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Tratados de Direitos Humanos no Brasil: Status Constitucional, Supralegalidade e Efeitos Práticos

Panorama geral e arcabouço constitucional brasileiro

Os tratados de direitos humanos ocupam posição diferenciada no ordenamento jurídico brasileiro por força da Constituição de 1988 e da interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há, hoje, três degraus de hierarquia aplicáveis a tratados no Brasil: (i) regra geral de status infraconstitucional (equiparação a lei ordinária) para a maior parte dos tratados; (ii) status supralegal para tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum; e (iii) equivalência constitucional para tratados de direitos humanos aprovados pelo rito qualificado do art. 5º, § 3º, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse § 3º dispõe que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso, em dois turnos e por 3/5 dos votos, serão equivalentes às emendas constitucionais. 0

Antes da EC 45/2004, a jurisprudência oscilava quanto ao status dos tratados de direitos humanos. A virada interpretativa consolidou-se no julgamento do RE 466.343/SP (2008), no qual o STF reconheceu status supralegal aos tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum e, na mesma linha, proibiu a prisão civil do depositário infiel com fundamento, entre outros, na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). A orientação foi reafirmada e sumulada na Súmula Vinculante 25 (“é ilícita a prisão civil do depositário infiel”). 1

Mensagem-chave: tratados de direitos humanos têm status diferenciado: ou são supralegais (rito comum) ou constitucionais (rito do art. 5º, § 3º). A consequência prática é que eles prevalecem sobre leis ordinárias em conflito, e, quando equivalentes à Constituição, integram o bloco de constitucionalidade brasileiro. 2

O rito qualificado do art. 5º, § 3º e seus efeitos

Com a EC 45/2004, a Constituição passou a admitir que certos tratados de direitos humanos sejam aprovados com o mesmo quórum e procedimento de uma emenda constitucional, condicionado a votação em dois turnos em cada Casa do Congresso e quórum de 3/5. Uma vez cumprido esse rito, o tratado adquire status constitucional, situando-se no ápice da hierarquia normativa interna. Essa inovação foi textualmente inserida no § 3º do art. 5º. 3

O caso paradigmático é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo, aprovados por Decreto Legislativo 186/2008 “nos termos do § 3º do art. 5º”, e posteriormente promulgados pelo Decreto 6.949/2009. O reconhecimento de sua equivalência constitucional tornou-se referência para a doutrina e a jurisprudência, irradiando efeitos sobre políticas públicas e legislação infraconstitucional, como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015). 4

Exemplo prático: por ter sido aprovado pelo rito qualificado, o conteúdo normativo da CDPD integra o nível constitucional. Isso significa que leis ou atos normativos infraconstitucionais devem conformar-se aos seus comandos; em caso de conflito, prevalece o parâmetro mais elevado (a própria CDPD). 5

O padrão de supralegalidade e a virada jurisprudencial do STF

Para os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum, o STF fixou a tese da supralegalidade no RE 466.343/SP, o que implica reconhecer a prevalência desses tratados sobre leis ordinárias, ainda que se situem abaixo da Constituição. No leading case, o Tribunal enfrentou a tensão entre o art. 5º, LXVII, da Constituição (que admite prisão civil do depositário infiel) e as normas convencionais – concluindo que, no plano infraconstitucional, a legislação que autorizava a prisão civil não subsistia diante do Pacto de San José. A consequência foi a edição da SV 25. 6

Essa solução resguarda a centralidade da Constituição e, ao mesmo tempo, confere força normativa robusta aos tratados de direitos humanos, impedindo que leis ordinárias futuras ou pretéritas esvaziem a proteção convencional. Em diversos julgados posteriores, o STF e o STJ trataram a convencionalidade como parâmetro de validade dos atos internos. 7

Controle de convencionalidade e o “bloco de convencionalidade”

Com a ascensão dos tratados de direitos humanos, difunde-se, entre nós, a prática do controle de convencionalidade, isto é, a verificação de compatibilidade de leis e atos estatais com os tratados de direitos humanos em vigor. O STF identifica os tratados de direitos humanos como paradigmas de validade, ao lado da Constituição, sobretudo após a EC 45/2004. O STJ também vem aplicando o controle de convencionalidade em diversos precedentes, alinhando-se à doutrina e à jurisprudência internacional. 8

Boa prática institucional: ao elaborar leis e políticas públicas, órgãos do Executivo e do Legislativo devem realizar duplo controle: (i) de constitucionalidade e (ii) de convencionalidade, cotejando os projetos com a Constituição e com os tratados de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil. 9

Mapa de hierarquia: três níveis aplicáveis no Brasil

1. Equivalência constitucional — tratados de direitos humanos aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º (ex.: CDPD) 2. Supralegal — tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum (ex.: Pacto de San José) 3. Infraconstitucional (lei) — demais tratados (regra geral)

Os níveis retratados no gráfico consolidam a arquitetura atual: o piso (lei) aplica-se aos tratados em geral; o patamar intermediário (supralegal) protege os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum contra a incidência de leis incompatíveis; e o teto (equivalência constitucional) coloca os tratados de direitos humanos qualificados no mesmo nível de uma emenda. 10

Exemplos de instrumentos e efeitos internos

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH)

A CADH foi internalizada pelo Decreto 678/1992 (rito comum). A partir da virada jurisprudencial do STF, a CADH passou a prevalecer sobre leis ordinárias que lhe fossem contrárias (padrão supralegal). O efeito simbólico e prático mais conhecido foi a proibição da prisão civil do depositário infiel, que culminou na SV 25. Para além disso, a CADH tem servido de parâmetro hermenêutico para liberdade de expressão, devido processo e proteção judicial efetiva. 11

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)

Internalizada com status constitucional (DLG 186/2008 e Decreto 6.949/2009), a CDPD inspira políticas públicas (v.g., Plano Viver sem Limite) e legislação infraconstitucional (v.g., Lei 13.146/2015) — impondo leitura constitucionalmente adequada de normas sobre acessibilidade, educação inclusiva, trabalho e mobilidade. 12

Outros tratados de direitos humanos

O Brasil também é parte do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, internalizados pelo rito comum em 1992. Ambos integram o patamar supralegal e influenciam diretamente a interpretação de temas como liberdade de reunião, igualdade e não discriminação. 13

Nota de técnica legislativa: quando um tratado de direitos humanos ingressa no ordenamento com status supralegal ou constitucional, decretos e leis existentes devem ser reinterpretados ou adequados para evitar antinomias. O controle pode ser difuso (caso concreto) ou concentrado (ações de controle abstrato). 14

Temas estratégicos: reservas, denúncia e relação com o sistema interamericano

Nos tratados de direitos humanos, o espaço para reservas é normalmente mais estreito, pois não se admite que reservas esvaziem o objeto e a finalidade do instrumento protetivo. No Brasil, reservas são raras e, quando existem, são analisadas à luz da compatibilidade material. A eventual tentativa de denúncia (saída) de tratado de direitos humanos demanda leitura cuidadosa de cláusulas convencionais e do regime constitucional interno. 15

A participação brasileira no Sistema Interamericano de Direitos Humanos — CADH e jurisdição da Corte Interamericana — também produz efeitos internos. A jurisprudência interamericana é frequentemente empregada pelo STF e pelo STJ como parâmetro interpretativo no controle de convencionalidade, fortalecendo a tutela de direitos fundamentais. 16

Linhas do tempo: da Constituição de 1988 à consolidação do regime

  1. 1988 — Constituição inaugura catálogo robusto de direitos e abre o sistema para tratados de direitos humanos.
  2. 1992 — Internalização do Pacto de San José e dos Pactos da ONU (rito comum). 17
  3. 2004 — EC 45/2004: criação do art. 5º, § 3º (rito qualificado e equivalência constitucional). 18
  4. 2008–2009 — STF reconhece supralegalidade (RE 466.343) e edita SV 25; Congresso aprova CDPD pelo rito qualificado e Executivo promulga por decreto. 19
  5. 2010s–2020s — Difusão do controle de convencionalidade na jurisprudência do STF/STJ e amadurecimento da integração entre parâmetros constitucionais e convencionais. 20

Quadro comparativo: efeitos jurídicos por tipo de aprovação

Categoria Exigência de aprovação Hierarquia no Brasil Exemplos
Tratado de direitos humanos (rito qualificado) Dois turnos em cada Casa; 3/5 dos votos (art. 5º, § 3º) Equivalência constitucional CDPD (DLG 186/2008; Dec. 6.949/2009)
Tratado de direitos humanos (rito comum) Aprovação parlamentar ordinária e promulgação Supralegal (RE 466.343/STF) CADH (Dec. 678/1992); Pactos da ONU (Dec. 592/1992)
Demais tratados Aprovação parlamentar ordinária e promulgação Equiparam-se a lei ordinária Comércio, cooperação técnica etc.

Como aplicar: roteiro para operadores do direito

1) Identifique a natureza e o rito de aprovação

Verifique se o instrumento é de direitos humanos e qual foi o procedimento legislativo (comum x art. 5º, § 3º). Utilize as bases do Planalto para localizar o Decreto Legislativo e o Decreto de promulgação. 21

2) Defina a hierarquia aplicável

Se qualificado, trata-se de parâmetro constitucional. Se comum, aplique a supralegalidade (RE 466.343) e verifique compatibilidade com leis ordinárias. 22

3) Faça o controle de convencionalidade

Nos casos concretos, coteje a norma interna com o tratado de direitos humanos aplicável. Lembre que o controle pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, e que o STJ o tem empregado de modo reiterado. 23

4) Integre parâmetros internacionais

Considere a jurisprudência internacional pertinente (v.g., Corte Interamericana) para enriquecer a interpretação conforme a Constituição e a Convenção. 24

Estudos de caso resumidos

  1. Prisão civil do depositário infiel: conflito entre legislação infraconstitucional e CADH. O STF, no RE 466.343/SP, qualificou os tratados de direitos humanos de rito comum como supralegais e, após, editou a SV 25, vedando a prisão civil do depositário infiel em qualquer modalidade. 25
  2. Deficiência e acessibilidade: a CDPD, com status constitucional, orientou políticas como o Viver sem Limite e embasou a Lei 13.146/2015, solidificando a inclusão como dever estatal. 26
  3. Liberdade de expressão e devido processo: os Pactos da ONU (rito comum, supralegais) informam o parâmetro de proporcionalidade em restrições a direitos, influenciando decisões sobre reuniões públicas, controle penal e garantias processuais. 27

Riscos interpretativos e zonas de atenção

  • Antinomias aparentes: é preciso diferenciar conflito entre lei e tratado (solução pela supralegalidade) de eventual tensão entre Constituição e tratado (tema de controle de constitucionalidade ou de interpretação conforme). 28
  • Reservas e compatibilidade material: reservas incompatíveis com o objeto e a finalidade podem ser reputadas inválidas; acompanhá-las nas bases de depositários evita leituras equivocadas do alcance do compromisso. 29
  • Implementação administrativa: muitos comandos convencionais exigem regulamentação, orçamento e treinamento; a ausência de providências não reduz o dever de conformidade do Estado. 30

Indicadores e visualização: onde operam os diferentes níveis

0 Lei Comércio, cooperação técnica

Supralegal Liberdades civis, devido processo

Constitucional Deficiência, acessibilidade, inclusão

O diagrama ilustra, de maneira didática, que temas amplamente regulados por tratados gerais ocupam, via de regra, o patamar legal; já direitos civis e políticos convencionais tendem a projetar-se no nível supralegal; e direitos consagrados em tratados qualificados compõem o nível constitucional. 31

Encaminhamentos práticos para quem aplica o direito

  • Pesquisa normativa: identifique Decreto Legislativo (aprovação) e Decreto de promulgação; confira se há menção expressa ao art. 5º, § 3º. 32
  • Consulta jurisprudencial: verifique precedentes do STF/STJ sobre o tema e anote a hierarquia aplicável (supralegal x constitucional). 33
  • Interpretação conforme: na dúvida, adote a solução hermenêutica que maximize a proteção do direito prevista no tratado, em harmonia com a Constituição. 34
  • Diálogo de fontes: utilize a jurisprudência internacional como critério persuasivo no controle de convencionalidade. 35

Conclusão

O Brasil construiu, a partir da Constituição de 1988, um regime robusto de recepção e aplicação dos tratados de direitos humanos. A EC 45/2004 inaugurou o caminho da equivalência constitucional para certos tratados e, paralelamente, o STF fixou a supralegalidade para os demais tratados de direitos humanos. Desse modo, a arquitetura normativa atual promove um duplo escudo protetivo: os direitos convencionais ou integram o bloco de constitucionalidade (quando aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º) ou, ao menos, prevalecem sobre a legislação ordinária, impedindo retrocessos por via infralegal. 36

Para os operadores do direito, o desafio cotidiano é operacionalizar esse arranjo: mapear a hierarquia aplicável a cada tratado, realizar o controle de convencionalidade e fomentar o diálogo entre Constituição, legislação e compromissos internacionais. Quando esse diálogo é bem-sucedido — como mostram os exemplos da CADH e da CDPD —, a consequência prática é uma elevação dos padrões de proteção e a consolidação de uma cultura jurídica aberta ao direito internacional, sem abdicar da centralidade constitucional. É nessa convergência que se projeta, com estabilidade e efetividade, o status constitucional dos tratados de direitos humanos no Brasil. 37

Guia rápido: status constitucional dos tratados de direitos humanos no Brasil

Os tratados de direitos humanos assumem papel de destaque no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente após a Constituição de 1988 e a Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse guia prático oferece uma visão sintética, porém completa, sobre como identificar o status jurídico de um tratado, sua forma de aprovação e seus efeitos diretos na aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Brasil.

1. Três níveis hierárquicos aplicáveis

  • Tratados comuns: equiparam-se às leis ordinárias, podendo ser revogados ou modificados por legislação posterior.
  • Tratados de direitos humanos (rito comum): possuem status supralegal, ou seja, ficam acima das leis, mas abaixo da Constituição.
  • Tratados de direitos humanos (rito qualificado): possuem status constitucional, com o mesmo valor de uma emenda à Constituição.

Exemplo visual: Constituição → Tratados qualificados → Tratados supralegais → Leis ordinárias.

2. Critérios de aprovação e promulgação

A aprovação de tratados no Brasil segue duas etapas essenciais:

  1. Decreto Legislativo (DLG) — aprovado pelo Congresso Nacional, autoriza o Presidente da República a ratificar o tratado.
  2. Decreto de promulgação — editado pelo Poder Executivo, insere o tratado no ordenamento jurídico interno.

Após a EC 45/2004, se o tratado tratar de direitos humanos e for aprovado em dois turnos em cada Casa com 3/5 dos votos, adquire equivalência constitucional (art. 5º, § 3º da CF/88).

3. Jurisprudência consolidada do STF

  • RE 466.343/SP — reconheceu status supralegal aos tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum.
  • Súmula Vinculante 25 — declarou ilícita a prisão civil do depositário infiel com base no Pacto de San José da Costa Rica.
  • Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009) — primeiro tratado com status constitucional reconhecido no Brasil.

4. Controle de convencionalidade

Os tribunais brasileiros adotam o controle de convencionalidade como mecanismo para verificar se leis e atos do poder público estão em conformidade com os tratados de direitos humanos. Esse controle pode ser exercido:

  • De forma difusa — por qualquer juiz ou tribunal, em casos concretos.
  • De forma concentrada — pelo STF, em ações de controle abstrato (ADI, ADC, ADPF).

5. Aplicação prática

Na prática, isso significa que uma lei ordinária que conflite com um tratado de direitos humanos de status supralegal ou constitucional não pode prevalecer. Assim, o operador do direito deve sempre verificar:

  • O rito de aprovação do tratado (comum ou qualificado);
  • O nível hierárquico correspondente (lei, supralegal, constitucional);
  • A compatibilidade material entre a norma interna e o tratado.

Dica prática: consulte sempre o Portal de Tratados do Itamaraty e o site do Planalto para confirmar o decreto de promulgação e o rito de aprovação. Em caso de dúvida, aplique o princípio pro persona — a norma mais favorável à proteção dos direitos humanos deve prevalecer.

6. Impacto institucional

A constitucionalização dos tratados de direitos humanos reforça o papel do Brasil na ordem jurídica internacional e fortalece o sistema democrático interno. O país passa a integrar, de forma mais coerente, o Sistema Interamericano e o Sistema Global de Proteção, respondendo a obrigações perante a Corte Interamericana e os Comitês da ONU.

Esse processo cria uma rede normativa integrada, onde Constituição e tratados se complementam para ampliar a efetividade dos direitos fundamentais e impedir retrocessos legislativos ou administrativos.

Resumo final: compreender a hierarquia dos tratados de direitos humanos é essencial para qualquer profissional do Direito. O operador jurídico deve identificar o rito de aprovação, aplicar o controle de convencionalidade e garantir que o tratado receba o máximo efeito protetivo possível dentro da Constituição.

FAQ (Acordeão): Tratados de Direitos Humanos no Brasil — Status Constitucional

1) O que significa um tratado ter status constitucional no Brasil?

Significa que, após aprovação pelo rito qualificado do art. 5º, §3º (dois turnos em cada Casa e 3/5 dos votos), o tratado de direitos humanos adquire valor equivalente a emenda constitucional, integrando o bloco de constitucionalidade e servindo como parâmetro para controle de constitucionalidade.

2) Quais são os níveis hierárquicos aplicáveis aos tratados de direitos humanos?
  • Constitucional — se aprovado pelo rito do art. 5º, §3º.
  • Supralegal — se de direitos humanos, mas aprovado pelo rito comum (tese do STF no RE 466.343).
  • Legal — regra geral para demais tratados não enquadrados como de direitos humanos.
3) Qual é o exemplo clássico de tratado com status constitucional?

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu Protocolo, aprovados pelo Decreto Legislativo 186/2008 “nos termos do §3º do art. 5º” e promulgados pelo Decreto 6.949/2009.

4) O que é a supralegalidade dos tratados de direitos humanos?

É a posição acima das leis e abaixo da Constituição reconhecida pelo STF para tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum. Eles prevalecem sobre legislação incompatível e orientam a interpretação de normas internas.

5) Como verificar o rito de aprovação de um tratado específico?

Consulte o Decreto Legislativo (aprovação parlamentar) e o Decreto de promulgação. Se o DLG mencionar expressamente o art. 5º, §3º, trata-se de rito qualificado (status constitucional). Na ausência dessa menção, em regra será rito comum (supralegal, se for de direitos humanos).

6) O que é o controle de convencionalidade e quem pode aplicá-lo?

É a verificação da compatibilidade de leis e atos estatais com tratados de direitos humanos vigentes. Pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal (difuso) e pelo STF em controle concentrado, considerando o nível hierárquico do tratado (constitucional ou supralegal).

7) O Pacto de San José (CADH) tem status constitucional?

Não. Foi aprovado pelo rito comum e, portanto, possui status supralegal. Ainda assim, gerou efeitos relevantes, como a Súmula Vinculante 25 (ilicitude da prisão civil do depositário infiel).

8) Leis internas podem restringir direitos previstos em tratado de status superior?

Em regra, não. Leis ordinárias não podem contrariar tratados de status constitucional ou supralegal. Nesses casos, aplica-se a técnica da interpretação conforme ou declara-se a incompatibilidade da lei.

9) Reservas e denúncias afetam o status hierárquico?

O status decorre do rito de aprovação, não da existência de reservas ou da possibilidade de denúncia. Entretanto, reservas incompatíveis com o objeto e a finalidade podem ser ineficazes, e a denúncia altera a vinculação internacional do Brasil, não o regime hierárquico que o tratado possuía enquanto vigente internamente.

10) Como aplicar os tratados nos casos concretos?
  1. Identifique se é tratado de direitos humanos e verifique o rito (comum ou art. 5º, §3º).
  2. Classifique o nível hierárquico (constitucional/supralegal) e faça o controle de convencionalidade.
  3. Interprete a norma interna de modo pro persona, dando preferência à solução mais protettiva dos direitos fundamentais.

Fontes legais, base técnica e encerramento

Este artigo foi desenvolvido com base nas principais fontes legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias relacionadas ao status constitucional dos tratados de direitos humanos no Brasil, assegurando rigor técnico e atualização jurídica conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal e dos tratados em vigor no ordenamento jurídico nacional.

Fontes constitucionais e legais

  • Constituição Federal de 1988 — especialmente o art. 5º, § 2º e § 3º, que reconhecem a força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos e seu eventual status de emenda constitucional.
  • Emenda Constitucional nº 45/2004 — introduziu o § 3º ao art. 5º, criando o rito qualificado de aprovação dos tratados de direitos humanos.
  • Decreto Legislativo nº 186/2008 — aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo pelo rito qualificado.
  • Decreto nº 6.949/2009 — promulgou a Convenção e o Protocolo, conferindo-lhes status constitucional.
  • Decreto nº 678/1992 — promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
  • Decreto nº 592/1992 — promulgou os Pactos Internacionais da ONU sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Jurisprudência relevante do Supremo Tribunal Federal

  • RE 466.343/SP — fixou o entendimento de que os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum possuem status supralegal.
  • Súmula Vinculante nº 25 — consolidou a impossibilidade de prisão civil do depositário infiel com base no Pacto de San José da Costa Rica.
  • ADI 5.357/DF — reafirmou a equivalência constitucional da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
  • HC 90.172/SP — reafirmou o valor supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos não aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º.

Fontes internacionais e doutrinárias

  • Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) — estabelece os princípios de pacta sunt servanda e bona fide na interpretação e execução de tratados internacionais.
  • Organização das Nações Unidas (ONU) — base de dados de tratados multilaterais e relatórios dos comitês de monitoramento dos pactos internacionais.
  • Corte Interamericana de Direitos Humanos — jurisprudência que orienta o controle de convencionalidade e a aplicação dos tratados de direitos humanos no âmbito interno.
  • Doutrina especializada: PIOVESAN, Flávia. *Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional*; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. *Controle de Convencionalidade e o Direito Brasileiro*; RAMOS, André de Carvalho. *Curso de Direitos Humanos*.

Encerramento

O reconhecimento do status constitucional dos tratados de direitos humanos no Brasil reflete a maturidade democrática e o compromisso do Estado com a proteção universal da dignidade humana. Essa construção — que une o texto da Constituição Federal à jurisprudência do STF e à prática internacional — assegura um sistema jurídico mais estável, coerente e protetivo.

Com a ampliação da cultura do controle de convencionalidade, o país reafirma sua posição como protagonista na efetivação dos direitos humanos e fortalece o diálogo entre o direito interno e o direito internacional. Assim, cada operador do direito deve compreender o papel dos tratados não apenas como compromissos diplomáticos, mas como instrumentos vivos de concretização constitucional.

Mensagem final: o respeito aos tratados de direitos humanos com força constitucional garante que o Brasil atue segundo os mais altos padrões de proteção da pessoa humana, consolidando uma justiça baseada em valores universais e na supremacia da dignidade humana.

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