Arbitragem e mediaçãoProcessual civil

Compromisso Arbitral na Prática: Do Acordo ao Tribunal, Custos, Urgência e Sentença

Compromisso arbitral: conceito, função e quando utilizar

O compromisso arbitral é o acordo celebrado após o conflito surgir pelo qual as partes submetem determinada controvérsia à decisão de um ou mais árbitros. Diferencia-se da cláusula compromissória — que é firmada antes do litígio, no contrato original — porque o compromisso é um pacto autônomo e específico para aquele caso, com regras processuais e escopo definidos. Na prática, o compromisso é o motor que põe a arbitragem em marcha quando o contrato não continha cláusula compromissória, quando a cláusula é patológica (ineficaz) ou quando as partes preferem ajustar um procedimento sob medida para um litígio já materializado.

Diferença essencial
Cláusula compromissória: promessa antecedente de arbitrar futuros conflitos; pode ser cheia (remete a regulamento) ou vazia (exige acordo posterior).
Compromisso arbitral: negócio jurídico posterior ao conflito, que institui a arbitragem e define o procedimento para aquele caso concreto.

Fundamentos jurídicos e arbitrabilidade

Arbitrabilidade objetiva e subjetiva

Podem ser resolvidas por arbitragem as controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis (ex.: societário, M&A, construção, infraestrutura, contratos de tecnologia, distribuição, seguros de grandes riscos). Em regra, não são arbitráveis matérias de estado, família e penal. A arbitrabilidade subjetiva exige que as partes tenham capacidade para contratar e transigir. Entes da Administração Pública podem celebrar compromisso arbitral quando se tratar de direitos patrimoniais disponíveis, observando princípios de publicidade (em grau compatível com a confidencialidade) e interesse público.

Princípios estruturantes

  • Autonomia da vontade e flexibilidade procedimental: as partes moldam as regras processuais no compromisso.
  • Kompetenz-Kompetenz e separabilidade: o tribunal decide sobre sua própria competência e a convenção é autônoma em relação ao contrato principal.
  • Equivalência jurisdicional: a sentença arbitral tem a mesma eficácia da sentença judicial e não se sujeita a appeal de mérito; admite-se ação anulatória por vícios estritos.
  • Imparcialidade e dever de revelação do árbitro; contraditório e ampla defesa.
  • Confidencialidade (como regra de mercado, salvo quando a publicidade for exigida por lei ou pelas partes).

Quando o compromisso é necessário (e útil)

O compromisso é indispensável quando não existe cláusula compromissória ou quando a cláusula é ineficaz (p.ex., sem método de nomeação de árbitros, sem instituição administradora, com indicação de entidade inexistente). Mesmo havendo cláusula válida, as partes podem firmar um Termo de Arbitragem/Termo de Compromisso para concretizar o procedimento: delimitar pedidos, questões em disputa, idioma, direito aplicável, cronograma e regras de prova. Em arbitragem institucional, esse termo é usualmente assinado na primeira conferência processual.

Forma e conteúdo do compromisso arbitral

Requisitos formais

O compromisso pode ser judicial (celebrado perante juiz, com homologação) ou extrajudicial (instrumento particular assinado por duas testemunhas, ou escritura pública). Em litígios societários e de alta complexidade, a prática recomenda instrumento completo, com assinaturas digitais e cláusulas de revelação e independência dos árbitros.

Cláusulas essenciais

  • Partes e qualificação; objeto e delimitação da controvérsia (termos do litígio).
  • Número de árbitros (um ou três), método de nomeação e substituição; perfil desejado (jurista, engenheiro, contábil etc.).
  • Instituição arbitral (se houver) e regulamento aplicável; ou regras ad hoc (podendo adotar UNCITRAL Rules).
  • Sede (local jurídico), idioma e direito material aplicável; possibilidade de equidade se expressamente autorizada.
  • Confidencialidade, produção de provas (documentos, testigos, depoimentos, perícia), cronograma, híbridos (audiências presenciais/virtuais).
  • Medidas de urgência (emergency arbitrator ou auxílio do Judiciário antes da instituição do tribunal).
  • Custas e honorários: adiantamento de despesas, regime de sucumbência (costs follow the event ou critério de equidade).
  • Multi-partes e multi-contratos: junção e consolidação; coordenação com outras arbitragens e processos.
Checklist de redação
• Definir sede, idioma e lei aplicável.
• Escolher instituição e regulamento (ou optar por ad hoc com regras claras).
• Estabelecer cronograma inicial e regras de prova.
• Tratar de urgência (tribunal de emergência ou tutela judicial).
• Prever custas, honorários e sanções por litigância abusiva.
• Dispor sobre consolidação com arbitragens conexas e confidencialidade.

Arbitragem institucional x ad hoc

O compromisso permite optar entre submeter a disputa a uma câmara arbitral (institucional) ou a um procedimento ad hoc. Na institucional, há regulamento prévio, secretaria administrativa, listas de árbitros e tabela de custas. É recomendada quando as partes desejam previsibilidade e mecanismos de governança (p.ex., substituição por impedimento). No ad hoc, o compromisso precisa ser mais detalhado, especialmente sobre nomeação, cronograma, provas e honorários. É frequente adotar as UNCITRAL Arbitration Rules e designar uma instituição como appointing authority.

Visual didático — custos relativos (ilustrativos)
Institucional (taxa administrativa)
Ad hoc (administração própria)
Honorários de árbitros/peritos
Custos de partes (advogados/provas)
Proporções ilustrativas; cada caso varia conforme valores e complexidade.

Constituição do tribunal arbitral e termo de arbitragem

Definida a instituição ou o procedimento, nomeiam-se os árbitros (um único ou três). Em tribunal colegiado, cada parte indica um coárbitro e os coárbitros elegem o presidente; se não houver consenso, a instituição ou a autoridade nomeadora decide. Na primeira conferência — frequentemente chamada de case management conference — firma-se o Termo de Arbitragem (ou termo de compromisso dentro do procedimento institucional), consolidando jurisdição, pedidos, defesas, cronograma e regras probatórias.

Medidas de urgência e cooperação com o Judiciário

Antes da instalação do tribunal, o compromisso pode prever árbitro de emergência (quando o regulamento o admite) ou a possibilidade de medidas judiciais cautelares. Uma vez constituído o tribunal, ele passa a ser o juiz natural da urgência. Para executar ordens perante terceiros (p.ex., bancos, órgãos públicos), utiliza-se a carta arbitral perante o juiz estatal da sede.

Fase instrutória: documentos, testemunhas e perícia

O compromisso deve indicar parâmetros de produção de provas e de troca de documentos (incluindo ESI — electronically stored information). É comum adotar práticas do IBA Rules on the Taking of Evidence, com redlines feitos no termo conforme o caso. A perícia técnica pode ser do tribunal (perito nomeado pelo painel) ou das partes (expert witness). Audiências podem ser híbridas e gravadas, respeitando contraditório e cadeia de custódia de arquivos.

Sentença arbitral, correção e cumprimento

Após as alegações finais, o tribunal profere sentença arbitral escrita, fundamentada e assinada. Pode haver decisão parcial de mérito (p.ex., sobre responsabilidade) e, ao final, sentença final quanto a valores. O compromisso e o regulamento regem prazo para a decisão e mecanismos de correção de erros materiais (clerical mistakes) e esclarecimentos. A sentença tem título executivo judicial; cumpre-se voluntariamente ou por via de execução perante o Judiciário. Sentenças estrangeiras exigem homologação.

Ação anulatória: limites e estratégia

Não há recurso de mérito em arbitragem. A sentença pode ser impugnada por ação anulatória apenas por vícios taxativos (p.ex., incapacidade das partes, nulidade da convenção, impedimento do árbitro, violação do contraditório, decisão fora dos limites do compromisso, sentença não fundamentada). O prazo é curto e a anulação não reexamina o acerto da decisão, mas apenas a regularidade do procedimento.

Cláusulas escalonadas e mediação prévia

É frequente o compromisso arbitral prever etapas prévias de negociação e mediação (multi-tier clauses). Quando claramente redigidas, essas etapas funcionam como condição de procedibilidade, sem afetar a jurisdição arbitral — que permanece garantida ao final do escalonamento.

Multi-partes, consórcios e projetos EPC

Em disputas com múltiplos contratos e agentes (donos de obra, EPCistas, subcontratadas, financiadores), o compromisso arbitral deve resolver participação de terceiros, ampliação de polo, consolidação e coordenação processual. Em institucional, regulamentos modernos dispõem sobre joinder e consolidation; no ad hoc, isso deve estar expresso, evitando decisões conflitantes.

Custos, orçamento e eficiência

O compromisso pode adotar técnicas de gestão de caso: fases (responsabilidade e quantum), limitação de perícia, prazos firmes, páginas e bundles eletrônicos. Abaixo, um exemplo ilustrativo de distribuição de custos em um caso de médio porte:

Custas administrativas
Honorários dos árbitros
Perícia técnica
Custos de partes (advocacia/provas)
Ilustrativo, a depender do valor em disputa e da câmara.

Compromisso em setores regulados e na Administração Pública

Concessões, PPPs e contratos de óleo & gás/energia frequentemente usam arbitragem. O compromisso precisa compatibilizar transparência (publicidade de atos essenciais) com confidencialidade. Regras de compliance, antissuborno, LGPD e segurança da informação devem constar no termo e nos autos eletrônicos.

Patologias comuns e como evitá-las

  • Cláusulas vagas (“arbitragem conforme legislação aplicável”) sem método de nomeação → resolver no compromisso.
  • Conflito de contratos (um com arbitragem, outro com foro judicial) → solucionar por consolidação e eleição de regra prevalente.
  • Excesso de confidencialidade que impede cumprimento de medidas → prever exceções para execução e divulgação mínima.
  • Ausência de regime de documentos eletrônicos → definir formato, indexação e sigilo.

Exemplo prático de cláusulas do compromisso

Excertos ilustrativos

  1. Sede: “A sede da arbitragem será São Paulo/SP, aplicando-se a legislação brasileira.”
  2. Composição: “O tribunal será composto por três árbitros; cada parte indicará um e os coárbitros escolherão o presidente. Na falta de consenso, decidirá a instituição.”
  3. Urgência: “Antes da constituição do tribunal, pedidos cautelares poderão ser submetidos ao árbitro de emergência ou ao Poder Judiciário, sem que isso implique renúncia à arbitragem.”
  4. Prova: “Aplicam-se, supletivamente, as IBA Rules. Haverá perito do tribunal na matéria contábil.”
  5. Custas: “Costs follow the event, preservada a moderação por comportamento processual.”

Reconhecimento e execução internacional

Quando as partes, bens ou execução estejam no exterior, o compromisso deve alinhar-se aos parâmetros da Convenção de Nova York: convenção arbitral por escrito, igualdade processual, devido processo e arbitrabilidade. Sentenças estrangeiras requerem homologação perante o órgão competente; o cumprimento pode ser recusado excepcionalmente por motivos taxativos (ordem pública, invalidade da convenção, violação de defesa).

Passo a passo — do litígio à sentença

Negociação e mediação
Assinatura do compromisso
Constituição do tribunal
Instrução e audiências
Sentença e cumprimento

Boas práticas para que o compromisso funcione na prática

  • Use quadro-resumo (sede, regulamento, número de árbitros, urgência, cronograma, custos).
  • Defina escopo claro do litígio e pedidos desde o início para evitar ultra/extra petita.
  • Adote ferramentas digitais (protocolo eletrônico, salas virtuais seguras, repositório de provas).
  • Planeje a produção de prova com foco: listas de documentos, questão pericial específica, hot-tubbing de peritos, direct/cross examination de testemunhas.
  • Estabeleça marcos decisórios (ordens processuais) e sanções para descumprimento de prazos.
  • Gestão de conflitos de interesse com questionários de revelação e acompanhamento contínuo.

Conclusão

O compromisso arbitral é a ferramenta que transforma vontade em jurisdição: concretiza a escolha pela arbitragem, confere competência aos árbitros e desenha um procedimento sob medida. Quando bem redigido, reduz incertezas, acelera a solução e mitiga custos ao definir desde logo sede, regulamento, cronograma e provas pertinentes. Em litígios complexos — de construção, societários, contratos de tecnologia e infraestrutura —, o compromisso é a peça central de uma arbitragem eficiente, previsível e compatível com a execução nacional e internacional. A prática recomenda encará-lo como um contrato processual de alta relevância: claro nas regras, preciso no escopo e atento às interações com o Judiciário, à proteção de dados e à realidade digital do contencioso moderno.


Base técnica (síntese normativa e doutrinária)

  • Lei brasileira de arbitragem — competência, compromisso arbitral (judicial e extrajudicial), carta arbitral, sentença e ação anulatória; arbitrabilidade de direitos patrimoniais disponíveis; administração pública.
  • Convenção de Nova York — reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras; requisitos de forma da convenção arbitral.
  • Regras institucionais modernas (p.ex., UNCITRAL, ICC, CAM-CCBC, CIESP/FIESP, CAMARB) — nomeação de árbitros, emergency arbitrator, consolidação, case management, confidencialidade e custas.
  • Princípios de due process e IBA Rules on the Taking of Evidence — padrões de prova, documentos eletrônicos, perícia e audiências.
  • Jurisprudência — confirmação de sentenças arbitrais e limites da ação anulatória; cartas arbitrais e cooperação jurisdicional.

É o acordo posterior ao surgimento do litígio pelo qual as partes instituem uma arbitragem para aquele caso específico. Utiliza-se quando não havia cláusula compromissória, quando ela é inoperante ou quando as partes desejam ajustar regras sob medida (sede, idioma, árbitros, cronograma).

Pós-litígio
Institui a arbitragem

A cláusula compromissória é pactuada antes do conflito, no contrato; o compromisso é firmado depois que o litígio surge e põe a arbitragem em marcha, definindo objeto, árbitros e procedimento. Ambos formam a convenção de arbitragem, mas com funções distintas no tempo.

Dica prática: mesmo havendo cláusula válida, o procedimento normalmente começa com um Termo de Arbitragem (compromisso dentro do caso).

Identificação das partes, objeto da disputa, número e método de nomeação de árbitros, sede, idioma, direito aplicável, regras (institucionais ou ad hoc), cronograma, provas, medidas de urgência e custas. Instrumento pode ser judicial (homologado) ou extrajudicial (particular com duas testemunhas ou escritura).

Sede/idioma/lei
Árbitros
Custas

Sim. O compromisso pode prever árbitro de emergência (quando o regulamento permitir) ou auxílio do Judiciário para cautelares até a constituição do tribunal. Depois de constituído, o tribunal arbitral passa a decidir as urgências e pode expedir carta arbitral para execução perante o juiz estatal.

Boa prática: detalhe critérios e prazos para pedidos de urgência no próprio compromisso.

A sentença arbitral tem força de título executivo judicial e não admite recurso de mérito. Pode ser atacada apenas por ação anulatória com fundamentos taxativos (nulidade da convenção, impedimento do árbitro, violação ao contraditório, decisão extra/ultra petita etc.). Sentenças estrangeiras exigem homologação para execução.

Atenção: a anulatória não reexamina o mérito; discute apenas regularidade procedimental.

Base técnica com fontes legais

  • Lei de Arbitragem brasileira — dispositivos sobre compromisso arbitral (judicial e extrajudicial), competência, carta arbitral, sentença e ação anulatória; arbitrabilidade de direitos patrimoniais disponíveis; participação da Administração Pública.
  • Convenção de Nova York (1958) — requisitos de forma da convenção, reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras.
  • Regulamentos institucionais (UNCITRAL, ICC, CAM-CCBC, CIESP/FIESP, CAMARB, entre outros) — nomeação/substituição de árbitros, emergency arbitrator, consolidação, case management, custas e confidencialidade.
  • Princípios de due process e IBA Rules on the Taking of Evidence — parâmetros de produção de prova, documentos eletrônicos e audiências.
  • Jurisprudência nacional — cooperação Judiciário–arbitragem, limites da anulatória, execução por carta arbitral e equiparação da sentença arbitral à judicial.

Observação: detalhes variam conforme o regulamento escolhido e as cláusulas do compromisso no caso concreto.


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