Suicídio no Seguro de Pessoas: Regra dos 24 Meses, Cobertura Após a Carência e Como Proceder no Sinistro
Suicídio em contrato de seguro: fundamentos legais, alcance da cobertura e controvérsias práticas
O tratamento jurídico do suicídio nos seguros de pessoas — especialmente no seguro de vida e no seguro prestamista — combina texto de lei, regulação setorial e sólida jurisprudência. A regra-matriz no Brasil é simples de enunciar e complexa de aplicar: nos dois primeiros anos de vigência do contrato (ou do recomeço da vigência após suspensão), o suicídio não é coberto; após esse prazo, a indenização é devida, afastada a discussão sobre “premeditação”. Ao redor dessa matriz giram dúvidas práticas: início do prazo, recontagem na recondução, o que acontece em seguros coletivos com trocas de apólice, se há devolução de valores quando a cobertura é negada, como ficam tentativas de suicídio que geram invalidez, e a relação do tema com doença mental e informação ao consumidor.
• Carência legal de 2 anos: se o óbito por suicídio ocorrer dentro desse período, não há cobertura (independentemente de premeditação); após 2 anos, há cobertura.
• A contagem considera a vigência do contrato (ou a recondução após suspensão). Mudança de seguradora em seguro coletivo exige atenção para continuidade.
• Acidentes pessoais não têm “cobertura de suicídio”; discutem-se efeitos de automutilação e tentativas que produzam invalidez.
• Dever de informação e cláusulas em destaque são essenciais. Em negativa indevida, cabem danos morais e atualização do capital.
Marco normativo essencial
Dispositivo central do Código Civil
O Código Civil brasileiro consagra, para seguros de pessoas, a regra dos dois anos ao tratar do suicídio do segurado. Em termos práticos, a lei determina que o beneficiário não terá direito ao capital se o suicídio ocorrer nos primeiros 24 meses de vigência inicial do contrato, ou nos primeiros 24 meses após sua recondução quando houve interrupção (por inadimplemento, por exemplo). Decorrido esse prazo, a indenização é obrigatória — e, segundo entendimento consolidado do STJ, não cabe a seguradora provar premeditação para se eximir do pagamento, nem ao beneficiário demonstrar ausência dela.
A regulação infralegal (Susep) reforça o comando: cláusulas restritivas precisam ser redigidas em linguagem clara, destacadas no documento e informadas no momento da adesão. Para seguros coletivos, o estipulante (empresa/associação) tem o dever de dar ciência inequívoca aos segurados das condições, inclusive sobre carências e exclusões.
Jurisprudência orientadora
O Superior Tribunal de Justiça fixou, em repetitivos e súmulas, vetores hoje seguidos pelas instâncias ordinárias: (i) durante a carência, inexiste cobertura, independentemente de premeditação; (ii) após a carência, a seguradora deve pagar o capital desde que o contrato estivesse em vigor e adimplente; (iii) a discussão sobre má-fé na contratação (p. ex., omissão intencional sobre doença mental grave com risco atual de autoextermínio) é excepcional e exige prova robusta, porque a regra do seguro de pessoas se ancora na boa-fé objetiva e na proteção do consumidor.
- Premeditação é irrelevante para o período de carência: o texto legal é objetivo e dispensa essa prova.
- Decorridos 2 anos, a indenização é devida; a seguradora só se exime se demonstrar inexistência do contrato, inadimplência impeditiva ou fraude qualificada.
- Em seguros coletivos, continuidade de cobertura importa: mudanças de apólice não devem zerar a carência quando não há interrupção de proteção do grupo.
Quando começa (e recomeça) a contagem dos 24 meses
Vigência inicial
A contagem inicia na data de início de vigência do seguro — normalmente, indicada na apólice ou certificado individual. Em seguro coletivo, o certificado do participante é o marco relevante, ainda que a apólice-mãe seja anterior. Importa, também, a adimplência: em regra, a falta de pagamento do prêmio pode suspender a cobertura após o período de tolerância contratual; paga-se em retomada (recondução), reinicia-se a contagem dos 24 meses, salvo estipulação/regra específica e prova de que não houve solução de continuidade na proteção.
Recondução depois de suspensão
Se o contrato ficou sem efeito por inadimplência e, mais tarde, foi reconduzido, a lei determina a recontagem integral da carência — é como se nascesse um novo marco temporal. Por isso, em renegociações e migrações de produto, a leitura das condições gerais é determinante: em migrações internas com continuidade de cobertura, a jurisprudência tende a afastar “zeragem artificial” da carência.
Quem recebe e como é paga a indenização
Beneficiários
O segurado pode indicar beneficiários e alterá-los a qualquer tempo, salvo irrevogabilidade expressa. Sem indicação, aplica-se a ordem legal do Código Civil (em geral, cônjuge/companheiro e herdeiros). Em caso de homicídio doloso praticado por beneficiário, há perda do direito e deslocamento para os demais herdeiros — regra que também toca situações conexas ao suicídio quando houver participação criminosa de terceiro.
Prazo de regulação e documentos
Entregue a documentação básica (certidão de óbito, identificação, eventualmente BO/IML e prontuário), a seguradora tem prazo regulamentar (praticado no mercado: até 30 dias após a entrega completa) para pagar a indenização. Exigências sucessivas e genéricas não interrompem indefinidamente o prazo: falta de documento essencial deve ser objetivamente indicada. Atraso injustificado enseja correção, juros e, conforme o caso, danos morais.
- Certidão de óbito e documento do segurado.
- Boletim de ocorrência, laudo do IML (ou atestado médico circunstanciado).
- Certificado/apólice, comprovantes de prêmio e indicação de beneficiários.
- Quando houver, prontuário e relatório do hospital.
Seguro de vida x seguro prestamista x acidentes pessoais
Seguro de vida (individual ou coletivo)
É onde o tema mais aparece. O capital segurado é pago ao(s) beneficiário(s) respeitada a regra de carência. Cláusulas de destaque e informação pré-contratual são cruciais: a ausência de transparência pode atrair interpretação pro-consumidor e responsabilizar a seguradora (e, no coletivo, o estipulante).
Seguro prestamista
Vinculado a financiamentos e cartões, objetiva quitar total/parcialmente o saldo devedor. Em regra, a cobertura segue a mesma lógica de carência de 2 anos. Sem adequada ciência do consumidor — p. ex., contratação embutida —, decisões têm reconhecido cobertura ou, ao menos, responsabilização da instituição financeira pela falta de informação.
Acidentes pessoais
Seguros de acidentes pessoais cobrem evento súbito, externo e involuntário. O suicídio não é tratado como “acidente” e não integra a cobertura típica. A discussão aqui recai mais sobre tentativas de suicídio que resultem em invalidez — comumente excluídas pela cláusula de automutilação voluntária. A validade dessa exclusão requer redação clara e destaque.
Tentativa de suicídio e invalidez: qual é a regra?
Em seguros de vida com coberturas de invalidez e em acidentes pessoais, a automutilação voluntária é usualmente excluída. Ocorre que situações envolvendo transtornos mentais graves suscitam debate: se a capacidade de autodeterminação estava abolida no momento do ato, parte da jurisprudência admite flexibilizar a exclusão. Ainda assim, a prova pericial é exigente e a solução depende do caso concreto. Já na cobertura de morte, como visto, a carência de 24 meses constitui regra objetiva.
Informação e destaque: deveres que mudam o resultado
O CDC impõe transparência: o consumidor precisa compreender, no momento da contratação, o que está e o que não está coberto. Em seguros coletivos, a transmissão dessa informação não pode ser terceirizada para “letras miúdas” — o estipulante tem papel ativo de informar. A falta de destaque específico para a carência por suicídio e para a exclusão de automutilação reforça a tese de nulidade parcial ou de interpretação favorável ao consumidor nos litígios.
• Fornecer quadro-resumo com carência, exclusões e capitais.
• Recolher ciência escrita do segurado/aderente.
• Em coletivo, enviar certificado individual e canal de dúvidas.
• Em sinistro, indicar de uma vez os documentos essenciais.
Controvérsias recorrentes e teses usuais
“Premeditação”
Antes da consolidação jurisprudencial atual, discutia-se se a seguradora precisaria provar premeditação para negar cobertura por suicídio dentro da carência. Hoje, a posição dominante é que a premeditação é irrelevante: ou há carência (nega-se), ou não há (paga-se). Apesar disso, vez ou outra a tese ainda surge em petições; costuma ser afastada.
Carência “zerada” em troca de apólice
Trocas de seguradora em coletivos empresariais não devem produzir perda de proteção. Se não houve interrupção real da cobertura do grupo e a migração foi interna (com continuidade do seguro), decisões têm vedado a recontagem. Já havendo rompimento e nova adesão, recomeça o prazo.
Devolução de valores quando a cobertura é negada
A lei privilegia a objetividade: se o sinistro aconteceu na carência e não há má-fé da seguradora, ela não paga o capital. Debates sobre devolução do prêmio puro ou reserva técnica podem surgir, mas a solução depende do tipo de produto (vida em grupo, temporário, vida inteira, universal life). Em geral, não há devolução integral de prêmios de seguro de risco, salvo previsão contratual ou enriquecimento sem causa evidenciado.
Dados e panorama (indicativos)
No mercado de seguros de pessoas, pedidos de sinistro por morte representam a maior fatia do pagamento total em diversos anos, e negativas por suicídio concentram-se em contratos recentes. Para ilustrar, a visualização abaixo — meramente didática — sugere a distribuição de motivos de negativa em um portfólio hipotético:
Passo a passo para familiares (pós-óbito)
- Localize apólice/certificado e verifique data de início e adimplência.
- Providencie certidão de óbito, BO, laudo IML (ou relatório médico) e documentos dos beneficiários.
- Preencha o aviso de sinistro no canal oficial da seguradora, anexando tudo de uma vez.
- Se houver exigências adicionais, peça a lista objetiva por escrito e os fundamentos.
- Diante de negativa injustificada ou demora, considere Procon/Susep e assistência jurídica.
Questões éticas e de saúde conectadas ao tema
O direito securitário não ignora a dimensão ética e de saúde pública do suicídio. O reforço de linhas de cuidado em saúde mental, a educação sobre sinais de alerta e a redução de estigma são políticas necessárias. O contrato de seguro, ao adotar carência objetiva, busca evitar seleção adversa (contratação já sob intenção de sinistro) e, ao mesmo tempo, proteger os consumidores com regras claras e estabilidade atuarial. A conciliação passa por informação adequada, procedimentos céleres de regulação e tratamento respeitoso das famílias.
Este conteúdo tem foco jurídico. Se você ou alguém próximo estiver em sofrimento intenso, procure ajuda imediata em serviços de saúde da sua cidade ou ligue para serviços de apoio emocional em sua região.
Conclusão
A legislação brasileira adota um modelo objetivo para o suicídio em seguros de pessoas: sem cobertura nos 24 primeiros meses de vigência (ou recondução), com cobertura após esse período. Desse núcleo derivam soluções para coletivos, prestamista e acidentes pessoais, sempre à luz do dever de informação, do destaque de cláusulas e da boa-fé. A prática recomenda verificar com precisão datas de vigência, adimplência e documentos essenciais; exigir decisões fundamentadas da seguradora; e, em caso de dúvida, buscar assistência jurídica. A missão do sistema — jurídico e securitário — é dar previsibilidade, proteger a coletividade de segurados e respeitar as famílias em momentos de luto.
Base técnica (síntese legal e regulatória)
- Código Civil (contrato de seguro) — boa-fé, risco, sinistro e regra dos 24 meses para suicídio; recondução após suspensão reinicia a carência.
- Regulação Susep para seguros de pessoas — dever de informação, destaque de cláusulas restritivas, procedimentos de regulação e comunicação de documentos essenciais.
- Código de Defesa do Consumidor — transparência, cláusulas claras e responsabilidade por negativa abusiva.
- Jurisprudência do STJ — consolida que premeditação é irrelevante na carência; após 24 meses, o pagamento é devido salvo fraude qualificada ou inexistência de cobertura.
- Normas de seguros coletivos — papel do estipulante na informação e na continuidade de cobertura em migrações sem ruptura.
A lei estabelece carência objetiva de 24 meses a partir do início de vigência do contrato (ou da recondução após suspensão). Se o óbito por suicídio ocorrer dentro desse período, não há cobertura. Decorrido o prazo, a indenização é devida, sem debate sobre premeditação.
Em migrações com continuidade da cobertura do grupo (sem ruptura real), a jurisprudência tende a não reiniciar a carência. Havendo rompimento e nova adesão individual, a regra é recontar os 24 meses.
Não. A orientação do STJ firmou que a premeditação é irrelevante: durante a carência, não há cobertura; após a carência, o pagamento é devido, salvo fraude qualificada ou inexistência de cobertura.
Recebe o beneficiário indicado; na falta de indicação, aplica-se a ordem legal do Código Civil (cônjuge/companheiro e herdeiros). Após a entrega completa dos documentos, a seguradora deve pagar em até 30 dias, sob pena de correção, juros e eventual dano moral.
Em geral, as apólices excluem automutilação voluntária para coberturas de invalidez (acidentes pessoais/IPA). A validade da exclusão exige redação clara e destaque. Situações com transtorno mental grave podem gerar discussão casuística, mas para a cobertura de morte prevalece a regra objetiva da carência de 24 meses.
Base técnica com fontes legais
- Código Civil (arts. 757 e segs.; dispositivo específico sobre suicídio e carência de 24 meses) — regra objetiva e reinício na recondução após suspensão.
- Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990 — informação adequada, destaque de cláusulas restritivas e interpretação pro-consumidor.
- Regulação SUSEP (Circulares/Resoluções de seguros de pessoas) — definição de coberturas, deveres de informação, regulação de sinistro e comunicação clara em coletivos.
- Jurisprudência do STJ (recursos repetitivos e precedentes) — premeditação irrelevante na carência; após 24 meses, indenização devida salvo fraude qualificada ou inexistência de cobertura.
- Normas sobre seguros coletivos — papel do estipulante na ciência inequívoca dos segurados e na continuidade quando há migração sem ruptura.
Observação: consulte as Condições Gerais da apólice para prazos, documentos e exclusões específicas aplicáveis ao seu produto.