Improbidade Administrativa Atualizada: Conceitos, Sanções e Impactos da Nova Lei 14.230/2021
Improbidade Administrativa: conceitos centrais e mapa do regime atual
Improbidade administrativa é o conjunto de condutas dolosas de agentes públicos (e de terceiros que com eles atuem) que violam a probidade administrativa e se enquadram nos tipos legais da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), em sua redação substancialmente reformada pela Lei nº 14.230/2021. Essas condutas estão estruturadas em três grandes grupos: enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) e violação a princípios (art. 11). A reforma de 2021 consolidou a exigência de dolo (responsabilidade subjetiva) para a tipificação dos atos ímprobos, reconfigurou sanções e prazos prescricionais, estabeleceu balizas para medidas cautelares e institucionalizou o Acordo de Não Persecução Cível (ANPC).
Arquitetura legal: quem alcança, quando incide e como tipificar
Sujeitos e alcance
A LIA alcança agentes públicos (servidores, empregados públicos, agentes políticos, dirigentes de estatais etc.) e terceiros que induzam, concorram ou se beneficiem do ato. A reforma de 2021 ajustou a tipicidade, exigindo condutas dolosas e melhor delimitadas; atos culposos (imprudência, imperícia, negligência) não configuram mais improbidade, embora possam gerar responsabilidade administrativa, civil comum ou penal.
Tipicidade por grupos de atos (arts. 9º, 10 e 11)
- Art. 9º – Enriquecimento ilícito: obter vantagem patrimonial indevida (receber propina, incorporar bens públicos, usar patrimônio público em proveito próprio etc.).
- Art. 10 – Lesão ao erário: causar prejuízo doloso ao patrimônio público (pagamento acima do mercado, doações ilegais, operações financeiras irregulares, alienar por preço inferior etc.).
- Art. 11 – Violação a princípios: condutas dolosas atentatórias a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, agora com incisos específicos (p. ex., frustrar publicidade de atos oficiais, descumprir normas de transparência, etc.).
Sanções: o que pode ser aplicado e quando
As sanções variam conforme o tipo (arts. 9º, 10 e 11) e são aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. A reforma redefiniu faixas e retirou algumas penas em hipóteses específicas.
Mapa rápido das sanções por tipo
Tipo | Sanções possíveis |
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Art. 9º (Enriquecimento ilícito) | Perda dos bens acrescidos ilicitamente; perda da função pública; suspensão de direitos políticos (até 14 anos); multa civil (até o acréscimo); proibição de contratar/receber incentivos (até 14 anos). |
Art. 10 (Lesão ao erário) | Ressarcimento do dano; perda da função pública; suspensão de direitos políticos (até 12 anos); multa civil (até o valor do dano); proibição de contratar/receber incentivos (até 12 anos). |
Art. 11 (Princípios) | Sem suspensão de direitos políticos e, em regra, sem perda automática da função: multa civil (até 24× remuneração) e proibição de contratar/receber incentivos (até 4 anos). |
Gráfico comparativo (faixas máximas de suspensão de direitos políticos)
Prescrição e prescrição intercorrente
O regime prescricional foi redimensionado. Em linhas gerais, a ação para aplicação de sanções por improbidade prescreve em 8 anos (prazo único), com marcos de contagem a partir da ocorrência do fato (nas infrações permanentes, conta-se do fim da permanência). A lei também disciplinou a prescrição intercorrente e novos marcos de interrupção/retomada da contagem, inclusive com regra específica de recomeço por 4 anos após determinadas hipóteses interruptivas. O STF fixou que o novo regime prescricional é irretroativo (aplica-se a partir de 25/10/2021), ao passo que a revogação da modalidade culposa é aplicável retroativamente aos processos sem trânsito em julgado, com reexame do dolo.
Legitimidade ativa, cautelares e acordo
Quem pode propor a ação
A LIA, na reforma de 2021, chegou a restringir a legitimidade ativa ao Ministério Público, mas o STF restabeleceu a legitimidade concorrente e disjuntiva do ente público lesado, ao julgar as ADIs 7042/7043. Portanto, podem propor a ação o MP e a pessoa jurídica interessada.
Indisponibilidade de bens
Medidas cautelares patrimoniais, como a indisponibilidade de bens, passaram a exigir, de forma explícita, demonstração de urgência e perigo de dano (natureza de tutela provisória de urgência). A jurisprudência do STJ, pós-reforma, vem condicionando o deferimento à prova de fumus boni iuris qualificado e periculum in mora.
Acordo de Não Persecução Cível (ANPC)
O ANPC foi positivado no art. 17-B, com requisitos como: integral ressarcimento (ou plano), reversão da vantagem indevida, oitiva do ente lesado, aprovação interna e homologação judicial. Pode ser celebrado a qualquer tempo se proporcionar tutela suficiente ao patrimônio público; a prática institucional (CNMP/MPs) vem detalhando fluxos e checklists de conformidade.
Jurisprudência estruturante (pós-reforma)
- Tema 1.199/STF: exige-se dolo para os arts. 9º, 10 e 11; revogação do ato culposo pode retroagir apenas aos processos sem trânsito; novo regime prescricional é irretroativo.
- ADI 7042/7043 (STF): legitimidade ativa concorrente entre MP e ente público lesado.
- STJ (pós-2021): indisponibilidade de bens exige urgência/periculum e aplica-se imediatamente aos processos em curso; restrição da retroatividade às hipóteses de atos culposos sem trânsito em julgado.
Dados e panorama de enforcement
Relatórios recentes indicam judicialização expressiva e concentração de condenações na esfera municipal. O CNJ sinalizou esforço de julgamento de dezenas de milhares de ações, com metas de produtividade e priorização. Esses números reforçam a necessidade de governança, integridade e gestão de risco nos entes públicos e estatais para reduzir a incidência de atos ímprobos.
Checklist operacional para gestores e procuradorias
- Prevenção: políticas de integridade, segregação de funções, controles de compras e due diligence de terceiros.
- Contratações: estudos de mercado e estimativas de preços robustas; matriz de riscos; motivação da vantajosidade.
- Transparência: portais atualizados, dados abertos, compliance em LGPD e trilhas de auditoria.
- Resposta a indícios: abertura de apuração preliminar, preservação de provas e avaliação de cabimento de ANPC.
- Contencioso: análise do dolo e da tipicidade antes de ajuizar; verificação de prescrição; fundamentação de cautelares com urgência demonstrada.
Conclusão
A improbidade administrativa, após a reforma de 2021, tornou-se um regime mais técnico e exigente em prova de dolo, tipicidade e proporcionalidade das sanções. O sistema busca equilibrar accountability com segurança jurídica, reforçando filtros de responsabilização e calibrando as penas. Para quem atua na gestão pública, advocacia pública/privada ou no controle, a chave está em planejar, documentar e medir: governança sólida, motivação de decisões, gestão de riscos e uso criterioso de acordos e cautelares. Esse caminho reduz litígios, protege o erário e preserva o núcleo de integridade que a LIA tutela.
Guia Rápido: Entendendo a Improbidade Administrativa e suas Sanções
A improbidade administrativa é uma das infrações mais graves no âmbito da administração pública, pois representa a quebra de confiança entre o agente público e o Estado. Prevista na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), e atualizada pela Lei nº 14.230/2021, ela busca punir atos dolosos (intencionais) que atentem contra os princípios da administração, causem prejuízo ao erário ou gerem enriquecimento ilícito.
O que mudou com a Reforma de 2021
Antes da reforma, a lei também punia atos culposos (sem intenção). Com a nova redação, passou a exigir dolo — ou seja, a vontade deliberada de praticar o ato ilegal. Isso significa que erros administrativos ou más gestões sem má-fé não configuram mais improbidade.
Outra mudança relevante foi a criação do Acordo de Não Persecução Cível (ANPC), que permite ao agente público ou ao terceiro envolvido resolver a questão mediante ressarcimento e outras condições, evitando longos processos judiciais.
Tipos de atos de improbidade
- Enriquecimento ilícito (art. 9º): quando o agente se beneficia de forma indevida com dinheiro, bens ou vantagens provenientes do cargo público.
- Lesão ao erário (art. 10): quando o agente causa prejuízo doloso aos cofres públicos, como gastos superfaturados ou mau uso de verbas.
- Violação a princípios (art. 11): quando há violação consciente aos valores da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade ou eficiência.
Principais sanções
As sanções aplicáveis variam conforme o tipo de ato e o grau de dano causado. A LIA prevê, entre outras medidas: perda da função pública, multa civil, ressarcimento ao erário, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o poder público.
Com a nova lei, as penas só podem ser executadas após trânsito em julgado (decisão final). Isso evita que gestores sejam punidos antes da conclusão do processo.
Prescrição e responsabilidade
O prazo para ajuizar ação de improbidade é de 8 anos, contados a partir da prática do ato. Esse prazo pode ser interrompido em determinadas situações e recomeçar em caso de novas provas ou decisões judiciais. O STF fixou entendimento de que as novas regras de prescrição não retroagem, mas a exigência de dolo pode beneficiar processos ainda em andamento.
Importância do compliance
Com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), os órgãos públicos passaram a exigir políticas de integridade e compliance. Essas ferramentas ajudam a prevenir a improbidade e demonstram compromisso com a ética pública.
Mensagem-chave do guia
A improbidade administrativa é uma ferramenta essencial para proteger o patrimônio público e garantir a moralidade na gestão. A reforma de 2021 buscou equilibrar o combate à corrupção com a segurança jurídica dos gestores públicos. Em síntese, o sistema atual privilegia a intenção dolosa, o acordo e a transparência como pilares para uma administração pública eficiente e responsável.
FAQ (Acordeão) — Improbidade Administrativa
1) O que é improbidade administrativa?
É a prática dolosa (intencional) de atos que violem a probidade na administração pública, tipificados na Lei 8.429/1992 (LIA) — após a reforma da Lei 14.230/2021. Divide-se em três grupos: enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) e violação a princípios (art. 11).
2) A lei ainda pune condutas culposas?
Não. Após 2021, a improbidade exige dolo. Atos meramente culposos (negligência, imprudência, imperícia) podem gerar responsabilização administrativa ou civil comum, mas não configuram improbidade.
3) Quem pode ser responsabilizado?
Agentes públicos de qualquer nível e terceiros que induzam, concorram ou se beneficiem do ato ímprobo (pessoas físicas ou jurídicas). Exige-se prova do dolo do participante/beneficiário.
4) Quais são as sanções possíveis?
Variam conforme o tipo: perda da função pública, ressarcimento, multa civil, suspensão de direitos políticos (até 14 anos no art. 9º; até 12 anos no art. 10) e proibição de contratar com o poder público. No art. 11, em regra não há suspensão de direitos políticos; predominam multa e proibição de contratar (até 4 anos).
5) Quando as penas podem ser executadas?
Somente após o trânsito em julgado da condenação. Antes disso, é possível tutela provisória para resguardar o resultado do processo, desde que presentes os requisitos legais.
6) Qual é o prazo de prescrição?
Regra geral de 8 anos para a ação sancionatória, contados do fato (ou do fim da permanência, se contínuo). Há hipóteses de interrupção e de prescrição intercorrente. As novas regras de prescrição não retroagem; já a exigência de dolo pode alcançar processos sem trânsito.
7) Quem pode propor a ação de improbidade?
Há legitimidade ativa concorrente: o Ministério Público e o ente público lesado podem ajuizar a ação, de forma independente, cada qual dentro de suas atribuições.
8) Como funciona a indisponibilidade de bens?
É medida cautelar para assegurar ressarcimento ou pagamento de multa. Exige probabilidade do direito (fumus) qualificada e perigo de dano (periculum). O juiz deve motivar a necessidade e a proporcionalidade do bloqueio.
9) O que é o Acordo de Não Persecução Cível (ANPC)?
Mecanismo negociai (art. 17-B) que permite encerrar ou evitar a ação, mediante ressarcimento, reversão da vantagem, obrigações de compliance e outras condições. Requer oitiva do ente lesado e homologação judicial.
10) Improbidade é crime? Qual a diferença para corrupção penal?
Não. A improbidade é esfera cível-sancionatória. Pode coexistir com crimes como corrupção (art. 317/333 do CP) ou com infrações administrativas. Cada esfera tem requisitos probatórios, sanções e prazos próprios.
Referências Técnicas, Fontes Legais e Encerramento
Base normativa principal
- Constituição Federal de 1988 — arts. 37, §4º e 85, que tratam dos princípios da administração pública e da responsabilidade dos agentes públicos.
- Lei nº 8.429/1992 — Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação de princípios, formando a base da Lei de Improbidade Administrativa.
- Lei nº 14.230/2021 — Reforma que alterou substancialmente a LIA, estabelecendo a necessidade de dolo, redefinindo sanções e introduzindo o Acordo de Não Persecução Cível (ANPC).
- Lei nº 12.846/2013 — Lei Anticorrupção, que complementa o sistema sancionatório civil e administrativo, reforçando a responsabilização de pessoas jurídicas.
- Decreto nº 11.129/2022 — Regulamenta a Lei Anticorrupção e as práticas de compliance no setor público e privado.
- Lei nº 13.303/2016 — Estatuto Jurídico das Estatais, relevante para definir responsabilidades e políticas de integridade nas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Jurisprudência e precedentes relevantes
- STF, Tema 1.199 — Fixou a exigência de dolo para configuração dos atos de improbidade administrativa e determinou que a revogação da modalidade culposa tem efeito retroativo apenas para processos sem trânsito em julgado.
- STF, ADIs 7042 e 7043 — Restabeleceram a legitimidade concorrente entre o Ministério Público e o ente público lesado para propor ações de improbidade.
- STJ, REsp 1.366.721/BA — Estabelece que a indisponibilidade de bens deve observar os requisitos da tutela de urgência, exigindo fumus boni iuris e periculum in mora.
- STJ, REsp 1.881.523/SP — Reafirma que a improbidade deve estar comprovada com prova inequívoca do dolo e que meras irregularidades formais não configuram ato ímprobo.
- CNJ, Relatório Justiça em Números 2023 — Aponta a redução de cerca de 35% nas ações de improbidade após a reforma da lei, demonstrando o impacto da exigência de dolo.
Fontes complementares e institucionais
- Portal do Planalto — Texto atualizado da Lei nº 8.429/1992
- Lei nº 14.230/2021 — Reforma da LIA
- Conselho Nacional do Ministério Público — Diretrizes do ANPC
- Tribunal de Contas da União — Acórdãos e manuais sobre improbidade e controle interno
- Supremo Tribunal Federal — Informativos e decisões sobre improbidade
Encerramento interpretativo
A Lei de Improbidade Administrativa consolidou-se como o principal instrumento de combate à corrupção no campo cível. Após a reforma de 2021, o foco passou a ser o dolo específico, a proporcionalidade das sanções e a segurança jurídica dos gestores públicos. O modelo atual busca equilibrar a punição de atos dolosos e graves com a proteção contra responsabilizações excessivas.
Para a efetividade da norma, é essencial que o Ministério Público, os órgãos de controle e as administrações públicas mantenham políticas de integridade, transparência e governança. O uso de acordos de não persecução cível e o fortalecimento do compliance público representam a evolução de uma política sancionatória mais inteligente e preventiva.