos passo a passo, documentos e boas práticas, além de quadros e gráficos didáticos.

Arquitetura jurídica da cobrança internacional de alimentos

Fontes internas (Brasil)

  • Constituição Federal, proteção integral da criança e do adolescente e prioridade absoluta (art. 227), reforçando a natureza alimentar como direito fundamental.

  • Código Civil: dever de sustento e alimentos entre parentes, cônjuges e companheiros (arts. 1.694 a 1.710).

  • Lei de Alimentos (Lei 5.478/1968) e CPC/2015: procedimentos, tutela de urgência e meios executivos. A execução pode adotar os ritos do art. 528 (prisão civil por débito recente, até 3 parcelas anteriores ao ajuizamento e as que se vencerem no curso) e do art. 523 (penhora/multa), além de meios atípicos (art. 139, IV) quando proporcionais.

  • Homologação de sentença estrangeira e cartas rogatórias: competência do Superior Tribunal de Justiça (CPC, arts. 960-965), com execução no juízo federal/estadual após a homologação.

Instrumentos internacionais (aplicáveis conforme o país de destino/origem)

  • Convenção da Haia de 2007 sobre Alimentos e o Protocolo de 2007 (lei aplicável): estrutura de autoridades centrais para pedido administrativo e execução simplificada de decisões/alimentos devidos a crianças (e, em certos casos, a outros familiares). Em geral, reduz custos de tradução e facilita a gratuidade para credores economicamente vulneráveis.

  • Convenção de Nova York/ONU de 1956 sobre recuperação de alimentos no estrangeiro: ainda relevante com Estados que não participam da Haia/2007. Também opera com autoridades intermediárias.

  • Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares (CIDIP IV, 1989): aplicável nas relações com Estados das Américas que a tenham ratificado. Busca agilizar o reconhecimento e execução.

  • Convenção da Apostila (Haia 1961): simplifica a legalização de documentos a serem utilizados no exterior por meio da apostila.

  • Acordos bilaterais e memorandos de entendimento: podem prever facilidades adicionais (traduções, custas, troca de informações).

Quadro 1 — Princípios que norteiam a execução internacional de alimentos

  • Melhor interesse da criança e prioridade na tramitação.
  • Efetividade e cooperação entre autoridades judiciais e administrativas.
  • Proporcionalidade dos meios executivos (prisão civil, quando admitida, é ultima ratio e depende do ordenamento do país executor).
  • Gratuidade e assistência jurídica aos hipossuficientes, especialmente nas convenções multilaterais.
  • Reconhecimento mútuo de decisões com salvaguardas de contraditório e ordem pública.

Do Brasil para o exterior: como executar alimentos quando o devedor reside fora

Via 1 — Pedidos pela Autoridade Central (quando houver tratado aplicável)

Quando o país de residência do devedor é parte de convenções como Haia/2007 ou Nova York/1956, o credor pode acionar a Autoridade Central brasileira responsável por alimentos internacionais (no âmbito do Ministério da Justiça). O pedido administrativo reúne documentos padronizados, é enviado à Autoridade Central estrangeira e, dali, à justiça local para reconhecimento e execução, com eventuais benefícios de gratuidade e assistência.

  • Vantagens: redução de custas; padronização; comunicação oficial entre Estados; possibilidade de medidas provisórias.

  • Limitações: escopo (algumas convenções priorizam alimentos infantis), prazos variáveis e dependência do ordenamento local para meios coercitivos.

Via 2 — Execução direta no exterior (sem tratado ou por estratégia)

Nesta hipótese, o credor constitui advogado no país onde o devedor reside para: (i) reconhecer a decisão brasileira (procedimento local equivalente ao exequatur/“recognition”/“exequatur of foreign judgment”), com base em direito internacional privado e, às vezes, em acordos de reciprocidade; e (ii) executar a decisão reconhecida. Em geral, exigem-se: sentença brasileira (ou acordo homologado), certidão de trânsito/eficácia, tradução juramentada ao idioma local, apostila e prova de representação.

Quadro 2 — Documentos usuais para remessa internacional

  1. Cópia integral da decisão/acordo (ou título executivo extrajudicial homologado).
  2. Certidão que comprove eficácia (trânsito em julgado ou executividade provisória, conforme o caso).
  3. Planilha de cálculo atualizada (parcelas vencidas, juros, correção e parcelas vincendas).
  4. Comprovantes de pagamento parcial, se houver.
  5. Identificação do devedor (endereço, empregador, bens conhecidos).
  6. Tradução juramentada e apostila (quando exigidas).

Meios executivos no exterior (variam por país)

Uma vez reconhecida a decisão, o país de destino aplicará seus remédios executivos: penhora de salários e contas, retenção em tax refunds, inscrição em cadastros de inadimplência, suspensão de carteira (em alguns ordenamentos), prisão civil (poucos países admitem) ou medidas atípicas proporcionais. É crucial que o advogado local proponha meios compatíveis com a legislação de destino e demonstre o caráter alimentar do crédito.

Do exterior para o Brasil: executando aqui uma decisão estrangeira

Passo 1 — Homologação no STJ

Decisões estrangeiras que fixem alimentos, aumentem, reduzam ou reconheçam atrasados precisam de homologação pelo STJ para produzir efeitos no Brasil. Requisitos típicos: (i) decisão válida no país de origem; (ii) citação regular do devedor ou renúncia ao contraditório (acordo); (iii) tradução juramentada; (iv) legalização ou apostila. A homologação pode ser parcial, por exemplo, para parcelas vencidas.

Passo 2 — Execução no juízo de origem (estadual/federal, conforme o caso)

Homologada a sentença, o credor promove a execução seguindo os ritos do CPC e da Lei de Alimentos. Meios executivos disponíveis no Brasil: desconto em folha, Sisbajud (bloqueio bancário), Renajud (veículos), Serasajud (anotações), penhora de bens e prisão civil no rito do art. 528 para parcelas recentes. Também podem ser utilizados meios atípicos (art. 139, IV) como suspensão de CNH/passaporte, desde que proporcionais e com fundamentação.

Fixação, revisão e execução em cenário transnacional

Fixação (primeira decisão/ajuste)

Pode ser proposta no Brasil (domicílio do credor, em regra) ou no exterior (domicílio do devedor/criança), conforme as regras de competência internacional. Convenções como a de Haia/2007 estabelecem foro preferencial no Estado de residência da criança. A escolha estratégica considera: tempo de tramitação, gratuidade e meios executivos disponíveis.

Revisão (alteração de valor/condições)

Alterações relevantes na capacidade do devedor ou na necessidade do alimentado justificam revisão. Quando há decisão de um país e as partes migram, é possível propor a revisão no novo foro competente, observando eventual necessidade de homologação e o direito aplicável (Protocolo de Haia/2007).

Execução (parcelas vencidas e vincendas)

A execução internacional combina parcelas vencidas (com planilha detalhada de correção e juros segundo o título) e vincendas (desconto mensal). Sempre que possível, busque mecanismos regulares de pagamento (transferências automáticas, garnishment de salário, retenções fiscais) para reduzir a litigiosidade.

Quadro 3 — Cálculo e atualização de alimentos (boas práticas)

  • Utilize índice oficial definido no título (p. ex., IPCA/IBGE), com juros a partir do vencimento de cada parcela.
  • Separe em planilha vencidas x vincendas; aponte pagamentos parciais e datas.
  • Converta valores quando necessário (moeda estrangeira → real), indicando a taxa de câmbio utilizada e a data-base.
  • Documente despesas extraordinárias (saúde, educação, transporte) quando previstas como rateio.

Fluxos visuais de decisão


Fluxo A — Decisão brasileira • Devedor no exterior Sentença/Acordo brasileiro válido País do devedor é signatário de Haia/2007 ou ONU/1956/CIDIP? Autoridade Central brasileira → estrangeira Reconhecimento & execução local

Sem tratado: advogado local para reconhecimento e execução


Fluxo B — Decisão estrangeira • Execução no Brasil Sentença estrangeira válida Tradução juramentada + apostila Homologação no STJ Execução no juízo competente (528/523 CPC)

Provas e inteligência de localização do devedor

Em execuções transnacionais, localizar o devedor e seus rendimentos é metade do sucesso. Sugestões:

  • Endereços atualizados (contratos de aluguel, contas de consumo, cadastro escolar de filhos, “employer records”).

  • Empregadores e agências de folha (garnishment/withholding em ordenamentos que admitem).

  • Redes sociais e registros públicos (empresas, veículos, imóveis) — sempre com respeito à privacidade e à licitude da prova.

  • Nos pedidos pela Autoridade Central, solicite troca de informações fiscais/ocupacionais previstas nos tratados.

Custos, prazos e indicadores (planejamento realista)

Os prazos variam conforme a via e o país. Em linhas gerais: pedidos via Autoridade Central tendem a ser mais baratos e com custas reduzidas, mas podem levar meses para reconhecimento/execução. A via direta com advogado local pode ser mais célere em certos lugares, porém com honorários e traduções relevantes. Defina metas mensais (ex.: reconhecimento em 120 dias; primeira tentativa de bloqueio em 30 dias após reconhecimento) e acompanhe por indicadores.


Custo × Tempo (conceitual) Tempo → Custo relativo Via Autoridade Central Via direta com advogado local

Checklist essencial para iniciar

  • Confirme a base: existe decisão/acordo executável? Em qual moeda/índice? Há cláusulas de despesas extraordinárias?

  • Identifique o foro: país do devedor e tratados aplicáveis; verifique se convém usar a Autoridade Central ou advogar diretamente.

  • Prepare o dossiê (Quadro 2): título, certidões, planilha, traduções, apostila, contatos do devedor e empregador.

  • Planeje meios executivos compatíveis com o país de destino e os meios brasileiros se a execução for aqui.

  • Considere acordos com débito parcelado e desconto em folha; inclua cláusulas de reajuste e mora.

Quadro 4 — Riscos frequentes e como mitigar

  • Desconhecimento do endereço: peça diligências da Autoridade Central; contrate busca privada lícita no exterior; use cartas ao último empregador.
  • Incompatibilidade de meios coercitivos: ajuste a estratégia ao ordenamento executor; privilegie garnishment e bloqueios.
  • Documentação incompleta: confira requisitos formais do país (tradução juramentada, apostila, formulário padrão).
  • Oscilação cambial: preveja cláusulas de conversão e datas-base; priorize recebimento na moeda do devedor quando possível.
  • Litigância predatória do devedor: peça medidas provisórias (desconto em folha, bloqueios urgentes) e multa por ato atentatório.

Notas sobre prisão civil em contexto internacional

No Brasil, a prisão civil por dívida de alimentos (art. 528 do CPC) é constitucional e limitada a hipóteses de inadimplemento voluntário e inescusável de parcelas recentes. Em execuções no exterior, contudo, a prisão civil pode não existir ou ter disciplina diversa. Por isso, a estratégia deve priorizar meios patrimoniais e retenções de salário, deixando a prisão para países que a admitam e quando estritamente necessária.

Boas práticas para advogados e defensores

  • Antes de escolher a via, faça mapeamento de tratados e costumes forenses do país executor (tempo de homologação, gratuidades, meios executivos populares).

  • Mantenha linha direta com a Autoridade Central quando usar convenções; responda a exigências de forma padronizada.

  • Implemente uma planilha viva, revisada mensalmente, para alimentar petições e negociações com números confiáveis.

  • Considere mediação internacional (on-line) em litígios de alta conflituosidade, preservando o melhor interesse da criança e soluções sustentáveis.

Conclusão

Executar alimentos no exterior é plenamente viável quando se combina: (i) título executivo claro (sentença ou acordo); (ii) documentação completa (tradução, apostila, planilhas); (iii) escolha estratégica entre a via de Autoridade Central e a via direta com advogado local; (iv) meios executivos compatíveis com o país de destino; e (v) cooperação contínua entre tribunais e órgãos administrativos. Tratados como a Convenção da Haia/2007, a Convenção de Nova York/1956 e a CIDIP reduziram barreiras históricas — em especial para crianças e adolescentes. No caminho inverso, a homologação no STJ viabiliza a execução no Brasil com o arsenal do CPC (desconto em folha, penhora e, quando cabível, prisão civil). Com planejamento, dados e coordenação, a cobrança transnacional deixa de ser um labirinto e passa a ser um processo previsível, ético e efetivo para garantir o sustento de quem dele depende.

FAQ — Execução de alimentos de brasileiros no exterior

Quais são as vias para cobrar alimentos no exterior com decisão brasileira?

Duas rotas principais: (a) pedido via Autoridade Central quando houver tratado aplicável (p. ex., Haia/2007 ou ONU/1956), com envio administrativo ao país do devedor para reconhecimento e execução; (b) via direta, com advogado no país do devedor para pedir reconhecimento (exequatur local) e execução. Em ambas, são usuais tradução juramentada e apostila (Haia/1961).

Como executar no Brasil uma sentença estrangeira de alimentos?

Primeiro faz-se a homologação no STJ (CPC arts. 960–965), com decisão válida no país de origem, citação regular ou acordo, tradução juramentada e legalização/apostila. Homologado, executa-se no juízo competente pelos ritos do art. 528 (prisão civil para parcelas recentes) ou do art. 523 (penhora/multa), além dos meios atípicos proporcionais (art. 139, IV, CPC).

O que a Convenção da Haia de 2007 facilita na prática?

Cria uma rede de Autoridades Centrais para pedidos padronizados de reconhecimento e execução de decisões/alimentos, com foco em crianças (e, em hipóteses, outros dependentes). Prevê cooperação administrativa, assistência jurídica e redução de custas, além do Protocolo de 2007 sobre lei aplicável aos alimentos.

Quais documentos geralmente são exigidos para a cobrança internacional?

Cópia integral da sentença/acordo (ou título executivo), certidão de eficácia (trânsito/execução provisória), planilha de parcelas vencidas/vincendas com índice e juros, dados do devedor (endereço, empregador), tradução juramentada para o idioma de destino e apostila quando aplicável (Haia/1961). Em pedidos via tratado, anexam-se os formulários padrão da convenção.

A prisão civil vale no exterior? Quais meios executivos são usados?

No Brasil, a prisão civil (CPC art. 528) é possível para parcelas recentes. No exterior, depende do ordenamento do país executor — muitos priorizam meios patrimoniais (desconto em salário, bloqueio de contas, retenções fiscais, restrições administrativas). Por isso, a estratégia deve privilegiar o que é admitido localmente e comprovar a natureza alimentar do crédito.


Base técnica — Fontes legais

  • Constituição Federal: art. 227 (prioridade absoluta da criança e do adolescente).
  • Código Civil: arts. 1.694–1.710 (direito/dever de alimentos).
  • Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos) e CPC/2015: arts. 528 (prisão civil), 523 (penhora/multa), 139, IV (meios executivos atípicos), 960–965 (homologação de sentença estrangeira no STJ).
  • Convenção da Haia de 23/11/2007 sobre alimentos e Protocolo de 2007 (lei aplicável): cooperação via Autoridades Centrais para reconhecimento/execução de decisões e pedidos de fixação.
  • Convenção de Nova York/ONU (1956) sobre recuperação de alimentos no estrangeiro: rede de autoridades intermediárias para tramitação internacional.
  • Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares (CIDIP IV, 1989): reconhecimento e execução entre Estados das Américas signatários.
  • Convenção da Apostila (Haia, 1961): simplifica a legalização de documentos públicos para uso no exterior.
  • Autoridade Central brasileira para alimentos internacionais: estrutura no âmbito do Ministério da Justiça (cooperação jurídica internacional) responsável pela tramitação administrativa de pedidos com base nos tratados.

Mais sobre este tema

Mais sobre este tema

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *