Direito Penal

Concurso de Pessoas: quem responde pelo quê (e quanto) no mesmo crime?

O concurso de pessoas – também chamado de concurso de agentes ou codelinquência – é o conjunto de
situações em que duas ou mais pessoas concorrem para a prática de um mesmo fato típico. Em regra, o Código Penal
brasileiro adota a teoria monista (art. 29, caput), segundo a qual todos os que concorrem para o
crime respondem por ele na medida de sua culpabilidade. Esse ponto de partida, entretanto, desdobra-se em uma
arquitetura complexa: requisitos objetivos e subjetivos para a configuração do concurso, distinções entre
autoria e participação, disciplina da comunicabilidade de circunstâncias
(art. 30), exceções expressas (§§ 1º e 2º do art. 29), além de peculiaridades em crimes omissivos, de mão própria
e de concurso necessário. A seguir, apresenta-se um panorama sistemático e prático, com quadros de consulta rápida e
exemplos realistas de qualificação jurídica e consequências penais.

QUADRO – Requisitos para existir concurso de pessoas

  • Pluralidade de agentes e condutas (dois ou mais concorrentes, com contribuições causalmente relevantes).
  • Relevância causal da contribuição (a conduta deve, ao menos, facilitar de modo concreto o resultado típico).
  • Liame subjetivo (vínculo psicológico: dolo convergente; excepcionalmente, concurso em crime culposo quando todos agem culposamente).
  • Unidade de infração (um único crime praticado em coautoria/participação, conforme a teoria monista).
  • Tipicidade e antijuridicidade do fato principal (em regra, não há participação em crime impossível ou em fato atípico).

Teoria monista e suas exceções

O art. 29, caput, estabelece que quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele
cominadas
, na medida de sua culpabilidade. Essa redação afasta a necessidade de capitulações diferentes
para autores e partícipes (como ocorreria em uma teoria dualista), mas não impede a individualização da
pena
, que é feita considerando a intensidade da contribuição, o domínio do fato, a previsibilidade do
resultado e os elementos pessoais. As exceções legalmente previstas são:

Participação de menor importância (§ 1º do art. 29)

Quando a contribuição do concorrente for secundária (pouco relevante causalmente), o juiz pode
reduzir a pena de um sexto a um terço. A aferição é concreta: não basta dizer que a pessoa “apenas
vigiou”; é necessário demonstrar que sua atuação tinha baixo impacto sobre a execução.

Resultado mais grave (ou crime dolosamente distinto) – § 2º do art. 29

Se algum coautor ou partícipe quer ou assume o risco de produzir resultado mais grave, somente ele
responde por esse excesso doloso. Os demais respondem pelo crime menos grave ao qual aderiram. O mesmo raciocínio se
aplica ao excesso culposo: o agente que vai além do plano comum por imprudência responde
individualmente pelo excesso se previsível e não assumido pelos outros.

QUADRO – Dispositivos centrais do concurso de pessoas

  • Art. 29, caput e §§: teoria monista; menor importância; resultado diverso.
  • Art. 30: comunicabilidade (elementares comunicam; circunstâncias/acidentais, via de regra, não).
  • Art. 13, § 2º: omissão imprópria (posição de garante) e coautoria por omissão.
  • Art. 31: ajuste, determinação ou instigação e auxílio; atos preparatórios em certos tipos.

Autoria, coautoria e domínio do fato

A doutrina atual delimita autoria pelo domínio final do fato: autor é quem decide
sobre a realização do tipo, dirigindo a execução. Há três formas centrais:

Autoria direta

O agente executa, com as próprias mãos, o verbo nuclear do tipo penal. Ex.: quem subtrai a coisa móvel é autor de
furto. Em crimes com vários verbos (ex.: associação criminosa, corrupção), a autoria pode se dar pela prática de um
deles com domínio do curso do evento.

Coautoria

Quando duas ou mais pessoas executam conjuntamente o núcleo do tipo ou fracionam tarefas
indispensáveis, havendo divisão de trabalho e unidade de desígnios. A coautoria pressupõe
contribuição essencial (relevância) e liame subjetivo (acordo, ainda que tácito).

Autoria mediata

Ocorre quando o autor domina o fato por intermédio de outro que atua como instrumento (erro,
coação, inimputabilidade, estrutura de poder organizada etc.). O executor imediato pode não ser culpável ou atuar
com erro de tipo; o autor “de trás” responde como autor mediato.

QUADRO – Autoria x Participação (diagnóstico rápido)

  • Coautoria: divisão de tarefas executórias; indispensabilidade recíproca; poder de decisão no momento do fato.
  • Participação moral (instigação/determinação): reforço ou criação do dolo do autor (palavras, ordens, promessas).
  • Participação material (auxílio): prestação de meios ou facilitação (ferramentas, veículo, vigilância efetiva).
  • Meros atos de presença ou “apoio psicológico” sem vínculo e sem impacto não bastam.

Participação: instigação e auxílio

A instigação é a contribuição que forma, reforça ou direciona o dolo do autor
(determinando a prática do crime). Exige nexo causal psicológico: sem a instigação, o delito não
se teria realizado daquele modo ou naquele momento. Já o auxílio consiste em meios
materiais
(emprestar ferramentas, fornecer informações de rota, desativar alarme), devendo ser
concretamente útil à execução. Em ambos os casos, desaparece a punibilidade se o fato principal
for atípico (não há participação em ato lícito) ou impossível (inidoneidade
absoluta do meio ou objeto), salvo hipóteses de crimes autônomos de perigo (p. ex., apologia).

Comunicabilidade de circunstâncias e condições (art. 30)

Circunstâncias e condições pessoais – como antecedentes, motivos íntimos, relações de parentesco –
não se comunicam aos demais concorrentes, salvo se constituírem
elementares do crime. Ex.: no crime de peculato, a qualidade de funcionário público é
elementar e se comunica ao particular coautor; no crime de infanticídio, a condição de “mãe sob influência
do estado puerperal” é pessoal e não se comunica a terceiros partícipes.

QUADRO – Como aplicar o art. 30 do CP

  • Elemento do tipo (ex.: qualidade de funcionário): comunica-se aos concorrentes.
  • Circunstância pessoal (ex.: motivo fútil por ciúme): não se comunica.
  • Condições objetivas de punibilidade (ex.: representação): alcançam quem delas depende.

Crimes de mão própria, próprios e de concurso necessário

Crimes de mão própria (p. ex., falso testemunho) exigem execução pessoalíssima; não
comportam coautoria
, mas admitem participação (quem instiga a testemunha pode responder
por participação). Crimes próprios dependem de qualidade especial do agente (funcionário público,
mãe etc.); podem admitir coautoria quando outro também detenha a qualidade, ou participação do
terceiro estranho. Crimes de concurso necessário (plurissubjetivos), como rixa (art. 137) e
associação criminosa (art. 288), pressupõem vários agentes por definição; aqui, o concurso é
elementar do tipo.

Concurso e crimes omissivos

Em crimes omissivos próprios (ex.: omissão de socorro), pode haver coautoria quando vários omitem e há dever
jurídico comum
. Nos omissivos impróprios (art. 13, § 2º), o garantidor que, podendo e devendo agir, nada
faz, pode responder como coautor por omissão, desde que tenha domínio do fato por posição de
garantia (dever de evitar o resultado).

QUADRO – Dosimetria em concurso

  • 1ª fase (pena-base): valoração individual (culpabilidade, circunstâncias do art. 59).
  • 2ª fase: agravantes/atenuantes pessoais não se comunicam (art. 30).
  • 3ª fase: causas de aumento/diminuição aplicáveis a quem preenche os requisitos; § 1º do art. 29 pode reduzir para partícipe de menor importância.
  • Excessos: § 2º do art. 29 individualiza o resultado mais grave ao agente que o quis/assumiu.

Gráfico ilustrativo: papéis mais recorrentes em casos práticos

Distribuição meramente ilustrativa (percentuais didáticos) de papéis em processos com concurso:

Coautoria Aut. mediata Instigação Auxílio

Temas de fronteira

Participação dolosa em crime culposo

A fórmula é, em regra, inadmissível: não se “instiga” alguém a ser imprudente. Debate-se, porém,
a possibilidade de induzimento ao erro que leva a conduta culposa do executor; nesses casos, tende-se
a resolver pelo domínio do fato (autoria mediata) ou por crime doloso autônomo do instigador.

Desistência voluntária e arrependimento eficaz no concurso

O concorrente pode neutralizar sua contribuição – impedindo o resultado (arrependimento eficaz) ou
interrompendo a execução (desistência voluntária). Em grupos, é essencial romper o liame e adotar
condutas idôneas para impedir o resultado. Se os demais prosseguem e o resultado ocorre, responde-se
apenas pelos atos já praticados, quando típicos autônomos.

Concurso e erro de tipo/erro de proibição

Erros podem ser pessoais (não se comunicam) ou comuns (compartilhados pelo grupo).
O erro de tipo essencial invencível exclui o dolo e, muitas vezes, a culpa; o erro de proibição invencível exclui
culpabilidade. A análise é sempre individual.

CHECKLIST – Passos para qualificar o concurso

  1. Mapeie as condutas e a linha do tempo (planejamento, execução, pós-fato).
  2. Verifique a relevância causal de cada contribuição e o liame subjetivo.
  3. Classifique: autoria direta, coautoria, autoria mediata, instigação, auxílio.
  4. Avalie comunicabilidade (elementares x circunstâncias pessoais).
  5. Examine excessos, menor importância e eventuais excludentes.
  6. Faça a dosimetria individualizada e registre as razões (art. 59 e 68).

Exemplos práticos comentados

1) Empresta a ferramenta, mas o furto não ocorre

Se o resultado não se concretiza por desistência de todos, e o agente que emprestou a ferramenta desfaz
sua contribuição (retira o instrumento e dissuade os demais), incide desistência voluntária. Não há
punição pelo furto tentado; avalia-se eventual crime autônomo (posse de instrumento proibido, p. ex.) se houver.

2) Vigilância externa que não se concretiza

A mera promessa de vigiar, sem atos que influenciem a execução, é insuficiente para
participação. Necessária a prova de que a vigilância efetivamente facilitou a execução (relevância
causal).

3) Plano de agredir; um usa faca inesperadamente

Excesso dolosamente distinto: quem levou a faca e decidiu usá-la responde por lesão grave
ou homicídio
(conforme o caso). Os demais que pretendiam apenas vias de fato respondem por crime
menos grave
, salvo se previram e aceitaram o risco (dolo eventual).

4) Particular coopera com servidor para peculato

A qualidade de funcionário é elementar do peculato; comunica-se ao particular
partícipe (art. 30). Dosimetria individual, sem automatismo.

5) Mandante que escolhe o executor

Se o executante atua livre e consciente, o mandante é instigador (participação
moral). Se o executante age em erro essencial, coação irresistível ou é inimputável, o mandante pode ser
autor mediato.

6) Omissão do segurança que facilita o roubo

Se o segurança tinha dever jurídico de impedir o evento (posição de garantia) e, em ajuste com
terceiros, não atua, há coautoria por omissão (art. 13, § 2º), aplicando-se as regras do concurso.

7) Rixa com morte

A rixa é crime de concurso necessário. Se sobrevém morte causada por um dos contendores, examina-se
a previsibilidade e o liame com os demais; a responsabilização pelo resultado mais
grave depende de adesão ou assunção do risco.

8) Fração de tarefas em estelionato digital

Um programa, outro recruta vítimas e outro saca valores. Com divisão de trabalho e unidade de desígnios, configura-se
coautoria. Quem apenas alugou uma conta sem ciência do esquema pode ficar fora do liame subjetivo
(a depender da prova do dolo).

ERROS COMUNS NA PRÁTICA FORENSE

  • Confundir meros atos preparatórios com participação punível sem demonstrar relevância causal.
  • Afirmar coautoria em crime de mão própria sem base legal.
  • Aplicar comunicabilidade indevida de circunstâncias pessoais.
  • Ignorar excessos individuais e a regra do § 2º do art. 29.
  • Dosimetria padronizada, sem individualização concreta.

Conclusão

O concurso de pessoas é peça central de política criminal: reconhece que muitos delitos são praticados de forma
cooperativa e, ao mesmo tempo, impõe responsabilidade individual. O sistema brasileiro, ancorado na
teoria monista, combina unidade de infração com individualização da pena. Para aplicá-lo bem, é
indispensável: (i) reconstruir a narrativa fática com precisão, (ii) avaliar a relevância
causal
e o liame subjetivo, (iii) classificar adequadamente autoria/coautoria/participação,
(iv) dominar as regras de comunicabilidade e (v) fundar a dosimetria em dados concretos. Com esse
roteiro e os quadros de apoio, acusação e defesa podem evitar simplificações, punir os excessos de quem efetivamente
domina o fato e, ao mesmo tempo, preservar a proporcionalidade para contribuições marginais. Em síntese: o concurso
de pessoas não é apenas uma soma de agentes, mas um mecanismo de imputação que exige técnica,
prova e prudência.

Guia rápido sobre o concurso de pessoas

O concurso de pessoas é uma das matérias mais relevantes do Direito Penal,
pois define como o sistema jurídico responsabiliza vários indivíduos que atuam em conjunto na prática de um
mesmo delito. O Código Penal (art. 29) adota a teoria monista, segundo a qual
todos os que concorrem para o crime respondem por ele na medida de sua culpabilidade.

Para que haja o concurso de agentes, é preciso observar alguns requisitos:
pluralidade de condutas, relevância causal da colaboração,
liame subjetivo (vontade comum), e unicidade de infração penal.
A ausência de qualquer desses elementos descaracteriza o concurso, podendo gerar responsabilidade
individualizada ou até exclusão da punibilidade.

Autoria e participação: diferenças práticas

O primeiro passo para compreender o concurso de pessoas é distinguir entre autoria e
participação. O autor é quem tem o domínio do fato, ou seja, decide se o crime
será executado ou não. Já o partícipe apenas contribui secundariamente, auxiliando de forma
material (com instrumentos, veículos, informações) ou moral (instigando, incentivando ou determinando o crime).

A coautoria ocorre quando várias pessoas executam juntas o núcleo do tipo penal,
compartilhando a decisão e dividindo tarefas essenciais. Já na autoria mediata, alguém se vale
de outra pessoa como instrumento (por exemplo, um mandante que usa um menor de idade ou um inimputável).

Relevância da contribuição e resultado mais grave

O art. 29, §1º, do Código Penal permite reduzir a pena do concorrente cuja contribuição tenha sido de
menor importância. Essa regra é aplicada quando a atuação do agente não foi essencial para a
consumação do crime, como no caso de uma ajuda mínima e não determinante.

Já o §2º do mesmo artigo trata dos casos em que um dos agentes produz um resultado mais grave
do que o pretendido pelos demais. Nesse cenário, somente aquele que agiu com dolo ou assumiu o risco de produzir
esse resultado responderá por ele. Os outros respondem apenas pelo crime ao qual efetivamente aderiram.

Comunicabilidade de circunstâncias

O art. 30 do Código Penal traz uma regra importante: as circunstâncias e condições pessoais
não se comunicam entre os agentes, salvo quando constituírem elementares do tipo penal.
Por exemplo, em um crime de peculato, a condição de funcionário público se comunica ao particular
partícipe, pois é elemento essencial do crime. No entanto, fatores como motivo fútil, ciúme ou antecedentes
criminais são pessoais e não afetam os demais.

Casos especiais e exceções

Em crimes de mão própria, como o falso testemunho, não há coautoria — apenas participação de
quem instiga ou auxilia o autor direto. Nos crimes próprios, a qualidade do agente é essencial
(por exemplo, ser servidor público no peculato). Já nos crimes de concurso necessário, a presença
de mais de um agente é exigência do próprio tipo penal, como ocorre na rixa ou na associação criminosa.

Responsabilidade e dosimetria

A pena no concurso de pessoas deve ser individualizada. Cada agente responde dentro de sua
própria culpabilidade, levando em conta a intensidade da vontade, o grau de participação e o resultado causado.
Circunstâncias agravantes e atenuantes pessoais não se comunicam, reforçando a ideia de responsabilidade
subjetiva
.

O juiz deve, portanto, avaliar com cuidado se o agente atuou como autor principal,
coautor ou partícipe de menor importância. Essa diferenciação é essencial
para evitar punições desproporcionais e garantir justiça penal.

Resumo prático (checklist)

  • Verifique se houve pluralidade de agentes e de condutas.
  • Analise se a conduta de cada um teve relevância causal.
  • Identifique se existiu liame subjetivo (vontade comum).
  • Diferencie autoria de participação.
  • Observe se há comunicabilidade de elementares (art. 30).
  • Considere os excessos individuais (art. 29, §2º).
  • Calcule a pena com individualização concreta.

Em resumo, o concurso de pessoas é um tema que exige análise minuciosa do contexto fático,
do vínculo psicológico entre os agentes e da contribuição de cada um.
O sistema jurídico busca equilibrar dois valores fundamentais:
a punição justa e a preservação da proporcionalidade.
Dominar esses critérios é essencial para quem atua na prática penal — seja na acusação, na defesa ou na magistratura.

FAQ — Concurso de Pessoas

1) O que é concurso de pessoas no Direito Penal?

É a situação em que duas ou mais pessoas, por meio de condutas relevantes e com liame subjetivo (vontade comum), concorrem para a prática de um mesmo crime. O art. 29 do Código Penal adota a teoria monista: todos respondem pelo mesmo delito, na medida da culpabilidade.

2) Quais são os requisitos do concurso de agentes?

Quatro pilares: pluralidade de agentes/condutas; relevância causal da contribuição; liame subjetivo (dolo comum); e unicidade de infração (um só fato típico para todos).

3) Qual a diferença entre autoria, coautoria e participação?

Autor detém o domínio do fato; coautor executa o núcleo do tipo com divisão de tarefas; partícipe contribui de modo secundário (instiga, auxilia, fornece meios), sem dominar a execução.

4) Como se individualiza a pena de cada agente?

Aplica-se a responsabilidade subjetiva: o juiz pondera a intensidade do dolo, o grau de contribuição e as circunstâncias pessoais. O art. 29, §1º, permite diminuição se a participação for de menor importância.

5) O que é excesso individual (resultado mais grave)?

Quando um agente, isoladamente, produz resultado mais grave que o previamente querido pelo grupo. Pelo art. 29, §2º, apenas quem excede, com dolo ou culpa, responde pelo resultado agravado; os demais respondem pelo crime originalmente visado.

6) As circunstâncias pessoais se comunicam entre os agentes?

Regra do art. 30: não. Circunstâncias e condições pessoais (p. ex., reincidência, motivos) são incomunicáveis. Exceção: quando a condição constitui elementar do tipo (ex.: qualidade de funcionário no peculato), ela se comunica ao partícipe.

7) Existe coautoria em crime de mão própria?

Não. Em crimes de mão própria (p. ex., falso testemunho), só o autor imediato pode praticar a conduta típica. Terceiros podem ser partícipes (instigadores/auxiliadores), mas não coautores.

8) Como diferenciar concurso de pessoas de concurso de crimes?

No concurso de pessoas há um crime único com vários agentes. No concurso de crimes (material, formal, continuidade delitiva) há pluralidade de delitos atribuídos ao mesmo agente (ou a vários), com regras próprias de dosimetria.

9) O acordo prévio é indispensável ao concurso?

Não há necessidade de pacto formal; basta o liame subjetivo, que pode surgir no momento dos fatos (adesão tácita) desde que haja consciência da colaboração para o mesmo delito.

10) É possível participação culposa em crime doloso?

Em regra, não se admite participação culposa em crime doloso. A participação exige adesão ao dolo do autor. Exceções pontuais dependem de previsão legal expressa, o que não ocorre no sistema penal comum.

Fundamentação Técnica e Fontes Legais

1. Base legal do concurso de pessoas

O concurso de pessoas está disciplinado nos artigos 29 a 31 do Código Penal Brasileiro.
O art. 29 consagra a teoria monista, segundo a qual todos os que concorrem para o crime
respondem pelo mesmo delito, na medida de sua culpabilidade.

Art. 29 — Código Penal:
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

2. Complementos legais e dispositivos correlatos

  • Art. 30 – CP: trata da comunicabilidade de circunstâncias e condições pessoais entre os agentes.
  • Art. 31 – CP: aborda os atos preparatórios e o concurso para crimes de execução vinculada.
  • Art. 13, §2º – CP: regula a responsabilidade do garantidor por omissão, aplicável em coautoria omissiva.
  • Art. 29, §§1º e 2º – CP: estabelecem a participação de menor importância e o resultado diverso do pretendido.

3. Doutrina de apoio

  • Rogério Greco — Destaca que a essência do concurso está no liame subjetivo e na relevância causal da conduta de cada agente.
  • Cezar Roberto Bitencourt — Enfatiza que o partícipe deve ter consciência da ilicitude do fato e aderir voluntariamente à conduta do autor.
  • Guilherme de Souza Nucci — Ressalta que a autoria mediata e a coautoria funcional exigem prova concreta da divisão de tarefas e do domínio final do fato.
  • Luiz Regis Prado — Sustenta que o concurso é uma forma de imputação solidária, mas limitada pela culpabilidade individual.

4. Jurisprudência relevante

  • STJ, HC 306.009/RS: reafirmou que a mera presença no local do crime não configura concurso, exigindo-se prova de adesão subjetiva e participação causal.
  • STF, RHC 122.249/SP: reconheceu a impossibilidade de punir partícipe quando o autor é absolvido por atipicidade do fato principal.
  • STJ, AgRg no REsp 1.845.902/DF: confirmou a aplicação do §1º do art. 29 em casos de participação de relevância mínima.

5. Critérios práticos de aplicação

A análise do concurso de agentes deve observar os seguintes critérios técnicos:

  • Liame subjetivo — deve haver unidade de desígnios entre os envolvidos.
  • Relevância causal — a contribuição deve ter sido determinante ou ao menos relevante para a execução do crime.
  • Tipicidade do fato principal — se o crime principal for atípico, inexiste participação punível.
  • Domínio do fato — fundamental para diferenciar autores e partícipes.

6. Encerramento e conclusões

O concurso de pessoas representa um dos pontos mais complexos da teoria do delito, pois envolve a interação entre diversos agentes e a análise subjetiva do dolo coletivo.
Sua correta aplicação garante a individualização da pena e o equilíbrio entre justiça e proporcionalidade.
O julgador deve sempre considerar a intensidade da participação, a vontade conjunta e o resultado efetivamente causado.

Mensagem Final:
A compreensão técnica do concurso de pessoas é essencial para a boa aplicação do Direito Penal. Ela permite distinguir graus de envolvimento e atribuir responsabilidade justa a cada agente, preservando os princípios da legalidade e da culpabilidade individual.

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