Direito PenalProcessual penal

Excesso nas Excludentes: quando a defesa vira crime — consequências penais

Panorama geral: o que é “excesso” nas excludentes de ilicitude e por que importa

Nas excludentes de ilicitude do art. 23 do Código Penalestado de necessidade (art. 24), legítima defesa (art. 25), estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito — a lei afasta a tipicidade conglobante do fato por reconhecer que a conduta, embora típica em abstrato, é juridicamente permitida diante de um conflito de interesses. O problema surge quando o agente ultrapassa os limites do permitido. A consequência está no parágrafo único do art. 23 do CP: “o agente, em qualquer das hipóteses, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.

Essência: há excesso quando o meio, a intensidade, a duração ou a extensão da reação/conduta excedem o necessário para repelir a agressão, salvaguardar o bem, cumprir o dever ou exercer o direito. O núcleo é a proporcionalidade.

Doutrina e jurisprudência costumam dividir o excesso em três eixos complementares:

  • Excesso intensivo: a resposta é desmedida na força ou no meio (ex.: disparos sucessivos após cessar o risco).
  • Excesso extensivo: a conduta alcança quem ou o que não integra a permissão (ex.: atinge terceiros não envolvidos).
  • Excesso temporal: a reação ocorre antes de se configurar a causa permissiva ou depois de ela cessar.

Além disso, apura-se o elemento subjetivo do excesso: doloso (vontade de exceder) ou culposo (imprudência, negligência ou imperícia na mensuração do limite). Há ainda hipóteses excepcionais de excesso exculpante (ou “escusável”), em que, por medo, surpresa ou violenta emoção vinculados ao contexto, reconhece-se inexigibilidade de conduta diversa, com exclusão da culpabilidade (causa supralegal), tema sensível e fortemente casuístico.

Parâmetros legais e probatórios: como os tribunais medem o limite

Proporcionalidade, necessidade e atualidade

Em todas as excludentes, o núcleo avaliativo gira em torno de três critérios:

  1. Necessidade: havia alternativa menos gravosa igualmente eficaz? Se sim e o agente escolhe a via mais lesiva, tende-se a reconhecer excesso.
  2. Proporcionalidade: meio e intensidade guarnecem relação razoável com o perigo/lesão enfrentados?
  3. Atualidade/iminência: a causa permissiva já estava configurada e ainda subsistia quando do agir?
Dica prática (processual): o ônus de provar a excludente é da defesa (art. 156, CPP, regra geral). Reconhecida a causa permissiva em tese, o ônus de demonstrar o excesso pode emergir da dinâmica probatória conforme a autoria e materialidade do “passo além” (laudos, dinâmica dos disparos, filmagens, perícia de trajeto, depoimentos).

Desenho comparativo por excludente

Excludente Limite objetivo Sinais típicos de excesso Consequência penal provável
Legítima defesa (art. 25) Repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, com os meios necessários e moderados Agir após cessar a agressão; número desarrazoado de golpes; atingir terceiros; uso de arma de fogo quando havia alternativa eficaz e segura Responde pelo excesso (homicídio/lesão dolosa ou culposa); eventualmente excesso exculpante (inexigibilidade de conduta diversa)
Estado de necessidade (art. 24) Salvar direito próprio/alheio de perigo atual não causado voluntariamente, quando o sacrifício do bem ameaçado não era razoável exigir Sacrificar bem manifestamente superior; persistir no sacrifício quando surge alternativa menos lesiva; ampliar o dano além do indispensável Imputação pelo excesso (dolo/culpa). Debate sobre estado de necessidade exculpante (culpabilidade)
Estrito cumprimento do dever legal Atuação vinculada a competência legal e a protocolos (uso progressivo da força, por ex.) Uso de força além das matrizes operacionais; prolongar contenção desnecessária; disparos não alinhados à ameaça Imputação por excesso; análise de culpa profissional (imperícia, negligência, imprudência)
Exercício regular de direito Atos socialmente permitidos e reconhecidos (esportes de contato, intervenção médica, direito de correção não violenta etc.) Ultrapassar regras técnicas; risco não consentido; intensidades proibidas Responde pelo excesso (lesão, homicídio etc.)

Tipologias de excesso: dogmática aplicada

Doloso x culposo (art. 23, parágrafo único, CP)

Excesso doloso ocorre quando o agente, consciente de já ter alcançado a necessidade de tutela, prossegue com vontade de causar resultado adicional (p. ex., “desforra”). Excesso culposo dá-se quando, por erro de cálculo (imperícia, imprudência ou negligência), o agente ultrapassa a medida adequada sem querer o plus danoso.

Consequências práticas:

  • Doloso: subsiste crime doloso correspondente (ex.: homicídio simples/qualificado, lesão dolosa), afastada a excludente apenas quanto ao excesso.
  • Culposo: responsabilização por crime culposo se previsto (ex.: homicídio culposo, lesão culposa). Se não houver modalidade culposa, discute-se desclassificação/absolvição parcial conforme o nexo.

Excesso intensivo, extensivo e temporal

  • Intensivo: sob a lupa pericial (distância, número/trajetória de golpes, energia empregada, mecanismos lesivos). A dosimetria pode agravar a pena na primeira fase (art. 59, CP) pelo modus operandi.
  • Extensivo: quando a defensiva/conteção alcança terceiros. Pode configurar resultado diverso do pretendido (aberratio ictus) com transferência de dolo/culpa; ou concurso formal.
  • Temporal: o marco de início/fim da agressão/perigo é reconstruído por vídeos, perícia de local, cronogramas de chamadas e laudos.

Excesso exculpante (escusável) e descriminante putativa

Se o “passo além” vem de abalo psíquico intenso e inevitável (medo, surpresa, violenta emoção diretamente ligada ao fato), parte da doutrina admite inexigibilidade de conduta diversa (exclusão da culpabilidade). É avaliação casuística, que exige prova robusta do estado anímico e do nexo com a situação-limite. Já a descriminante putativa (art. 20, §1º, CP) ocorre quando o agente imagina presentes os requisitos da excludente; se o erro era inevitável, afasta-se o dolo e a culpa; se evitável, pode remanescer o crime culposo.

Estudos de caso (hipóteses ilustrativas)

1) Legítima defesa em via pública com arma de fogo

Agressor aborda a vítima com faca. A vítima saca arma de fogo e efetua dois disparos, cessando a agressão. Em seguida, realiza mais três disparos contra o agressor caído. Os dois primeiros quedam cobertos pela excludente; os três últimos, se demonstrado que cessara o risco, podem configurar excesso intensivo doloso (homicídio doloso na fração excedida). A defesa tentará sustentar excesso culposo (erro de avaliação do risco residual) ou, diante de provas do abalo súbito, exculpante.

2) Estado de necessidade em desabamento

Para escapar de prédio em colapso, alguém rompe a porta de apartamento vizinho, causa danos e usa a varanda para descer a área comum. A quebra da porta está amparada; se, entretanto, o agente passa a subtrair bens ou destrói cômodos sem utilidade para a fuga, há excesso extensivo pelos danos supervenientes, com imputação de crime de dano (dolo/culpa conforme o caso).

3) Estrito cumprimento do dever (uso progressivo da força)

Policial realiza abordagem de indivíduo agressivo. Após conter, imobiliza e algema, a equipe já neutralizou o risco. Persistir em golpes, choques ou pressões pode caracterizar excesso intensivo doloso (lesões/homicídio) ou culposo (imperícia), afastando a excludente quanto ao plus. A aderência a protocolos tático-operacionais é elemento probatório central.

Consequências penais (tipificação, concurso e dosimetria)

Tipificação do excesso e concurso de crimes

  • Unidade x pluralidade de condutas: em sequência fática única (p. ex., reação que começa lícita e logo excede), o que se imputa é apenas o resultado excedente, não o todo. A porção amparada segue lícita.
  • Concurso formal (art. 70, CP) pode ocorrer no excesso extensivo com atingimento de terceiros; analisa-se desígnios autônomos.
  • Aberratio ictus (art. 73, CP): se o excesso recai sobre pessoa diversa por erro na execução, aplica-se a regra de transferência do dolo/culpa, sem prejuízo da análise da excludente na parte não excedente.

Dosimetria da pena e efeitos secundários

Identificado o excesso, a pena é fixada conforme o crime remanescente. Aspectos recorrentes:

  • Primeira fase (art. 59, CP): circunstâncias do crime e culpabilidade costumam ser valoradas negativamente em excessos gratuitos ou prolongados; positivamente em contextos limítrofes.
  • Segunda fase: pode incidir atenuante da violenta emoção (art. 65, III, “c”) se houver injusta provocação; ou do arrependimento posterior (art. 65, III, “b”) em delitos sem violência contra pessoa. Agravantes podem surgir de meio cruel, recurso que dificultou defesa etc.
  • Terceira fase: causas de aumento/diminuição específicas (p. ex., tentativa — art. 14, II; privilégio — art. 121, §1º, em homicídio etc.).
  • Efeitos extrapenais: repercussões cíveis (responsabilidade civil objetiva do Estado – art. 37, §6º, CF, com direito de regresso em caso de dolo ou culpa grave) e administrativas (PAD, perda do cargo em casos extremos — art. 92, CP).

Prova do excesso: o que costuma decidir o caso

Elementos técnicos e reconstrução fática

Os julgamentos tendem a ser decididos por laudos periciais (trajetórias de projéteis, distância, tempo de sobrevivência, dinâmica de quedas), imagens (CFTV, bodycam), comunicações (ligações 190/192, despacho de rádio) e testemunhos convergentes, além de protocolos operacionais (uso progressivo da força, diretrizes médicas, regras desportivas). Em legítima defesa, por exemplo, o padrão “disparos de contenção” versus “execução” costuma emergir de combinações de trajetória (entrada/saída), distância e posição da vítima quando neutralizada.

Checklist probatório (defesa/acusação):

  • Quando iniciou e quando cessou a agressão/perigo?
  • Havia alternativas menos lesivas viáveis no tempo-momento?
  • Os protocolos da categoria (policial, médica, esportiva) foram observados?
  • O dano a terceiros decorreu de erro na execução (aberratio) ou de excesso extensivo consciente?
  • Há elementos objetivos de medo/surpresa intensos que sustentem inexigibilidade de conduta diversa?

Gráficos rápidos para sala de audiência

Intensidade necessária x empregada (caso hipotético):
Necessária

Empregada

Em linguagem forense, o “salto” visual acima representa o excesso intensivo. Em memoriais, vincule-o aos laudos e protocolos.

Linhas de defesa e acusação: estratégias típicas

Defesa

  • Reconstruir a percepção situacional do agente (tempo escasso, risco de vida, imprevisibilidade), mostrando que a reação estava dentro de limiares razoáveis.
  • Argumentar excesso culposo (e não doloso), quando a prova mostrar erro de avaliação objetivo; ou excesso exculpante por medo/surpresa inevitáveis (inexigibilidade).
  • Evitar imputações cumulativas quando a porção coberta pela excludente é destacável: o que excede é o único espaço de responsabilização.

Acusação

  • Demonstrar cessação do risco antes da porção excedente (ex.: vítima caída e imobilizada; agressor desarmado; perigo afastado).
  • Provar meios alternativos eficazes disponíveis (spray, bastão, recuo tático, espera de apoio) e desvio de protocolos.
  • Qualificar o dolo de ultrapassar (desforra, vingança) quando a dinâmica revelar reiteração gratuita.

Repercussões específicas por excludente

Legítima defesa

Pontos sensíveis: quantidade de golpes/disparos; alvos vitais versus tiros de contenção; persistência após neutralização; distância. Em legítima defesa putativa (erro sobre a agressão), vale o art. 20, §1º.

Estado de necessidade

Crivos: hierarquia de bens; não causação voluntária do perigo; inevitabilidade do sacrifício; caráter não exigível de abstenção. O excesso aparece quando o bem sacrificado era manifestamente superior ou quando havia alternativa eficaz menos lesiva.

Estrito cumprimento do dever

Relevo para manuais de uso da força, níveis de resistência do abordado e níveis de resposta. Excesso é rotineiramente mapeado em nível temporal (após a imobilização) e intensivo (força continuada sem necessidade).

Exercício regular de direito

Importa a regra do jogo (desporto), o consentimento informado (atos médicos) ou a norma de convivência social. Excesso pode implicar lesão corporal, homicídio culposo por imperícia, ou até dolo eventual quando se assume risco proibido.

Boas práticas para evitar o excesso (compliance penal)

  • Treinamento decisório em situações críticas (simulações, protocolos, checklists de uso progressivo da força).
  • Equipamentos menos letais e câmeras corporais (evidência e accountability).
  • Documentação imediata e transparente de ocorrências (R.O., prontuários, CRM médico, súmulas de árbitro), com cadeia de custódia probatória correta.
  • Suporte psicológico pós-evento crítico, reduzindo o risco de reagudização em ocorrências subsequentes.
Resumo executivo – consequências penais do excesso

  • O excesso rompe a permissão da excludente apenas no trecho excedido.
  • Doloso: crime doloso correspondente; culposo: crime culposo se houver previsão legal.
  • Admite-se, casuisticamente, excesso exculpante (inexigibilidade de conduta diversa) ou descriminante putativa (art. 20, §1º, CP).
  • Prova técnica e protocolos operacionais são decisivos.

Questões recorrentes na jurisprudência (síntese analítica)

  • Bodycam e CFTV têm redefinido a avaliação temporal do excesso, permitindo identificar o exato ponto de cessação do risco.
  • Em homicídio por excesso em legítima defesa, jurados avaliam tanto o mérito defensivo quanto o plus ofensivo; relatórios periciais sobre distância/tempo entre disparos costumam ser decisivos.
  • Em estado de necessidade, a proporcionalidade entre bens e a inevitabilidade do sacrifício dominam os votos.
  • Em estrito cumprimento, descumprimento de matrizes de uso da força é indicador forte de excesso culposo (imperícia/neg.).

Roteiro de alegações finais (modelo enxuto)

  1. Reconhecimento da excludente na porção inicial (enquadrar requisitos).
  2. Demonstrar que a suposta porção excedente não excedeu (risco residual, alternativa inexistente) ou que, se excedeu, foi culposa (erro escusável).
  3. Subsidiariamente, sustentar excesso exculpante (inexigibilidade) com laudos/psicologia.
  4. Dosimetria: atenuantes e causas de diminuição (tentativa, privilégio, confissão, antecedentes favoráveis).

Conclusão

O excesso nas excludentes de ilicitude é a fronteira onde a proteção legítima se converte em violação punível. A chave hermenêutica é a proporcionalidade material: usar o mínimo necessário para neutralizar a ameaça ou o perigo, respeitar protocolos técnicos, interromper a ação quando cessa a necessidade e justificar documentalmente cada decisão tomada sob estresse. Do ponto de vista sancionatório, o sistema brasileiro distingue com nitidez o excesso doloso (que atrai a punição pelo crime doloso correspondente) do excesso culposo (que impõe a modalidade culposa, se houver). Em situações-limite de medo ou surpresa inevitáveis, abre-se espaço — excepcional — para a inexigibilidade de conduta diversa. A prática forense mostra que quem planeja, treina e documenta reduz exponencialmente a chance de ultrapassar a linha tênue entre o lícito e o ilícito. Em suma: agir dentro do perímetro permitido, parar quando ele se encerra e provar como e por que cada passo foi dado — esse é o tripé que evita que uma defesa legítima termine no banco dos réus.

Guia rápido: entendendo o excesso nas excludentes de ilicitude

O excesso nas excludentes de ilicitude é um dos temas mais importantes do Direito Penal prático, pois define o limite entre o ato legítimo e o ato criminoso. Ele ocorre quando o agente, embora inicialmente amparado por uma das hipóteses do artigo 23 do Código Penal — como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito — ultrapassa o limite necessário para agir de forma lícita.

O parágrafo único do art. 23 do CP prevê que, em qualquer dessas situações, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo. Assim, é fundamental compreender como identificar esse excesso, quais são suas formas e quais as consequências jurídicas que ele traz.

1. Conceito e fundamento legal

O excesso representa a quebra da proporcionalidade entre a ação defensiva e o perigo enfrentado. Quando o indivíduo reage de modo desproporcional, utilizando meios mais gravosos do que o necessário ou mantendo a reação mesmo após cessado o risco, sua conduta deixa de ser legítima e passa a ser criminosa.

Em resumo: a lei permite defender-se, salvar um bem ou agir em cumprimento de um dever — mas não autoriza ultrapassar o que é razoável.

2. Tipos de excesso

  • Excesso intensivo – ocorre quando há uso de meio mais violento do que o necessário, como desferir vários golpes quando apenas um seria suficiente.
  • Excesso extensivo – quando a reação atinge pessoas ou bens estranhos à situação inicial, indo além do necessário.
  • Excesso temporal – acontece quando o agente reage antes da agressão começar ou depois que ela já cessou.

Além disso, o excesso pode ser:

  • Doloso – quando o agente quer exceder ou percebe o excesso e continua agindo (por vingança, raiva etc.).
  • Culposo – quando o excesso ocorre por erro de avaliação, imperícia ou nervosismo, sem intenção de ultrapassar.

3. Consequências jurídicas

Quando há excesso, o agente responde apenas pelo resultado excedente, isto é, pelo dano causado além do necessário. Por exemplo, se um cidadão reage a um assalto com um tiro legítimo, mas depois dispara outros sem motivo, ele pode responder por homicídio doloso no que se refere ao excesso.

Em contrapartida, se o erro foi escusável, como quando o agente estava sob forte medo ou surpresa, pode-se reconhecer o chamado excesso exculpante — uma hipótese em que, embora tenha havido excesso, o agente é absolvido por inexigibilidade de conduta diversa.

4. Critérios de avaliação nos tribunais

Para que o juiz ou tribunal reconheça o excesso, são analisados:

  • A atualidade do perigo ou agressão.
  • A necessidade da conduta e se havia outro meio menos lesivo.
  • A proporcionalidade entre o dano causado e o risco enfrentado.
  • Os laudos técnicos (como perícias de distância, trajetórias de disparos, tempo da ação etc.).

5. Dicas práticas

Para a defesa: demonstrar que o agente agiu sob estresse, medo ou surpresa, e que o excesso foi resultado de erro humano compreensível.

Para a acusação: provar que o risco já havia cessado e que a continuação da conduta foi desnecessária e desproporcional.

Em qualquer hipótese, o elemento subjetivo (a intenção e o estado emocional do agente) é determinante. A análise deve ser feita com base nas provas técnicas, nas imagens, nas testemunhas e na percepção humana do momento crítico.

6. Síntese prática

O excesso é punível apenas quando há ruptura do equilíbrio entre defesa e ataque, entre necessidade e abuso. Em situações-limite, a jurisprudência reconhece que agir em pânico não é o mesmo que agir com crueldade. Portanto, o estudo do caso concreto — sua intensidade, contexto e meios empregados — é o que define se a ação permanece amparada pela excludente ou se passa a configurar crime.

Resumo rápido:

  • O excesso ocorre quando se ultrapassa o necessário para defender ou agir.
  • Pode ser doloso (intencional) ou culposo (por erro de cálculo).
  • O agente responde apenas pela parte excedente.
  • Há casos de absolvição por inexigibilidade de conduta diversa.
  • Critérios: atualidade, necessidade, proporcionalidade e prova técnica.

FAQ — Excesso nas excludentes de ilicitude

1) O que é excesso nas excludentes de ilicitude?

É quando o agente, inicialmente amparado por legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito (art. 23, CP), ultrapassa o necessário, perdendo a proteção jurídica e respondendo pelo que excedeu.

2) Quais são os tipos de excesso mais reconhecidos?
  • Intensivo: uso de meio mais gravoso do que o necessário.
  • Temporal: reação antes de começar a agressão ou após cessá-la.
  • Extensivo: atinge bem/pessoa alheia à situação legitimadora.
3) Excesso pode ser doloso e culposo?

Sim. Doloso quando o agente quer ou assume o excesso. Culposo quando deriva de erro de avaliação, nervosismo ou imperícia. O parágrafo único do art. 23 prevê responsabilização em ambos.

4) O agente responde por todo o fato ou só pelo que excedeu?

Responde apenas pelo resultado excedente. A parte necessária permanece lícita; a porção além do necessário é típica e punível conforme o resultado (ex.: lesão grave ou homicídio na parcela excedente).

5) O que é excesso exculpante (inexigibilidade de conduta diversa)?

É a hipótese em que houve excesso, mas, dadas as circunstâncias de surpresa, medo ou perturbação, não era exigível comportamento mais comedido. Pode ensejar absolvição com base na culpabilidade (art. 22, CP, por analogia de princípios) ou no art. 65, III, “c”, como atenuante.

6) Como os tribunais avaliam a proporcionalidade?
  • Atualidade/iminência do perigo.
  • Necessidade do meio empregado (havia alternativa menos lesiva?).
  • Proporcionalidade entre a ofensa e a reação.
  • Provas técnicas: perícia, distância, trajetória de disparos, vídeos, tempo de ação.
Dica prática: cronologia precisa dos fatos e perícia independente costumam ser decisivas para afastar ou reconhecer o excesso.

7) Se a agressão cessa, posso continuar reagindo?

Não. Cessado o perigo, qualquer continuidade caracteriza excesso temporal. A partir daí, a conduta é autônoma e punível.

8) Policiais podem incorrer em excesso no estrito cumprimento do dever legal?

Sim. A proteção funcional não autoriza meio desnecessário ou desproporcional. Havendo excesso, há responsabilização penal (e possivelmente administrativa e civil), sem prejuízo de causas especiais como o estado de necessidade exculpante em situações-limite.

9) Há diferença entre excesso doloso e culposo na pena?

Sim. No doloso, aplica-se o tipo doloso correspondente (p. ex., homicídio doloso). No culposo, incide o tipo culposo quando previsto (p. ex., homicídio culposo do art. 121, §3º). Se não houver modalidade culposa, em regra não há punição por culpa (princípio da legalidade), salvo outros enquadramentos típicos.

10) Quais boas práticas evitam o excesso em situações críticas?
  • Treinamento em avaliação de risco e técnicas de menor potencial ofensivo.
  • Documentação imediata dos fatos (chamadas, filmagens, perícia).
  • Interrupção da reação ao cessar a agressão.
  • Busca de socorro e comunicação às autoridades logo após o evento.

Base Técnica e Encerramento

Fundamentação Jurídica

O estudo do excesso nas excludentes de ilicitude está amparado principalmente no artigo 23 do Código Penal, que prevê as causas de exclusão da ilicitude — legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito — e no seu parágrafo único, que estabelece a responsabilidade pelo excesso doloso ou culposo.

Jurisprudência Aplicável

Os tribunais superiores têm reiteradamente delimitado a aplicação do instituto. O STJ reconhece que o excesso culposo pode ser atenuado quando o agente age sob forte emoção ou perturbação (AgRg no REsp 1910633/RS), enquanto o STF já firmou que a proporcionalidade entre ofensa e reação é elemento essencial para a configuração da legítima defesa (HC 104410/SP).

Art. 23, Parágrafo Único – Código Penal:
“O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

Aspectos Técnicos e Doutrinários

  • O excesso intensivo ocorre quando o agente emprega meio mais lesivo do que o necessário.
  • O excesso extensivo se configura ao atingir terceiro estranho à agressão.
  • O excesso temporal caracteriza-se pela ação após cessado o perigo.

Doutrinadores como Rogério Greco e Guilherme de Souza Nucci destacam que a análise do excesso deve ser feita à luz do princípio da razoabilidade e das condições subjetivas do agente no momento da ação.

Fontes Legais Complementares

  • Constituição Federal – Art. 5º, caput e incisos XXXIX e XLVI (princípios da legalidade e proporcionalidade penal).
  • Código Penal – Arts. 20 a 25 (erro de tipo, dolo, culpa e causas excludentes de ilicitude).
  • Código de Processo Penal – Arts. 386, VI e VII (hipóteses de absolvição por excludentes comprovadas).

Encerramento Técnico

O tema do excesso nas excludentes de ilicitude é fundamental para o equilíbrio entre o direito de defesa e a limitação do poder punitivo do Estado. Na prática, sua correta aplicação evita injustiças e reforça o caráter humano do sistema penal. A interpretação deve ser sempre contextual, proporcional e fundamentada em provas técnicas, de modo a assegurar a justiça material do caso concreto.

Mais sobre este tema

Mais sobre este tema

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *