Cartão de créditoDireito bancárioDireito do consumidor

Negativa de estorno no cartão: como virar o jogo e garantir seu direito

Negativa de estorno pelo cartão: medidas administrativas e judiciais

Quando uma instituição financeira ou emissora de cartão nega o estorno de um lançamento contestado, o consumidor costuma se ver diante de um labirinto: falar com o SAC, abrir contestação, enviar comprovantes, repetir a história para a Ouvidoria e, às vezes, ouvir que “o lojista apresentou defesa” ou que “o prazo de chargeback expirou”. Apesar do jargão técnico, há um conjunto sólido de direitos e procedimentos capazes de reverter a negativa e, quando cabível, obter ressarcimento e indenização. Este guia prático e técnico reúne as medidas administrativas e judiciais mais eficazes, a base legal aplicável e modelos prontos para acelerar a solução.

Quando nasce o direito ao estorno

Hipóteses típicas

  • Fraude/compra não reconhecida — uso indevido presencial (skimming, fallback à tarja, contactless em série) ou no e-commerce (card-not-present sem 3-D Secure adequado);
  • Cobrança duplicada — mesma autorização capturada duas vezes ou liquidação repetida;
  • Serviço não prestado/produto não entregue — vício de qualidade ou descumprimento do contrato de consumo;
  • Pré-autorização não revertida — cauções de hotel/locadora mantidas além do prazo operacional;
  • DCC sem consentimento — conversão dinâmica de moeda imposta, com spread abusivo;
  • Erro de processamento — valores trocados, moeda equivocada, taxas indevidas.

Em todas essas hipóteses, incide o dever de segurança e de qualidade do serviço (arts. 14 e 20 do CDC). A instituição deve demonstrar que a operação foi autenticada de maneira segura (chip+senha/biometria, 3DS2 com desafio) e que não houve falha do sistema. A mera alegação de “política interna” ou “defesa do lojista” é insuficiente quando o conjunto probatório aponta risco sistêmico ou vício do serviço.

Base jurídica essencial (para sustentar sua reclamação)

CDC (Lei 8.078/90)

  • Art. 6º, III e VI — direito à informação adequada e à reparação de danos;
  • Art. 14responsabilidade objetiva do fornecedor por defeito do serviço (falhas de segurança/autenticação);
  • Art. 39 — práticas abusivas (recusar atendimento às demandas de reparação quando devidas);
  • Art. 42, parágrafo únicorepetição do indébito em dobro quando cobrado indevidamente e com má-fé;
  • Art. 51 — nulidade de cláusulas que permitam alteração unilateral ou exonerem o fornecedor de responsabilidade.

Entendimento consolidado

  • Súmula 297 do STJ — CDC aplica-se às instituições financeiras;
  • Súmula 479 do STJ — bancos respondem objetivamente por fortuito interno (fraudes em operações bancárias).

Regulação bancária

Normas do Banco Central/CMN impõem transparência, tratamento adequado de reclamações e governança de risco operacional (v.g., Res. CMN 4.949/2021 e Circular 3.681/2013). Na prática, a instituição deve manter procedimento de contestação com prazos, registro de evidências e comunicação clara ao cliente.

Por que a emissora nega o estorno e como rebater

1) “O lojista apresentou comprovante de venda”

Comprovante isolado não basta. Exija evidências de autenticação (PIN/biometria, 3DS2, geolocalização) e logs do terminal. Se houve fallback à tarja, sequência atípica ou operação fora do perfil, alegue prática temerária e fortuito interno.

2) “O prazo de chargeback expirou”

Os prazos entre adquirente e bandeira não podem suprimir direitos do consumidor. Se o vício é comprovado e você reclamou em tempo razoável, a instituição deve ressarcir e discutir regressivamente com a cadeia. Registre que prazos internos não se sobrepõem ao CDC.

3) “Houve autenticação 3DS2/biometria”

Peça a prova técnica (ID da autenticação, challenge response, IP, carimbo temporal). Autenticação formal não elimina fraude por engenharia social ou falha de monitoramento (operações em sequência, país distinto, padrão incompatível).

4) “DCC foi escolhida pelo cliente”

Solicite recibo com destaque da moeda e opção marcada. Se não houver, sustente conversão forçada e peça ajuste na moeda local.

Fluxo administrativo que funciona

1) Dossiê de evidências

  • Prints do app/serviço, extratos (em reais e, se houver, em moeda original);
  • Boletim de ocorrência (em perda/roubo), declaração de não reconhecimento;
  • Comprovantes de não prestação/entrega, e-mails de cancelamento;
  • Em viagem: passaporte, bilhetes, comprovantes de hospedagem;
  • Em DCC: fotos do recibo e do POS.

2) Pedido técnico no SAC (modelo enxuto)

“Contesto a(s) transação(ões) abaixo e requeiro: (a) crédito provisório; (b) exibição das evidências de autenticação (3DS2, PIN/biometria, logs de terminal); (c) memória de cálculo no caso de câmbio/IOF; (d) prazo para decisão. Provas anexas.”

3) Escalonamento

  • Ouvidoria — narrativa cronológica, anexos, pedido de revisão técnica e de relatório de investigação;
  • Consumidor.gov.br — prazo regulatório de resposta e histórico público;
  • Procon — tentativa de composição com termo de ajuste e base no CDC.

Medidas judiciais para reverter a negativa

Competência e rito

Casos até 40 salários mínimos podem tramitar no Juizado Especial Cível (sem custas e sem advogado até 20 salários, embora seja recomendável). Acima disso ou em maior complexidade técnica (câmbio, operações internacionais), opte pela vara cível comum.

Pedidos típicos

  • Tutela de urgência para suspender a cobrança, impedir negativação e determinar estorno provisório;
  • Declaração de inexigibilidade do débito e de encargos relacionados;
  • Obrigação de fazer: estornar, exibir documentos técnicos (3DS, PIN, logs), corrigir câmbio/IOF;
  • Indenização por danos materiais (multas, perdas contratuais) e, se houver humilhação ou negativação indevida, dano moral;
  • Repetição do indébito em dobro (art. 42, parágrafo único), quando demonstrada cobrança indevida com má-fé.

Estratégia probatória

Peça inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), destacando hipossuficiência técnica e verossimilhança. Requeira a exibição (art. 396 do CPC) dos elementos de autenticação, trilhas de auditoria e relatórios de prevenção à fraude. A ausência de exibição, sem justificativa, reforça a procedência do pedido do consumidor.

Tabela prática: negativa de estorno — como enquadrar e agir

Situação Sinal de falha Quem responde Medidas
Compra não reconhecida (e-commerce) Sem 3DS2/sem desafio; IP/país atípico Cadeia do pagamento SAC→Ouvidoria; exibição de 3DS; estorno
POS com fallback à tarja Chip “falha” repetidamente; sem PIN Lojista/adquirente BO; exibição de logs; chargeback
Pré-autorização não baixada Hotel/locadora retém valor Lojista Comprovante de check-out; estorno/contestação
DCC não consentida Cobrança em reais com spread alto Lojista Recibo, fotos; ajuste para moeda local
Duplicidade de cobrança Duas capturas idênticas Lojista/adquirente Contestação; estorno imediato

Gráfico ilustrativo: do problema à solução

O fluxograma abaixo (meramente didático) mostra um funil de resolução e os pontos de prova decisiva para reverter a negativa.

SAC + Crédito provisório + Exibição de evidências Ouvidoria + Consumidor.gov/Procon Tutela de urgência + Inversão do ônus
A cada etapa, aumente a densidade probatória (documentos, logs, recibos, BO, prints).

Modelos de texto para acelerar a solução

1) Contestação técnica ao SAC

“Contesto a transação nº ______ de R$ ______ (moeda ______, data/hora ______). Requeiro crédito provisório, exibição da autenticação (3DS2, PIN/biometria, logs de terminal) e memória de cálculo do estorno. Invoco os arts. 6º, 14 e 20 do CDC e Súmula 479/STJ. Provas anexas.”

2) Ouvidoria

“Após o protocolo nº ______, sigo sem solução. A defesa do lojista é genérica e não vieram evidências técnicas. Requeiro revisão, relatório de investigação e estorno conforme dever de segurança (art. 14, CDC).”

3) Petição inicial — pedidos mínimos

  • Tutela de urgência para suspender cobrança/negativação e determinar estorno provisório;
  • Exibição de documentos técnicos sob pena de multa;
  • Inversão do ônus e inexigibilidade do débito;
  • Indenização por danos materiais e, se cabível, morais;
  • Repetição do indébito em dobro se provada má-fé.

Questões específicas que costumam confundir

Crédito provisório não é “favor”

É medida de mitigação razoável enquanto o caso é analisado. Se negado sem justificativa, registre a recusa e leve à Ouvidoria; em juízo, peça tutela para evitar efeito cascata (juros/encargos sobre valor indevido).

Estorno internacional (câmbio/IOF)

Peça a memória de cálculo com taxa aplicada na compra e no estorno. Diferença relevante sem base objetiva pode ser cobrada do fornecedor. O consumidor não deve suportar perda cambial decorrente de falha do serviço.

“O prazo acabou” vs. direito material

Prazos de bandeira/adquirente são processuais internos. O direito material do consumidor decorre do CDC e do contrato: não pode ser esvaziado porque um botão não foi clicado em tempo na plataforma do adquirente.

Boas práticas para evitar negativas futuras

  • Ative alertas em tempo real no app e revise fatura diariamente em viagem;
  • Use cartões virtuais e prefira carteiras tokenizadas (Apple/Google Pay) no e-commerce;
  • Desconfie de POS que forçam tarja; exija chip+PIN;
  • Guarde recibos, e-mails e prints por pelo menos 90 dias;
  • Em DCC, peça cobrança na moeda local e fotografe o recibo.

Conclusão

Negativas de estorno são frequentes, mas não são o ponto final. A legislação de defesa do consumidor, a jurisprudência consolidada e as regras de governança bancária garantem um caminho claro para reverter decisões inadequadas. O segredo está em estruturar o dossiê, formular pedidos técnicos (crédito provisório, exibição de evidências, memória cambial) e subir a escada administrativa até, se preciso, acionar o Judiciário com pedidos bem delimitados (tutela, inexigibilidade, danos e repetição do indébito). Ao combinar provas robustas, argumentação jurídica e persistência processual, o consumidor tende a alcançar o resultado devido: estorno integral, correção de eventuais diferenças e reparação por eventuais prejuízos causados pela negativa indevida.

Guia rápido: o que fazer diante da negativa de estorno no cartão

Receber uma negativa de estorno após contestar um lançamento no cartão não encerra o assunto. Em regra, o emissor deve comprovar a regularidade técnica da transação (ex.: chip + senha/biometria no POS ou 3-D Secure 2 no e-commerce) e oferecer tratamento adequado à reclamação. Abaixo, um passo a passo objetivo para agir com rapidez, acumular provas e, se necessário, migrar do plano administrativo para o judicial com pedidos assertivos.

1) Organize o dossiê (15–30 minutos)

  • Prints do app com os lançamentos e da resposta de negativa.
  • Extratos (em reais e, se compra internacional, na moeda original).
  • Comprovantes de não entrega/serviço não prestado, e-mails de cancelamento.
  • BO quando houver perda/roubo; passaporte/itinerário em viagem.
  • Se alegarem DCC, fotografe o recibo do POS.

2) Pedido técnico ao SAC (texto curto que funciona)

“Reitero a contestação das transações abaixo e requeiro: (a) crédito provisório; (b) exibição das evidências de autenticação (3DS2, PIN/biometria, logs do terminal) e comprovante do lojista; (c) memória de cálculo (câmbio/IOF, se aplicável); (d) prazo para decisão revisional. Provas anexas.”

Peça número de protocolo e prazo. Se negarem por “política interna” ou “prazo de chargeback”, registre que prazos privados não afastam o direito material do consumidor e que o fornecedor deve provar a regularidade da operação.

3) Escalada administrativa (48–72 horas)

  • Ouvidoria: envie linha do tempo, anexos e a negativa do SAC. Solicite relatório de investigação e reiteração do crédito provisório.
  • Consumidor.gov.br: abre prazo regulatório e gera pressão de resposta; copie os protocolos.
  • Procon: formalize a prática abusiva (manutenção de cobrança sem prova técnica).

4) Quando partir para o judicial

Vá ao Juizado Especial Cível quando a cobrança continuar ou houver risco de negativação. Peça tutela de urgência para: (i) suspender a exigibilidade do débito, (ii) proibir negativação, (iii) determinar estorno provisório e (iv) obrigar a exibição das evidências técnicas. Requeira também, ao final, inexigibilidade do débito, danos materiais e, se houver constrangimento/negativação, danos morais. Para cobranças indevidas mantidas com má-fé, pleiteie repetição do indébito em dobro.

5) Argumentos que derrubam a negativa

  • Inversão do ônus da prova: hipossuficiência técnica do consumidor e verossimilhança (art. 6º, VIII, CDC).
  • Fortuito interno: fraudes/erros do sistema integram o risco da atividade (Súmula 479/STJ).
  • Falta de autenticação robusta: ausência de PIN/biometria/3DS2 ou logs inconsistentes.
  • Prática abusiva: manutenção de cobrança sem prova técnica idônea; recusa genérica de estorno.
  • Memória de cálculo: em compras internacionais, o banco deve apresentar taxa de câmbio/IOF e ajustar diferenças quando o vício é do serviço.

6) Prevenção para não passar por isso de novo

  • Ative alertas e revise a fatura com frequência (diariamente em viagens).
  • Prefira chip + senha e carteiras tokenizadas no e-commerce; evite POS que forçam tarja.
  • Guarde recibos e e-mails por ao menos 90 dias; fotografe recibos quando houver DCC.
  • Em compras internacionais, peça sempre cobrança na moeda local.
D0SAC D+2~7Crédito provisório D+15Ouvidoria D+20Consumidor.gov D+30~90Tutela/Estorno
Prazos são ilustrativos; siga os prazos formais informados pelo emissor e pelos órgãos de consumo.

Resumo final: documente tudo, exija provas técnicas e use a escada de escalonamento. A negativa raramente resiste a um dossiê sólido e a pedidos corretos de crédito provisório, exibição e, se necessário, tutela judicial. Seu objetivo é simples: transformar “não” em estorno integral e impedir que um erro do sistema se converta em prejuízo para você.

FAQ — Negativa de estorno pelo cartão: direitos e soluções

1) O banco pode negar o estorno de uma compra contestada?

O banco só pode negar o estorno se comprovar tecnicamente que a transação foi legítima — ou seja, autenticada por chip e senha, biometria ou 3-D Secure. Alegações genéricas ou baseadas apenas em “defesa do lojista” não são suficientes. O ônus da prova é do fornecedor (art. 6º, VIII, CDC).

2) Quais são as causas mais comuns de negativa de estorno?

As mais frequentes são: (i) alegação de autenticação válida; (ii) resposta genérica do lojista; (iii) decurso do prazo de chargeback; ou (iv) falha no envio de documentos. Contudo, esses motivos não anulam o direito do consumidor se houver indícios de falha de segurança ou serviço defeituoso.

3) O que é o crédito provisório e quando deve ser concedido?

É um reembolso temporário concedido pelo emissor enquanto investiga a contestação. O crédito deve ser ofertado sempre que houver indício de fraude ou dúvida fundada sobre a legitimidade da compra. A recusa sem justificativa fere o dever de mitigação de danos.

4) Como agir se o banco mantiver a cobrança?

Primeiro, registre a negativa e solicite relatório técnico. Depois, encaminhe à Ouvidoria e, se necessário, abra reclamação no Consumidor.gov.br ou Procon. Persistindo a cobrança, cabe ação judicial com pedido de tutela para suspender o débito e obter o estorno.

5) Qual é o prazo para contestar uma transação?

Geralmente, o prazo operacional é de até 90 dias após o lançamento. Porém, esse limite é interno (bandeira/adquirente) e não elimina o direito material do consumidor de questionar uma cobrança indevida, com base no CDC e no prazo prescricional civil de cinco anos.

6) A responsabilidade do banco é objetiva?

Sim. Segundo o art. 14 do CDC e a Súmula 479 do STJ, as instituições financeiras respondem objetivamente por danos causados por fortuito interno — fraudes, falhas de sistema e autorizações indevidas. A culpa do consumidor deve ser provada para excluir a responsabilidade.

7) O que posso pedir judicialmente?

Os pedidos mais comuns são: (a) tutela de urgência para suspender a cobrança; (b) inexigibilidade do débito; (c) estorno ou devolução em dobro (art. 42, § único, CDC); e (d) indenização por danos morais se houver negativação ou constrangimento.

8) Como provar que a compra foi fraudulenta?

Reúna prints, extratos, comprovantes, boletim de ocorrência, e-mails de cancelamento, passaporte (em caso de viagem) e peça a exibição dos logs de autenticação ao banco. Se o fornecedor não apresentar provas concretas, aplica-se a inversão do ônus da prova.

9) O CDC se aplica a cartões empresariais ou corporativos?

Depende. Se o cartão for usado para fins administrativos ou pessoais e a empresa for destinatária final do serviço, o CDC pode ser aplicado. Caso contrário, prevalece o direito civil contratual, mas ainda há dever de boa-fé e segurança na prestação do serviço.

10) Posso exigir o estorno mesmo após pagar a fatura?

Sim. O pagamento não significa aceitação definitiva da cobrança. Você pode requerer restituição do valor pago se comprovar vício do serviço, falha de segurança ou transação não autorizada. O estorno pode vir como crédito na fatura seguinte ou depósito direto.



Base técnica e fundamentos legais

A negativa de estorno em compras realizadas com cartão de crédito é uma das principais fontes de conflito entre consumidores e instituições financeiras. O tema está amparado por um conjunto de normas legais e administrativas que estabelecem a responsabilidade objetiva dos bancos, a proteção contratual e o dever de segurança na prestação do serviço financeiro. Abaixo estão os principais fundamentos jurídicos e técnicos que devem embasar a defesa do consumidor e a atuação das autoridades de controle.

1. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)

  • Art. 6º, incisos VI e VIII — Garante ao consumidor o direito à reparação de danos e à inversão do ônus da prova quando verossímil a alegação.
  • Art. 14 — Estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados por defeitos na prestação do serviço, incluindo falhas de autenticação, processamento e segurança.
  • Art. 20 — Determina que o serviço deve ser prestado de forma adequada, segura e contínua, sob pena de reparação.
  • Art. 42, parágrafo único — Prevê a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente, se comprovada má-fé.
  • Art. 39, V — Veda práticas abusivas, como negar solução a demandas legítimas do consumidor.

Esses dispositivos formam a base para o entendimento de que, havendo falha sistêmica, fraude eletrônica ou ausência de autenticação adequada, o banco emissor deve restituir o valor e adotar medidas de reparação imediata.

2. Código Civil (Lei nº 10.406/2002)

  • Art. 927 — Quem causar dano a outrem é obrigado a repará-lo, aplicando-se também à responsabilidade civil objetiva em casos de risco da atividade bancária.
  • Art. 422 — Impõe a observância da boa-fé objetiva e da lealdade contratual, fundamentais nas relações financeiras.
  • Art. 421-A — Estabelece que a liberdade contratual deve respeitar a função social do contrato e os princípios de equilíbrio entre as partes.

Nos casos de estorno negado, há violação da boa-fé quando o banco mantém cobrança sem demonstrar a autenticidade técnica da transação.

3. Normas do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional

  • Resolução CMN nº 4.539/2016 — Determina que instituições financeiras devem fornecer informações claras e completas sobre seus produtos, inclusive quanto a prazos e procedimentos de contestação.
  • Resolução CMN nº 4.949/2021 — Reforça a necessidade de política de segurança cibernética e de mitigação de riscos em meios de pagamento.
  • Circular Bacen nº 3.681/2013 — Obriga as instituições a adotar processos formais de contestação e registro de reclamações, com prazos definidos e respostas documentadas.
  • Resolução CMN nº 4.708/2018 — Dispõe sobre a gestão de riscos operacionais e exige controle eficaz sobre fraudes eletrônicas.

Essas normas impõem aos bancos a obrigação de manter canais de contestação acessíveis, registrar evidências técnicas e preservar logs e trilhas digitais que comprovem a segurança da transação.

4. Jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

  • Súmula 297 — “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
  • Súmula 479 — “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros.”
  • REsp 1.197.929/RS — O banco responde por transação realizada sem autenticação adequada, mesmo em ambiente eletrônico.
  • AgInt no AREsp 1.725.305/SP — Reforça que a alegação genérica de culpa do consumidor não exclui a responsabilidade objetiva da instituição.

5. Entendimento técnico e boas práticas

As emissoras de cartão são responsáveis por adotar mecanismos de autenticação forte (como o 3-D Secure 2 e a biometria facial ou digital), detecção de anomalias e monitoramento antifraude. A ausência de tais medidas caracteriza falha de segurança e justifica o estorno automático. Do ponto de vista probatório, o banco deve apresentar:

  • Identificação completa da transação (ID, data, hora, IP, país, MCC e terminal);
  • Comprovação da autenticação (PIN, token, biometria ou 3DS2 challenge);
  • Logs de autorização e resposta do adquirente;
  • Relatório do sistema antifraude com o score e a análise de risco.

Na ausência dessas provas, a cobrança é considerada indevida e sujeita à inversão do ônus da prova em favor do consumidor.

Encerramento técnico

O conjunto normativo demonstra que a negativa de estorno sem comprovação técnica é incompatível com o CDC e com o dever de segurança previsto na legislação bancária. O banco emissor responde objetivamente por falhas de autenticação, demora na análise de contestação e manutenção indevida de débitos.

Do ponto de vista prático, a solução deve passar pela transparência nos protocolos de contestação, registro das evidências e aplicação de procedimentos de auditoria internos. Em caso de omissão, o consumidor pode buscar reparação judicial por meio de pedidos de tutela de urgência, inexigibilidade do débito, restituição em dobro e indenização moral.

O caminho jurídico ideal combina a base técnica — autenticação segura e registro digital — com a base normativa — CDC, Código Civil, Bacen e STJ. Assim, o processo de estorno deixa de ser uma concessão do banco e passa a ser um direito do consumidor, sustentado por legislação robusta e precedentes consolidados.

Mais sobre este tema

Mais sobre este tema

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *