Seguros

Princípios dos Contratos de Seguro: Boa-fé, Coberturas e Como Evitar Negativas

Finalidade e estrutura do contrato de seguro

O contrato de seguro é o instrumento jurídico pelo qual o segurador assume a obrigação de, mediante o recebimento do prêmio, indenizar o segurado ou o beneficiário pela ocorrência de um risco previamente delimitado na apólice. Sua função econômica é transformar perdas incertas e potencialmente ruinosas em um custo certo e previsível, preservando patrimônio, continuidade dos negócios e bem-estar das pessoas. No ordenamento brasileiro, a disciplina geral encontra assento no Código Civil (arts. 757 e seguintes) e em normas regulatórias do mercado supervisionado.

Além da proteção individual, o seguro possui nítida função social: estabiliza relações econômicas, distribui riscos pela coletividade segurada (mútua) e incentiva práticas de prevenção. Por isso, seus princípios básicos notabilizam tanto a proteção do consumidor quanto o equilíbrio técnico-atuarial das carteiras.

Elementos essenciais e sujeitos do contrato

Partes e intervenientes

  • Segurador: empresa autorizada que assume o risco e recebe o prêmio.
  • Segurado: quem está exposto ao risco e transfere sua consequência econômica.
  • Beneficiário: quem recebe a indenização, podendo ser o próprio segurado ou terceiro indicado.
  • Estipulante: intermediário em seguros coletivos, representando o grupo segurável conforme poderes definidos.

Objeto, risco e importância segurada

O objeto é o interesse legítimo a ser protegido (vida, integridade, responsabilidade civil, coisas, lucros). O risco coberto é o evento incerto e futuro descrito na apólice. A importância segurada fixa o limite máximo da indenização, observada a modalidade (por exemplo, seguro de danos é indenitário; seguro de pessoas pode ser não indenitário).

Fases contratuais

  1. Proposta e aceitação: coleta de dados (declaração de risco) e análise técnica.
  2. Emissão: entrega de apólice ou certificado com condições gerais, especiais e particulares.
  3. Vigência: período de cobertura, com eventuais carências, franquias e participação obrigatória do segurado.
  4. Sinistro: ocorrência do risco. Inicia-se a regulação (averiguação) e, se devida, a liquidação da indenização.

Checklist rápido do segurado

  • Guardar apólice e endossos; ler exclusões e cláusulas de franquia.
  • Informar com veracidade o questionário de risco e comunicar agravamentos.
  • Em sinistro: avisar imediatamente, reunir documentos e mitigar danos.

Princípios básicos dos contratos de seguro

Boa-fé objetiva e deveres laterais

O princípio da boa-fé objetiva molda todo o relacionamento contratual. Não se trata apenas de honestidade subjetiva, mas de comportamentos leais e cooperativos, desde a pré-contratação até a liquidação do sinistro. Dali derivam deveres de informação (clareza nas condições, explicitação de exclusões relevantes), de veracidade (declaração correta do risco pelo proponente), de mitigação (empregar meios razoáveis para evitar ou minorar o dano) e de cooperação (fornecer documentos, permitir vistorias).

Consequências práticas

  • Reticência ou inexatidão relevantes na proposta podem acarretar perda do direito à indenização ou resolução do contrato.
  • Cláusulas limitativas exigem destaque e linguagem acessível, sob pena de interpretação favorável ao segurado.
  • Atraso culposo na comunicação do sinistro que agrave a apuração pode reduzir ou excluir a indenização.

Mutualidade

A mutualidade traduz a essência técnica do seguro: muitos expostos a riscos semelhantes contribuem para formar um fundo comum capaz de suportar as perdas de poucos. Esse princípio fundamenta políticas de seleção e segmentação de riscos (tabelas etárias, regiões, perfil de condução), desde que transparentes e não discriminatórias, e legitima mecanismos como franquias, participações e bônus por sinistralidade.

Princípio indenitário (vedação ao enriquecimento sem causa)

Nos seguros de danos, a indenização visa recompor o prejuízo dentro dos limites contratados, jamais gerar lucro ao segurado. Daí a importância de conceitos como valor em risco, valor de novo, valor de mercado e proporcionalidade em caso de subseguro (quando a importância segurada é inferior ao valor real do bem). O princípio também sustenta a sub-rogação do segurador contra o causador do dano após pagar a indenização.

Interesse segurável

É indispensável a existência de um interesse legítimo do segurado sobre o objeto ou a pessoa segurada, sob pena de nulidade. No seguro de responsabilidade civil, por exemplo, o interesse reside na proteção do patrimônio do segurado contra obrigações de indenizar terceiros. Em seguros de pessoas, o interesse é presumido para a própria pessoa e, em regra, reclama consentimento quando o segurado for terceiro.

Aleatoriedade e risco coberto

O contrato é aleatório: as prestações dependem de evento futuro e incerto. Não há cobertura para evento certo ou para dano intencionalmente provocado pelo segurado. A apólice deve delimitar claramente riscos cobertos, exclusões e cláusulas de âmbito (territorialidade, atividades, idade, limites, franquias), evitando zonas cinzentas que alimentem litígios.

Equivalência técnico-atuarial (equilíbrio do contrato)

Prêmios e coberturas precisam manter equilíbrio atuarial ao longo do tempo, sob pena de comprometer a solvência do fundo mutual. O cálculo do prêmio considera probabilidade do sinistro, custo médio de indenizações, despesas e margem de segurança. Alterações significativas do risco durante a vigência (por exemplo, mudança de uso do imóvel, adoção de atividade perigosa) exigem comunicação e, se for o caso, reajuste do prêmio ou mesmo a rescisão.

Transparência e informação adequada

Como contrato de adesão, o seguro exige clareza na redação e acessibilidade das condições. Termos técnicos devem ser definidos; exclusões relevantes, destacadas. A transparência também abrange prazo de regulação e critérios de liquidação, evitando assimetria informacional que vulnerabiliza o consumidor.

Boa gestão do risco e prevenção

O seguro não substitui a prevenção. O princípio da gestão de risco estimula o segurado a adotar medidas razoáveis de segurança (alarmes, manutenção, EPCs/EPI, protocolos) e autoriza o segurador a exigir padrões mínimos. Em contrapartida, programas de redução de sinistros podem gerar descontos e benefícios.

Cláusulas usuais e sua relação com os princípios

Franquias, limites e participações obrigatórias

Instrumentos de alinhamento de incentivos e de preservação da mutualidade. Ao compartilhar parte do dano, o segurado tem estímulo adicional para prevenir perdas de pequeno valor e o prêmio se mantém adequado. Devem ser expostas com destaque, inclusive com exemplos numéricos.

Carência e exclusões específicas

Especialmente em seguros de pessoas e assistenciais, a carência protege a mutualidade contra contratações oportunistas (anti-seleção). Já as exclusões devem guardar coerência com o objeto do seguro e não podem esvaziar a cobertura.

Cláusulas de claims-made e ocorrência

Em responsabilidade civil são comuns dois regimes: ocorrência (cobre fatos ocorridos durante a vigência, ainda que a reclamação venha depois) e claims-made (cobre reclamações feitas na vigência, a respeito de fatos dentro da retroatividade). A escolha impacta precificação e segurança jurídica; deve ser explicada ao proponente, indicando retroatividade e prazo complementar.

Sub-rogação e exercício de regresso

Pago o sinistro, o segurador se sub-roga nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, preservando o princípio indenitário e a estabilidade do fundo. O segurado deve colaborar com documentos e informações, sob pena de prejuízo ao direito.

Regulação e liquidação do sinistro

A regulação é o procedimento técnico para averiguar causa, cobertura e valor da indenização. O processo deve observar prazo razoável, pedidos objetivos de documentos e comunicação clara. A negativa exige fundamentação específica, não bastando referências genéricas às condições gerais.

Boas práticas do segurado no sinistro

  • Comunicar o evento imediatamente e seguir instruções de emergência.
  • Evitar agravar os prejuízos; acionar autoridades quando cabível.
  • Reunir provas (fotos, notas, boletins) e manter conservação de bens danificados para perícia.
  • Acompanhar a regulação, respondendo a solicitações com agilidade.

Quando a cobertura é confirmada, a liquidação deve observar o limite máximo de indenização, deduzir franquias e aplicar critérios de apuração previstos (orçamento, tabela de depreciação, valor de mercado). Em perda parcial, usa-se o custo de reparo; em perda total, a indenização atinge o limite contratado, observados documentos de transferência (por exemplo, baixa de gravame em automóvel).

Relação entre princípios e proteção do consumidor

O seguro é tipicamente contrato de adesão, com linguagem técnica e risco de assimetria informacional. Por isso, a aplicação dos princípios – boa-fé, transparência e equilíbrio – anda ao lado de instrumentos protetivos, como deveres de informação pré-contratual, interpretação mais favorável ao aderente em cláusulas ambíguas e controle de abusividade. Tais balizas não pretendem fragilizar a mutualidade; ao contrário, disciplinam o mercado e aumentam a confiança do público, o que tende a reduzir custos por diluir riscos.

Aplicações práticas por modalidade

Seguro de danos patrimoniais

Em residencial e empresarial, a descrição do risco (endereço, atividades, materiais, sistemas de proteção) é vital. Medidas de prevenção – hidrantes, sprinklers, controle de acesso – podem reduzir prêmio. Em automóvel, perfil de condução e região de circulação são determinantes; a instalação e a manutenção de rastreador ou dispositivos antirroubo dialogam com o princípio da prevenção.

Seguro de responsabilidade civil (RC)

Atenção à definição de danos (materiais, corporais, morais, estéticos), aos limites agregados, à delimitação de atividades cobertas e, quando claims-made, à retroatividade e ao prazo complementar. Programas de compliance e gestão de riscos reduzem sinistros e respaldam a mutualidade.

Seguro de pessoas

Em vida, a boa-fé ganha contornos especiais: as perguntas do questionário devem ser claras e relacionadas ao risco. Em invalidez e acidentes pessoais, é preciso distinguir exclusões por doença preexistente, ato doloso e hipóteses de agravamento intencional. Beneficiários devem estar atualizados para evitar litígios sucessórios.

Seguro de D&O e riscos financeiros

Regimes claims-made, cobertura para custos de defesa, investigações e acordos; exclusões por atos dolosos e vantagem ilícita; necessidade de retroatividade ampla e de notificação tempestiva de circunstâncias. A governança corporativa bem estruturada é fator decisivo de subscrição.

Exemplos numéricos e gráfico simples

Exemplo 1 – Subseguro proporcional

Valor em risco: R$ 1.000.000. Importância segurada: R$ 700.000. Prejuízo: R$ 200.000. Indenização (regra proporcional): 700.000/1.000.000 × 200.000 = R$ 140.000.

Exemplo 2 – Franquia

Prejuízo: R$ 12.000. Franquia: R$ 2.000. Indenização: R$ 10.000.

Composição ilustrativa do prêmio

SinistralidadeDespesasMargem

Valores meramente ilustrativos para explicar o equilíbrio técnico-atuarial.

Erros comuns que comprometem a cobertura

  • Responder de forma genérica ou incompleta ao questionário de risco.
  • Ignorar a obrigação de comunicar agravamentos durante a vigência.
  • Desconhecer carências, franquias e exclusões específicas.
  • Não mitigar danos após o evento, sob a crença de que “o seguro paga tudo”.
  • Perder prazos de comunicação ou de apresentação de documentos relevantes.

Dica prática: transforme a apólice em um procedimento interno – lista de contatos, passos no sinistro, guarda de notas e fotos, responsáveis pela comunicação. A cultura de prevenção vale prêmio menor e indenização mais célere.

Relação com resseguro e co-seguro

Para riscos elevados ou de cauda longa, a seguradora pode transferir parte do risco ao resseguro (contratos proporcionais e não proporcionais). Em co-seguro, mais de um segurador divide a cobertura direta ao segurado. Esses mecanismos preservam a solvência e expandem a capacidade do mercado, reforçando o princípio da mutualidade em escala global.

Boas práticas de contratação e gestão

Na contratação

  • Mapear riscos relevantes e definir coberturas alinhadas ao apetite de risco.
  • Exigir condições claras, com resumo das principais limitações e exemplos numéricos.
  • Checar retroatividade, prazo complementar (claims-made), territorialidade e limites agregados.
  • Comparar franquias e assistências além do preço.

Durante a vigência

  • Atualizar interesse segurável (valores, bens, atividades) e comunicar mudanças.
  • Manter prevenção (manutenção, treinamentos, compliance) e registrar evidências.
  • Auditar certificados e endossos; revisar limites conforme crescimento do negócio.

No sinistro

  • Comunicar prontamente e seguir o roteiro de documentos.
  • Cooperar com a regulação e preservar bens para perícia.
  • Negociar com base na apólice e em critérios objetivos de apuração.

Conclusão

Os princípios básicos dos contratos de seguro – boa-fé objetiva, mutualidade, indenitariedade, interesse segurável, aleatoriedade, equilíbrio técnico e transparência – funcionam como engrenagens de um mesmo mecanismo: proteger pessoas e patrimônios sem desorganizar o fundo comum que sustenta a cobertura. Na prática, contratos bem redigidos, informações completas, prevenção contínua e regulação célere reduzem conflitos, tornam o prêmio m

Guia rápido – Princípios básicos dos contratos de seguro (use agora, antes da FAQ)

Este guia prático resume como aplicar, no dia a dia, os princípios que regem o contrato de seguro (boa-fé objetiva, mutualidade, interesse segurável, indenitariedade, aleatoriedade, equilíbrio técnico e transparência). A ideia é transformar conceitos jurídicos em ações concretas para contratar, manter e acionar a apólice sem surpresas.

Checklist essencial (antes de assinar)

  • Defina o risco: o que precisa proteger (vida, RC, patrimônio, lucros)? Liste cenários de perda.
  • Mapeie limites: valor em risco, importância segurada, franquias, carências, exclusões.
  • Leia o questionário com atenção e responda completamente (boa-fé). Guarde comprovantes.
  • Peça exemplos numéricos de indenização (perda parcial/total, subseguro, franquia).
  • Entenda o regime de RC: ocorrência ou claims-made (retroatividade e prazo complementar).
  • Compare preço versus coberturas, assistências, prazos de regulação e reputação do segurador.

Como contratar bem (aplicando os princípios)

  • Boa-fé e transparência: informe doenças, uso do bem, atividades, medidas de segurança e mudanças previsíveis.
  • Equilíbrio técnico: aceite franquias coerentes com sua capacidade de absorver pequenas perdas; isso reduz o prêmio.
  • Interesse segurável: comprove vínculo com o bem/pessoa (nota, registro, contrato, cadastro, consentimentos).
  • Indenitariedade (seguros de danos): alinhe a importância segurada ao valor em risco para evitar subseguro.
  • Prevenção: rastreador, sprinklers, manutenção, compliance, treinamentos. Prevenir reduz sinistros e prêmio.

Durante a vigência (evitando perda de direitos)

  • Comunique agravamentos do risco (obras, nova atividade, endereço, motoristas, armazenagem de inflamáveis).
  • Revise limites ao crescer o patrimônio/receita; peça endosso ajustando valores e coberturas.
  • Organize documentos: apólice/endossos, notas, fotos, relatórios de inspeção e manutenção.
  • Audite prazos: renovações, carências e obrigações contratuais de segurança.

Quando ocorrer o sinistro (passo a passo)

  1. Avise imediatamente o segurador e siga orientações (prazo e canal corretos).
  2. Mitigue o dano (boa-fé): isole área, chame serviços de emergência, evite agravar prejuízos.
  3. Reúna provas: fotos, boletim, notas, laudos, testemunhas. Guarde a peça danificada para perícia.
  4. Coopere na regulação: responda pedidos de informação; acompanhe prazos de liquidação.
  5. Em seguros de danos, saiba que o pagamento respeita limite, franquia e regra proporcional (se houver subseguro).

Erros que mais negam indenização

  • Reticência ou informação falsa no questionário de risco.
  • Descumprir exigências de segurança (alarme inoperante, guarda inadequada).
  • Comunicar tarde o sinistro ou alterar o bem antes da perícia.
  • Não provar o interesse segurável ou a preexistência do bem.

Glossário relâmpago (para ler a apólice sem sustos)

  • Apólice: documento do contrato; leia condições gerais, especiais e particulares.
  • Franquia: parte do prejuízo paga pelo segurado.
  • Carência: período sem cobertura para certos eventos.
  • LMG/LMI: limite máximo por garantia/por evento ou agregado.
  • Sub-rogação: após pagar, o segurador busca o terceiro causador para recompor o fundo mutual.

Mensagem-chave: entenda o risco, informe tudo com boa-fé, escolha limites/franquias coerentes e siga o procedimento de sinistro. Assim você alinha proteção real ao equilíbrio do contrato e evita as negativas mais comuns.

FAQ – Princípios básicos dos contratos de seguro (acordeão HTML)

1) O que é boa-fé objetiva no seguro e por que ela importa?

A boa-fé objetiva é um padrão de lealdade e cooperação que vincula segurado e segurador desde a proposta até a liquidação do sinistro. Ela exige informações verdadeiras, linguagem clara, destaque de limitações e comportamento que evite agravar prejuízos. Se houver reticência relevante (omissão ou dado falso sobre o risco), o contrato pode ser anulado e a indenização negada.

2) O que é interesse segurável e como comprovar?

É o vínculo legítimo do segurado com o bem, pessoa ou responsabilidade protegida. Sem interesse, o seguro é nulo. Comprova-se com títulos de propriedade, contratos, notas fiscais, registros, apurações contábeis, ou, em seguros de pessoas, com o consentimento do segurado quando o beneficiário é terceiro.

3) O que significa o princípio indenitário? E o que é subseguro?

Nos seguros de danos, a indenização serve para recompor o prejuízo dentro do limite contratado, evitando enriquecimento sem causa. Há subseguro quando a importância segurada é menor que o valor em risco; aplica-se regra proporcional. Ex.: valor em risco R$ 100.000; importância segurada R$ 60.000; dano R$ 20.000 ⇒ indenização ≈ R$ 12.000.

4) Qual a diferença entre apólices por ocorrência e por claims-made na responsabilidade civil?

Ocorrência: cobre fatos ocorridos na vigência, ainda que a reclamação surja depois. Claims-made: cobre reclamações feitas na vigência sobre fatos dentro da retroatividade contratada; é comum haver prazo complementar após o término para notificações.

5) O que são franquia, carência e limite máximo de indenização?

Franquia: parcela do prejuízo que fica a cargo do segurado (alinha incentivos e reduz prêmio). Carência: período inicial sem cobertura para certos eventos (comum em pessoas). LMI/LMG: teto por evento/garantia; a seguradora nunca paga acima desse limite, mesmo que o dano seja maior.

6) Em quais situações a seguradora pode negar a indenização?

Quando ocorrer: reticência ou declaração falsa relevantes na proposta; agravamento intencional do risco; ato doloso do segurado; evento excluído na apólice; ausência de interesse segurável; inadimplemento de obrigações de segurança; comunicação tardia que impeça regulação adequada.

7) O que é mutualidade e como isso afeta o meu prêmio?

A mutualidade é o rateio de perdas entre muitos segurados expostos a riscos semelhantes. Para manter o fundo equilibrado, o prêmio considera probabilidade e custo médio dos sinistros, além de despesas e margem de segurança. Medidas de prevenção e boa sinistralidade podem gerar descontos/bônus.

8) O que devo comunicar durante a vigência para não perder cobertura?

Qualquer agravamento do risco: mudança de endereço, de atividade, de uso do bem, guarda/armazenagem de inflamáveis, motoristas/condutores, obras, ampliação de valor, desativação de alarmes/sprinklers. Solicite endosso quando houver alteração relevante e guarde comprovantes.

9) Como funciona a regulação do sinistro e quais documentos preparar?

Após o aviso imediato, a seguradora analisa cobertura, causa e quantum. Documentos usuais: apólice e endossos, boletins/laudos, fotos, notas fiscais, orçamentos, relatórios de manutenção, certidões (em RC). O segurado deve mitigar danos e cooperar. Confirmada a cobertura, segue-se a liquidação dentro de prazo razoável, deduzindo franquias e aplicando critérios de apuração previstos.

10) O que é sub-rogação do segurador? Isso me afeta?

Pago o sinistro em seguro de danos, o segurador se sub-roga nos direitos do segurado para buscar o terceiro causador e recompor o fundo mutual (não há enriquecimento). O segurado deve guardar documentos e não praticar atos que prejudiquem o regresso; caso o faça, pode perder o direito ao que exceder.

Notas técnicas e referências legais

Esta seção reúne a fundamentação jurídica dos princípios aplicáveis aos contratos de seguro no Brasil e indica normas para consulta. Use-a como base para auditoria de apólices, elaboração de pareceres e padronização de cláusulas.

Referências normativas essenciais

  • Código Civil (2002), arts. 757 a 802 (Parte Especial – Contrato de Seguro): definição do seguro, apólice, dever de boa-fé e veracidade, início/fim da cobertura, agravamento do risco, pagamento da indenização e regras específicas para seguros de danos e seguros de pessoas.
  • Código Civil, arts. 113 e 422: interpretação e boa-fé objetiva como cláusulas gerais contratuais.
  • Código de Defesa do Consumidor (CDC), arts. 4º, 6º, 14, 46, 51 e 54: princípios da política de consumo, direitos básicos de informação e segurança, responsabilidade, transparência, cláusulas abusivas e regras de contrato de adesão.
  • Decreto-Lei 73/1966: institui o Sistema Nacional de Seguros Privados, o CNSP e a Susep; diretrizes do mercado.
  • Lei Complementar 126/2007: abre o mercado de resseguro e disciplina co-seguro/retrocessão, relevante ao princípio da mutualidade e à solvência.
  • Constituição Federal, art. 5º, XXXII e art. 170, V: proteção do consumidor como dever do Estado e princípio da ordem econômica; reforço da transparência e do equilíbrio contratual.
  • Normas infralegais do CNSP/Susep (resoluções e circulares vigentes, por ramos): padronizam condições contratuais, governança, conduta de mercado, precificação atuarial, regulação de sinistros e controles de solvência. Consulte a versão atual aplicável ao seu produto.
  • LGPD – Lei 13.709/2018: tratamento de dados pessoais (especialmente dados sensíveis de saúde em seguros de pessoas), base legal, finalidade e segurança da informação.

Onde cada princípio se ancora no ordenamento

  • Boa-fé objetiva: CC arts. 113 e 422 (cláusulas gerais) + regras específicas do capítulo do seguro; CDC arts. 6º e 46 (informação e transparência).
  • Mutualidade: DL 73/1966 (SNSP), LC 126/2007 (resseguro) e normativos de solvência do CNSP/Susep.
  • Indenitariedade (seguros de danos): regime do CC arts. 757 e segs. (indenização até o limite contratado; vedação ao enriquecimento sem causa) e sub-rogação do segurador nos seguros de danos prevista no mesmo capítulo.
  • Interesse segurável: necessidade de vínculo legítimo com o bem, a pessoa ou a responsabilidade protegida (estrutura do CC, capítulo do seguro).
  • Aleatoriedade e risco coberto: definição legal do seguro no CC (evento futuro e incerto) e delimitações de exclusões/âmbito na apólice.
  • Equilíbrio técnico-atuarial: diretrizes do CNSP/Susep sobre precificação, provisões e solvência; boa-fé e função social do contrato (CC e CDC) impedem desequilíbrio e abusividade.
  • Transparência: CDC arts. 6º, 46, 51 e 54; destaque para cláusulas limitativas e linguagem clara.

Jurisprudência orientativa (STJ)

  • Súmula 609/STJ: a negativa de cobertura em seguro de vida/saúde por doença preexistente exige prova de má-fé do segurado e demonstração de que houve indagação específica no questionário.
  • Súmula 402/STJ: em regra, o seguro por danos pessoais abrange dano moral, salvo exclusão expressa em contrário.
  • Entendimento reiterado: cláusulas restritivas devem estar em destaque e ser redigidas de modo claro, sob pena de interpretação pro consumidor.

Checklist jurídico para revisão de apólices

  • Clareza e destaque de limitações, exclusões, franquias, carências e regime (ocorrência/claims-made).
  • Questionário de risco com perguntas objetivas e aderentes ao ramo; guarda de provas da informação prestada.
  • Coerência entre importância segurada e valor em risco; prevenção ao subseguro.
  • Procedimento de regulação e prazos definidos; lista de documentos por cobertura.
  • Políticas de prevenção, compliance e proteção de dados; base legal e finalidade (LGPD).

Encerramento

Os contratos de seguro funcionam com engrenagens jurídicas e técnicas que precisam girar em sintonia: boa-fé na coleta de informações, mutualidade para dividir perdas, indenitariedade para recompor sem lucro, interesse segurável para legitimar a proteção, aleatoriedade e delimitação de riscos para dar previsibilidade, além de equilíbrio atuarial e transparência para manter a confiança do público. Alinhar apólice, práticas de prevenção e procedimento de sinistro a essas bases reduz litígios, acelera pagamentos e fortalece a solvência do sistema. Para o segurado, o ganho é proteção real, sem surpresas; para o mercado, é estabilidade e expansão sustentável da cobertura.

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