Fabricante x Comerciante no CDC: Quem Responde por Vício, Defeito, Prazos e Recall?
Responsabilidade do comerciante e do fabricante: panorama prático no CDC
Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade pelos problemas que atingem produtos pode decorrer de vício (inadequação de qualidade/quantidade que torna o bem impróprio ou lhe diminui o valor) ou de defeito (fato do produto, quando há falha de segurança capaz de provocar dano à saúde/integraidade). Em ambos os cenários, a legislação busca uma resposta rápida e efetiva ao consumidor, distribuindo deveres entre fabricante/produtor/importador e comerciante.
De forma geral: (i) para vícios (arts. 18 a 25), a cadeia inteira — fabricante, importador, distribuidor e comerciante — responde solidariamente, com prazo para sanar o problema e, se não resolvido, o consumidor escolhe entre troca, reembolso ou abatimento; (ii) para defeitos (arts. 12 a 17), a responsabilidade é objetiva sobretudo do fabricante/produtor/importador, mas o comerciante responde nos casos do art. 13 (ex.: ausência de identificação do fabricante, conservação inadequada, produto vencido/adulterado).
Fabricante, produtor e importador: deveres, riscos e excludentes
Responsabilidade por defeito (fato do produto)
O fabricante/produtor/importador responde independentemente de culpa pelos danos causados por defeito de segurança. O consumidor precisa demonstrar o dano, o nexo causal e o defeito (produto não oferece a segurança que legitimamente se espera). São típicos: explosão de bateria, aquecimento que provoca queimaduras, contaminação de alimento, falha de airbag.
- Excludentes clássicas: (a) não colocou o produto no mercado; (b) inexistência de defeito; (c) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. A prova dessas excludentes é do fornecedor.
- Dever de segurança e recall: ao identificar risco, o fabricante deve informar imediatamente autoridades e consumidores, promovendo recall com ampla divulgação e solução gratuita (reparo/substituição/ressarcimento).
- Informação adequada: rotulagem clara (composição, riscos, modo de uso, contraindicações) e instruções de montagem/instalação seguras.
Responsabilidade por vício (qualidade/quantidade)
Quando o problema não envolve risco à segurança, mas inadequação de uso (vício), aplica-se o art. 18. Toda a cadeia responde solidariamente, inclusive o comerciante. O fornecedor tem, em regra, 30 dias para sanar o vício; não resolvido, o consumidor pode substituir o produto, reaver o valor pago (corrigido) ou obter abatimento proporcional. Se o vício é grave, reiterado ou o produto é essencial, a opção pode ser imediata.
Gestão de risco e conformidade
- Rastreabilidade de lotes/peças e controle de qualidade estatístico;
- Serviço de atendimento responsivo, OS detalhada, prazos realistas e peças de reposição disponíveis;
- Atualizações de software seguras (sem degradar funcionalidades), política de cibersegurança e testes de regressão;
- Auditoria de fornecedores críticos e contratos com cláusulas de regresso para ressarcir indenizações pagas ao consumidor.
Comerciante: quando responde e como se proteger
Vícios (arts. 18 a 25): solidariedade plena
Para vícios, a regra é a responsabilidade solidária de toda a cadeia. O consumidor pode exigir solução diretamente do comércio (loja física/marketplace), sem prejuízo de posterior regresso do comerciante contra o fabricante.
Defeitos (art. 13): hipóteses específicas
Em defeitos de segurança, o comerciante responde quando: (a) o fabricante não puder ser identificado; (b) o produto é sem identificação do fabricante; (c) conserva o produto de forma inadequada ou o altera (ex.: alimento fora de temperatura, prazo vencido, manipulação indevida). Se indicar de modo ostensivo o fabricante/importador, afasta-se a sua responsabilidade, salvo nessas exceções.
Deveres operacionais do comércio
- Armazenagem e exposição compatíveis com a natureza do bem (cadeia de frio, umidade, empilhamento);
- Validade e integridade: controle de vencimento, lotes e lacres;
- Informação e suporte: repasse fiel da oferta, manual e assistência, além de canal de pós-venda;
- Marketplaces: due diligence de sellers, política de retirada de anúncios irregulares e mediação rápida de conflitos.
Prazos essenciais e contagem
- Decadência para vícios: 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis); em vício oculto, conta-se da evidência do defeito.
- Prescrição para danos (defeitos e prejuízos decorrentes): 5 anos do conhecimento do dano e da autoria.
- Conserto: regra geral de 30 dias; se não sanar, o consumidor pode optar pelas soluções legais.
Gráfico didático — amplitude dos prazos
Comparação visual (escala aproximada):
Escala ilustrativa para comunicação com o consumidor.
Quadro comparativo — quem responde e como
| Situação | Fabricante/Produtor/Importador | Comerciante | Direitos do consumidor |
|---|---|---|---|
| Vício de qualidade (sem risco de segurança) | Responde solidariamente; prazo de 30 dias para sanar | Responde solidariamente também | Troca, reembolso ou abatimento; eventual indenização se houver prejuízo |
| Defeito de segurança com dano | Objetiva; recall e informação obrigatórios | Responde nas hipóteses do art. 13 | Reparação integral (materiais e morais) + correção do risco |
| Produto sem identificação do fabricante | — | Responde (art. 13, I) | Mesmos direitos, com possibilidade de o comerciante buscar regresso |
| Conservação inadequada no ponto de venda | Pode haver culpa exclusiva do comerciante | Responde (art. 13, III) | Reparação integral + medidas sanitárias quando cabíveis |
Oferta, publicidade e informação
O conteúdo da oferta/publicidade integra o contrato: desempenho prometido, economia, compatibilidades, prazo e condições devem ser cumpridos. Informações ambíguas ou omissões relevantes geram responsabilidade e podem caracterizar prática enganosa. Em produtos complexos (eletrônicos, automotivos, saúde), manuais claros, etiquetas de eficiência e selo de certificação são peças-chave para reduzir incidentes.
Prova, inversão e perícia
Cabe ao consumidor apresentar indícios (nota fiscal, registros do defeito, protocolos). O magistrado pode determinar a inversão do ônus da prova quando houver verossimilhança das alegações ou hipossuficiência técnica/financeira. Em disputas técnicas, perícia avalia nexo, vida útil, manutenção e condições de uso. O fornecedor deve preservar peças substituídas, logs e histórico de atendimento para eventual auditoria.
Cenários práticos e aplicação
- Alimento contaminado: defeito de segurança com dano à saúde. Responsabilidade objetiva do fabricante; comerciante responde se conservou inadequadamente ou se o produto está sem identificação.
- Notebook com falhas intermitentes: vício de qualidade. Solidariedade de toda a cadeia; se não sanado em 30 dias, consumidor escolhe a solução.
- Veículo com airbag que não dispara: defeito de segurança. Recall obrigatório; indenização por danos; comerciante responde apenas se incidirem as hipóteses do art. 13.
- Produto com promessa de autonomia superior à real: publicidade enganosa e vício de qualidade; direitos de abatimento/troca e eventual dano moral por frustração relevante.
Boas práticas para reduzir litígios
Para fabricantes/importadores
- Testes de estresse, FMEA e auditorias de fornecedores críticos;
- Suporte omnichannel, prazos realistas e peças em estoque;
- Rastreabilidade e comunicação ágil em recalls;
- Políticas de atualização de software que não degradem a experiência.
Para comerciantes
- Controle de validade e temperatura; treinamento sobre manuseio e armazenagem;
- Política clara de troca/devolução e registro formal das OS de suporte;
- Em marketplaces, due diligence de sellers e remoção de anúncios irregulares;
- Informação transparente sobre prazos e cobertura de garantias.
Conclusão
A arquitetura do CDC reparte deveres para assegurar qualidade e segurança no consumo: o fabricante/importador responde objetivamente por defeitos e, junto com o comerciante, responde solidariamente por vícios. Prazos de 30/90 dias (vício) e 5 anos (indenização) orientam a atuação, enquanto o recall, a informação adequada e a rastreabilidade previnem acidentes e litígios. Para o consumidor, a estratégia é documentar, acionar a cadeia de fornecimento e, se necessário, recorrer aos mecanismos públicos e judiciais. Para empresas, investir em compliance e pós-venda é o caminho mais curto para reduzir riscos e construir confiança sustentável.
Guia rápido: diferenças e deveres entre comerciante e fabricante
A responsabilidade do comerciante e do fabricante está entre os temas centrais do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e define como se distribuem os deveres de garantia, reparo e indenização em caso de problemas com produtos. Em síntese, o sistema é baseado em dois pilares: a solidariedade para os vícios de qualidade e a responsabilidade objetiva para os defeitos de segurança. Isso significa que o consumidor não precisa provar culpa de ninguém — basta demonstrar o defeito e o dano ou prejuízo causado.
O fabricante, produtor ou importador é quem responde diretamente por defeitos de fabricação, design ou informação que coloquem o consumidor em risco. Assim, se um produto explode, causa queimadura ou falha em um componente essencial (como um airbag ou um remédio adulterado), a responsabilidade recai sobre o fabricante. Já o comerciante — aquele que vende o produto ao público — tem papel secundário nos casos de defeito, mas responde em situações específicas, como quando o produto não tem identificação do fabricante, é vendido vencido ou armazenado incorretamente. Nessas hipóteses, o comerciante também se torna responsável pelos danos.
Nos casos de vícios de qualidade ou quantidade — falhas que tornam o produto impróprio ou diminuem seu valor —, o CDC determina a responsabilidade solidária de toda a cadeia: fabricante, importador, distribuidor e comerciante. Isso garante ao consumidor o direito de reclamar diretamente com qualquer um deles, sem precisar identificar quem foi o verdadeiro causador do problema. Após a reclamação, o fornecedor tem 30 dias para solucionar o vício. Se não o fizer, o consumidor pode exigir substituição do produto, restituição do valor pago ou abatimento proporcional no preço.
Outro ponto relevante é o prazo para reclamar: 30 dias para produtos não duráveis (como alimentos) e 90 dias para duráveis (como eletrônicos e veículos). Quando o defeito é oculto, esse prazo só começa a contar a partir do momento em que o defeito aparece, e não da compra. Já para indenizações por danos, o prazo é de cinco anos, contados da data em que o consumidor tomou conhecimento do dano e de quem o causou. Além disso, o CDC prevê que toda cláusula que tente excluir ou limitar a responsabilidade do fornecedor é nula de pleno direito.
O recall é outro dever do fabricante: sempre que for identificado risco à saúde ou segurança do consumidor, a empresa deve informar imediatamente as autoridades e o público, promovendo a substituição, reparo ou devolução do valor de forma gratuita. Já o comerciante deve manter atenção redobrada com a armazenagem e exposição de produtos, garantindo que estejam dentro da validade, conservados em temperatura adequada e vendidos em conformidade com as instruções do fabricante.
Em resumo: o fabricante responde pela origem e segurança do produto, enquanto o comerciante responde pela integridade e conservação no ponto de venda. Ambos têm papel fundamental na proteção da confiança do consumidor e na prevenção de litígios. O cumprimento rigoroso dos deveres de informação, segurança e transparência reduz riscos, fortalece a marca e evita prejuízos com indenizações ou ações judiciais. O equilíbrio entre as responsabilidades de cada elo da cadeia garante um consumo mais seguro, justo e sustentável.
FAQ — responsabilidade do comerciante e do fabricante
1) Qual a diferença entre vício e defeito?
Vício: inadequação de qualidade/quantidade que torna o produto impróprio ou diminui seu valor (arts. 18–25 do CDC). Defeito: falha de segurança que causa dano ao consumidor (arts. 12–17).
2) Quem responde por vício de qualidade?
A cadeia inteira — fabricante, importador, distribuidor e comerciante — responde solidariamente (art. 18). O consumidor pode acionar qualquer um.
3) Quem responde por defeito (acidente de consumo)?
Responsabilidade objetiva do fabricante/produtor/importador (art. 12). O comerciante responde nas hipóteses do art. 13 (ex.: produto sem identificação, conservação inadequada).
4) Em quanto tempo o fornecedor deve consertar vício?
Regra geral: 30 dias. Se não sanar, o consumidor escolhe troca, reembolso ou abatimento (art. 18, §1º). Em produto essencial/gravidade/reincidência, a escolha pode ser imediata (art. 18, §3º).
5) Quando o comerciante responde por defeito de segurança?
Quando não identifica o fabricante/importador; quando o produto está sem identificação; ou por conservação/manipulação inadequadas (art. 13).
6) Quais são os prazos para reclamar?
Vícios: 30 dias (não duráveis) e 90 dias (duráveis). Em vício oculto, contam da evidência do defeito (art. 26, §3º). Danos por defeito: 5 anos (art. 27).
7) O que é recall e quem deve promovê-lo?
Medida de segurança para retirar/corrigir produto perigoso. É dever do fabricante avisar consumidores e autoridades e oferecer solução gratuita.
8) O comerciante pode negar atendimento e “jogar” para a fábrica?
Não em casos de vício. A responsabilidade é solidária; a loja deve atender o consumidor e depois buscar regresso contra o fabricante.
9) Como provar o problema? Há inversão do ônus?
O consumidor apresenta indícios (nota, fotos, OS). O juiz pode inverter o ônus da prova por verossimilhança ou hipossuficiência (art. 6º, VIII).
10) Quais cuidados do comércio evitam responsabilidade?
Garantir armazenagem/validades, checar identificação do fabricante, manter pós-venda eficiente, registrar protocolos e seguir manuais. Em marketplaces, fazer due diligence de vendedores e retirar anúncios irregulares.
Fundamentação normativa e referências
- Constituição Federal — Art. 5º, XXXII: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170, V: a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como princípio a defesa do consumidor.
- Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990):
- Art. 12 a 17 — responsabilidade objetiva do fabricante, produtor e importador pelos defeitos de segurança que causem danos ao consumidor.
- Art. 13 — define as hipóteses em que o comerciante responde solidariamente (produto sem identificação, conservação inadequada, manipulação imprópria).
- Art. 18 a 25 — regula a responsabilidade solidária por vícios de qualidade e quantidade que tornem o produto impróprio ao uso.
- Art. 26, §3º — estabelece que o prazo para reclamar de vício oculto inicia-se com a manifestação do defeito.
- Art. 27 — fixa o prazo prescricional de 5 anos para ações indenizatórias decorrentes de defeitos.
- Art. 30 e 31 — tratam do dever de informação e publicidade verídica, integrando a oferta ao contrato.
- Decreto nº 2.181/1997 — regulamenta a atuação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e disciplina o recall e as práticas administrativas contra fornecedores.
- Portaria Senacon nº 618/2019 — atualiza os procedimentos de comunicação de recall e obriga ampla divulgação pública.
- Código Civil — Arts. 421 e 422: princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, aplicáveis às relações de consumo em caráter complementar.
- Normas técnicas ABNT — NBR 14.653 e correlatas, que orientam avaliações de vida útil, ensaios de qualidade e rastreabilidade de componentes.
Jurisprudência relevante
- STJ, REsp 1.361.182/RS — o prazo para reclamar de vício oculto conta-se da ciência inequívoca do defeito.
- STJ, AgInt no REsp 1.863.268/SP — a falha dentro da vida útil razoável do bem caracteriza vício de qualidade, ainda que expirada a garantia contratual.
- STJ, REsp 1.479.356/DF — o comerciante responde por produtos vencidos ou sem conservação adequada, mesmo sem culpa direta.
- STJ, AgInt no AREsp 1.632.440/SP — reconhece dano moral pela perda do tempo útil e descaso reiterado do fornecedor.
Instrumentos complementares
Além das normas do CDC, aplicam-se as diretrizes de compliance empresarial e responsabilidade civil preventiva. Fabricantes e comerciantes devem manter registros de controle de qualidade, documentação de recall, rastreabilidade de peças, contratos de fornecimento com cláusulas de regresso e políticas internas de atendimento ao consumidor, conforme orientações da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Boas práticas operacionais
- Manter canal de comunicação permanente com consumidores e autoridades;
- Realizar auditorias periódicas de segurança e rotulagem;
- Garantir treinamento técnico para equipes de vendas e suporte;
- Adotar planos de contingência e rastreabilidade de produtos;
- Respeitar as regras de publicidade e evitar práticas enganosas ou omissas.
Encerramento — síntese interpretativa e aplicabilidade
A distinção entre as responsabilidades do fabricante e do comerciante é fundamental para compreender a lógica protetiva do CDC. O sistema impõe ao primeiro o dever de assegurar a segurança e a qualidade do produto e, ao segundo, o dever de garantir a integridade e a informação adequada na venda. Ambos atuam de forma complementar e solidária na proteção do consumidor, sustentando o princípio da confiança legítima que rege as relações de mercado.
O equilíbrio da relação de consumo exige que cada elo da cadeia cumpra seus deveres de forma ética e preventiva. O fabricante deve investir em controle de qualidade, rastreabilidade e comunicação transparente; o comerciante precisa garantir armazenagem correta, prazos de validade e orientação clara ao comprador. Essa integração de responsabilidades é o que confere ao sistema brasileiro sua força protetiva e evita que o consumidor arque sozinho com os prejuízos de um defeito que não provocou.
Em suma, a responsabilidade compartilhada reforça o ideal de equilíbrio e boa-fé nas relações econômicas. Ao aplicar corretamente os dispositivos do CDC, o operador do direito — seja advogado, juiz ou gestor empresarial — contribui para a consolidação de um ambiente de consumo mais seguro, justo e transparente.
